Soundtrack :José Gonzalez - Heartbeats
quinta-feira, 22 de julho de 2010
Aquilo Que Um Dia Você Chamou de Amor
Soundtrack :José Gonzalez - Heartbeats
sábado, 3 de julho de 2010
Algo Parecido com Você
...perguntava-me.
E quem respondia era uma estranha que me dizia fria e
categoricamente: tu és tu mesma.
(Clarice Lispector)
Soundtrack: Natalie Walker - Urban Angel
Depois de um hiato de 4 meses - em que estive ausente curtindo a gravidez e tocando projetos profissionais - eis que o "Sabe de uma Coisa?" está de volta. Agradeço a todos que permaneceram visitando este espaço mesmo durante o tempo de quiescência, aos que mandaram mensagens de "volta, Flávia!" e àqueles que, mesmo distantes, sempre curtiram este blog tanto quanto eu. Obrigada, e bem-vindos todos!
domingo, 11 de outubro de 2009
Madrugada
"Você é a mulher da minha vida."
Esperei que ele não atendesse; ele atendeu. Levantou-se da cama e, em pouco tempo, vestiu-se e apanhou suas coisas. Observei-lhe a movimentação enquanto o ouvia dizer que alguém, um amigo, precisava de uma carona.
- Você volta?
- Preciso saber o que fazer com ele, instalá-lo, essas coisas.
- Você volta?
- Volto. Só não sei a que horas.
"Você tem um rosto lindo. Mas visto daqui, desse ângulo... é o rosto mais lindo que já vi."
- Agora já é 01h30min.
- Não sei quanto tempo vai levar.
- Pra instalar alguém?
"- Escuta, me responde uma coisa.
- Claro.
- Casa comigo.
- Caso.
- Falo sério.
- Eu também. Mas se for pra casar, que seja agora.
- Ok.
- Ok. Dá a sua mão.
- Mas não temos aliança.
- Dá a sua mão."
- Já conversamos sobre isso.
- É.
Já havíamos conversado sobre tanta coisa. A verdade é que nenhuma daquelas tentativas de conciliação de ânsias e gênios nos levara a um entendimento real. Ele jamais cederia. Eu jamais me adaptaria. Conviver se tornara tenso, a lembrança da leveza dos primeiros tempos era tão sufocante quanto a certeza de que as coisas jamais retomariam aquele rumo. Eu não sabia o que ele estava pensando, eu não sabia o que eu estava pensando: o dia fora bom, mas tudo o que eu sentia era uma frustração estranha, cansada. Cansada. Eu estava cansada. Ele estava parado diante da porta, me olhando.
- Você volta?
- Venho de manhã. Cedo. Levo você para o trabalho.
- Não precisa.
- Eu disse que venho.
- Eu ouvi. E disse que não precisa.
- Você está começando tudo de novo.
- Não. Você está começando tudo de novo.
- Eu amo você.
- Você volta?
- Vou dizer pela última vez. Preciso atender o cara. Venho de manhã, tomamos café, levo você para o trabalho. Pode me esperar.
- Não precisa. De manhã, não precisa.
Ele deu meia-volta, entrou no carro e se foi. Eu também já havia partido.
sábado, 4 de abril de 2009
Para Quando Você For Embora de Mim
sexta-feira, 13 de março de 2009
Indulgência
Soundtrack: Garbage - Medication
Ele me perguntou se você me faria feliz. Respondi que não sabia, apesar de ter a certeza de que a resposta correta era "não". Então, ele sorriu, um sorriso cheio de dor - e me perguntou se era isso mesmo o que eu queria. E outra vez respondi que não sabia, e também na confissão dessa dúvida não fui sincera: se os meus sentimentos fossem lógicos, e o meu coração se acomodasse em coerências e acertos, seria ele quem eu escolheria. Eu apagaria você das linhas do meu corpo, eu ficaria atenta para o instante no tempo em que permiti que você se tornasse quem se tornou - a presença mais forte e mais instável dos meus dias, o foco dos meus absurdos, você é a minha cruz e a minha hóstia e eu me purifico nos seus pecados pois me entrego ao seu desejo quase com beatitude apesar da consciência do meu erro. E ele estava ali na minha frente com o coração queimando nos olhos ainda vermelhos das lágrimas que a minha leviandade lhe impusera mas de braços abertos para mim, e eu via refletido naqueles olhos o amor que jamais vi nos seus. E percebi que para ele sim, que, mesmo tendo errado tanto, eu era única e insubstituível, e confesso que me senti pequena e suja por machucar assim quem só me queria bem, e menor e mais suja ainda por não conseguir me odiar por isso.
