9.3.25

PERGUNTA de ALGIBEIRA:


Nestas imagens há algo estranho. O que é?

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8.3.25

Grande Angular - É assim que os homens vivem?

Por António Barreto

Será assim? Mentindo? Fingindo? Acusando sem razão? Disfarçando? Fazendo de conta? Perdendo tempo e energias? Desperdiçando oportunidades? Enganando-se a si próprios? Louvando os seus defeitos e desprezando as qualidades dos seus rivais? Ludibriando os eleitores? Elevando à categoria de arte os mais reles sentimentos? Alimentando a corrupção e deixando vegetar o favoritismo? Sendo complacente com a aldrabice? Praticando o nepotismo e o favoritismo impunes? Escapando à justiça como rápidas aves de rapina?

 

A presente crise de governo, de partidos, de instituições democráticas e de estabilidade não resulta de agitação social, de problemas económicos graves e repentinos, de perturbações internacionais e financeiras, nem de qualquer desastre sanitário, climático ou natural. Pelo contrário, é a crise política, o protagonismo dos políticos, a autoridade política e a condução política do Estado e da nação que criam ou vão criar problemas económicos e financeiros, debilidade institucional, vulnerabilidade democrática e desordem social. E também é a crise política que provoca dois dos fenómenos mais nefastos da vida nacional: a abstenção (ou desinteresse) e o partido Chega.

 

O enredo da crise actual mais parece obra de inspiração do Teatro de Revista. Ninguém mostra bem o que é nem o que quer. Ninguém é o que parece. Ninguém cumpre o que promete. A mentira e a dissimulação são artes criativas, não são defeitos. Nenhum partido deseja eleições. Mas todos acusam os outros de as querer. Todos os partidos garantem que estão prontos para eleições, estão sempre prontos para eleições, mas na verdade não estão preparados, nelas não vêem vantagens seguras porque nelas não adivinham promessas de vitórias. Realmente só querem eleições quando sentem que as podem ganhar ou quando acreditam que podem aumentar, por pouco que seja, os seus grupos parlamentares ou as suas hipóteses de entrar para o governo. Na verdade, estão dispostos a tudo para as evitar. Cedem uma moção de censura, negoceiam uma comissão de inquérito, trocam uma moção de confiança e mercadejam um inquérito da Procuradoria. Ameaçam dizer tudo sobre os outros, contra os outros, mostram-se dispostos a revelar, mantidos em carteira para estas ocasiões, negócios e mentiras dos outros. Tratam das moções de censura e de confiança, ou antes, da vida parlamentar, como quem joga matraquilhos. Aliás, terá sido talvez nestas últimas legislaturas que a actividade parlamentar mais se rebaixou. As comissões de inquérito transformaram-se nas arenas preferidas para as artes e as manhas. O tom do debate conheceu novos precipícios de má-criação e de hostilidade gratuita. As exibições televisivas destruíram a qualidade nobre da discussão parlamentar.

 

Havia quase tudo. Há talvez dez anos, mais ou menos, parecia não faltarem motivos de esperança e energia. Ordem social de qualidade razoável. Algum capital nacional e promessa de muito capital europeu. Números e indicadores económicos que desmentiam os cépticos. Hipóteses de estabilidade política e institucional. Colaboração intencional entre Governo, Parlamento e Presidente da República. Uma atenção cuidadosa do resto do mundo, dos europeus, dos americanos e dos outros continentes, para os trunfos portugueses.

 

Lentamente, paulatinamente, tudo se modificou e tudo se agravou. Cada vez mais os portugueses procuram ir viver para o estrangeiro, sobretudo os jovens, os técnicos, os formados e os quadros. A saúde perdeu o pé e desorganiza-se. A capacidade de oferecer oportunidades aos imigrantes transformou-se numa quase indústria de tráfico ilegal, de redes criminosas, de angariadores sem escrúpulos e de empregadores mestres em exploração do trabalho clandestino. Depois de revelar uma inesgotável energia na sua contribuição para a mudança e o progresso, o turismo transformou-se numa hecatombe destruidora da urbanidade, da qualidade de vida, da solidez económica e da paisagem. Gradualmente, através da segregação social e graças ao descontrolo das políticas demográficas e de imigração, a sociedade portuguesa desenvolve apartheids e inventa novas formas de exclusão. O país parece especializado em oferecer, aos imigrantes pobres, vastas oportunidades de habitação esquelética, de quartos sórdidos, de empregos desvalorizados, de estatuto de inferioridade, de salários miseráveis e de vida paralela. Empresas e sectores públicos foram sendo desbaratados, desorganizados, entregues a outros interesses estrangeiros, públicos ou privados, mas não certamente interpretes do interesse nacional.

 

Há, evidentemente, boas notícias. Nalguns sectores da ciência e da técnica, numa ou noutra arte, na ressurreição de aglomerações do interior ou da província, na actividade cultural de algumas câmaras municipais, na vida de umas tantas empresas de sectores muito especiais e em certas produções agrícolas, como o vinho e as hortofrutícolas em geral. Mas não são essas as tendências dominantes. Os “nichos” de progresso, de justiça, de criatividade e de bem-estar são isso mesmo, “nichos” minoritários. 

 

É assim que os homens vivem? À beira do precipício e a preparar o desastre? Defendendo ferozmente a liberdade de mentir e fingir? É assim que os partidos sobrevivem, mas não é assim que os homens vivem. Por entre dores e sofrimento, no meio de alegrias e felicidade, sempre à beira da contradição, entre a sorte e a ameaça, como talvez dissessem Aragon e Ferré, não é assim que os homens querem viver. Era bom que as elites, os políticos, os artistas e os dirigentes da empresa e do trabalho percebessem.

