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sexta-feira, 3 de novembro de 2017

tia lena



já arranjou o meu saco, Elisa?; não se esqueceu do meu saco, não?; assim foste repetindo ao longo do dia. e, na manhã seguinte, continuaste; não me desaperte a camisa, Elisa, temos de ir apanhar o comboio!; e para onde vamos, menina?; eu não sei, Elisa, a Maria Arminda é que mandou!

e assim foste, tia lena, no teu recato habitual, como se não quisesses incomodar ninguém na tua partida, e apanhaste esse comboio que a avó mandara.

sei que levas a bagagem cheia, de uma vida que entregaste aos outros, com a tua ternura infinita e o teu sorriso discreto. sei que na bagagem levas um bocadinho de nós, de todos os que tivemos a sorte de partilhar contigo as nossas vidas. 

mas fica também tanto de ti connosco. ficam as vezes que encontrámos conforto no teu colo; ficam as noites passadas lá em casa, na cama ao lado da tua, com a Rosinha, a boneca que dava gargalhadas; ficam as férias, as primeiras idas à praia, o carinho; ficam os dias da escola primária, em que nos esperavas à porta, tantas vezes apenas para nos acompanhares nos 200 metros até casa da avó; ficam as tardes em dia de catequese passadas contigo, lá em casa; ficam as tuas palavras e o teu sorriso, de uma doçura imensa, quando nos falavas do nosso amigo jesus; ficam os lanches que a Elisa nos preparava; fica o teu amor pelas bonecas, pelas caixinhas, pelos pacotinhos de açúcar, pelos porta-chaves, pelas caixas de fósforos e por todas as colecções - foi uma paixão que herdámos de ti; ficam as flores de que tanto gostavas; ficam os cães que fizeste sempre questão de manter por companheiros; ficam os dias passados a fazer esculturas de plasticina; ficam os almoços de domingo em tua casa; ficam as noites de natal e os dias de festa em nossa casa; fica aquele prémio de dança que há anos ganhaste no hospital; ficam as idas ao picoto e o teu sorriso ao olhar de cima a cidade; ficam as nossas conversas, já mais recentes, sobre os meus meninos da catequese; fica a tua alegria ao rever, nos últimos anos, os filmes da nossa infância; fica a tua presença, sempre tão inteira, sempre tão conciliadora, sempre tão carinhosa. e ficamos nós, nós que tanto crescemos graças à tua dedicação e ao teu carinho, nós que sempre te olhámos como um modelo e que te continuaremos a levar connosco aonde quer que formos.

agora partes nesse comboio, no lugar ao lado da avó. sei que partes em paz. sei que estavas preparada para esta viagem e estás certamente sorridente, a olhar por nós, como sempre fizeste.

boa viagem, tia lena. vamos sentir muito, mesmo muito, a tua falta.

domingo, 11 de setembro de 2016

una

fez, na passada sexta-feira, um ano de que a una, uma das autoras mais antigas deste blogue e uma boa amiga, partiu.
ficará sempre guardada no mais fundo dos nossos corações, pelas palavras, pelos sorrisos, pelas recordações.

por tudo, una, muito obrigado.




se, no silêncio, te tentasse recriar,
como se houvesse ainda um gesto teu,
como uma onda que rebenta e volta ao mar,
como um livro que ainda não se leu...

se, no silêncio, te pudesse encontrar,
como uma brisa de que a morte se esqueceu,
como se a noite fosse apenas o lugar
onde o teu corpo, cansado, se abateu.

talvez ainda te pudesse ver sorrir,
nesse teu sorriso aberto e cristalino.
como uma porta com receio de se abrir,

ficam as letras que juntaste em desatino;
e, para aqueles que a quiserem ouvir,
haverá sempre a música do teu violino.

quarta-feira, 4 de junho de 2014

carta a uma avó incansável. (effusus #26)

querida avó,

sempre encontrei abrigo na firmeza das tuas mãos e na ternura dos teus olhos.

o sorriso com que brindaste todos os meus passos foi para mim sempre uma certeza.