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Eternizando um trecho de uma conversa entre mim e a Sun a respeito dos fatídicos fatos verídicos ( e pretéritos) que deram origem a esse post:
Fla: - eu não me arrependo, porque fui honesta.
Sun: - então pronto.
Fla: - sou um caramujo que tem coração.
Sun: - quem não é, nesse mundo esquizofrênico, que pelo restinho da sua sanidade não rasteja atrás da felicidade?
Fla: - meu, que coisa linda isso.
Sun: acho que viajei fumando Lukcy Strike.
(Minha amiga, além de Uma Menina Com Uma Frô, é phylosopha.)
Beijos a todos!
domingo, 18 de janeiro de 2009
Obscurinfinitomeu
vidas contrapõem-se a ele em toda a sua esplêndida leveza.
Mas será o peso de fato deplorável, e esplêndida a leveza?"
Milan Kundera, em A insustentável Leveza do Ser
Soundtrack: Vienna Teng - Gravity
Eu me lembro da primeira vez que lhe disse “acredite” – e os seus olhos deitados sobre o meu pedido eram tão nus e esquálidos que desejei vesti-los com os milagres guardados no fim de alguma estória contada pela metade, mas o fim não chegou porque a vida o partiu ao meio e o milagre ficou por acontecer, e quem sabe ele lhe servisse alvo e quente como uma luva. Quem sabe, é tarde, mas ainda há tanto chão sob essa paz esgazeada e nodosa que não é paz, é quase como o reflexo dos pecados do mundo nas contas de vidro do terço da mulher que, de joelhos, reza todas as tardes da boca para fora, é algo faltando, uma coisa mal expiada, fermentada, um jeito subalterno de ser feliz. O que, de fato, acaba não sendo jeito algum, acaba sendo só mais uma dolorosa iminência, e é aí que nos falta o ar porque a superfície se escondeu além das nossas, das suas narinas trôpegas, eu não me afogo nessa ausência, então você decide se vem comigo ou não – mas decida agora pois o instante seguinte não pode esperar. Porque eu guardo dentro do peito um lugar que até para mim é obscuro e onde cabemos os dois mas eu não vou pedir que você venha, eu não vou pedir nada, é a sua vez de cortar os pulsos e perceber que a dor não mata nem cega, tudo se refaz. É a sua vez de rasgar as próprias roupas e se cobrir das próprias nódoas e descobrir que elas já lhe não servem e sequer mascaram as suas aflições, elas apenas ditam roucas e obsoletas tendências, elas acanham e mutilam a sua necessária e mais íntima nudez, mas tem de ser agora. Tem de ser agora, que o instante seguinte não pode esperar. Eu poderia, eu posso, carregá-lo nos meus ombros quando você desfalecer de cansaço nesse caminho que é longo e demais acidentado, eu poderia, eu posso, subverter essa insegurança queimosa que lhe fere a boca de bolhas e não o deixa falar mais alto que a inércia. Mas sentar aqui nesse chão atapetado de juízos-perfeitos inodoros como flores de plástico, isso eu não poderia, não posso, é insalubre. É como correr em volta do passo em falso alheio, é estéril. Eu não respiro esse cheiro artificial de dia que se esconde supersticioso sob os degraus cobertos de pó por medo de estilhaçar o espelho e ferir-se todo com os cacos da própria imagem há tempos banida e enfim libertada, ainda prefiro meu peito rasgado sem dó, jorro vermelha e sangro até viver. Porque algumas delicadezas, na verdade, não passam de dissimuladas agressões.
