Mostrar mensagens com a etiqueta Poema. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Poema. Mostrar todas as mensagens

domingo, agosto 19, 2018

RETRATO DO GRANDE AMOR JEANNE HÉBUTERNE, 1917





Nas mãos de Modigliani

Todas as suas mulheres ascendiam às alturas

Aos seus olhos, para que todas tivessem

Um pescoço tão fino, um pescoço que chegava

Ao céu, as mulheres de Modigliani

Seriam Nefertitis, cresciam

Num instante entre os seios e a cabeça

Todas expostas

Com o olhar azul voltado para dentro de si próprias.


19/08/2018

©

domingo, março 25, 2018

DUAS CRIANÇAS NA ESTRADA DE CHARTRES





Olhando esta pintura não penso em Soutine

Penso nas crianças como um epítome

Da ternura de mãos dadas, a menina com o verão

Estampado no vestido, nos olhos

Do menino o campo fértil, olhando esta pintura

Quem são estas crianças? Estão perdidas?

Regressam a casa

Ao fim de o mundo inteiro?



22/03/2018
©


quarta-feira, março 07, 2018

MULHER






“Fragile, opulenta donna, matrice del Paradiso”
Alda Merini

Não és assim tão frágil como dizem
Aqueles que espreitam ainda através
Das árvores do Paraíso, depois de tudo
O que se passou és um grão de dor
Nos olhos de Deus, o teu sexo fraco
- ainda dizem, É mais forte do que o nosso
A maravilha é que tu sabes chorar
E são as tuas lágrimas que ainda regam a terra.

07/03/2018
©

domingo, fevereiro 11, 2018

SYLVIA PLATH ON THE BEACH (27/10/1932 - 11/02/1963)





À beira do mar, na areia do meio-dia
Os teus lábios mantêm um sorriso inconsumível
Nem o vento arranca fios de ouro aos teus cabelos
Na pose de quem tem os olhos nas coisas singulares.
Todo o princípio da poesia
Sob a capa transparente do sol ao longo do teu corpo
Preparavas o salto felino da beleza
Que ainda hoje nos devora.

11/02/2018
© 

sexta-feira, setembro 08, 2017

VAN GOGH

(Furacões Katia, Irma e José)



Vivia no paraíso até que o inferno destruiu
A sua orelha, as cores
Abundantes e os ares azuis do mar
As searas de corvos sobre a sua cabeça
Haja arte
E houve os céus a entrarem em colapso
Em fusão nuclear a rebolarem nos ventos
Haja trevas
E houve montes de feno no lugar das estrelas.

08/09/2017

©

segunda-feira, julho 24, 2017

RODOLFO E MIMI





“La più divina delle poesie
è quella, amico,
che c’insegna amare!
(Rodolfo, “La Bohème”)


Viveremos num castelo no ar, viveremos nos olhos
Um do outro, ébrios com o vinho
Que baste da palavra amor
Do silêncio das nossas mãos
Madrugada nenhuma deverá separar-nos
Do branco dos nossos sonhos, nem da fortuna
De uma noite de lua.


22/07/2017
©


sábado, julho 08, 2017

POEMA DA RECÉM VIUVEZ

(Marc Chagall)



O que farei depois de partires, ninguém
Sabe, apenas nós por uma telepatia
De mãos, de olhares, de beijos, de risos
De caminhar
Sobre as mesmas pedras, ninguém saberá
É um segredo que o sangue guarda
Como aquele que Deus retém nos lírios do campo
Que os veste gloriosamente como nem um arco-íris
Ou nas aves que distinguindo o trigo e o joio
Ainda assim encontram o seu festim.
Outra coisa não farei depois de partires
Senão olhar todos os levantes
Na esperança da aurora.

08/07/2017

©

segunda-feira, novembro 21, 2016

A DESPEDIDA


(Fotografia da Web)


Chegaram à estação, ainda a tempo
De nenhum ruído sobre os carris.
Beijaram-se e o beijo pôs os lábios
Sobre os lábios, e assim o que beijaram?
A carne, o sorriso, a vida
Na respiração ou o silêncio
E a ausência futuros? A única lembrança
Que teriam era o dom do corpo
Que abraçavam e não alma pura.


20-11-2016
©

segunda-feira, julho 18, 2016

O AMOR



para uma jovem que morreu velha, Amy Winehouse,


Amor é a mão perdida dentro
De um coração, que procura alcançar
A mais dolorosa profundidade, Amor
É um jogo que se perde
Na dependência do outro, perde-se
Em nós entre a alma e os olhos, Amor
Pode ser alguém desaparecer dentro
 De alguém, ao dançar sozinho um tango.

16-7-2016

©

quinta-feira, fevereiro 04, 2016

RECUSA, com uma epígrafe de Countee Cullen





RECUSA


 “We shall not always plant while others reap”
Countee Cullen(New York, 1903-1946)


Nem sempre vamos plantar, para outros colherem
Nem sempre deitar árvores abaixo, para outros 
entalharem na madeira as formas
dos deuses ou demónios que trazem nos dedos
Não será para sempre
que vamos levantar do mar as pérolas
para outros costurarem a beleza
Nem sempre ver
como a Esfinge, o que outros não conhecem
Chega de construções para outros fazerem tabula rasa.

04-02-2016
©

terça-feira, dezembro 29, 2015

ORAÇÃO FEITA PARA UM ESPELHO






Graças te dou, a Ti, que estás desse lado
porque não sou como os outros, A minha ganância
é comedida,  A minha  justiça é de pedra
Não sou adúltero, A não ser comigo mesmo
e com a minha beleza.  Jejuo
para fazer compreender ao pobre que a fome
nos disciplina o corpo, Dou o dízimo de tudo
dos meus dez dedos, um
é teu e serve para apontar o erro alheio, Dos outros
não há ninguém que não seja publicano.