sempre soube que, por mais que crescesse, nunca deixaria de ser o teu menino.
o mesmo que seguraste nos braços tantas e tantas vezes. o mesmo com quem brincavas tardes inteiras. o mesmo a quem aturaste tantas birras e choradeiras. o mesmo que queria ir contigo aonde quer que fosses (e que tu sempre levavas). o mesmo que perdeu o tigrinho em paris e não descansou enquanto não o encontraste. o mesmo que perguntava em tom jocoso à campainha "é para a reunião?" sempre que reunias as tuas amigas lá em casa às quartas-feiras. o mesmo que usava as costas do teu sofá para fazer de barco. o mesmo que te tirava os bibelôs da exposição. o mesmo com quem passavas horas a contar estórias com os pedaços de fruta para que os comesse.

e tu sempre com o mesmo carinho, a mesma luz, a mesma dedicação.

sei bem que não partiste este domingo.
muito do que sou hoje foi talhado por ti. muito do que somos, na verdade.
eu, o rui, a catarina, o pai, o avô e a tia lena. e todos os outros em cujas vidas foste entrando.
e foram tantos.

sei que trarei sempre esculpido em mim o teu sorriso, e que continuarei a ouvir a tua voz a dar-me segurança.

"avó é duas vezes mãe", fartavas-te de me lembrar. mas foste mãe tantas vezes que lhe perdi a conta.

hoje sei que continuas a olhar por nós. sei que nos proteges e nos seguras.
e sei que sorris, porque é só assim que tu sabes olhar para nós!

gosto tanto de ti, avó!

um beijinho enorme do teu neto do meio,
nuno.

terça-feira, 1 de abril de 2014

do delírio - effusus #16

vou passando entre as vielas que se desenham no centro da cidade. feixes de luz cinzentos invadem-me os olhos e encenam um nó na minha garganta. há qualquer coisa de grotesco nestes repentes titubeantes da natureza, como se só deles pudesse depender a claridade.

depois, o vulto. o eterno vulto imaginado, de arestas limadas pela revisitação dos dias. tu. entrego-me nessa volúpia frenética de te distinguir. o teu olhar. o teu sorriso. a tua boca. o teu perfume. as tuas mãos. as mesmas mãos que tantas vezes segurei por caminhos impenetráveis.

repito, sem querer, todos os pedaços de vida que partilhei contigo. as palavras, os gestos, as canções e os encantamentos. cada um é tão real como os feixes de luz cinzentos que me invadem os olhos e encenam um nó na minha garganta. então descanso. num silêncio quase perturbante, deixo esvair o corpo. ao reabrir os olhos, não dou com os teus vestígios.

a tua realidade pode ter sido sempre imaginada. mas neste final de tarde, ao relento, a tua ausência é tão real, tão absoluta, que em silêncio me escorre pelo rosto.

quarta-feira, 5 de março de 2014

uma criança - effusus #10

sentado na soleira de uma porta qualquer, encostara a cabeça à parede. estava exausto. não que o meu movimento, quase umbrático, me atormentasse o corpo. mas estava exausto. talvez fosse do sol ou do desgaste que levavam os sonhos. talvez daquele fiozinho de luz mais tórrida que prenunciava o final do dia. talvez de vaguear há dias pelas ruas, sem destino.

sem vontade de fechar os olhos, fixei-os numa criança que brincava a poucos metros dali. esperava com uma impaciência um tanto ou quanto comedida, que duas senhoras terminassem uma já longa conversa. em pequenos saltos, trocava os pés entre a calçada, enquanto o cabelo se lhe desgrenhava e os olhos riam calados, mais alto do que toda a azáfama que se fazia ouvir.

alguma coisa no sorriso entediado daquela criança despertava um outro, bem mais áspero e sem-sabor, na minha face. talvez tenha sido por isso, ou talvez pela sequência que impunham as pedras da calçada na sua brincadeira, que ela se foi aproximando de mim.

como se os sonhos que um dia eu também sonhara não tivessem ainda ganhado bolor. como se a infância fosse ainda do presente, como se me soprassem os calos das mãos e eu reaprendesse a sorrir.

decerto inquieta por ver a criança tão perto de mim, sem-abrigo imundo e lúgubre, a senhora que a acompanhava chamou-a com voz repreensiva.

e a realidade voltou a apoderar-se do meu rosto, num repente de melancolia.

sábado, 1 de fevereiro de 2014

alguém me observava constantemente da janela - effusus #1

era noite e vagueava. por entre rasgos de sombra, tinha a impressão de que alguém me observava constantemente da janela. tinha sempre essa impressão quando vagueava pela noite. fosse qual fosse a rua, a sombra e o odor.

