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terça-feira, 1 de setembro de 2015

Um quarto cor-de-rosa.




Estou fazendo um quarto cor-de-rosa para minha filha.

Faço um quarto cor-de-rosa para minha filha sem sequer saber se ela gostará de cor-de-rosa. Eu mesma não gostava. Não sei se fez diferença na minha vida não ter tido meu quarto cor-de-rosa, e também não sei se fará diferença na vida dela. Mas faço um quarto cor-de-rosa para minha filha porque é o que as mães fazem: tentar construir um lugar bonito, seguro e colorido para os filhos, para onde eles possam voltar sempre, mesmo quando alguns sonhos e esperanças desbotarem e a vida parecer um filme melancolicamente preto-e-branco.

Faço um quarto cor-de-rosa para minha filha porque, um dia, ela crescerá – e desejo que jamais se esqueça de que será sempre a minha menina. Faço um quarto cor-de-rosa para minha filha porque sei que o mundo não o é, e a tratará com rigor e a fará chorar, e desejo que as lembranças de sua cama quentinha, suas bonecas e, sobretudo, do amor incondicional que lhe dedicamos desde o instante em que soubemos que seríamos abençoados com sua chegada sejam como um doce beijo de boa noite a apaziguar diuturnamente seu coração. Faço um quarto cor-de-rosa para minha filha porque não espero que minha filha seja uma princesa – embora, para mim, seja exatamente o que ela sempre vai ser.

Faço um quarto cor-de-rosa para minha filha, porque minha filha está construindo um quarto cor-de-rosa dentro de mim, repleto de lindezas e doçuras e sonhos. Faço um quarto cor-de-rosa para minha filha porque não posso fazer um mundo cor-de-rosa para ela e, mesmo que pudesse, não o faria – o que posso, e farei, é estar ao seu lado e segurar sua mão mesmo quando ela imaginar estar sozinha em sua caminhada, pois há jornadas que não podemos cumprir pelos filhos, ainda que sejamos capazes de dar um braço ou uma perna para poupá-los de certas dores. Faço um quarto cor-de-rosa para minha filha porque, além de beijá-la, abraçá-la, amá-la e estar/ser com ela incondicionalmente, é o que posso fazer. E porque fazer um quarto cor-de-rosa para minha filha é como erigir um lugar sagrado onde estaremos sempre juntas, resguardadas pelas ternas memórias dos nossos momentos lado a lado nessa existência.

Estou fazendo um quarto cor-de-rosa para minha filha. Não julgue, amigo querido, uma mãe por se esmerar em coisa tão aparentemente inútil e boba. Mães são assim – estão sempre a se esmerar em coisas bobas e inúteis para seus filhos amados. Construímos quartos cor-de-rosa a cada sorriso de um filho, a cada passinho, a cada vitória dele. Somos meninas aprendendo a crescer através do amor que a maternidade nos descortina, dia após dia. Talvez o quarto cor-de-rosa que estou fazendo para minha filha seja, de fato, para mim. Para você. Para todos nós. Como amor de mãe, que se irradia até onde entendimento humano jamais alcançará.

Estou fazendo um quarto cor-de-rosa para minha filha. E se você, querido amigo, um dia tiver a sensação de que não há mais aonde ir, fique à vontade para se aconchegar.


segunda-feira, 2 de setembro de 2013

A PEC da Mulher Maravilha

Há alguns anos, abri mão de ter empregada doméstica porque não vi muita razoabilidade em pagar uma pessoa para fazer algo que eu mesma faço, e tão bem quanto.

Mentira. Ficar sem empregada doméstica, àquela altura do campeonato – com uma rotina de trabalho insana, um filho de três anos, um cachorro indomesticável e um corpo a caminho dos quarenta, que pode até ter boa vontade, mas, indiscutivelmente, já não tem o mesmo pique de alguns anos atrás – foi uma questão de caixa. Não que a mudança na legislação trabalhista das domésticas tenha me surpreendido: assinar carteira, pagar hora extra, recolher FGTS e combater a informalidade eram rotina na minha vida muito antes da PEC que regulamentou os direitos dos trabalhadores domésticos. A verdade é que, mesmo exercendo uma função pela qual sou relativamente bem remunerada, o amontoado de contas a pagar no início de cada mês fazia meu salário se transformar rapidamente em nada mais que uma vaga lembrança na minha conta bancária; colocadas todas as despesas na ponta do lápis, abrir mão da funcionária me renderia uma economia mensal de quatro dígitos, e anual de cinco. Analisei todos os prós e contras e cheguei à conclusão de que seria perfeitamente possível dar conta do serviço da casa já que, trabalhando fora o dia inteiro e com o filho na creche, não nos sobraria muito tempo (nem energia) para fazer tanta bagunça; a rotina seria, mais ou menos, chegar em casa, passar uma vassoura, lavar uma loucinha, colocar a roupa na máquina para lavar e deixar o “grosso" para o fim de semana. Tudo muito harmônico. Até cheguei a pensar duas vezes, mas a possibilidade de ter um dinheirinho sobrando venceu. E a minha vida, que já não era lá um exemplo de calmaria, ao contrário do que eu imaginava, virou definitivamente de pernas para o ar.