 

Sabemos que a política é uma actividade humana. Como as outras. Com todos os defeitos e virtudes. Como a economia, a escola, a empresa, a religião, a cultura ou o futebol. Mas também sabemos que a política não é uma actividade como as outras. Porque é feita em nosso nome. 

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Público, 8.3.2025

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6.3.25

VAMOS CONTINUAR A FALAR DE TERRAS-RARAS - MONAZITE



Por A. M. Galopim de Carvalho

No passado dia 1, citei os minerais monazite, loparite, xenótima (xenothyme) e bastnasite, como sendo os que designamos por “minerais das terras-raras”. e mostrei um belo cristal de monazite, isolado, euédrico, isto é, que tem todas as faces desenvolvidas (do grego “eu”, que alude a perfeição e “edro” que significa plano, face), de todos o mais importante e conhecido. Dos restantes apenas direi que:

 

- loparite é um fosfato complexo, com cério, lantânio, cálcio, titânio e níquel;

- xenótima é um fosfato de ítrio;

- bastnasite é um fosfato complexo, com flúor, lantânio, cério, ítrio, admitindo trocas com outros elementos do mesmo grupo.

 

O nome monazite, com origem no grego “mona zein”, que, não só alude ao facto de ocorrer em cristais isolados, como ao, então, ser visto como único, no sentido de ser raro.

A monazita é um fosfato (-PO4) de vários metais, entre os quais figuram alguns do grupo das terras-raras, como lantânio (La), neodímio (Nd), ítrio , samário (Sm), gadolínio (Gd) e outros que o não são, como o tório (Th, radioactivo) e o cério (Ce).

São conhecidos quatro tipos diferentes de monazita, assim separados, tendo em conta a composição relativa dos elementos químicos presentes:

 

- monazite-cério (Ce, La, Nd, Th, Y)PO4, em que o cério é o metal mais abundante;

- monazite-lantânio (La, Ce, Nd)PO4, em que o lantânio é o metal mais abundante;

- monazite -neodímio (Nd, La, Ce)PO4, em que o neodímio é o metal mais abundante;

- monazite-samário (Sm, Gd, Ce, Th)PO4, em que o samário é o metal mais abundante.

Os elementos dentro dos parênteses estão ordenados, segundo as proporções relativas. 

 

A monazita é um mineral ligeiramente magnético, de cor geralmente castanho-avermelhada. Os dois tipos com tório são altamente radioactivos, podem ser utilizados em datações de minerais e rochas (geocronologia isotópica).

 

A monazite é bastante resistente, química e fisicamente, sendo muito pouco ou nada afectada pelos agentes atmosféricos responsáveis pela alteração química (“apodrecimento”) das rochas.

Assim sendo, ao apodrecer, a rocha que contenha este mineral na sua composição, liberta-os, praticamente intactos e é, então, que os agentes de erosão, sobretudo, a água, os arranca e os transporta. Por outro lado, a sua dureza (5 a 5,5 na escala de Mohs) confere-lhes relativa resistência ao desgaste (abrasão) provocado pelo atrito com outros grãos minerais, no seio do material essencialmente arenoso, durante o transporte.

 

A sua densidade (4,6 a 5,7), relativamente elevada face às do abundantíssimo quartzo (2,7) e dos feldspatos (2,5 a 2,8), permite que, em termos de gravidade, os seus grãos se concentrem, separando-os dos grãos desses dois minerais menos densos (“minerais leves”). Eles são, portanto, removidos das rochas hospedeiras e transportados pelas águas dos rios, ao longo de grandes distâncias, indo depositar-se e acumular-se em aluviões fluviais e até, mesmo, em areias de praias marinhas.

Ao realizar uma selecção química, mineralógica e gravítica, a Natureza dá origem a depósitos de elevado interesse económico, referidos na gíria profissional por “placers”, do castelhano, banco de areia ou de seixos rolados.

 

Um parêntese para dizer, por outras, que os “placers” são depósitos onde grãos ou fragmentos de minerais mais “pesados” se depositam, enquanto outros, mais “leves”, são constantemente removidos pela força das águas. Este processo concentra, naturalmente, minerais ditos “pesados” muito valiosos, como, por exemplo, ouro, platina, rútilo, monazite, cassiterite, e pedras preciosas como diamantes, rubis, safiras e espinelas, entre outros.

 

Em “placers”, são importantes as ocorrências de monazite na Índia, Austrália, Brasil, Sri Lanka, Malásia, Nigéria, Flórida e Carolina do Norte, nos EUA. .

Também é conhecida em pegmatitos nos estados norte-americanos de Wyoming, Novo México, Virgínia, Colorado, Maine, Carolina do Norte, bem como na Bolívia, brasil (Minas Gerais), Madagáscar, Noruega, Finlândia, Áustria e Suíça.

Em Portugal, ocorre em aluviões, em Monfortinho (Idanha-a-Nova) e em Vale de Coelha (Almeida).

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5.3.25

FAJÃ, UM ACIDENTE GEOMORFOLÓGICO COMUM EM TODA A MACARONÉSIA



Por A. M: Galopim de Carvalho

Termo de origem obscura, fajã designa uma porção de terra plana, em geral cultivável, de pequena extensão, avançada sobre o mar, constituída, nuns casos, por materiais desprendidos das arribas e, noutros ou por penetração no mar de escoadas de lava descidas da vertente. Estas últimas, designadas por “fajãs de deltas lávicos”, são particularmente resistentes à erosão do mar devido a sua natureza rochosa, basáltica, nas que conheço.