segunda-feira, 12 de janeiro de 2009
Eu Hoje Passei Para Dizer "Bom Dia"
Soundtrack: Adele - Chasing Pavements
Você conhece e, porque conhece, eu não preciso inventar uma maneira sã e razoável de verbalizar todas essas vontades que vicejam aqui dentro e irrompem um tanto quanto inapropriadas, mentira, eu não verbalizo porque, mesmo que quisesse, eu não saberia ou não quereria, tanto faz. Eu não tenho esse dom. Entende? Eu não sei dar nome ao que sinto sem que a minha língua se choque suicida contra a primeira vírgula, sem que os meus dentes imediatamente arranquem pedaços da minha voz. E eu não sei se isso é certo ou se é errado, se é bom ou se é ruim, sei que isso sou eu e até hoje não encontrei um jeito mais fácil de ser eu, um jeito que não seja essa combustão de sentimentos, eu não sou cerebral, o que sou é isso que está na sua frente – um emaranhado de intenções que saltam afoitas pelas polpas dos meus dedos em busca de tatear o sorriso que você está contendo por trás dessa amenidade quase formal e minuciosamente calculada, homem, eu também conheço você. Eu conheço e você me conhece, e você sabe que eu hoje passei por aqui para dizer “bom dia” mas que eu não vim dizer “bom dia” coisa nenhuma, que essas minhas pernas fincadas diante da porta estão esperando que você apenas cruze a linha, e que esse silêncio, olhe para mim, esse silêncio na verdade está gritando “que diabos você está fazendo aí parado do lado de dentro enquanto aqui fora o mundo espera pra ser seu e eu também?”
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Adele é uma jovem cantora britânica cuja voz forte chamou a atenção do publico e da crítica, levando a moça ao topo das paradas britânicas já no álbum de estréia, lançado em 2008 e intitulado 19, do qual faz parte a faixa Chasing Pavements. Entre suas influências musicais estão nomes importantes como Etta James, The Police, Marvin Gaye e Billie Holiday.
A vocês, meus queridos, bom dia - seja dia ou noite!
segunda-feira, 5 de janeiro de 2009
Um Passo
Soundtrack: Russian Red - No Past Land
Tu nem sabes, mas já te dei tudo que era meu.
E em troca eu quis apenas esse eco torto de felicidade que me alisa a pele estremecida e pelo qual quase deixo de respirar, me arrepio inteira, viro apenas um corpo quieto guardado sob a mão invisível feita disso que eu sinto e que entra pela minha boca e sai pelos meus olhos e por qualquer gesto meu rasgado no espaço, qualquer gesto meu me abandona e vira teu, eu já te dei. É tudo tão simples e silencioso, e tudo grita por dentro, e o que posso fazer? Eu deixo... tu nem sabes, mas enquanto ainda estás aí do lado de fora, parado, esperando que eu te abra a porta e diga qualquer coisa nessa língua muda que tu entendes tão perfeitamente e que tão perfeitamente nos cabe, eu já não estou aqui, já me transportei para o lado em que não há aqui nem lá - em que unicamente há uma história para dois em qualquer lugar para onde quer que se virem os meus pés afoitos, pequeninos pés sem memória buscando reinventar o chão. O calor que eriça teus pelos sob as gotas d’água também rodopia entre meus dedos numa felicidade corrediça e quente, e sei que estás aí sorrindo e eu estou aqui sorrindo e quase hesitando mas é tarde, eu já te dei tudo que era meu inclusive aquele passo que restava pesado e desinibiu-se e virou destino cumprindo-se em linha reta, tudo que era meu eu já te dei. E sei que estás aí parado, molhado, esperando, e que a chuva que cai sobre a tua cabeça é nada, como é nada tudo o que não é chuva, nem tu, nem eu, nem essa porta se abrindo para o que eu não sei o que é mas quero muito saber, então entra; vem. Eu tremo, sim, mas não é frio, é por não me restar nada que eu não queira absurdamente te entregar, toma.
Toma.