A primeira semana sem a funcionária não foi tão ruim – eu estava sob efeito da empolgação inicial e a casa ainda permanecia razoavelmente organizada, a ponto de me fazer acreditar que tinha me preocupado à toa. Chegava do trabalho, fazia o jantar, lavava a louça, varria a casa e passava uma flanelinha nos móveis para tirar o pó, e a máquina dava conta da roupa suja da semana. Nem percebi que, pouco a pouco, as roupas começavam a se acumular à espera de que eu me encorajasse a encarar um ferro de passar somado a algumas horas de pé, e que meus armários, estantes e banheiros, em questão de dias, pareciam ter sido varridos pelo furacão Katrina. Intensifiquei o ritmo e passei a limpar, limpar, limpar – mas, se minha boa vontade era grande, a falta de jeito e familiaridade era infinitamente maior, e eu tinha a impressão de que tudo estava sempre caótico. Precisava dividir meu pouco tempo extra entre cozinhar, limpar, lavar, passar, ser mãe, estudar e, ainda, encontrar alguns minutos para cuidar de mim – o que foi me deixando cansada e mal-humorada porque, afinal de contas, mesmo acostumada a fazer várias coisas ao mesmo tempo, não fiz curso de Mulher Maravilha. Pegar o jeito das coisas não foi fácil; foi um típico “caminho das pedras”, que me fez ter certeza de que a mudança na legislação dos trabalhadores domésticos já veio tarde (e que eu gostaria de de ganhar, além de um cachorro autolimpante e de um robô igual àquele da família Jetson, uma PEC que, diante de tanto esforço, legalizasse, como um direito “politrabalhista” legítimo e inalienável de toda Mulher Maravilha diplomada ou não, meu lugarzinho no paraíso). E, passado o primeiro mês, e o segundo, e o terceiro, finalmente, vi minha vida sem empregada doméstica entrar nos eixos e passar de caos a uma experiência enriquecedora e (pasmem) prazerosa, até.

Hoje, além de cumprir minha jornada profissional formal de 40 horas por semana, sou minha “personal” faxineira, cozinheira, office boy e, muitas vezes, cabeleireira e manicure (porque o tempo que eu dedicava indo ao salão duas vezes por semana, agora,  é dedicado a preciosas, merecidas e ansiosamente aguardadas horas de descanso, leitura, lazer e mimos pessoais). Se compensa? Compensa, quando vejo que o gás de cozinha dura mais, a conta de energia caiu em mais de 30% e a do supermercado também diminuiu consideravelmente depois que aprendi a comprar os produtos certos e a utilizá-los sem desperdício – eu não fazia ideia de quanto podia durar um frasco de detergente de louças, ou um litro de amaciante de roupas, ou um quilo de sabão em pó, até essas coisas passarem a fazer parte da minha rotina. Nem sempre consegui guardar a grana, mas ninguém pense que torrei o dinheiro com futilidades – ao longo desse tempo all by myself (que deixou de ser all by myself depois que conheci meu atual marido, o qual se mostrou, além de um príncipe encantado, a mola mestra no que se refere aos cuidados com as crianças e com as tarefas do lar), consegui, entre outras coisas, trocar o sofá, comprar a mesa de jantar dos meus sonhos, refazer a cozinha, investir em um carro melhor, financiar parte da nossa casa própria, quitar várias continhas e investir em uma série de itens que fazem a vida de qualquer dona de casa parecer um comercial de Veja.

Apesar de não ser a Mulher Maravilha, nesses anos sem empregada doméstica, acredito que tenho me virado muito bem. Estou pensando em me dar de presente uma folguinha para voltar a malhar em uma academia, e não apenas entre baldes, panelas e produtos de limpeza. Ao contrário do que algumas pessoas podem imaginar, não encaro ter que arrumar minha própria bagunça como castigo: cuidar da casa virou quase uma terapia. E aprendi a organizar não só o meu espaço físico, mas também meu tempo, meu dinheiro, minhas prioridades e, por tabela, até minha própria vida. Ficar sem empregada doméstica, longe do que muita gente supõe, não foi o fim do mundo, e sim o começo de uma rotina que me ensinou, entre outras coisas, a otimizar meu tempo e a ser ainda mais prática e independente. Porque nos dias de hoje, se duvidar, até a Mulher Maravilha deve ter um pezinho na cozinha – e insistir em manter os pés fora do chão pode custar muito caro. Em todos os sentidos. 



terça-feira, 25 de junho de 2013

Ordem e Progresso.


Quando eu era criança, minhas irmãs e eu nos indignávamos com minha mãe porque ela se recusava a cantar o Hino Nacional. O ápice da rebeldia acontecia durante as Copas do Mundo - quando ela, além de não pronunciar "ouviram do Ipiranga as margens plácidas", se recusava a vestir a camisa da seleção brasileira e a torcer pela vitória do Brasil durante os campeonatos; sua torcida invariavelmente pertencia a outras seleções e as escolhas que fazia nos pareciam absurdas, mas ela ficava ali, firme, assistindo aos jogos conosco e vibrando a cada gol do adversário independente dos protestos do restante da família. Dizíamos: você é antinacionalista, mãe. Você não ama o Brasil. Ela respondia: eu não me orgulho de muita coisa que aconteceu e acontece nesse país. Não posso vestir a camisa de algo que não me causa orgulho.