O mais recente delta lávico conhecido, encontra-se nas Canárias, na ilha de La Palma, no município de Tazacorte. Nasceu de um derrame de lava basáltica, descido da arriba, com a duração de três, início 28 de setembro de 2021, durante a grande erupção de Cumbre Vieja, permitindo mostrar com se forma uma fajã de delta lávico.

O conceito de fajã foi objecto de consagração legal, tendo o parlamento açoriano, através do Decreto Legislativo Regional n.º 32/2000/A, de 24 de Outubro, definido que se entende por fajã toda a área de terreno relativamente plana, susceptível de albergar construções ou culturas, anichada na falésia costeira entre a linha da preia-mar e a cota dos 250 m de altitude.

Este pequenos acidentes geomorfológicos são conhecidos em toda a Macaronésia, sendo muito comum nos Açores, em quase todas as ilhas, na  Madeira e em Porto Santo, em muitas ilhas de Cabo Verde e nas Canárias

Nas imagens: o delta lávico em formação, na Ilha de La Palma, e Fajã Grande, na Ilha Graciosa, Açores.

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1.3.25

Grande Angular - A consciência tranquila

Por António Barreto

Quase nunca falha. Quando um político, governante, deputado ou autarca, um dirigente da Administração Pública, um Magistrado, um empresário ou um agente da autoridade lhe disser, a propósito de casos de corrupção ou equiparados, que “tem a consciência tranquila”, é quase certo, mesmo quase, que tem qualquer coisa que não bate certo. Culpa, cumplicidade ou interesse, não se percebe bem. Mas ninguém acredita. “Ter a consciência tranquila” é uma das piores confissões involuntárias que se conhecem. A tranquilidade da consciência sucede a explicações públicas tardias e incompletas, de transparência discutível.

 

O universo da promiscuidade e da corrupção é tal que não se consegue saber onde começa e acaba, onde é frequente ou raro. Nas autorizações de construção? No futebol? Na venda de património do Estado? Na aquisição pelo Estado de grandes equipamentos, sistemas e material de guerra, etc.? Na aprovação de projectos (comboios, aeroporto, etc.) verdadeiras âncoras de actividades ilícitas?

 

Por outro lado, é verdade que as tradições se têm revelado maleáveis perante este universo das influências e do favoritismo. Colocar amigos, familiares, correligionários e companheiros parece fazer parte do comportamento político. Ocupar lugares na Administração, no sector público e empresarial, nas autarquias e nas empresas é actividade quotidiana. Receber pensões, bolsas, avenças e indemnizações de grandes montantes e enorme escala, em contas estranhas, numeradas ou com pseudónimo, algures no mundo, das Caraíbas ao Luxemburgo, da Ásia ao Próximo Oriente, parece possível. Tomar decisões “estruturais” sobre sectores da economia, empresas e autorizações a longo prazo, que condicionam e facilitam futuros investimentos, processa-se num “caldo de cultura” aparentemente “normal” e “legal”, que pouco tem de um e de outro. Receber presentes, de relógios de pulso e viagens de jacto privado a fundos e doações pode parecer aceitável. Receber comissões fictícias por favores e decisões a tomar, ainda no segredo dos deuses, não parece ser grave. Emprego para a filha e o neto, colocação para o cunhado e a sobrinha ou cargo para a mulher do amigo ou o tio da amiga parece já não chocar, a não ser que seja necessário tornar pública uma campanha de demolição pessoal. 

 

Mas depois… há o clima mental contra os ricos, contra os proprietários, contra quem tem o que quer que seja, capital, acções ou quotas. Parece que só pode fazer política quem tenha a educação restrita, o salário mínimo, um emprego do Estado, uma função na autarquia ou um cargo no partido. Por outras palavras, quem trabalhe para o Estado ou quem ganhe muito pouco e não tenha bens nem propriedades. São ideias macabras que diminuem direitos, criam desigualdades e provocam ainda mais corrupção.

 

Há o ambiente da “ética republicana”, recurso retórico, mas que, na verdade, se traduz simplesmente na regra de fácil acepção: quem tem os votos, manda. Quem não tem os votos, obedece. Quem tem os votos, nomeia e decide. Quem não tem, cala e consente. Evidentemente, há uma variante: a regra republicana aplica-se bem quando somos “nós” quem tem os votos… Quando são “os outros”, a regra então é a de respeitar a oposição, no melhor espírito republicano. Esta “ética republicana”, associada a políticas moderadas e a alianças ponderadas, poderia servir de incentivo às reformas e à moralização democrática da sociedade. Não! Em vez disso, parece ser um estímulo ao favoritismo. 

 

Em tantos casos conhecidos na história recente do nosso país, o problema parece estar mais do lado da explicação do que da acção. Muitas vezes, diante da verdade, os visados reagem mal, não reagem, negam, garantem a consciência tranquila, depois corrigem, logo a seguir rectificam, depois esclarecem, mais tarde clarificam, não sem antes acrescentar uns pormenores que ficaram na penumbra…. Passam dias, semanas e meses, com cenas indecorosas de acusações mais ou menos fabricadas e de defesas pusilânimes, sempre com o esclarecimento mínimo. A cada explicação enviesada, surge mais um pormenor que complica. O que parece uma falta, um esquecimento, cedo se torna num pecadilho, rapidamente transformado em pecado venial, pecado leve, antes de vir a ser pecado mortal e falta grave. 