A espanhola Lourdes Hernández, mais conhecida como Russian Red, canta um folk suave e lânguido em inglês e vem ganhando espaço nas paradas européias. I Love Your Glasses, o álbum de estréia, traz arranjos bonitos, muito violão acústico e um clima summer of love acentuado por sua voz aguda, ao mesmo tempo macia e vigorosa, de cantora dos anos 70. Pra ser ouvido do início ao fim.
segunda-feira, 22 de dezembro de 2008
Inviolável Humanidade
Soundtrack: José González - Heartbeats
Entre todas as estranhezas que me fizeram te amar, eu talvez tenha amado demasiadamente mais a mais banal – aquela de cuidar a urgência como se fosse uma tua velha amiga que se achegava a ti mordendo o lábio provocativa, e que quase infantil deitava-se no teu colo e abraçava-se ao teu pescoço e se confundia inteira contigo a ponto de não se saber onde um começava e o outro terminava, a tua urgência sempre foi uma fêmea voraz. Eu, por isso, talvez, a tenha amado. Eu talvez a tenha amado porque ela te possuía, era incontida e maior que tu, era ela quem falava pela tua boca quando a tua língua se descontrolava e galopava frenética em frases despedaçadas por pequenas pausas delituosas – e, nesses silêncios pontuais, era a tua meteórica paciência pensando, pesando-me, eu sabia, eu sempre soube. Eu sempre soube que a tua pretensa força era o que te fazia sofrer. O que eu não soube, e sequer poderia – porque o caótico desalinho entre nossas expectativas nos fez verter dias afins em tempos antagônicos – é que o teu pretenso sofrimento era também o que te fazia forte.
Eu talvez tenha amado demasiadamente a mais banal, e amei em grande parte porque me assustam essas coisas raras que desaparecem com a mesma velocidade com que despontam e deixam esses ecos vazios na memória atônita, essas ranhuras cicatriciais que nunca fecham porque estamos sempre a esgarçá-las com os dedos sujos – de saudade, de desespero ou de algum outro desejo vão escondido sob as unhas, esperando a hora de se disseminar febril. Os meus dedos não conhecem sossego, a minha pele nunca está intacta, eu nunca estou intacta e, de fato, quem está? Eu demasiadamente amei a mais banal embora todas as tuas estranhezas me fizessem sentir uma mulher comum, mas extraordinariamente comum como nunca houve outra, eu era extraordinariamente única porque as minhas próprias estranhezas sobressaíam entre o que eu acreditava ser o meu melhor, embora não fosse – o meu melhor é o que veio depois, o que rasguei na carne quando num acesso de fúria espantei das vértebras as falsas virtudes que, como traças, me roíam os traços mais reais.
Os traços mais reais – embora essa vida seja uma ficção e a verdade se esconda em um canto inviolável da humanidade que nos cumprimenta zombeteira diante do espelho quando esquecemos a porta aberta.
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José González é sueco, filho de argentinos, canta em inglês e sua música lembra o que seria um folk à la Nick Drake com João Gilberto. Suas influências contemporâneas são Elliot Smith, Joe Pernice e Kings Of Convenience, mas sua voz evoca a de cantores clássicos da história da música pop como Mark Eitzel e Mark Kozeleck. A faixa Heartbeats integra o álbum Veneer, lançado na Suécia em 2003, ponto de partida para que González ultrapassasse a fronteira musical da Escandinávia e ganhasse as paradas da Europa.
Quanto ao texto, não custa enfatizar: FICÇÃO. E não tentem se - ou me - convencer do contrário!
segunda-feira, 15 de dezembro de 2008
Aquele Outro Caminho
Soundtrack: Ingrid Michaelson - Breakable
Eu nunca aprendi. Quando foi que nos vimos pela última vez?
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Ingrid Michaelson é uma cantora e compositora nova-iorquina que faz um som indie-pop/folk e tem músicas nas trilhas sonoras de Grey’s Anatomy (olha aí os seriados médicos outra vez) e One Tree Hill. A faixa Breakable faz parte do álbum Girls and Boys, lançado em 2007.
sexta-feira, 5 de dezembro de 2008
A Última.
