quarta-feira, 21 de março de 2012

Incondicional





     Quando amamos surge, inevitavelmente, em nós, um novo olhar sobre o mundo. E começamos a dar conta das coisas que antes pairavam despercebidas. O tempo vai passando, o elo de proximidade se solidifica, o cuidado cresce. Somos conduzidos a seres melhores e sentimos vontade de contagiar todos à nossa volta. Como é bom sentir a felicidade reinando, sorrateira, nas nossas manhãs! No encontro, é preciso se deixar amar, sem restrições, sem regras, sem amarras. Senão, a semente não prosperará, mesmo em solo fértil. O amor não tem nada a ver com acordo de partes, é muito mais do que isso... Começa da admiração e se consuma no respeito pelo próximo. Amor é parceria, confiança, estreitamento. É enlace, ternura e desejo. Quando se ama verdadeiramente, a entrega é a recompensa. E naturalmente surgem as cláusulas do amor, sem precisar de conjunções, condições ou imposições. Ama-se, simplesmente. Não se escolhe um motivo para amar ou desamar. O amor, por si mesmo, é incondicional!


                             Mara Melinni 

domingo, 11 de março de 2012

Verdade ou mentira?





"Quando a gente descobre algumas verdades, 
parece que todo o resto foi mentira." 
Tati Bernardi


     Estava no meu quarto, tentando esquecer o que passei a noite inteira lembrando. Sabe aquela sensação de mal estar contínuo e ininterrupto de quando você se sente enganado por algo ou alguém em quem confia(va)?... É mais ou menos isso que se passava dentro de mim. Doía tanto, que parecia possuir uma amplidão maior do que uma dor física. É um pedaço de você que começa a desabar, lentamente. Bem estranho render-se a isso, mas será que há como evitar? Eu não consegui, naquele momento, pensar que haveria. Era intenso, um misto de raiva e de desilusão; de desgosto e de desengano. É uma confusão sentimental devastadora, que sufoca e que deságua num mar enorme de lágrimas. Contudo... passa. Porque quando a verdade aparece, por pior que seja, ela é suprema. Ela nos retira a venda dos olhos. E esvazia o falso pote de sinceridade... devolvendo-nos os sentidos legítimos que permaneciam enganados (pelo nosso próprio querer). A dor diminuiu. Tentei buscar respostas e acomodá-las em mim. E ficou, no final de toda a confusão, um medo de confiar novamente... Porque, no final das contas, o que se espera da vida se resume ao resultado de uma adição. Não de uma subtração. E é assim que nos sentimos quando a mentira se torna verdade.

                                Mara Melinni

sexta-feira, 2 de março de 2012

Lembrança de uma caixa de sapato






Era o começo de uma tarde tranquila de fim de semana. Não fazia muito sol e as nuvens pareciam combinar um gesto amigo no céu, criando uma sombra agradável no jardim. Eu tinha acabado de almoçar, mas ainda podia ouvir, ao longe, o barulho dos últimos pratos e talheres que eram removidos da mesa, enquanto vozes sussurravam, entre risos, da cozinha.
Eu estava pensativa e fui me sentar debaixo das árvores. Da cadeira de balanço, no embalo do vai e vem, comecei a olhar para os meus pés pequenos, que buscavam apoio no portão da varanda. Uma leve sonolência me envolvia e revivi, naquele momento, algumas cenas e sensações dos meus primeiros anos na escola, que retornaram em uma lembrança encantadora.
E pensar que tudo começava daquele mero olhar de pés...! Partia por uma viagem no tempo... Recordava-me, perfeitamente, dos chinelos que usávamos nos primeiros anos da escola. Eram todos iguais, de borracha e couro, na cor azul escuro. Minha mãe sempre comprava um número acima do meu, senão não suportariam o final do ano, já que pé de criança cresce num piscar de olhos.
Mas o auge da minha ansiedade era passar para a antiga primeira série. Deixaria de lado as sandálias azuis, que combinavam com batinhas de algodão, com uma cor para cada ano, feitas com bicos e com o nome bordado no bolso que geralmente ficava na frente, onde todos os alunos costumavam trazer um lenço. Esse era o uniforme e tudo era preparado, com capricho, em casa.
Enfim, eu estava crescendo. Já sabia ler e escrever. Era tempo de assumir novas responsabilidades e de, finalmente, poder usar o tão sonhado objeto dos meus desejos (e de todas as meninas de seis anos de minha época)! Eu nunca me esqueci da primeira vez em que coloquei os meus pés dentro daquele sapato-boneca! Ele era perfeito, preto, com um detalhe que me orgulhava: tinha um salto quadrado, mas, enfim, era um salto!
Foi amor à primeira vista, um sucesso. Eu queria passar o dia inteiro desfilando com eles nos pés, dentro de casa. Mas minha mãe logo veio me explicar que os sapatos deveriam ficar na caixa, esperando pelo primeiro dia de aula. Eu adorava estar de férias, mas a ânsia de sair com eles, pela primeira vez, fazia-me desejar que os dias corressem.
Para completar, havia outra novidade. Eu, enfim, usaria um novo fardamento na escola, composto por camiseta branca, com o símbolo do educandário pintado no peito, e mais: calça! Sim, calça de tecido azul escuro, que geralmente era brim. Tudo isso, com os meus sonhados sapatos, combinados com meias brancas. Parecia um conto de fadas ir para a escola...!
E eu me sentia tão majestosa naqueles trajes, que não gostava do dia da educação física, quando os sapatos-boneca ficavam repousando em um dia merecido de folga. Pena que só cheguei a usá-los por dois anos, pois a escola resolveu adotar o tênis como o calçado oficial, para a tristeza de outras tantas meninas que aguardavam o momento de usar os seus quase sapatinhos de cristal.
Sinto saudade... A magia daquele singelo par de sapatos devolve-me puras e valiosas sensações. Olho para os meus pés, após um cochilo no tempo, e a lembrança revivida em minúsculos detalhes, leva-me a rir à-toa... E a vida recupera, mais uma vez, todo o encanto que eu guardava dentro daquela caixa de sapatos...!

                 Mara Melinni

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