O tempo passou, mãe. E ano que vem, finalmente, teremos uma Copa do Mundo neste chão que foi nosso berço, que é a nossa casa. E vou lhe dizer uma coisa: eu também não me orgulho de muita coisa que acontece nesse país. Eu cresci, e agora entendo bem o que você queria dizer. Agora sei que não era rebeldia - era amor, porque só quem ama muito a sua própria terra tem coragem de usar a própria voz para dizer que temos direito a ser cidadãos que se ufanam de sua pátria a qualquer tempo, e não só a cada quatro anos. Eu também não vou vestir a camisa, mãe. E não me interessa se vão me chamar de antinacionalista ou de qualquer outra coisa, pois você me ensinou que a gente só é forte enquanto não desiste de lutar, ainda que a forma de lutar seja apenas não deixar esmorecer o espírito crítico mesmo diante dos apelos da emoção - e da multidão.

Eu não vou vestir a camisa, mãe. Você tinha razão. Você sempre teve.


sexta-feira, 21 de junho de 2013

que tamanho você tem?


Sempre acreditei que a gente não cresce por fora, mas por dentro.

Cresce quem aprende a ser honesto.
Cresce quem aprende a ser humilde.
Cresce quem aprende a ser correto - consigo mesmo e com os outros.

Cresce quem aprende que conquistar o próprio espaço não significa invadir o espaço alheio.

Cresce quem aprende que conhecimento não significa inteligência, e inteligência não significa sabedoria.

Cresce quem aprende que cada palavra semeada tem uma raiz que nunca se arranca - e aprende a calar antes de dizer palavra que semeie o mal.

A gente cresce com espírito, coração e mente.

Se, para você, os anos passaram mas mente, espírito e coração continuam pequenos, definitivamente, você não cresceu. Mas ainda dá tempo: nunca se está velho demais para aprender a ser grande.





segunda-feira, 20 de maio de 2013

Tratado Geral Para os Males da Alma



Chegou!

E esse livro, meu segundo!, chegou lindo, gente -com 25 crônicas deliciosas, e cheio de boas energias. Meus agradecimentos à Editora PenaluxTonho Franca FrancaGustavo MartinsWilson GorjRicardo Vlv Augusto Paixão e a todos os que sempre me apoiaram nos meus projetos, especiamente neste aqui 

Essas belezinhas de 14x21 já estão à disposição no site da Editora Penalux e com esta que vos escreve. Espero que curtam muito a leitura. 

Aquele beijo!

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Algo Sobre Minha Mãe




Das raízes. As minhas.



Observo minha mãe e meu filho adormecidos ao meu lado no sofá. É quase meia-noite. Ele nos braços dela. Minha mãe e meu filho ressonam enquanto permaneço de olhos abertos diante da tevê, aguardando pacientemente que a insônia que me visita todas as noites se exaspere da minha monótona companhia e se vá – e me deixe descansar, enfim. Tranquilos, minha mãe e meu filho dormem. Não consigo deixar de pensar na segurança que é nos perpetuamos naqueles que amamos. Minha mãe e meu filho estão ali, e ignoram a noite e seus pequenos ruídos, e me ignoram e ignoram o velho filme policial e minha insônia fiel. Estão ao meu lado e, apenas, dormem.

Observo minha mãe com meu filho nos braços e imagino quantas noites essa mesma cena deve ter se repetido comigo. Eu me orgulho de ter boa memória, mas, confesso, as primeiras lembranças que tenho de minha mãe datam do nascimento da minha irmã caçula (quando eu tinha por volta de quatro anos), ou seja: quando ela tinha a idade que tenho hoje eu contava apenas seis anos, portanto, não recordo assim tanta coisa. Lembro, contudo, dos olhos, que sempre foram impressionantes e, àquela época, eram marcantes mesmo para mim – uns olhos profundos, inquisitivamente melancólicos, que pareciam trespassar a tudo e a todos com sua languidez misteriosamente castanha. Não sei se ela percebia, mas um de meus passatempos preferidos era, sempre foi, observá-la. Ela era bonita, muito bonita, com uma pele muita branca sem nenhuma mancha ou imperfeição e um corpo miúdo e ágil como o de uma bailarina – e aquele corpo pequeno se movimentava tão rápido que eu tinha certeza de que, se quisesse, ela poderia ficar parada no ar, como um beija-flor. Às vezes parecia caminhar na ponta dos pés – como se, a cada passo, dançasse pelo mundo uma valsa suave. Fisicamente sempre fui mais parecida com meu pai, e essa semelhança era algo que realmente me desgostava – não porque não gostasse de meu pai ou porque sua aparência fosse desagradável, ao contrário: meu pai havia sido um homem muito bonito em sua juventude. O que me desagradava não era a semelhança com ele, mas a falta de semelhança com ela. Eu era forte e robusta, e cresci bem rápido: mal entrara na adolescência e meu corpo, já sinuoso e efervescido pelos hormônios, havia ultrapassado o porte de minha mãe, o que me deixou triste porque sua pequenez delicada de bailarina era até ali (como sempre seria) meu ideal de beleza e feminilidade.

Minha mãe nunca passou despercebida: estava sempre muito bem arrumada e com os cabelos dourados e lisos muito bem cortados, invariavelmente na altura da nuca. Era uma daquelas pessoas para quem o tempo não ousava passar: eu ouvia as histórias sobre ela, contadas pelos meus avós e tios, e eram histórias bonitas e comoventes, algumas engraçadas e outras nem tanto, mas todas parecendo ter saído de algum romance – os mesmos romances que eu lia nos livros em cuja contracapa ela rabiscava cartas com sua letra grande e redonda, vigorosa e fluida como ela própria. Minha mãe tinha um cheiro sempre muito bom e peculiar – e não sei se era um cheiro que só eu percebia ou se, quando ela passava, todos sentiam aquele perfume delicado a imiscuir-se descerimoniosamente em todas as superfícies e narinas. Quando ela ria, era impossível não rir também – porque era uma risada sonora e muito diferente das outras, não por ser a risada dela, minha mãe, mas porque o som que nascia através daqueles lábios – os mesmos lábios que, feito róseos e delgados braços de menina, se contraíam levemente quando ela estava triste ou aborrecida – ia tomando conta de tudo em volta como se aquele momento feliz fosse feito para acabar jamais, e o rosto dela corava muito suavemente, tão suavemente que era perceptível apenas porque vê-la rindo nos absorvia de tal maneira que era impossível desviar os olhos para outra direção.