Soundtrack: Noa - Eye in the Sky
Eu gostaria que esta fosse uma carta de amor. Gostaria de te escrever para contar da minha vida; para dizer que ontem entrei naquela velha loja de discos – aquela ao lado da padaria onde compraríamos pães de queijo e biscoitos de nata nas manhãs de sábado e domingo – e ouvi incontáveis vezes a música que escutaríamos juntos e que talvez embalasse nosso sono, nossas tardes de preguiça fazendo nada, fazendo tudo. Ou para dizer que, entre duas páginas do meu livro preferido, pude ver – em meio aos parágrafos e aos hiatos brancos, tímidos, do papel escorregado sob a negra tinta – as entradas do filme a que assistiríamos na noite em que o carro pifaria sem gasolina na esquina da tua rua e caminharíamos até a tua casa debaixo de chuva, de mãos dadas e rindo, brincando de chutar as poças de água, e estaria frio, muito frio, e nos aqueceríamos entre beijos macios e lençóis quentes, entre beijos quentes e lençóis macios. Para, talvez, te contar do meu emprego novo ou que me mudei outra vez – agora para a tal casinha pequena por fora e grande por dentro, com teto alto e janelões azuis encimando as jardineiras, do jeito que eu sempre quis – e que os móveis, surpreendentemente, chegaram na data prevista, uma segunda-feira, e que não precisei passar o resto da semana fazendo as refeições numa lanchonete embora não goste de cozinhar somente para mim.
Eu talvez te contasse que o cachorro enfim desistiu de esconder os chinelos inadvertidamente esquecidos pela casa e que, finalmente, as roseiras que plantei me deram alguns botões de rosa; vi essa manhã que haviam nascido, quem sabe se encorajem e virem flor – nunca soube quanto tempo levam para desabrochar, não sei se um dia ou dois, ou mais. Ou que o carteiro continua entregando minha correspondência na casa do vizinho – mesmo em novo endereço, algumas coisas nunca mudam. Ou que o médico indicado, naquele churrasco, pelo rapaz de óculos com cara de adolescente cujo nome não me recordo acertou em cheio no tratamento da minha insônia embora não seja neurologista ou psiquiatra, e sim cardiologista, e que não bebo mais tanto café. Ou que ganhei uma festa surpresa no meu último aniversário com direito ao bolo de nozes de que tanto gosto e velas assopradas num só fôlego depois de fazer um pedido, que não posso contar ou não se realiza e que eu, que tanto gosto de bolo de nozes mas não como doces, saí da dieta porque seria uma tremenda indelicadeza não provar um pedaço do meu próprio bolo de aniversário.
E nem sei quantas outras banalidades eu contaria; só sei que gostaria de não estar chorando dessa maneira enquanto te escrevo esta carta. E te escrever esta carta é tão doído porque, mesmo não sendo uma carta de amor, não deixa de sê-lo – e eu, que tanto te amei, e talvez siga te amando enquanto viver apesar de todos os amores que ainda virão, nem melhores nem piores, apenas outros amores com outras músicas e filmes e livros, e outras lembranças e nomes, gostaria de te pedir “fica”, mas não o farei. Eu gostaria que esta fosse uma carta de amor, mas esta carta – que nunca vais ler, pois a escrevo muito mais em mim do que para ti – é a maneira que encontrei de me despedir da parte tua que permanece comigo, pois nunca deixei que partisses completamente. E, agora, preciso que vás. Eu abdico do futuro que jamais teremos em nome de um presente que é apenas meu. A tua história já não cabe na minha; a minha história precisa voltar a caber em mim. Esta é a última carta de todas aquelas que nunca te enviei e que nunca lerás, a não ser no meu silêncio e nessa distância continental que se inscreve entre o que nunca nos dissemos, entre o que nunca faremos. Preciso que vás; eu fico – e, de certa forma, em outra direção, eu vou também.
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Um pequeno P.S. para o Sr. Anônimo que, nos comentários do post anterior, declarou que me adora mesmo com tudo que vem na mala (e eu espero que a "mala" não seja eu): a mesma curiosidade que matou o gato pode, fácil fácil, matar uma blogueira sem poderes adivinhatórios. Que tal voltar e revelar pra nós sua identidade secreta, hein? ;)
Ótimo fim de semana pra todo mundo!
E Edu, obrigada pela música :)
segunda-feira, 27 de outubro de 2008
Primazia
Que ele é um pote até aqui de mágoa
E qualquer desatenção, faça não
Pode ser a gota d'água..."