 

É difícil perceber a razão pela qual, após cinquenta anos de democracia e dezenas ou centenas de casos de corrupção, favoritismo, peculato ou prevaricação, um eleito, autarca, deputado ou governante, não trata, na véspera de tomada de posse, de vender o que tem e não deve ter, de criar um “blind trust” e de revelar tudo o que fez e tem e que possa ser considerado fonte de conflito de interesses. Não se entende a perversão moral e política que leva os eleitos a considerar que “a eles” nunca chegarão, que nunca nada de mal fizeram e que venais são os outros. Não se compreende a razão pela qual um eleito, um político, um alto funcionário não sente sequer o receio do abismo, o medo de ser apanhado, o risco de estar numa posição em que inimigos, adversários, invejosos e justiceiros tudo farão para os descobrir. 

 

No campo das respostas a estes mistérios, há uma primeira, interessante, mas insuficiente. Na verdade, os visados estão de tal maneira cheios de si próprios, convencidos de que a pátria ou a autarquia não podem viver sem eles e certos de que tudo quanto pensam e fazem só pode ser para bem de todos, que não lhes ocorre sequer que o que fazem ou deixam de fazer não o seja em nome da virtude e para o bem de todos. Esta hipotética candura serve para telenovelas, mas não convence.

 

Talvez a resposta seja outra. O que explica a falta de instinto de sobrevivência e a ausência de medo de perda de honra é o sentimento de impunidade. A ideia de que a justiça nunca chega ou, quando chega, é tarde e mal. A sensação de que o processo judicial é de tal modo condicionado, vulnerável, burocrático e injusto, que a “sua vez” nunca chegará. A esperança de que haja sempre meios para convencer jornalistas e outros profissionais a orientar as denúncias e as explicações. A justiça falha neste universo de complacência. Falha o sistema e falham muitos dos seus magistrados e oficiais. Não necessariamente que sejam corruptos, mas não têm noção do que depende deles, do que de importante seria o seu contributo para uma sociedade mais justa. A promiscuidade entre política, Administração e Justiça é tão profunda que a complacência tem esse efeito, o de “normalizar” o que não o deveria ser.

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Público, 1.3.2025

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28.2.25

TERRAS-RARAS



Por A. M. Galopim de Carvalho

Terras-raras é hoje um tema actualíssimo no discurso a circular nos media, sem que muitos dos que falam e escrevem e muitos mais dos que ouvem e lêem, tenham conhecimento do que são. Podia não ser assim, mas lamentável e tristemente é esta a nossa realidade. Há décadas que a nossa escola tem vindo a dar diplomas, nas não deu e continua a não dar cultura, seja humanística, seja a científica. É claro que há excepções, mas é da generalidade que estou a falar.

Acontece que, em finais do século XVIII, quer para os químicos como para os mineralogistas, os óxidos da maioria dos metais constituíam um grupo então designado por “terras”, “jorden”, para os suecos, “Erde”, para os alemães, “earth”, para os ingleses, e “terre”, para os franceses. Nós, os portugueses, continuávamos distraídos e já, nessa altura, éramos um povo atrasado, na cauda da Europa.

 

Face ao qualificativo “raras”, toda a gente será levada a pensar que se trada de substâncias que ocorrem em quantidades ínfimas, mas não é o caso. Por serem de difícil separação e por serem apenas conhecidos em minerais oriundos da Escandinávia, foram então (estamos a falar de finais do século XVIII, nos alvores da Química e da Mineralogia) considerados "raros", qualificação ainda hoje utilizada, apesar de alguns deles serem relativamente abundantes na crosta terreste. Todos eles são mais abundantes do que metais como a prata e o mercúrio, por exemplo.

 

Os metais destas “terras”, ou seja, destes óxidos, são, de acordo com o que a Química nos ensina, um grupo de 17 elementos da Tabela Periódica dos Elementos Químicos, dos quais, 15 pertencem ao grupo dos chamados lantanídeos, isto é, os que ali vão do lantânio ao lutécio, aos quais se juntam o escândio e o ítrio, todos eles elementos que ocorrem nos mesmos minérios e apresentam propriedades físico-químicas semelhantes. 

As principais fontes com interesse económico para serem exploradas são alguns minerais relativamente raros (cujos nomes, para quem quiser saber, se indicam no final do texto) e certas argilas ricas em óxido de ferro, qualificadas de lateríticas.

 

Apesar da sua abundância relativamente elevada, como se disse atrás, os minerais das terras-raras são mais difíceis de explorar do que os minerais de metais como o cobre, o chumbo, o zinco e muitos outros. Esta dificuldade torna os metais das terras-raras relativamente caros, pelo que o seu uso industrial foi limitado até serem desenvolvidas técnicas de separação de alto rendimento, tais como, cristalização fraccionada, troca iónica, em meados do século XX.

As terras-raras têm aplicação em grande variedade de modernas tecnologias de ponta, mais que evidente interesse económico, justificativo duma procura que ressalta nos noticiários de todos os dias.

Para os geólogos, as terras-raras ajudam a conhecer as fontes magmáticas de certas rochas, permitem datar alguns minerais, entre os quais, certas granadas, através da abundância relativa do par neodímio/samário. Mas o seu interesse científico não fica por aqui. Alarga-se a determinados campos da Biologia, da Medicina e outros.

Estima-se que grande parte das terras-raras esteja localizada na Ásia, com especial destaque para a China. 