O início da minha vida adulta foi quase um martírio para nós duas. Por algum motivo, na minha cabeça, cortar o cordão significava contrariá-la de todas as formas possíveis. Sinceramente, não me lembro se um dia pedi desculpas por cada uma das dores que lhe causei. Continuo não me parecendo com ela fisicamente, mas me vejo repetindo muito de seus gestos, hábitos e maneiras, como, acredito, meu filho também fará quando tiver a idade que tenho hoje. Um dia direi isso a ela, como também lhe direi que toda a animosidade daqueles anos não significava que eu não a amasse, mas que a amava tanto a ponto de não saber o que fazer. Éramos dois gigantes permanentemente em luta – ela por desvelo, eu por rebeldia. Ambas, por amor. E foi justamente por essa época que aprendi que o amor, sobretudo o amor entre pais e filhos, embora não seja capaz de simplificar as coisas, tem o dom de nos fazer crescer apesar delas – ainda que as diferenças pareçam assustadoramente abissais. 

Observo minha mãe e meu filho, o quanto são parecidos – a mesma pele branca e sem imperfeições, os mesmos olhos melancólicos e misteriosamente castanhos, o mesmo cabelo dourado – e penso que, um dia, daqui a muitos anos, esta cena se repetirá e serei eu adormecida no sofá com meu neto nos braços enquanto meu filho, insone e pensativo, rememorará qualquer coisa marcante a meu respeito. Não consigo deixar de pensar na segurança que é nos perpetuamos naqueles que amamos, esta segurança morna e adocicada que alisa nossos cabelos enquanto dormimos e que, enquanto dormimos, sussurra aos nossos ouvidos que alcançar a eternidade é, sim, possível – e que nós vivemos para sempre por sermos feitos muito mais de amor do que, meramente, de carma e DNA.


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créditos da imagem: Google (desconheço autoria)



segunda-feira, 4 de junho de 2012

O Pará e o Pará da Mídia


Meu nome é Flávia, tenho pouco mais de trinta anos e sou paraense. Talvez isso não lhe diga muita coisa sobre mim, embora você pense que essa frase contenha toda a informação necessária para que me conheça bem. Será mesmo verdade?


O Pará não fica no nordeste. Não sou, portanto, nordestina, nem quase baiana, nem paraíba. Não moro no meio do mato, nem em uma aldeia indígena e nunca tive um mico-leão-dourado de estimação. Nunca vi um jacaré passeando pela cidade. Ao contrário do que você se acostumou a pensar e da herança genético-cultural que carrego e da qual tenho muito orgulho, não sou índia: sou mestiça, como a esmagadora maioria dos quase 190 bilhões de brasileiros nesse país – inclusive, provavelmente, você. O Pará só é o fim do mundo para quem ainda não deixou de andar a pé – coisa que nós, paraenses, há muito tempo não fazemos mais: temos um dos aeroportos mais bem equipados do Brasil, frotas marítimas e terrestres que nos levam a qualquer lugar e estão, como nós, de braços abertos para receber quem nos visita. Porque sim, estamos sempre de braços abertos para receber quem quer que seja não por complexo de inferioridade, mas porque nossa educação não nos permite ser diferentes.



Não ouço brega, o que não significa que o desvalorize; não ouço brega porque prefiro o ritmo mais suave da música popular brasileira deliciosa feita por outros artistas tão paraenses quanto eu – artistas que suponho que você desconheça por ter sido levado a acreditar que o Pará é um estado de um ritmo só. Nunca desmatei a Amazônia. Nunca assassinei religiosas por posse de terra. Não saio nas ruas vestida como a Joelma e a Gabi Amarantos, como você também não anda por aí usando trajes à la Fiuk, Cláudia Leitte, Latino ou Alcione. Sim, eu tomo açaí, e tacacá, e tempero a comida com molho de pimenta murupi – e, se lhe parece estranho, vou confessar uma coisa: eu também achava bem esquisito esse negócio de comer peixe cru, até o dia em que deixei os preconceitos de lado e comi sushi pela primeira vez. 

E se você faz parte do contingente de brasileiros que conhece apenas o paraense estereotipado e diametralmente oposto ao da realidade, tudo bem. A culpa não é sua. A culpa é da mídia, que apresenta em cadeia nacional paraenses que desconhecem um simplório telefone celular e se atiram com roupa e tudo no mar de Copacabana como nunca houvessem visto água salgada em toda a sua vida. Ou paraenses que se vestem com figurinos extravagantes porque são artistas que fizeram de tal caracterização sua marca registrada, esquecendo-se de mostrar que esses mesmos artistas também usam jeans, camiseta e Havaianas fora dos palcos e dos videoclipes. Ou, ainda, paraenses que abusam de criancinhas, empreendem rebeliões em presídios, agridem-se no trânsito, agonizam nas filas do SUS e matam-se uns aos outros em conflitos agrários, como se a criminalidade e as mazelas sociais fossem prerrogativas exclusivamente nossas. Agora que já estamos devidamente apresentados, tenha a bondade de me respeitar. E de vir nos visitar, caso queira nos conhecer a fundo. Nós somos de verdade. E queremos ser conhecidos pelo que somos, não pelo que a mídia, com seu reflexo pálido de uma realidade fantasiosa e presumida, diz.