Chico Buarque - Gota D'Água
Soundtrack: Dionne Warwick - Walk on By
E esse amor, onde ficou? Desalentado, esquecido atrás da porta, enquanto apagavas as luzes para reacender teus olhos em alguma esquina furtiva do teu labirinto de desejos, em algum encanto barato e fugaz. Perdido entre os cacos da última garrafa de vinho, um tanto ébrio, borrado ainda do violáceo dos teus beijos frios. Ressequido. Esse amor ficou vagando atônito, a passos pequenos, descrevendo círculos estéreis por entre os “não” que a tua inconstância deliberou cravar entre nós dois. Esse amor se desfez do abraço frouxo de amor que cinge uma inexistência e cruzou os braços – cruzou os braços. E amor de braços cruzados esquece de si, amor, ou se faz esquecer – porque vive de tempo presente, desentende, ignora o depois.
Esse amor não ficou, amor. Esse amor, aquele amor, se foi.
E tu? Por onde vais agora, sem vinho e sem esquinas?
segunda-feira, 22 de setembro de 2008
Dos Amores. Dos Dias.
Morre porque nós não sabemos reabastecer sua fonte.
Morre de cegueira e dos erros e das traições.
Morre de doença e das feridas;
morre de exaustão, das devastações, da falta de brilho."
(Anais Nin)
Soundtrack: Carla Bruni - Qualqu'un m'a a Dit
Ele nunca disse que me amava. Nunca me disse, e também nunca perguntei – não porque tivesse medo da resposta, mas porque instintivamente a conhecia e isso fazia de qualquer prova verbal uma desnecessária redundância, então cada uma daquelas pequenas banalidades diárias soava como amor inequívoco e explicitamente declarado. Como quando me puxava os cabelos de leve para em seguida afrouxar os dedos e escorregá-los pelo meu pescoço, era amor que havia naquele deslizar de dedos. Como quando surgia à porta e ali ficava parado, mudo, e no olhar havia um misto de admiração e desafio e obscenidade carinhosa, e aquilo tudo invariavelmente terminava entre arquejos e suores entrelaçados repousantes na exaustão lânguida das nossas bocas ainda coladas uma na outra. Ou, simplesmente, como quando dizia meu nome – pronunciado em passeios demorados por todas as oscilações de tons, e eu tinha a nítida sensação de ouvir seu coração bater mais doce em cada uma delas. Ele era inteiro um mundo de coisas não ditas que se diziam por si mesmas e eu aprendera a ler naquele silêncio claro e eloqüente, eu embora oposta e dizendo amor com olhos e boca, e corpo, e todo o resto e a todo tempo, e era como se, a cada vez dito, esse amor se superlativasse dentro de mim.
E não sei se foi intencional – se foi justamente a perfeita simbiose entre o seu silêncio e a minha capacidade de traduzi-lo que me fez mergulhar na negação. Mas, naquela tarde, quando ele surgiu à porta – e o rosto que me fitava já não era o mesmo, como para ele já não era a mesma a mulher de pé à sua frente – percebi que era chegada a hora. E dessa vez fui eu quem não disse nada, simplesmente esperei. Foi a minha vez de ficar ali parada, olhando. Apenas e interminavelmente olhando. Porque não havia mais nada a fazer, e eu soube disso no momento em que o ouvi balbuciar meu nome naquela meia-voz reticente, naquele fio de voz. Era outro o bater do coração. Então, pela primeira vez, ele não me pôde olhar nos olhos – e nesse exato instante eu soube que, na cabisbaixeza do olhar que ineditamente evitava o meu, havia um murmúrio dolorido de despedida.
quinta-feira, 10 de julho de 2008
Carta Para C.
Soundtrack: Jet - Look What You've Done
Hoje acordei sem vontade de trocar as flores na janela. Vejo-as murchar e perder o viço, percebo seu olhar quase como um clamor; ainda assim, permaneço impassível diante da vida que lentamente se esvai diante de mim.
