Vivo em escuridão de alma, e o coração pulsando, sôfrego pelas futuras batidas que não podem parar. Mas uma ou outra frase se salva das trevas e sobe leve e volátil à minha superfície, então anoto aqui.
Eu sinto uma beleza quase insuportável e indescritível. Como um ar estrelado, como a forma informe, como o não-ser existindo, como a respiração esplêndida de um animal. Enquanto eu viver terei de vez em quando a quase-não-sensação do que não se pode nomear. Entre oculto e quase revelado. É também um desespero faiscante e a dor se confunde com a beleza e se mistura a uma alegria apocalíptica.
Qual é a palavra que representa o "desconhecido" que sentimos em nós mesmos? Há muito que já aderi ao desconhecido. Qual é a realidade do mundo? Porque eu a desconheço. A natureza não é casual. Pois ela se repete, e o acaso repetido se torna uma lei, esses acasos que não são acasos.
Quando eu me concentro me concentro sem querer e sem saber como consigo mas consigo independente de mim. Ou melhor: acontece. Mas quando eu mesma quero me concentrar entao distraio-me e perco-me no 'querer' e passo somente a sentir o querer que vem a ser o objetivo. E a concentração nao se faz. A vontade tem que ser escondida senão mata o nervo vital do que se quer. Quem manda em mim não sou eu? Pois eu não consigo me alcançar.
Falando sério: O que é que eu sou? Sem resposta. Então tiro o corpo fora. Sou Strauss ou só Beethoven? Rio ou Choro? Eu sou nome. Eis a resposta. É pouco.
Sei fazer em mim uma atmosfera de milagre, concentro-me sem visar nenhum objeto - e sinto-me tomado por uma luz. É um milagre gratuito, sem forma e sem sentido - como o ar que profundamente respiro a ponto de ficar tonto por uns instantes.
Estou em agonia: quero a mistura colorida, confusa e misteriosa da natureza. Que unidos vegetais e algas, bactérias, invertebrados, peixes, anfíbios, répteis, aves, mamíferos concluindo o homem com seus segredos.
Não sei se é o sonho que me faz escrever ou se o sonho é o resultado de um sonho que vem de escrever. Estamos nós plenos ou ocos? Quem és tu que me lês? És o meu segredo ou sou eu o teu segredo?
Eu sempre quis achar um dia uma pessoa que vivesse por mim pois a vida é tão repleta de coisas inúteis que só a aguento com astenia muscular in extremis, tenho preguiça moral de viver.
Vida que me perturba e deixa o meu próprio coração trêmulo sofrendo a incalculável dor que parece ser necessária ao meu amadurecimento - amadurecimento? até agora vivi sem ele!
A câmera singularizou o instante. E eis que automaticamente saí de mim para me captar tonta de meu enigma, diante de mim, que é insólito e estarrecedor por ser extremamente verdadeiro, profundamente vida nua amalgamada na minha identidade.