envergonhado, talvez, pela atenção, disputava com a escuridão um lugar à sombra, que se desenhava como um esquisso de manchas, deambulando pelo chão e pelas paredes. é tarde, enzonavam as coisas, já devias estar em casa. e eu pensava que elas falavam de mim, sem saberem que não tinha casa. enquanto alguém me observava constantemente da janela.

escondia-me por detrás de dois caixotes e cobria-me com o pano velho que encontrara no lixo. adormecia sempre ali, sob o olhar inócuo de alguém que me observava constantemente da janela.

dormindo, era eu próprio, de volta a casa, em criança, olhando constantemente da janela, sonhava ser astronauta. sorria, como se o sonho fosse a concretização dele próprio, e olhava com desalento um sem-abrigo, vagueando pela noite e entre as sombras. eventualmente, acordava. desolado. que o sono era o meu único refúgio de um mundo que me afastara da infância. e alguém me observava constantemente da janela.

nunca cheguei a saber quem era, nem qual a janela de onde me via. nunca cheguei a saber se tinha nome ou idade. nunca cheguei a saber o que fazia do outro lado da janela. mas havia um desconsolo no seu olhar, por ser o meu, quando olhava demoradamente as estrelas.

e havia alguém que me observava constantemente da janela. e era sempre o mesmo alguém, sempre da mesma janela.

sentia pena de mim, sonhava ser astronauta.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

o sem-abrigo

estava frio. a noite já ia adiantada e eu tinha frio. o manto que me cobria o corpo era pequeno de mais para me aquecer. encontrara nessa manhã um isqueiro ainda em bom estado, e acendia-o repetidamente. a chama já desaparecera há muito. e agora, eu repetia o gesto de acender o isqueiro numa tentativa desesperada de sentir algum calor.
passavam pela rua muitos olhares perdidos, sem sentido. alguns atravessavam-me sublimemente. tocavam-me de tangente. mas num ápice se afastavam como quem diz "não fui eu!". depois seguiam no seu caminho. sem destino. sem palavras.
eu ria-me da estupidez mordaz desses olhares. seguros no conforto de si mesmos. trocando os passos ao longo do caminho. mas seguros no conforto de si mesmos. sem nexo. sem direcção. sem vida. mortos já, antes da morte. seguros na insistência deles próprios.
eu ali. deitado ao relento. sem tecto nem pão. eu ali não podia ser real. era apenas um pesadelo deles. eu ali. sem-abrigo. morto ainda antes de ter vivido. desequilibrava a sua segurança. e só encontravam de novo o conforto uns passos mais à frente. perante a certeza absoluta de que eu era irreal. como as imagens que viam à noite na televisão, entre a garfada de arroz e uma coxa de frango.

sexta-feira, 22 de junho de 2012

o teu solstício

ontem foi solstício de verão, e o ano de todo o hemisfério norte concordou em entrar, com total abnegação, numa nova fase da sua vida.

hoje é solstício de verão na tua vida. passas a ser considerada grande, passas a ter de ser bem comportada, a ter responsabilidades, e essas chatices todas. hoje, neste teu solstício, deixo-te só cinco palavras, carolineta: não deixes de ser criança!


vá, agora quero ver todos a dar os parabéns à PR'', não é todos os dias que se faz 18 aninhos!

quarta-feira, 23 de maio de 2012

chorar e nascer



contavam-se já vinte e três dias ao quinto mês do ano de mil novecentos e noventa e três. ela nasceu. rompeu-se o silêncio e ela nasceu. primeiro chorou, depois nasceu. e como lhe soube bem nascer.

consta que a partir daí, chorou muitas vezes, mas nunca mais nasceu. a partir daí, dizem, sempre que chorava, esperava, sem dar por ela, um nascimento.

ao início, ainda lhe acorriam ao choro, alguém a segurava no colo e lhe segredava palavras bonitas ao ouvido. mas nascimento, nem vê-lo!

depois fartaram-se, mandavam-na calar quando chorava. até a tomavam por birrenta. é normal, que ela é criança!, diziam. mas nada de nascer, que era o que ela queria.

então aprendeu a chorar sozinha. mas no fim de chorar, vinha o silêncio. e continuava sem nascer.