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Status de Relacionamento: Mãe Solteira

Soundtrack: Ludov - Princesa



- Essa aí. Cuidado com essa aí que é mãe solteira.

Uma vez ouvi essa frase da mãe de um amigo de faculdade. Tínhamos acabado de passar no vestibular e ele estava de namorinho com uma menina do curso de Farmácia; a mãe soube do relacionamento e, como qualquer boa mãe, tomou para si a missão de advertir o filho sobre o perigo daquele envolvimento. Afinal, a menina era mãe solteira: saíra de outro relacionamento com mais experiência e um filho pequeno para criar.  A menina era legal, divertida, inteligente, mas o namoro não durou muito, não sei por que – embora sempre tenha desconfiado que a tal advertência materna tenha sido mesmo o começo do fim. O tempo passou e nunca mais me lembrei dessa história. Até o dia em que fui convidada para um passeio por um dos meus pacientes e ele, muito educadamente, complementou o convite:

- A senhora não deixe de levar seu marido.

Confesso que na hora me bateu um constrangimento. Sincronicamente, ele baixou os olhos para minha mão esquerda: nada de aliança. Fez-se um breve e pesado silêncio, tradutor de centenas de perguntas (da parte dele, tenho certeza) e de algumas possíveis justificativas (não sei explicar porque, mas REALMENTE fiz uma revista mental em busca de algumas), seguido de um fôlego curto, de coragem ou de alívio, não sei, mas que foi o abre-alas para a frase que escapou da minha boca e, também para mim, foi a constatação de um status do qual nem eu havia me dado conta: SOU MÃE SOLTEIRA.

Sou mãe solteira. E daí? Sou legal, divertida, inteligente - como a menina do meu amigo de faculdade. Tenho um bom emprego, nome limpo na praça, bons antecedentes, nada de ficha na polícia. Limpinha, todos os dentes na boca. Porque meu estado civil deveria importar? Porque meu estado civil importa tanto? E o termo, “mãe solteira”, pesa, infinitamente mais do que a responsabilidade de ser uma delas. É como se a mãe solteira estivesse sempre à espreita de uma oportunidade de se dar bem à custa de algum bobão que leve para casa o “kit” de que outro abriu mão. Ou como se fosse alguém tão emocionalmente vulnerável a ponto de aceitar migalhas de afeto por pura carência. Ou, ainda, como se fossem mulheres sem sorte, renegadas: coitada, essa aí não tem sorte com homem: é mãe solteira. Ninguém nunca parou para pensar no quanto uma mãe solteira pode ser sortuda? Há bem pouco tempo atrás, a mulher separada e a mãe solteira eram párias – não havia desgraça maior para uma família do que ter entre os seus uma mulher largada do marido ou uma moça com um filho sem pai. Hoje, felizmente, a mulher aprendeu a exigir ser respeitada independente de véu, grinalda, papel passado e de como administra sua cama e sua vida. E conciliar um filho e liberdade para ir e vir não é coisa de gente azarada, mas de gente inteligente e bem resolvida.

Mães solteiras são mulheres flex – trabalham, criam seus filhos, estudam, criam seus filhos, pagam suas contas, criam seus filhos, cuidam de si, criam seus filhos, (às vezes) namoram, criam seus filhos. Esquecem (às vezes) de si, criam seus filhos. Aprendem a equilibrar nos ombros problemas, angústias, iminências, esperanças, devaneios, alegrias, tempo. Sobretudo tempo. Tempo é a coisa mais relativa na vida de uma mãe solteira. Sempre falta mas, no fim das contas, a gente sempre encontra. Aliás, somos especialistas nisso de achados e perdidos, porque a rotina, ao contrário de nós, está sempre de pernas para o ar – e é preciso muita habilidade para não desaparecer em meio ao de-tudo-um-pouco. É claro que é difícil. É claro que há dias em que a sobrecarga é tanta que a única vontade é largar tudo, trocar de identidade e correr pro mundo, mas é uma vontade que nasce para morrer logo em seguida – porque logo ali, pertinho, sorrindo, existe um rostinho lindo dizendo “eu te amo, mamãe” que faz tudo, absolutamente tudo valer a pena. Eu não me orgulho de muitas coisas nessa vida, mas de ser mãe solteira eu me orgulho, sim.

Mães solteiras merecem respeito. Mais do que isso: merecem aplausos. É coisa para mulheres valentes, que têm a coragem de dar à luz seus filhos e de conduzir sua vida sem se submeter a convenções meramente sociais. Não é feio ser mãe solteira. Feio é ter preconceito e mente pequena, julgar o livro pela capa e o caráter pelo estado civil. Feio é ser infeliz. E felicidade, certamente, é algo que nunca nos falta.



segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Proibido Para Maiores

Tentei escrever uma estória para crianças. A primeira coisa a fazer seria a escolha do tema. Difícil. As crianças não são bobas como os adultos imaginam: detestam ser subestimadas. Pensei em escrever uma estória de bicho, já que elas estão saturadas desse negócio de fadas, duendes, princesas e afins. Fantasmas, mula-sem-cabeça e bicho-papão nem pensar. Tudo bem que as crianças de hoje não acreditam em muita coisa e as de amanhã, provavelmente, terão em suas cabecinhas sinapses ainda mais céticas e exigentes, mas escolher um desses seres como protagonista poderia ou assustar um dos meus leitores em potencial ou, na mais frustrante e risível das hipóteses, me garantir, entre os pequenos, o título de “a pior contadora de estórias infantis de todos os tempos”. É um perigo subestimar a inteligência delas. Sei disso porque já fui uma. 