Cientistas de finais do século XVIII, a que se refere o texto acima:

Karl Wilhelm Scheele, (1724-1786), químico sueco; 

e químico sueco;

Torbern Olof Bergman (1749-1817), químico e mineralogista sueco; 

John Lukas Woltersdorf (1721-1772), mineralogista alemão; 

Joseph Priestley (1733- 1804), químico inglês); 

Antoine Lavoisier (1743.1794,) químico francês.

 

Principais minerais com elementos da terras-raras:

monazitebastnasite, xenothyme e loparite. Se quiser saber o que são, procure facilmente na net,

O grupo das terras-raras inclui os seguintes elementos químicos: 

LantânioCério, Praseodímio, NeodímioPromécio

SamárioEurópio, GadolínioTérbioDisprósio, 

HólmioÉrbioTúlio, ItérbioLutécioEscândio e Ítrio.

 

Nota: A Tabela Periódica é uma disposição sistemática de pouco mais de uma centena de elementos químicos, iniciada pelo químico russo Dmitri Mendeleev, em 1869.

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27.2.25

CLIMAS E PAISAGENS (1)



Por A. M. Galopim de Carvalho

As diferentes paisagens da Terra, em qualquer momento da sua história, foram e são, em grande parte, reflexo das características meteorológicas aí prevalecentes. Esta afirmação é evidente para a generalidade dos cidadãos que, embora nunca tenham formulado esta conjectura, têm-na por adquirida. Sem saírem deste nosso rectângulo, no ocidente da Europa, todos relacionam os campos verdejantes do Minho com a maior pluviosidade anual ali verificada (2000 a 2400 mm) e as terras de sequeiro do sudeste alentejano com os menores valores dessa mesma precipitação atmosférica (<600 mm). 

À escala mundial, a televisão mostra-nos constantemente imagens dos múltiplos visuais do nosso planeta marcadas pelo clima, sejam, por exemplo, a floresta equatorial da Amazónia, os glaciares do sul da Argentina, a pradaria norte-americana ou a estepe siberiana, a tundra boreal ou as areias escaldantes do Saara.

Embora na explicação da paisagem, haja que ter em conta o enquadramento geológico regional, com destaque para a natureza das rochas (granito, xisto, calcário, etc.) que lhes servem de substrato e da respectiva estrutura (modo de ocorrência dos corpos rochosos: homogéneos, estratificados, dobrados falhados, etc.), a influência do clima é muito superior. Face a esta realidade desenvolveu-se um capítulo, comum à geologia e à geografia, conhecido por “geomorfologia climática”, com o estabelecimento de domínios ou regiões morfoclimáticas.

“Faça sol ou faça chuva” é uma expressão vulgar de alusão ao estado do tempo, informação que diariamente nos chega através dos boletins meteorológicos, transmitidos pela televisão, pela rádio e pelos jornais. O estado do tempo, num dado lugar, é uma manifestação de uma realidade mais vasta, própria e à escala do nosso planeta, a que chamamos clima. Em termos muito simples, entende-se por clima um conjunto de fenómenos próprios da atmosfera, na interactividade que estabelece com os oceanos (e os lagos de maiores extensões) e com as terras emersas, nas quais a latitude, a altitude, a interioridade e a cobertura vegetal têm papel mais visível. 

Temperatura, humidade do ar e pressão atmosférica são factores de clima assegurados pela energia radiante do Sol. Relacionados entre si, são os responsáveis pelas situações de tempo quente ou frio, de tempo chuvoso ou de neve ou, pelo contrário, de tempo seco. São ainda responsáveis pela existência de vento, não raras vezes catastrófico, tal a intensidade que chega a atingir. 

O clima condiciona a alteração superficial (meteorização) das rochas, a génese e evolução dos solos, a erosão e transporte (evacuação) dos materiais erodidos (os sedimentos que estão na génese de muitas rochas sedimentares), bem como a ocupação vegetal e animal, incluindo a humana. São as manifestações de clima que, conjugadas com a natureza geológica dos terrenos, determinam o tipo da paisagem que nos rodeia e todas as outras de todos os lugares da Terra.

Ao longo da sua história de milhares de milhões de anos, a mudança das paisagens foi uma constante. Praticamente imperceptível à dimensão temporal de uma vida humana, esta mudança tem pouca expressão no tempo histórico, sendo notável e bem testemunhada à escala do tempo geológico. A paisagem é um sistema dinâmico, só aparentemente estático. É como um simples fotograma de um filme, escreveu Don L. Eicher, em 1970. 

Processos geodinâmicos internos à escala global, com destaque para as translacções continentais e os enrugamentos orogénicos, ocasionaram mudanças de latitude e de altitude e subsequentes modificações climáticas que, por sua vez, determinaram mudanças

na paisagem.

Na Terra só há alteração das rochas, formação de solos e erosão, (três aspectos modificadores do relevo e, portanto, da paisagem), porque há energia solar e porque temos uma atmosfera e uma hidrosfera, duas entidades susceptíveis de captar essa energia e de a transformar no dinamismo necessário aos processos geológicos ocorrentes à superfície e, também, aos biológicos. 

As massas de ar diferentemente aquecidas pelo calor solar dão origem à circulação atmosférica, processo que se traduz na existência do vento. Nas baixas latitudes, nomeadamente nas regiões intertropicais, a incidência dos raios solares aproxima-se e atinge a perpendicular (o Sol está a pique, como vulgarmente se diz), aquecendo o ar mais do que nas latitudes das regiões polares. Nestas, a incidência desses raios é muito oblíqua e, até, rasante, pelo que a temperatura do ar é aí muito mais baixa. Esta diferença de aquecimento faz com que o ar quente suba e o ar frio desça, sendo essa uma das causas da circulação atmosférica (outra causa é da própria rotação do planeta). Por outro lado, a evaporação da água à superfície dos mares, rios e lagos e a resultante da transpiração da cobertura vegetal (uma realidade bem visível nas grandes florestas equatoriais, quentes e húmidas) fornece humidade suficiente para formar nuvens que o vento transporta e descarrega como chuva ou neve, consoante as temperaturas locais. 