por entre choros sem nascimentos, estava o mundo. ela pegou num sorriso e pô-lo aos ombros, para as horas vagas. e caminhou. caminhou sem parar. dezanove voltas ao sol depois, ainda caminha.

por entre choros sem nascimentos, nessa busca que todos fazemos, tive um dia a sorte de a conhecer.

e, sem chorar, nasci.

domingo, 30 de outubro de 2011

encontro.

há dias em que Te encontro, suspenso na imediata exaltação das sombras.
como se houvesse algures essa Tua chama, ardendo as ramagens secas do outono.


deixo-vos aqui um convite para visitarem o meu novo blogue: http://diariodeumencontro.blogspot.com/
(relatos de uma procura constante por um encontro. comigo. com o próximo. com Deus.)

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

reencontro.

reencontrei um sopro preso à minha voz
levava um sorriso meu e uma esperança,
reencontrei um sol, e atei-o com dois nós,
reencontrei talvez o sonho de ser criança.

reencontrei em ti um fogo que me abraça
que trazia preso ao olhar uma quimera
reencontrei a luz na sombra de quem passa
reencontrei-te a ti, na vida que me espera.

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

se o meu coração é fogo, a tua voz deve ser feita de gasolina.
é que a cada palavra tua, ele acelera, sinto-o fervilhar, e por vezes explode.

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

cem perguntas.

espera, o que fizeste? o que fizeste para o meu coração se ter lançado de novo no teu enlace e desta vez não querer partir? pára, o que fizeste? sabes que te amo até ao último defeito? sabes que o mundo gira com mais convicção quando te tenho perto? espera, o que é que eu disse? que te amo? que eu te amo? não é verdade, pois não? oh, tu sabes que é, não sabes? tu sabes que eu te amo, não sabes? sabes que és para mim o mundo? pára, o que fizeste? sabes que eu sei que não suportas a minha maneira de ser? e sabes que às vezes também me irritas? é por isso mesmo que eu te amo, sabias? e sabes que tenho medo? sabes que tenho medo que me deixes escapar de novo? sabes que te quero? sabes que te amo? sabes que às vezes dás comigo em doido? eu acho isso delicioso, sabias? sabes que sem ti não me sei encontrar? sabes que és parva? sabes que gosto muito de ti? sabes que me fazes falta? sabes que esta noite sonhei contigo? sabes que és linda? sabes que dei o teu nome ao meu sorriso? sabes que me apetece saltar todas as barreiras? sabes que quero beijar-te? o que dirias se o fizesse? até onde me deixarias levar-te? espera, o que fizeste? o que fizeste para o meu coração se ter lançado de novo no teu enlace e desta vez não querer partir? pára, o que fizeste? sabes que te amo até ao último defeito? sabes que o mundo gira com mais convicção quando te tenho perto? espera, o que é que eu disse? que te amo? que eu te amo? não é verdade, pois não? oh, tu sabes que é, não sabes? tu sabes que eu te amo, não sabes? sabes que és para mim o mundo? pára, o que fizeste? sabes que eu sei que não suportas a minha maneira de ser? e sabes que às vezes também me irritas? é por isso mesmo que eu te amo, sabias? e sabes que tenho medo? sabes que tenho medo que me deixes escapar de novo? sabes que te quero? sabes que te amo? sabes que às vezes dás comigo em doido? eu acho isso delicioso, sabias? sabes que sem ti não me sei encontrar? sabes que és parva? sabes que gosto muito de ti? sabes que me fazes falta? sabes que esta noite sonhei contigo? sabes que és linda? sabes que dei o teu nome ao meu sorriso? sabes que me apetece saltar todas as barreiras? sabes que quero beijar-te? o que dirias se o fizesse? até onde me deixarias levar-te? espera, o que fizeste? o que fizeste para o meu coração se ter lançado de novo no teu enlace e desta vez não querer partir? pára, o que fizeste? sabes que te amo até ao último defeito? sabes que o mundo gira com mais convicção quando te tenho perto? espera, o que é que eu disse? que te amo? que eu te amo? não é verdade, pois não? oh, tu sabes que é, não sabes? tu sabes que eu te amo, não sabes? sabes que és para mim o mundo? pára, o que fizeste? sabes que eu sei que não suportas a minha maneira de ser? e sabes que às vezes também me irritas? é por isso mesmo que eu te amo, sabias? e sabes que tenho medo? sabes que tenho medo que me deixes escapar de novo? sabes que te quero? sabes que te amo? sabes que às vezes dás comigo em doido? eu acho isso delicioso, sabias? sabes que sem ti não me sei encontrar? sabes que és parva? sabes que gosto muito de ti? sabes que me fazes falta? sabes que esta noite sonhei contigo? sabes que és linda? sabes que dei o teu nome ao meu sorriso? sabes que me apetece saltar todas as barreiras? sabes que quero beijar-te? o que dirias se o fizesse? até onde me deixarias levar-te? onde puseste as minhas respostas, meu amor?