Pensei então em escrever sobre um cometinha que desobedeceu a mamãe-cometa e resolveu sair da própria órbita, acabou se perdendo e veio parar na Terra, mas aí imaginei meu filho um pouco mais crescidinho dizendo “cometas são feitos de rocha, gelo, poeira e gases, mãe; se cair um aqui, a gente morre, você devia assistir Discovery Channel”. Nada bom. Caubóis, cavaleiros, detetives... hoje em dias as estórias para crianças falam do quê, mesmo? Vasculhei os brinquedos do Samuca em busca de uma ideia salvadora, encontrei a bola de plástico verde que ganhamos de brinde no supermercado e pensei “quem sabe uma estória sobre um menino que ganhou uma bola de plástico verde no supermercado e, pouco depois, descobriu era uma bola de plástico verde falante?” – por um segundo, pareceu promissor. Mas, de novo, a voz da razão: “bolas não falam, mãe”. Puxa... nunca pensei que fosse tão difícil escrever uma estória para crianças. 

Pensei em algo do tipo Toy Story ou Pluft, o Fantasminha. “Mãe, isso é plágio”. Amigo imaginário, na minha época funcionava. “Tá tudo bem com você, mãe?”. Um menino que fez um barquinho de papel e nele navegou os sete mares. Uma casa bem-assombrada. Um skate voador. Um golfinho que não sabia nadar. Pensei mil coisas, sem conseguir desenvolver nenhuma. Tudo parecia tão questionável! O que era mesmo que eu curtia ler quando era uma criança? Pouca memória, nem tanta criatividade; me conformei com a tela em branco, larguei o computador e fui brincar no tapete com a cria.

Foi aí que olhei para ele, e para aquele monte de brinquedos esparramados no chão... e percebi o quanto ele, ora compenetrado, ora rolando de rir, se divertia com alguma coisa que eu, por mais que tentasse, não estava enxergando muito bem. Coisa que só ele via. Era isso! Como pude ser tão cega? Crianças não precisam de justificativas; crianças precisam de imaginação, e a imaginação não tem lógica. Crianças enxergam, sentem e amam coisas que não fazem sentido para nós mas que, no mundinho delas, são perfeitamente naturais. Para elas não existe absurdo. E foi aí que desisti de escrever uma estória PARA crianças e decidi escrever uma estória SOBRE crianças para nós, que em certos dias nem tanto, mas que algumas vezes, sem perceber, crescemos demais. Uma estória que nos lembre de que nós, que algumas vezes crescemos demais, talvez não sejamos capazes de alcançar a clareza de espírito dos pequeninos mas que, para isso, seja preciso apenas “desamadurecer” um pouco.


As janelas por onde vejo o mundo fazer sentido:
os olhinhos de jabuticaba do meu pequeno Samuel.



terça-feira, 17 de agosto de 2010

Carta a Samuel



Oi, filho.

Eu gostaria de ter-lhe escrito esta carta há mais tempo; desde que soube que você, meu sonho mais bonito e mais ansiosamente sonhado, finalmente, passara a existir. Algumas coisas, no entanto, acabaram por me atropelar e fui involuntariamente protelando a planejada cartinha. Perdoe o relaxamento da sua mãe. Com o tempo, meu querido, você perceberá que essa sua mãe é mesmo assim: meio com a cabeça em todos os lugares, meio em lugar nenhum, tanta coisa para fazer nesse mundo que você ainda não conhece mas que já o espera como se fosse a sua chegada o sentido de tudo que carece de fazer sentido, é assim que parece ser ao menos dentro do coração da sua mãe. Não se assuste com as confusões que este mundo, provavelmente, trará à sua cabecinha: à primeira vista ele parecerá estranho e difícil, mas haverá muita gente ao seu lado para lhe mostrar que, apesar de estranho e difícil, esse mundo o espera com muito amor. Não tenha medo.

A sua mãe, meu querido, veja que coisa, nascerá junto com você; a sua mãe, até hoje, era apenas uma menina crescida, sem grandes pretensões e responsabilidades. É você quem a está transformando na mulher que ela sempre acreditou que fosse capaz de ser. Seja paciente com ela. Não ria do jeito desajeitado que ela tem de demonstrar amor. Ou melhor, ria: a sua mãe, certamente, rirá junto com você e será ainda mais feliz nesse mágico instante de descontração e cumplicidade. A sua mãe espera por você como quem espera pelo momento em que nós, pobres seres humanos, frágeis, fugazes seres humanos, nos damos conta de que tudo o que vivemos, e tivemos, e sofremos nessa vida valeu a pena. E tudo valeu a pena, meu querido, por você.