Publicado originalmente no extinto blog Cotidianidades
em setembro de 2007. Ficção. Eu-lírico, gente, só ;)
terça-feira, 3 de junho de 2008
Caminho
Soundtrack: Frou Frou - Let Go
Enfeitou-se de olhares de seda e voz de veludo, descalçou os pés e os motivos para pisar macio as rotas do pensamento. Misturou-se às gotas de música que sapateavam em passos desmanchados sobre os braços abertos, ofereceu o rosto à vontade mais próxima, fez-se oceano de compassos – seus, inéditos, vibrando no ritmo daquele corpo quente embalado de cor.
Despediu-se das velhas lembranças com um beijo de gratidão, abraçou-se às notas nascentes no seu coração de gente-quase-nuvem e desceu a rua, bailante por dentro, ao som do sol que girava vermelho na sua saia rodada - ouvinte de cores, amante dos próximos passos, as pernas prenhes de estrada. Sem “entretantos”, que a volta é caminho sem ida; era acordada que sonhava.
quarta-feira, 28 de maio de 2008
Correspondência
Observou o cartão com minúcia desapressada, deixou que os dedos deslizassem com carinho pela superfície lisa, uma, duas, três, muitas vezes. Nenhuma frase, nenhuma palavra. Desnecessárias, ambas; o que havia de ser dito, fora dito naquela fotografia – uma cidade, um destino. Sem carimbo do correio. Sem intermediários, entremeios, entrelinhas, subterfúgios, subliminariedades, mas com endereço certo: ele. Sentou-se diante do computador, ensaiou escrever um e-mail, desistiu logo em seguida, tantas coisas queria dizer e as palavras parecendo inapropriadas, insossas, furtivas. Então rabiscou um bilhete imaginário, perfumou-o, beijou-o demorada e cuidadosamente – para que nele ficasse o desenho dos lábios pintados com o batom preferido – e lançou ao vento a inusitada correspondência onde se lia, em letras caprichadas: “Sabe vontade? Além.”
segunda-feira, 19 de maio de 2008
Movimento Rápido dos Olhos
Ele a chamara furacão, ela era brisa se desmanchando naquele peito de ausência tão presente. E havia a necessidade veemente e imediata de se entregar à urgência do corpo que emergia da quietude da noite para, incontido e crescente, apossar-se do seu. Havia a necessidade, e ela não se opôs às mãos imaginárias que vorazes a alcançavam inteira, nem se furtou ao seu ímpeto; ao torpor daquela fúria doce submeteu-se obediente, lânguida, as pernas se entreabrindo submissas, caminho e destino que eram do seu desejo.
Ele a fez sua num possuir de corpo todo, entre membros confundidos e a agonia de prazeres entrelaçados. Exausto, tomou-a nos braços, lhe acariciou o ventre com os dedos ainda trêmulos; a qualquer-coisa dita ao ouvido num sussurrado preguiçoso a fez sorrir. Então aconchegou-se-lhe ao seio e retornou para aquele peito inteiro morada sua. Ela virou-se de lado, se abraçou espreguiçante ao travesseiro e adormeceu. Um beijo invisível lhe veio pousar sobre o suor tranqüilo da face.
segunda-feira, 5 de maio de 2008
Um
Buscou-se ainda uma vez mais no coração outrora seu, que agora era do outro; viu no rosto inteiro sorriso-olho-imensidão-azul a posse de que já não dispunha, que fora dada de vontade própria e descalçada de reservas – e por que haveria de retomar para si aquele tolo, insensato coração que, assombrosamente, tão feliz batia acolhido em peito alheio? Deixou que ficasse lá, que um dia haveria de voltar – no fundo não o querendo mesmo novamente consigo, tão bonito era olhar para si e se encontrar em outra gente.
Tão bonito. Tão bonita, tão bonita aquela existência híbrida. Partira-se ao meio, o coração lhe saltara inopinadamente das mãos indo parar naquele outro ser que se escancarava afeto, virando coisa a princípio coexistida e logo depois inteiramente abdicada, tamanho o aconchego dos braços abertos da alma destinatária. Confiança desinibiu-se, entrelaçada nos dedos da alegria enfeitada de cumplicidade irmanada no amor. Tão grande e irmão amor que se fez soar individido, neste peito e naquele – e o que, outrora, fôra um, era agora parte: metades viventes uma na outra. Corações trocados, transfusão de vida. Caminhar sincronizado, passos enlaçados de amizade pura e simples. Notas consoando inteiras num sereno e retumbante bater em uníssono.