É, sobretudo, a esfericidade do globo terrestre e a consequente variação da latitude que determinam a zonalidade climática de que toda a gente tem noção, ainda que sumária e empírica. Mas há outros factores que interferem nessa zonalidade, entre os quais a altitude, a proximidade ou afastamento (interioridade) face ao litoral, a existência ou não de barreiras montanhosas que impeçam a passagem de ventos húmidos e, ainda, a orientação dominante do vento nas fronteiras terra/mar.

Existe, pois, uma dialéctica constante entre o clima e a paisagem, dois aspectos que também ditam a génese e a natureza das rochas sedimentares formadas na sua dependência. As areias das praias portuguesas, à semelhança de outras das regiões de clima temperado a frio, são essencialmente constituídas por grãos de quartzo, mineral oriundo, sobretudo, da desagregação dos granitos e de outras rochas afins, características e abundantes na crosta continental. Parte significativa das areias das praias das latitudes intertropicais é essencialmente calcária, dado que resultam da trituração e acumulação de restos de conchas de moluscos e de outras partes esqueléticas de múltiplos organismos construtores de carbonato de cálcio (algas, corais, etc.) que pululam nessas regiões. São estas areias, excepcionalmente brancas, que fazem a alvura das praias das Caraíbas ou das Bahamas, entre outras, e os característicos tons de azul dos mares de coral. Foram areias deste tipo e vasas finas da mesma natureza que, uma vez litificadas, deram origem a muitos calcários, entre eles os do Jurássico das nossas Serras do Sicó, d’Aire e Candeeiros, bem como do barrocal algarvio, e testemunham o posicionamento tropical destas regiões nesses recuados tempos.

O nosso satélite, embora receba o mesmo tipo de energia, não dispõe destas duas entidades, pelo que não exibe qualquer actividade erosiva para além da resultante dos antiquíssimos impactes meteoríticos. Cessado o vulcanismo que aí existiu e diminuída a intensidade de quedas meteoríticas, as suas paisagens são praticamente as mesmas desde há mais de 3000 milhões de anos.

Nas imagens, o Minho verdejante e o Alentejo a caminho da desertificação.

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22.2.25

Grande Angular - Democracia e boa educação

Por António Barreto

O Chega não é bem-educado. Nem quer ser. A sua aparente má-criação é uma escolha e um instinto. Ser grosseiro e garoto, por vezes racista e intolerante, outras vezes presunçoso e sempre machista, fazem parte do estilo retórico e dos atributos dos deputados do Chega. Uns são-no naturalmente, outros vão-se forjando à medida em que desempenham as suas funções. Os deputados do Chega são, uns, polidos e bem-educados; outros, são simplesmente ordinários. Mas todos, ou quase, utilizam o modo áspero porque é essa a escolha do partido. Enquanto não fazem totalmente parte do sistema, têm de se comportar como “troublemakers” (agitadores ou desordeiros).

 

Apesar desta evidência, há, entre os democratas bem-comportados, alinhados e cinzentões, uma onda de revolta contra os modos do Chega. Já se fala em proibições, expulsões do hemiciclo, suspensão de mandato e pagamento de multas. Além disso, tudo leva a crer que está em formação uma comissão, ou qualquer coisa parecida, mandatada para definir regras e elaborar códigos. A aprovação de Códigos de Conduta e de elencos do que se deve ou não deve dizer, do que se pode ou não pode dizer, está no espírito de muitas almas aprumadas e reverentes.

 

É de arrepiar esta espécie de inocência bem-pensante. Depois de cinquenta anos de democracia e de liberdade de imprensa, após três ou quatro décadas de Internet e de redes sociais, passadas que são dezenas de anos de explosão das liberdades públicas, ainda há quem pense que é possível e aconselhável elaborar códigos de comportamento e normas de boa educação! “Como ser um cavalheiro no Parlamento”, “Como se comportar numa assembleia democrática” e “Como ser um político bem-educado” são títulos de livros que esperam por nós!

 

Com estas ideias, teríamos de rever uma parte importante da nossa literatura. Muito que se escreveu desde meados do século XIX, até à implantação da ditadura, seria hoje condenado por blasfémia e retórica antidemocrática. Camilo Castelo Branco, Eça de Queiroz e Rafael Bordalo Pinheiro, entre tantos outros, seriam censurados e banidos da imprensa pelo vigilantes das polícias ou das Cortes.

 

Que se aspire a que os nossos representantes, nacionais ou autárquicos, pensem bem, falem melhor, saibam exprimir-se sem recorrer a lugares comuns e fujam das banalidades cruas e boçais, é legítimo. Que se pense que tudo isso depende de um código e de normas, para já não dizer de multas e castigos, já é do domínio do infantil onírico. Ou do despotismo.

