Mostrar mensagens com a etiqueta RMD. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta RMD. Mostrar todas as mensagens

quarta-feira, julho 16, 2014

DEVASTAÇÃO, Inédito de Rui Miguel Duarte



"And the dead tree gives no shelter, the cricket no relief"
“E a árvore morte não dá abrigo, nem alívio vem do grilo”
T. S. Eliot, de "Waste Land", secção I v. 23


as árvores escondem o que há de cinza
avessas ao vulgo, ao desenfado profano
só lhes dava o sol, de manhã,
e têm frio
(quanto mais lhes dá mais frio têm)

não procures indagar para onde
te eleva o voo da locusta
para onde a mancha dos grilos
que do céu galopa sobre a terra
eles não adivinharão  nada do mistério
do dia e da noite,
ou o marulhar potente do exército de pedras

só um vento vermelho
que te descascam as folhas até à solidão
até ao vazio das palavras

o que vês do alto da tua copa
é o oceano seco que tuas raízes jorram
roídas

ainda que o fruto minta, mente
o rio do olvido vem reclamar
os fardos das árvores: que dispam
os seus troncos
assim entoarás louvores à nuvem que
passa

Rui Miguel Duarte
15/07/14


sábado, janeiro 25, 2014

JUSTAMENTE, inédito de Rui Miguel Duarte


“… e justamente quando
já não eram precisos
apareceram os poetas à procura…”
Mário Cesariny, “Uma certa quantidade”

justamente — dizes
são os poetas, os que caem e vêm à procura
em cada pedra o sol 
gente, pássaros de regresso ao Norte
do que já não precisamos, do que já temos
a pólvora, a gente, a agitação das ondas
a perturbação da areia
a fugir
justamente — dizes
são os poetas, os que aparecem de repente
quando já
não eram requeridos, 
quando já
foram, estão substituídos
quando já a comida tem sal
que chegue, mas para que precisamos do sal
afinal, se nem temos o vinho?
justamente — dizes
são os poetas, os que doem 
e fingem aqui e acolá, que não 
cantam, mas emitem pássaros
que cantam por eles
quando já não são precisos
quando são poetas

Rui Miguel Duarte
23/01/13




(Busto/Estátua de David Mourão Ferreira, em Oeiras)