P.S.: queridos meus, tem postagem fresquinha da Anne no Espasmos de Riso - um "causo", digamos... de urgência urgentíssima... quase um alerta vermelho pra quem gosta de chocolate Charge... não deixem de conferir. Beijos a todos!
segunda-feira, 14 de abril de 2008
Sete Segundos
"Era como o som dum sino que,
de vibração em vibração, sobe do vago ao apogeu. "
(D. H. Lawrence em O Amante de Lady Chatterley)
Ao som de Elliot Smith - Between the Bars
Permitiu-se encontrar, submissa, pelo dedilhar deslizante a lhe buscar, vez ou outra, os ombros displicentemente resguardados pelo tecido fino da blusa, já completamente entregue à mão que escorregava, sorrateira, enrubescida por ousadia crescente, para a confluência de seus desejos. A cabeleira vasta, densa, assim tão subitamente penetrada, espreguiçada inteira sobre a pele pulsante do outro, ávida daquele contato tão novo e, a despeito disso, tão irracionalmente vital, derramava-se obediente e desapressada por sobre o encosto encarnado da poltrona, rasgando o espaço como um par de olhos em súplica. Nem viu-lhe o rosto, nem viu-se em outro instante a não ser na palma da mão daquele carinho-posse, posse-carinho, corpo e coração sabendo o que era, razão não querendo saber, sintonizada no desalinho dos cabelos dançantes naqueles dedos como encaracolada e castanha ventania.
Deixou-se ficar ali, soçobrante no carinho genuíno e intenso, voluntariamente subjugada pela intimidade despretensiosa nascida de tão simples gesto; até que, em um movimento imprevisível de audácia involuntária, não mais que um dedo pousou-lhe beijo leve na nuca – e o arrepio que se seguiu a esse sutil contato lhe abraçou o corpo inteiro de forma tão violenta, que os músculos todos se contraíram em um espasmo único de indescritível prazer, e os olhos se fecharam umedecidos de larga e confessa ternura. Virou-se em vontade, e vontade tamanha que se impôs sobre a lógica: ali permaneceu sonho interminado, dona de um universo particular e conhecido apenas seu, carícia jamais se desfazendo, olhos jamais se abrindo, sentimento todo do mundo nela enredado, fio a fio atados no sempre, e quem dirá que existe o sempre. E quem dirá que não existe.
quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008
Mosaico
Asas do Desejo. Vou desenhar você. Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças. Tudo bem. Desenhos. Desenhos. Desenhos. Não consigo dormir. Música. Imagem. Música. Poesia. Música. Neruda. Música. Vou plantar um pé de cereja pra nós dois.
Violão de três cordas. Leonor. With or Without You. Não discuto com doida. Somos assim, sempre cuidando um do outro. Vou enfiar o dedo no seu nariz. Conversa. Música. Fotografia. Música. Choro. Música. Wish You Were Here.
Tatuagem. Espoleta. Sorrisos.Você tá estranha hoje. Brócolis. Cevada. Se adivinhar te dou um doce. All Star. Meu sorriso é o teu sorrindo. Caneca de porquinho. Oinc oinc. Infinito. Infinitos de infinitos.
Jim Morrison. Por que ainda fala comigo? Mike Patton. Quero sumir. David Gilmour. Desmantelada. Robert Plant. Você tá bem? James Hatfield. Se eu fosse um doce, seria de quê? Joey Ramone. Ai. Eddie Vedder. Pára.
Você tá cheirando meia. Beijos muitos. Não há falta na ausência. Beijos outros. Essa música me rasga. Beijos tantos.
For every minute you’re angry you lost 60 seconds of happiness. Quintana. Te pego, dedo no nariz e chinelada. Cachoeira. Chata. Churrasco. Banho + música = Terapia. Nunca estou ocupado pra você. Sorrisos que não cabem. Te gosto. Você não existe. Senti sua falta. Senti sua falta. Senti sua falta.