REENCONTRO
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O
confinamento em quarentena no qual o mundo foi submetido tem trazido as suas
consequências familiares.
Por um lado
há lares em pé de guerra, pois jamais conviveram tanto tempo juntos e não se
acostumam uns com os outros. Antes do vírus estavam quase sempre fora do lar. A
agenda do marido era tomada de compromissos ou de eventos externos. A da esposa
também, deixando filhos e responsabilidades caseiras nas mãos de terceiros
(babás, avós, escolas ou tarefas distribuídas). Os filhos só estavam em casa à
noite, para dormir, ou nos finais de semana quando não tinham eventos. Agora,
com o confinamento as diferenças são evidentes, o convívio difícil, a
indisposição generalizada.
Por outro
lado há famílias que se reencontram. Há quanto tempo o casal não convivia tanto
tempo em um só lugar! O tempo sobra e agora podem deixar os sentimentos
aflorarem no coração. Pais podem conhecer os filhos de forma melhor e mais
detalhada, e contemplar se acertaram ou erraram na educação dos mesmos. Arestas
e crises mal resolvidas tiveram que ser encaradas e ultrapassadas. Tarefas foram
distribuídas e finalmente os habitantes da casa se sentiram parte da
família.
Foi preciso
um vírus para virar a atenção das pessoas à matriz de suas vidas: a família!
Filhos muitas vezes têm mais contato com amigos e com gente desconhecida das
redes sociais do que com os pais constantemente ausentes. Casais quase não se
falavam, não se viam, não namoravam, não conversavam, e agora, no confinamento,
são levados a explorar novamente aquilo que um dia os
uniu.
Tem sido
também um momento para redescobrir o quanto somos frágeis e o quanto precisamos
uns dos outros. Normalmente alguém vai ao mercado e à farmácia suprir a família
dos produtos necessários. Geralmente, esta pessoa não faz parte do grupo de
risco e tem cuidado para não contaminar os que ficam. As expressões de serviço e
de amor ressurgem, dando a chance da família reconstruir os vínculos outrora
desprezados.
Por fim,
estamos valorizando o que dificilmente considerávamos: a liberdade! Como faz
falta caminhar na rua, passear, ir a parques públicos ou viajar de carro! Como
sentimos falta de trabalhar, de ir à escola, de seguir com os nossos planos e
projetos, com as nossas vidas! Assim como só damos valor à água quando a
companhia de saneamento corta o fornecimento, só valorizamos a energia elétrica
quando não há luz em nossas residências, agora prezamos tanto pela rotina de
atividades, rotina contra a qual reclamávamos anteriormente! Nós éramos felizes
e não sabíamos!
Nós nos
reencontramos também com aquilo que realmente é essencial no orçamento: comida,
roupa limpa, fornecimento de coisas básicas e saúde. Hoje, com o comércio
fechado não temos como comprar futilidades ou investir em objetos que de nada
nos servirão. De que adianta um tênis de corrida se não podemos correr? De que
nos serve uma viagem para uma praia se não podemos nos deslocar? E aquele carro
novo se não podemos trafegar? Além disso, corremos o risco de ver as nossas
fontes de renda se esgotarem: os que investiram em bolsa de valores choram o
derretimento de suas economias; os que dependem do comércio correm o risco de
perder o emprego; os empresários de fecharem as suas firmas; os prestadores de
serviço não têm a quem oferecer os préstimos! Chegamos ao tempo em que ter um
prato de comida e algo para vestir já significa uma grande
coisa!
Mas, acima de
tudo isso (e complementando tudo o que falei) o relacionamento de cada um com
Deus está sendo colocado à prova. Se a nossa religiosidade não passava de
eventos sociais, de tradições de família que não conquistavam os nossos corações
e uma fé vã sem nenhuma prova de realidade, então deixamos Deus do lado de fora
de nossas casas. Se (ou quando) voltarmos à normalidade encontrarmos algum tempo
para exercer a fé nominal, o faremos. Caso contrário, ela não nos terá
feito falta. A verdade, contudo, é que Deus faz falta, mas a mente cauterizada
não o percebe. Sentiremos a deficiência da fé se adoecermos mortalmente e formos
expostos ao encontro com a eternidade. Ah, daí choraremos por não termos nem
certeza do que virá e nem alguma âncora real na qual ancorarmos a nossa alma. E
a morte está na agenda do dia em todo o mundo!
Aqueles,
contudo, cuja fé não era vã e que conheciam a verdadeira experiência com Deus
não deixaram o Senhor fora da quarentena, não suspenderam a sua vida devocional.
Pelo contrário, levaram consigo toda a sua comunhão com Deus. Cristo, o Senhor,
tornou-se mais presente do que nunca! Ao redor de Jesus as famílias renderam as
suas vidas e deixaram-No falar através das páginas da Bíblia, dos hinos de
louvor ao Senhor, dos encontros virtuais com quem nEle também crê e com as
atividades da igreja que estão a funcionar à distância. As igrejas de Cristo
nasceram nos lares e reencontraram o seu viveiro fértil no seio das famílias
confinadas. Cristo está nessas casas e a Sua Palavra é a única que tem
fundamento, é verdadeira e satisfaz a alma.
Certamente
este é um tempo de exceção. Não será para sempre e nem pode, pois a vida deve
continuar. Mas enquanto somos obrigados a ficar em nossos cantos, reencontremos
a razão de nossas vidas. Reencontremos a nossa família. Restauremos o bom
relacionamento com os nossos familiares. Cultivemos a generosidade e a
operosidade do amor. Derrubemos as muralhas construídas ao longo da vida e
trabalhemos em prol do fortalecimento de nossos laços. Mas, acima de tudo,
deixemos Deus estar presente, buscando-O com fé, fundamentando a Sua presença
com o que Ele ensina na Bíblia Sagrada, a Sua Palavra, e renovemos o nosso amor
pelo Senhor.
Se Jesus
voltar agora saberá encontrar os que O amam. Se não voltar sairemos do
confinamento mais humanizados e mais crentes em Jesus.
Wagner
Antonio de Araújo