Amor, da sua mãe.


sexta-feira, 4 de setembro de 2009

A Saga do Peixe Frito

**Texto publicado originalmente no Espasmos de Riso Descontrolado, blog de humor escrito em parceria com as "comparsas" Anne e Mila, trazido hoje para cá com algumas pequenas modificações. Anne e Mila, saudades!**


Alguém aí conhece outro alguém traumatizado com peixe frito?

Caso sua resposta seja negativa, muito prazer, Flávia. A origem do drama vem de longa data: no auge dos meus singelos nove anos, quase fui brutalmente assassinada por uma posta (eu disse Posta) de peixe frito. Era domingo e a família estava toda reunida em um restaurante lotadérrimo. E eu era uma garotinha fresca: sempre tive aversão a tocar a comida com os dedos, o que significa que até mesmo o peixe era cuidadosamente destrinchado com garfo e faca (uma prévia das minhas habilidades com o bisturi). As reuniões da minha família nunca foram exatamente um mar de tranqüilidade: silogisticamente, levando em consideração que cada um de nós, Amaral que se preze, vale por seis, e de que à época éramos uma grande população completamente obstinada em congregar todos os ramos vivos da nossa vasta árvore genealógica em quaisquer eventos familiares – fossem estes almoços, batizados, formaturas, aniversários ou hospitalizações por diarréia – é fácil compreender porque, em todas as ocasiões, havia sempre uma situação propícia para a instalação do caos. Foi em meio à barulheira de vozes e talheres que senti aquele troço, que mais parecia um vergalhão de aço, estacionar na minha garganta. Esbugalhei os olhos e, com as mãos agarradas ao pescoço, tentei me fazer entender em meio à confusão.

- Gá... gá... gáááá... aa...

- Fala, minha filha. O que foi? – e mamãe continuava distraída com a história de não-sei-quem-fazendo-não-sei-quê-não-sei-onde que meu tio animado, contava entre uma e outra garfada generosa de moqueca com arroz.

- Gáááááááá...

- O que foi, meu amor? Quer mais um golinho de refrigerante, quer?

- Gáááááááá...

Eu gesticulava feito uma louca com as mãos ora agarradas no pescoço, ora abanando-se furiosamente no ar, o corpo sacolejando espasmodicamente na cadeira, o rosto vermelho de desespero e raiva por estar morrendo daquela forma tão idiota – assassinada por uma espinha de peixe. A essa altura os “gááááááá” haviam já se transformado em um misto de indignação e luta pela sobrevivência. Eu tinha nove anos e estava prestes a esticar as canelas pagando o mico do ano no meio de um restaurante abarrotado de gente. Ridículo. Mais ainda do que morrer atropelada pela enferrujadíssima Caloi Barra Forte ano 75 do padeiro Moacir (meu conceito maior de morte vexatória e dolorosa até aquele momento). Não sei quanto tempo levei naquela mímica bizarra – o fato é que mamãe percebeu que não era firula e que, definitivamente, aquilo não era vontade de tomar refrigerante: ela olhou para mim e o instinto de preservação da espécie foi incontrolável, assim como o grito que irrompeu assustador da sua goela maternal.

- Socooooooooooooorro! Minha filha está morrendo! Acudaaaaaaaam!

A hecatombe que se seguiu foi o equivalente microcósmico do apocalipse (o que quer que isso signifique). Apareceu gente de todos os lados, incluindo família, garçons, gerentes e curiosos mórbidos doidos pra acompanhar a novela mexicana da “menina que estava morrendo engasgada, tadinha”. As soluções para me resgatar da morte iminente eram mais apavorantes do que a possibilidade de passar desta para melhor.

- Dá farinha para ela, minha filha – e vovó dizia isso despejando uma chuva de farinha de mandioca dentro da minha boca pateticamente aberta.

- Faz ela comer banana.

- Tragam mais água. Tem que beber água gute-gute!

E foi uma avalanche interminável de água gute-gute, farinha de mandioca, banana e “gááááááá”... Davam-me tapinhas nas costas na tentativa de me desentalar. O barulho era tanto que não duvido que tenha inclusive corrido um bolão por ali (porque em todas as situações existe mesmo a torcida do contra). Felizmente havia por perto alguém sensato o suficiente que se lembrou de chamar os paramédicos, que me enfiaram um troço na garganta e retiraram a espinha-vergalhão-pseudo-assassina.

O gerente, com medo de que o incidente manchasse a reputação do restaurante, deixou nosso almoço fatídico por conta da casa. Passei uns longos dias com a goela dolorida, e uns longos anos sem conseguir me aproximar de peixe frito, farinha de mandioca e banana; continuo destrinchando ainda mais meticulosamente a comida com os talheres. A lição? Nunca, jamais, subestime o significado oculto de um “gáááááá”!


domingo, 16 de agosto de 2009

Sobre Plágio e Outras Incivilidades

Uma vez, quando eu era apenas uma menininha, minha mãe me deu uma chinelada em cada mão porque eu havia surrupiado brigadeiros que ela havia feito para a minha própria festa de aniversário. Tecnicamente os brigadeiros eram meus e eu poderia dispor deles como bem entendesse, mas ela me fez compreender, à base de muita argumentação - tanto a argumentação verbal, que nem sempre dá certo, quanto a argumentação sempre infalível das legítimas Havaianas, porque eu apanhei pouco antes de os convidados chegarem e foi por um triz que escapei de passar um grande vexame, mas ainda assim tiver de escorregar dos que me perguntavam por que eu estava com as mãos vermelhas e um tanto inchadas - que o que PARECE nosso nem sempre é, e que deve existir uma coisinha chamada bom-senso piscando dentro da cabecinha da gente para nos lembrar sempre que não precisa existir uma plaquinha neon com o nosso nome escrito a fim de identificar o que é de um e o que é de outrem. Esse pequeno contratempo, apesar de vexatório, serviu para me ensinar a reconhecer sem margem de erro não apenas o que é de César, ou de Maria, ou de Joana, ou de Aderbal, mas, principalmente, para reconhecer o que é meu e não deixar que ninguém surrupie meus brigadeiros, sejam eles de chocolate, de papel, de pixels ou sob a forma de propriedade intelectual.

