Quando, há 4 anos atrás, deixaste de dar corda, mudar as pilhas e
acertar os inúmeros relógios existentes em vossa casa (como tão
rigorosa e zelosamente sempre fizeras)… tudo mudou! Os relógios ali
permaneceram, parados. Mas tu foste evoluindo e a tua personalidade
sendo consumida por essa malfadada doença. Uns dias melhores, outros
piores, mas lá no fundo, havia uma réstia de alguém que ainda eras tu.
Continuavas
a ouvir-me (como sempre fizeras) e a acatar o que te dizia (apesar de
teimares sempre com todos os outros)… por isso, quando chegou a altura
dessa necessidade, aceitaste de bom grado que fosse eu a primeira pessoa
a dar-te banho (mas sempre, à tua maneira, como bom teimoso que sempre
foste!).
E, durante 4 meses, ingenuamente, na esperança
que o tempo por ali continuasse a passar normalmente, prossegui a mudar,
diária e manualmente, o calendário globo-mundo, que trouxeras do teu
gabinete nos CTT, quando se reformaram antecipadamente para ficarem a
tomar conta de mim em criança.
Não podia adivinhar que o tempo ia parar para ti naquela manhã do dia 15 de Fevereiro de 2014!...
Infantilmente,
pensei que o conseguisse evitar. Apesar de, cada vez que passava, à
noite (no regresso de vos dar o jantar), no Adro da Igreja de Benfica, a
capela aberta me dar calafrios, ao constatar que alguém ali velava um
familiar falecido.
E, muito sinceramente, hoje te digo que
fiquei sem vontade de voltar a mudar de dia o teu calendário
globo-mundo (apesar de o querer muito para mim, como uma relíquia que me
recorda de Ti para todo o sempre... mas que permanecerá, eternamente,
imóvel no dia 15/02/14).
No dia em que “partiste”, fazia um sol radioso (depois de termos vivido com semanas a fio de chuva).
E,
no dia seguinte, quando te acompanhámos ao cemitério (onde os teus Pais
jaziam), o dia estava ainda mais esplendorosamente solarengo, como se
Deus, o Universo ou quem quer que seja nos dissessem que este não era um
“Adeus”, mas um simples “Até já” (parafraseando o lindíssimo texto que
acompanhava o folheto do teu elogio fúnebre)... e que, por isso mesmo,
não deveríamos ficar tristes.
Sei que, onde quer que
estejas, deves ter gostado de saber que, nestes últimos dias, a Avó, a
Mãe, o Mano e eu, fomos acompanhados por Amizades sinceras (apesar das
palavras tolas e vãs de todos os outros que ali foram apenas para
“marcar presença socialmente” e que não sabem como se comportar em
momentos de dor alheia - mas, para esses, sei que, na tua altivez e
distinção, sempre te estiveste "bem lixando", como se costuma dizer).
Sei
que deves ter gostado muito de ver as três grávidas que te acompanharam
(como num belíssimo elogio à Vida Eterna)... apesar de, muito
possivelmente, guardares alguma mágoa por não teres chegado a conhecer a
tua bisneta.
Sei que nos agradeces por termos poupado o coração
da Avó à tua Missa de Corpo Presente e Cremação… Mas que deves ter
rejubilado de alegria por ainda termos passado na rua onde vocês moraram
durante mais de 40 anos, para a tua "Luisinha" se poder despedir de ti à
janela.
Tenho plena consciência que tinhas que “partir” agora, porque a tua
vida estava presa por um ténue fio… e viver assim já não era Vida, nem
nada. Mas sinto imensamente a tua falta. Falta de ti enquanto pessoa que
me dava força e que sempre aprendi a respeitar como um Pai… o único Pai
que tive, em toda a minha vida.
E fico, como que meio
aparvalhada (como no momento em que disse aos médicos do INEM que já não
te sentia o pulso, mas que, se calhar, ainda haveria algo que eles
poderiam fazer por ti), na esperança que a tua Vida não seja só isto… e
que este “Adeus” seja, apenas, um simples “Até já”.
E,
assim, escrevo-te estas linhas, porque te amo e para te agradecer pela
pessoa importante que para mim foste; mas, também, e, sobretudo, para me
ajudar a exorcizar esta dor terrível.
Porque foste tu quem, ao
oferecer-me um caderno de duas linhas (para que eu aprendesse a escrever
direito por linhas tortas e sem linhas, na Primária, tal como na Vida),
me ensinaste este gosto pelas palavras e pela escrita!
Muito obrigada por teres feito de mim a pessoa que hoje sou, meu querido Avô!...
Hoje e sempre (para todo o sempre), com muito Amor!