 

Qualquer proposta de elaboração do que quer que seja tem de começar por resolver os primeiros problemas. Quem define os palavrões permitidos e os proibidos? Quem estabelece a lista dos pensamentos pecaminosos traduzidos em expressões verbais públicas? Quem define os valores morais, culturais e estéticos que presidem à elaboração do código de conduta? Quem define o que é o discurso de ódio? Quem enumera as expressões e os pensamentos capazes de traduzir qualquer tipo de ódio a proibir, racista, religioso, de género, sexual ou social? Quem define e quem aprova? Quem traça as fronteiras do interdito e do legítimo? Quem são esses novos Sacerdotes ou Comissários da democracia que estabelecem as linhas morais?

 

Quem define os conteúdos, as formas e as fronteiras de três das mais frequentes realidades da vida e do debate público, a mentira, o insulto e a calúnia? Quem é capaz de traçar linhas de definição para estes casos na vida política e parlamentar, recheada, como está, de confronto adversário e de afrontamento radical, aos quais nunca faltam a energia crua e a imaginação, com os seus meios excessivos?

 

Seria bom que, antes de iniciarem cogitações sobre estes temas, partidos e deputados pensassem duas vezes nas dificuldades em encontrar quem seja capaz de elaborar essas regras de modo independente, equidistante de todas as políticas, isento de qualquer condicionante e livre de qualquer dependência. Convém não esquecer que os que definiriam, vigiariam e aplicariam tais regras podem ser muito diversos segundo as suas próprias convicções, crenças, valores, origens sociais e outras. O que é malcriado aqui, não o é ali. O que é ódio para uns, não é para outros. São muito diversas as concepções de grosseiro, ordinário e insulto próprias de um académico, de um militar, de um trabalhador, de um capitalista, de um analfabeto, de um rural e de um citadino.

 

O que querem exactamente os bem-intencionados da democracia? Querem mesmo cuidar da qualidade do debate democrático? Ou querem sobretudo calar o Chega? Aliás, o que se pretende realmente? Um código de conduta e um regimento de retórica que valem para o Parlamento ou também para todos os outros órgãos políticos? E o que assim valeria para o debate parlamentar, condicionaria também os comícios, as entrevistas aos jornais e os programas de televisão? Um deputado poderia insultar um governante ou outro deputado na rua, no jornal e na televisão? E por que não na Assembleia?

 

Com certeza que convém, na Constituição e nos Regimentos, consagrar princípios genéricos como a cortesia, a boa educação, a urbanidade, a civilidade e a polidez de cavalheiros. Assim como o rigor nas contas e a precisão na análise. E esperar que o presidente do parlamento, com a sua perspicácia e a sua experiência, saiba dirigir e manter o recato e os bons costumes. Advertir o deputado, cortar o microfone, interromper a sessão ou mandar sair da sala são meios e instrumentos eficazes, visíveis e compreensíveis, que têm capacidade para ajudar a resolver problemas. Mais do que isso, só espíritos particularmente inocentes ou mal-intencionados seriam capazes de esperar que um qualquer Código Moral teria real eficácia. Pior ainda: quem espera por regras morais e normas de conduta espera, na verdade, poder impor uma forma de moral aos outros, aos deputados e aos que o não são.

 

Há deputados e governantes mal-educados, incultos e grosseiros? Há. Sempre houve. Umas vezes mais visíveis, outras mais recatados. Há deputados e governantes mentirosos, caluniadores, capazes de faltar às leis, com cadáveres no armário e com currículo de uso dos meios do Estado em benefício próprio ou dos seus amigos? Há. Sempre houve. Umas vezes em quantidades abundantes, outras mais moderadas. Para os primeiros casos, as soluções são conhecidas: o exemplo, a opinião pública e uma imprensa livre. Para os segundos, as soluções são também conhecidas: as leis e os tribunais. Em todos os casos, a opinião pública ajuda.

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Público, 22.2.2025

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20.2.25

Chamemos-lhe empadão de frango. Mas pode ser de bacalhau


Por A. M. Galopim de Carvalho
No wok, amoleci, em azeite, cebolas cortadas em quartos de rodelas, alho fatiado e uma malagueta de piripiri. Juntei tomate (2 ou 3, conforme o tamanho) cortado em pedaços pequenos. Deixei apurar e juntei a carne de frango cozida e desfiada.

Entretanto, com o azeite no fundo do tacho, dei uma “fritadela” ao arroz, já com o tempero de sal e, logo a seguir, uma cenoura ripada e água a ferver (3 vezes o volume do arroz). Tapei o tacho e esperei uns 10 a 12 minutos.

Coloquei metade do arroz no fundo da assadeira, sobre ela o preparado descrito acima, sobre o qual espalhei o resto do arroz. Reguei com um pouco da água de cozer o frango, acalquei, para compactar, e decorei com rodelinhas (obtidas com o descaroçador) de pimento verde e vermelho. Pincelei com ovo batido e levei ao forno, a 190 ºC, por cerca de meia hora.

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18.2.25

DO LABORATÓRIO À COZINHA

Por A. M. Galopim de Carvalho

Vinte e quatro anos depois da jubilação, eis-me a publicar mais um livro em que se fala de açordas, migas e outros comeres, como diziam os rurais alentejanos no tempo em que, como adolescente, pude conviver com eles. Nos três anteriores, “Com Poejos e Outras Ervas”, “Açordas Migas e Conversas” e “Com Coentros e Conversas à Mistura”, além de receitas culinárias, fala-se “de tudo e mais alguma coisa”, da crónica à ficção, da mineralogia e geologia à história e à filosofia, das artes à sociologia. Neste, síntese dos anteriores, a que se acrescenta o que fui editando na minha página do Facebook apenas das muitas confecções aprendidas e criadas, todas elas da gastronomia alentejana ou nela inspirada.