À Srta. Gabi Argolo e a todos os outros que ainda copiam trechos de determinados textos e não citam seus autores: não me importo que reproduzam o que escrevo, mas citar a autoria é questão de educação, ética e inteligência. Citem, ou não copiem. Copiar sem creditar a autoria é mais do que falta de educação: é PLÁGIO. E plágio, só pra lembrar aos que fazem questão de esquecer, é crime.




segunda-feira, 18 de maio de 2009

Constatação

Estou aqui parada diante dessa tela branca pensando, resvalando entre esboços de palavras. Sentindo. Eu não sei o que te dizer. Eu só sei que eu quero você, já.

Para sempre, quem sabe.

terça-feira, 12 de maio de 2009

Sobre Febres e Antitérmicos

Mens sana in corpore sano.

Soundtrack: Chico e Lucinha - História de uma Gata











Tenho um gato vira-lata.
Eu estava realmente planejando ter um gato, mas um de raça, peludo, de pedigree assepticamente puro - só que esse bendito gatinho vira-lata atrapalhou meus planos quando cruzou o meu caminho feito a pedra do Drummond. Feio. Microscopicamente feio, com uma crosta antiga de sujeira sobre a pelagem branca, sujeira velha mesmo para um animal com menos de duas semanas de vida. Manco. Olhudo. Levei-o comigo enrolado numa camisa e dei casa, comida, roupa lavada, CPF, RG, uma vida dentro das CNTP e amor desbalanceado, pendendo sempre para a ultrapassagem do limite superior da normalidade (mas reza a lenda que amor que é amor é sempre plus ultra). Em troca, ele usurpou a minha família, meu iogurte desnatado e o meu coração. E o último item, o tal que para ser o que é deve ser plus ultra, ele retribuiu, como retribui até hoje, igualmente sem medida, e o até então pretendido gato de pedigree asséptico virou poeira cósmica sapecada em algum lugar da minha memória de peixe.
Pois bem: há um tempo, coisa de um mês, minha irmã caçula me telefonou preocupada e meio chorosa para contar que o gato estava doente e que veterinário algum descobrira o mal de que o bichano padecia. Não comia. Não miava. Não brincava (sim, meu gatinho brinca e pasmem, abana o rabo, convencido talvez de que, equivocadamente ou nem tanto, existe um gene canino no seu DNA). Não "nada". Mas o que mais impressionava era a febre: um febrão digno de uma legião de microvilões estafilocócicos destruidores de gatinhos, no mínimo uma nada inofensiva sepse. S-E-P-S-E. Meu gatinho vira-lata, o tal que com duas semanas de vida sobrevivera no mundo em condições inóspitas e se salvara graças a seu charme e inteligência, estava prestes a ser derrotado por uma bacteriazinha chinfrim. Corre que corre com ele de veterinário em veterinário, vão-se amostras de sangue, vêm hemogramas e... surpreendentemente nada, nadinha, nem um leucócito a mais, nem a menos. O veterinário, então, bateu o martelo: febre emocional. A prescrição: atenção, em altas doses, seguida à risca, e em menos de 48 horas o animalzinho estava serelepemente curado.
E se alguém estiver se perguntando "e o que é que eu tenho a ver com isso?" eu respondo: nada. Mas quem é que que nunca teve uma febre emocional na vida, uma febrícula que fosse? Quem é que nunca se deixou atingir pelo tal virusinho ou bacteriazinha que deixa a gente com aquela terrível sensação de sei-lá-o-quê? Não existe influenza que seja páreo para a melancolia, porque tristeza não é imunomodulada - a gente não produz anticorpos contra ela, mas é cientificamente comprovado que a severa inflamação espiritual decorrente desses estados sorumbáticos é perfeita e eficazmente combatida com outro tipo de manifestação flogística: o calor humano. É uma delícia ser lembrado e receber um carinho apenas porque batatinha-quando-nasce-se-esparrama-pelo-chão. É bom, é inexplicavelmente bom ouvir um inesperado "te gosto", ou "que saudade de você", ou aquele mutismo de olhos derramados com cara de cafuné, ou sentir o toque daquela mãozinha - ou mãozona - pousando na pele ou nos cabelos apenas porque deu vontade. É inexplicavelmente bom mas não apenas inexplicavelmente bom: é necessário. Porque cada um de nós é, no fundo, aquele fulano que passa distraído e sem querer querendo se deixa cativar pelas surpresas do caminho. E cada um de nós, no fundo, é exatamente como um gatinho vira-lata, com nódoas no pedigree, cruzando o caminho de alguém para carinhosamente lhe atrapalhar os planos, olhudo, manco e faminto, esperando para ser enrolado numa camisa e num coração. Plus ultra.
Você já abriu seu coração hoje?


P.S.: pessoas, esse é meu Theo.
P.S. 2: vocês se lembram o que são as tais CNTP, não lembram? ;)