29-12-2015

© 

quarta-feira, dezembro 09, 2015

PARIS AT NIGHT, LONELY WOMAN WAITING






Os anjos têm esquinas onde encostam as asas e o silêncio
da sua solidão. São anjos que esperam
 quem possa levar o seu corpo, e o seu coração
sozinho é uma sombra dentro do peito.
Anjos que não recusam as suas asas, o sonho de um dia
que virá e serão alegres como o ser feliz, quem disse
que os anjos não têm esquinas na noite
com a escuridão iluminada.

09-12-2015
©  


(Arte: Fotografia de Adolfo Kaminsky, 1946)

segunda-feira, julho 27, 2015

GROUND ZERO




Nunca se sentiu tão próximo da Vida
e próximo da Morte
lá em baixo.

Nova Iorque, 24-7-2015
© 

sexta-feira, março 20, 2015

DOM QUIXOTE SEM REALIDADE




 “e não durmo, abrasado, e janto apenas nuvens”
Carlos Drummond de Andrade


Vive, ainda, num lugar da Mancha, de cuja
Imortalidade só um nome resta, o Quixote
Só a lança e a espada são reais nas suas mãos            
Metal a balouçar no vento
E Rocinante
No qual cavalga toda a Espanha


Cinquenta anos, seco de carnes, rosto
Enxuto, olhar rijo contra moinhos
Vara de porcos e odres de vinho
Mulheres?  Só uma
Dulcinea,  que no coração do Quixote
O tropel acalma das vitórias.


20-03-2015

© 

quinta-feira, março 12, 2015

CALEB



“Há anos que escrevo o mesmo poema”
J. T. Parreira

Sou ainda o mesmo que fui outrora
ainda hoje os mesmos olhos
olham por dentro das mesmas pupilas
e procuram o mesmo infinito

há quarenta anos que sonho
o mesmo sonho
que este passeia pelo monte e lhe cria
um nome, Hebron,
e o soletra letra a letra,
como o nome de um amigo, com
o mesmo suspiro em silêncio

há quarenta anos que espero
então era soldado e lavava
a espada no sangue de gigantes
hoje lavo-a na chuva
que se acumula no vale

sou o mesmo rosto furtivo
à viragem do vento e recalcitrante
à passagem dos dias

há anos que escrevo o mesmo poema
que fala de promessas e de campos largos
e montes para conquistar
a mão do Senhor abrindo a minha
a pulso no papiro

os cabelos que hoje são brancos
já o eram então há quarenta anos:
embora mais longos

© Rui Miguel Duarte
6/03/2015

quarta-feira, fevereiro 04, 2015

O TESTAMENTO DE REMBRANDT VAN RIJN


Arte: Rembrandt, A Ceia de Emaús



Deixou os discípulos de Emaús
no cavalete, encostados
outros quadros ao silêncio, a aparição
de Cristo no horto, a lembrança e os traços da morte
nos seus claros-escuros, deixou algumas roupas de linho
ou lã e as cerdas dos pincéis, as suas coisas
da pintura, no seu nome as águas do Reno  
Poucas coisas
ainda assim maiores do que a miséria.

O4-O2-2015

© 

sexta-feira, novembro 21, 2014

A VIRGEM DE LEONARDO




Tem um par de olhos  quase obscenos e um sorriso
Enigmático, onde tocam
Os pássaros desocupam os ramos, despem
Os nossos ouvidos de ressentimentos
Sobre o dia que passa

Rasgam a carne, tiram o coração do sério
Do seu batimento
Absorvem
Todo o ar à nossa respiração

Sob a ausência do seu par de olhos e do sorriso
Quase obscenos
Quando se afastam morremos
Em silêncio, sem memórias.

21-11-2014

©


sábado, novembro 15, 2014

a desimportância de ser poeta


(talvez dedicado a Manoel de Barros, 1916-2014)


Que me perdoem os apanhadores
das grandes frases, os filósofos
de banhos de areia na grande praia
argelina de Camus, que me perdoem
os pregadores massivos de Facebook

Os apanhadores de estrelas
nas poças de água que a noite não consegue
perturbar, prefiro estes a todos os outros

E ainda fico extasiado com o chamamento
da minha gata, sentada com os olhos
fixos a olhar-me e a miar as suas próprias palavras
para eu a seguir  e vê-la comer – dou comigo
a entender  sua linguagem, e por mais
que me digam o contrário, só o Homem
é selvagem.

14-11-2014

© 

domingo, setembro 21, 2014

UMA PALAVRA

    Estamos desprevenidos e uma palavra 
    Que parece não fazer falta, força o tumulto
    Na corrente profunda da alma, paira
    Acima do tempo, uma palavra simples
    Que começa nas franjas do sangue, Mãe
    Como Hoffmann perdido sem reflexo no espelho
    Olho-me e estou órfão
    Agora que a morte cortou o cordão umbilical.


    20-09-2014
    ©

quinta-feira, agosto 21, 2014

O SEGREDO



Poema de Charles Bukowski


Não se incomode, ninguém tem
a mulher mais bela, não é verdade, e

ninguém tem qualquer estranho e
escondido poder, ninguém é
excepcional ou maravilhoso ou
mágico,  apenas parecem ser
é  tudo uma fraude, cada um com a sua,
não compre nem acredite.
o  mundo está cheio de
biliões  de pessoas cujas vidas
e mortes são inúteis e
quando uma dessas se distingue 
e a luz da história  brilha
iluminando-a, esqueça, não é
o que parece, é só
outra ficção para enganar tolos
novamente.

não há super-homens, não há
mulheres formosas.
pelo menos você pode morrer
com
esta verdade
esta é a sua única
vitória.

©  Versão minha