quarta-feira, 22 de junho de 2011

sdrawkcab

calou-se. enquanto a olhava sentia-se envolvido por uma ternura desconfortável, como se sentisse o fulguroso crepitar da lareira em pleno verão. tentava escapar ao contacto directo entre os olhares - as lágrimas que derramava eram ainda um segredo. sentou-se numa pedra a fingir de banco e rodou disfarçadamente o corpo para ver se ela lhe seguia o gesto. ela, porém, permanecia imóvel. voltou a tapar o rosto com as mãos e quando o ergueu de novo, ela tinha desaparecido.


outra vez o mesmo assunto?; a exaltação dominava o seu olhar furioso; não te disse já que não queria falar sobre isso?; mas eu só queria saber porque é que não me disseste nada; não tens nada a ver com isso, se não disse foi porque não havia nada para dizer!; ele olhou-a de cima a baixo sentindo-se um tanto ou quanto perdido: não querias que eu soubesse? porquê?; um pesado silêncio abraçou as suas vozes, mas não demorou a ser quebrado: cala-te!


enternecidos, os olhares dos dois cruzavam-se constantemente. e não só os olhares. também os lábios e as línguas. quem os viu garante que o cheiro era a felicidade com um travo delicioso de limão. por momentos paravam, de mãos dadas e corpos cruzados. paravam tão-só para se contemplarem um ao outro. entre dois sorrisos e meio copo de leite, ele pegou numa caneta e desenhou-lhe um coração nas mãos. ela sorriu. um momento de silêncio: porque é que não me disseste nada?


esta é que era a ordem certa, meu bem.




PS: Já agora, parabéns à Carolina (PR''), autora deste blogue, que hoje faz aninhos :b

domingo, 22 de maio de 2011

um ano depois.

Braga, 22 de Maio de 2011


Querida Índia,

Passou-se um ano, um ano inteiro desde o dia em que não te perdi.
E hoje, hoje voltaram a correr pelo meu rosto as mesmas lágrimas desse dia - gélidas e sufocantes.
Hoje, minha querida, voltei a lembrar-me de tudo o que te dei e de tudo o que me deste.
Lembrei-me dos sábados de manhã em que chegavas, sempre com a tua mãe.
Lembrei-me da forma como se despediam e de como sorrias quando ela te dava um beijo na testa.
Lembrei-me de como te dirigias então para mim, sorridente.
Lembrei-me que me entregavas o catecismo e me contavas sempre uma ou duas novidades antes de te juntares aos outros para brincar.
Lembrei-me que quando chamávamos para dentro, eras sempre das primeiras a vir ter connosco.
Lembrei-me das catequeses.
De uma vez em que disseste, na oração, que gostavas muito de Jesus, porque era o teu melhor amigo.
Então lembrei-me de to ter apresentado.
Lembrei-me do sorriso com que nos ouvias, sentada quase sempre no mesmo lugar.
Lembrei-me de como ficavas calada enquanto falávamos e das coisas tão certas que dizias.
Lembrei-me de como eras bonita.
Lembrei-me de como os teus olhos brilhavam.
Lembrei-me de como gostava de ti.
E parei; sorri e disse: "de como gosto de ti!"
Depois calei-me.
No silêncio, voltei a ouvir a voz do André a contar-me a notícia.
Voltei a ver a notícia da tua morte nalgum jornal online.
Voltei a ficar parado e a reler cem vezes na esperança de que fosse mentira.
Voltei a chorar, sem saber se se abriria de novo o sol.
Voltei a sentir que podia ter feito mais.
Voltei a chorar mais uma vez.
Voltei a imaginar a tua face em pânico quando tudo aconteceu.
Voltei a sentir raiva e revolta com o teu pai.
Depois acalmei.
Sentei-me de novo em frente ao teu caixão, junto ao da tua mãe.
Voltei a estender a mão sobre o teu, tocando-o levemente.
Voltei a pedir ao nosso Amigo que tomasse bem conta de ti.
Voltei então a ter a certeza de que Ele te segurava no colo.
Prometi-te de novo que falaria contigo todos os dias.
E aí sorri.
Lembrei-me das nossas conversas diárias em que reoiço o teu riso.
E calei-me.
Porque já não sei se ainda tomo conta de ti.
Ou se já és tu que tomas conta de mim.
Olhei de novo a tua fotografia, na parede do meu quarto.
Calei-me.
E no silêncio ouvi-te respirar.