Durante quarenta e quatro anos, primeiro como aluno, depois como docente e investigador nas Universidades de Lisboa e de Paris, no domínio das rochas sedimentares e dos seus minerais, o laboratório, com recursos à química e à física, foi uma constante na minha vida. Um laboratório foi, ainda, o que, respondendo a uma solicitação do saudoso professor Orlando Ribeiro, criei no Instituto de Geografia da Faculdade de Letras de Lisboa, onde a investigação em sedimentologia estava na base da geomorfologia.

Quando o limite de idade me arrumou, contra minha vontade, na “prateleira dos reformados e pensionistas”, toda a parafernália laboratorial que por amor à arte, por assim dizer, me entrara no coração, parece ter encontrado continuidade e conforto na da cozinha. Gobelets, provetas e erlenmeyers viraram tachos, panelas e frigideiras; cloretados, oxidados e sulfatados tomaram o lugar dos refogados, guisados e estufados; átomos e iões foram substituídos por bagos de ervilha e por feijões; a torneira com água fria e quente é a mesma, os queimadores de gás do fogão passaram a bicos de Bunsen e o forno fez as vezes da estufa.

Acontece que, em criança de 9,10 e 11 anos, era eu que, a mando de minha mãe, ia ao talho e ao mercado municipal, com o recado bem metido na cabeça, comprar o peixe, as hortaliças e a fruta. Ia também à mercearia, em busca do arroz e das massas, do feijão e do grão, do açúcar e da farinha, da manteiga e do azeite, nesse tempo, tudo a granel, aos quilos e meios-quilos, litros e meios-litros. Com essa experiência aprendi a relacionar os produtos que trazia para casa com as confecções que vinham à nossa mesa, numa família de pai, mãe, seis filhos e uma tia viúva, irmã da minha mãe, uns 18 anos mais velha do que ela. Acontece, ainda, que muito cedo ganhei interesse pela cozinha e que a minha mãe teve gosto e paciência para me ensinar os rudimentos que me permitiram caminhar “pelo meu pé”, descobrir o que fui descobrindo e criando o que o acaso fez surgir, sempre inspirado na cozinha tradicional alentejana.

Nos anos em que fui profissional a tempo inteiro, mais precisamente, entre 1961 e 2001, sempre gostei de, aos fins-de-semana, feriados e períodos de férias, me entreter na cozinha. Nos outros dias trabalhei naquilo em que me tornei profissional. E com que gosto! Com tanta a entrega e tanta a obsessão que costumava dizer estar sempre em férias, modo eufemístico de dizer que nunca me lembrava delas. Nos três anos que vivemos em Paris, no 5ème arrondissement, Rive Gauche, a Isabel e eu, alugámos um apartamento com uma pequena, mas funcional, kitchenette, íamos ao mercado na Rue Mouffetard, tal como os nossos vizinhos, e cozinhámos o tempo todo, ora um, ora outro.

Este outro livro, certamente o último que farei, encaro-o como um poema à gastronomia alentejana, como arte colectiva e ancestral de um povo que aprendeu a tirar das ervas, que a Natureza pôs à sua disposição, os aromas e os sabores que a caracterizam.

Importante atractor do já chamado turismo gastronómico, a gastronomia regional é um pilar da identidade da área territorial a que se refere e um património cultural que valoriza a relação entre a mesa e a sociedade locais. A gastronomia oferece ao viajante verdadeiras experiências muito pessoais e autênticas dos locais por onde passa, uma vez que, sentar-se à mesa para almoçar ou jantar, é uma necessidade de todos os dias. E a verdade é que quem viaja procura, cada vez mais, experiências que liguem os locais visitados ou a visitar às respectivas raízes culturais, e os “sabores” são uma parte importante dessas raízes. É por isso que, no dizer do colunista gastronómico espanhol Xavier Domingo (1929-1996), «Los libros de cocina son materia prima para historiadores, sociólogos, psicólogos, filósofos e incluso – termina com humor - para cocineros”. Sabemos que a gastronomia representa uma fatia importante do turismo cultural e também sabemos que este está intimamente ligado ao turismo rural, pela relação que tem com a agricultura e a pecuária que estão na base dessa mesma gastronomia.

Quem me conhece sabe que cozinhar tem sido para mim um hobby, à semelhança de outros, como a bricolage, a escultura, a pintura e, ultimamente, a escrita. Não sendo gastrónomo, gosto de ler sobre gastronomia, a «nona arte», como a distinguiu o conhecido gastrónomo, escritor e jornalista, Albino Forjaz de Sampaio (1884-1949), além de que aprecio, e muito, os bons sabores e gosto de «pôr as mãos na massa», no dizer de José Quitério (1942-), o jornalista fundador da secção de gastronomia do semanário Expresso.

Revejo-me nas palavras de Alfredo Saramago (1938-2008) que escreveu, em 1994, «O homem que gosta de cozinhar é um ser social por excelência.» E é isso mesmo que eu sei que sou. Com efeito, é em confraternizações de amigos e familiares que mais gosto de cozinhar.

“Do Laboratório à Cozinha” é um apanhado de ideias e sugestões passadas a escrito, cujo objectivo é dar a conhecer confecções caseiras, muito simples, vindas de pais e avós, amigos e conhecidos, citadinos e rurais, quase sempre com a marca mais ou menos visível da grande província que é a minha. Não indica quantidades nem tempos, nem se preocupa com os modos de preparação. Neste propósito, destina-se a toda aquela ou todo aquele que conheça os rudimentos da cozinha, deixando a cada um a liberdade de fazer delas o que melhor entender.

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