Passou um ano inteiro desde aquele dia.
E hoje eu continuo aqui Índia, ao teu lado,

Um grande beijinho e um abraço apertado,
do teu catequista,
Nuno

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

para o rui, quando em criança



lembro-te agora rui, com nove anos,

lembro os jogos na hora do recreio
que acabavam ao tocar da campainha.
lembro os teus olhos e a tua mão na minha
que seguravas firmemente até à sala.

lembro-te agora rui, com nove anos,

quando saíamos juntos da escola
e nos esperava ansiosa a tia lena.

lembro os jogos de futebol
no corredor da senhora-a-branca
e na sala de jantar da avenida.

quando os dias e as horas se seguiam
e ainda era só nossa a nossa vida.

lembro-te agora rui, com nove anos,

lembro o nosso barco inventado
em que juntos navegávamos as tardes
por detrás do encosto do sofá

lembro sempre uma ou outra discussão
e aquele tom jocoso em que falavas
ao chegarem as senhoras da reunião

lembro-te agora rui, com nove anos,

lembro também que na hora de dormir
brincávamos a proteger os peluches
dos homens que os queriam raptar

ou falávamos do canal de televisão
que um dia decidíramos gravar.

lembro-te agora rui, com nove anos,

lembro a bebé que ainda nem dois anos tinha
e já estava decidido: era tua e minha!

lembro que me ensinaste os números negativos
lembro o gato e lembro a chegada do cão
lembro os teus marcianos primitivos

lembro também que quando a susana vinha,
lá brincávamos num bulício aos cãezinhos.

e lembro mais, lembro muito mais

lembro-te agora rui, com nove anos,

às vezes mesmo antes de adormecer
penso que não cresceste e eu não cresci
imagino que te abraço no silêncio
e é como se estivesses mesmo ali
volto a ser quem sou e sempre fui

fecho os olhos e digo, good after rui.

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

crescer

hoje, na catequese, falávamos sobre como podemos fazer com que o nosso coração cresça e se torne grande e bom. depois de terem dito que era preciso sermos amigos, alegres, ajudarmos e tratarmos bem os nossos amigos (e até os que não gostam de nós, disse o Mário), a Sofia, que ainda pouco tinha participado, disse:


"e é bom fazermos isso tudo, porque quando o nosso coração cresce, nós também crescemos!"


é incrível como aquilo que por vezes nos custa tanto a compreender, é tão preto-no-branco para estes pequenos monstrinhos!

temos tanto a aprender com aqueles que são quem já fomos (ainda que por vezes não nos lembremos).

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

oração.

Tu me olhas dos olhos de uma criança
e me chamas no silêncio em cada dia,
dás-me vida, dás-me amor e esperança
meu Amigo, no meu mundo és poesia.

domingo, 28 de novembro de 2010

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

abraço

todas as noites te sentas, encolhida no sofá, à espera de um abraço.
todas as noites sozinha, falas com a lua e as estrelas.
todas as noites te oiço, qual pássaro chilreando, à procura de um ombro amigo.


mas esta noite, meu amor, vou-me juntar a ti. vou-me encolher no sofá e recostar teu corpo ao meu com um abraço apertado.
depois vamos falar os dois, com a lua e as estrelas,
e o nosso chilrear, será uma melodia cega.
esta noite, meu amor, vou dar-te um abraço, com sabor a lua cheia.




(deixo aqui a "Canção dos Abraços" por Sérgio Godinho e "Amigos do Gaspar", que foi a música que cantámos na primeira sessão de catequese do primeiro ano este ano.)