Mostrar mensagens com a etiqueta Miguel Torga. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Miguel Torga. Mostrar todas as mensagens

quinta-feira, dezembro 14, 2023

Pois é, somos mesmo um país do caraças...


Sei que não devia ser demasiado pessimista a falar deste nosso país, depois do que escrevi ontem (há sempre a possibilidade de ser eu a usar as lentes erradas...). Mas este nosso Portugal é cá uma coisa... 

Como dizia o Rui, somos um país do caraças (esta frase dá para tudo, para o bom e para o mau).

Sei que o meu olhar (e de uma boa parte dos meus amigos da Margem Sul), não é o olhar da maior parte dos portugueses, mesmo que as sondagens que surgem nas televisões e nos jornais se aproximem dele, em relação às próximas eleições legislativas. Sim, todos nós estamos cansados de um PS que fingia que fazia coisas, embora deixasse tudo na mesma. Mas temos ainda mais receio de um PSD, que assim que se apanha no poder, começa logo a privatizar o que resta das empresas públicas lucrativas. Mas o maior medo é que ele aproveite toda esta "balbúrdia na saúde", para entregar os hospitais aos amigos e "matar de morte matada" o SNS, uma das melhores coisas que nos trouxe Abril.

O mais estranho (ou talvez não...), é que de repente, até parece que António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa, não têm nada a ver com os últimos acontecimentos do país, tão poderosas são as "máquinas de lavar", mais branco, deste portugalinho...

Para terminar volto a transcrever alguém cuja lucidez chega a fazer doer: «A todas as horas e de todos os lados, só nos chegam motivos de desânimo e náusea. Mais roubalheiras, mais traficâncias, mais cobardias, mais degradações, na administração pública, nas profissões liberais, no comércio, na indústria, nas ciências, nas artes e na religião. De tal maneira, que, mesmo contra a vontade, é-se levado a concluir, tristemente, de que em vez de uma comunidade de esforços nobilantes, somos uma lamentável associação de indignidades.» 

Estas palavras foram escritas em Junho de 1970, por Miguel Torga, num dos seus diários, há mais de 53 anos...

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)


segunda-feira, dezembro 11, 2023

Os Diários de Torga e a Blogosfera (sem esquecer o Mar da Nazaré)...


De longe a longe pego num dos diários do Miguel Torga, e é sempre uma delícia ler as palavras deste grande escritor, um dos melhores século XX.

Há poucos livros que nos possam oferecer um retrato tão fidedigno do nosso país, como estes diários que percorrem os anos do salazarismo e marcelismo e estão escritos sem ter qualquer parcimónia, com os ditadores e esse tempo com tantas tonalidades de cinzento.

Quem como eu escreve diariamente nos blogues, no fundo alimenta um "diário digital", onde também quase tudo nos é permitido (tal como acontecia com Torga, embora as suas palavras sejam mais espaçadas, pois cada diário percorre  no mínimo cinco, seis anos). Felizmente não temos censores nem polícias de estado em volta (os "polícias do gosto" de agora valem e incomodam muito pouco...).

E Torga é muito assertivo nas suas palavras. Muito antes do norte-americano Mcnamara ter descoberto as ondas gigantes da Nazaré, já ele escrevia no Sítio (em Agosto de 1969): «Quando quero ver o mar, venho aqui. Não é grandeza que se olhe do rés-de-chão.»

(Fotografia de Luís Eme - Costa de Caparica)


domingo, agosto 12, 2007

MIguel Torga (III)



Ficha

Poeta, sim poeta...
É o meu nome,
Um nome de baptismo
Sem padrinhos...
O nome do meu próprio nascimento...
O nome que ouvi sempre nos caminhos
Por onde me levava o sofrimento...

Poeta, sem mais nada.
Sem nenhum apelido.
Um nome temerário,
Que enfrenta, solitário,
A solidão.
Uma estranha mistura.
De praga e de gemido à mesma altura.
O eco de uma surda vibração.

Poeta, como santo, ou assassino, ou rei.
Condição,
Profissão,
Identidade,
Numa palavra só, velha e sagrada,
Pela mão do destino, sem piedade,
Na minha própria carne tatuada.


Hoje o poeta fazia 100 anos...

Este poema de Miguel Torga foi retirado do seu livro, “Câmara Ardente”, editado em 1962, ano em que nasci...

sábado, agosto 11, 2007

Miguel Torga (II)


[...] Noé e o resto dos animais assistiam mudos àquele duelo entre Vicente e Deus [...]. A significação da vida ligara-se indissoluvelmente ao acto de insubordinação. Porque ninguém mais dentro da Arca se sentia vivo. Sangue, respiração, seiva da seiva, era aquele corvo negro, molhado da cabeça aos pés, que, calma e obstinadamente, pousado na derradeira possibilidade de sobrevivência natural, desafiava a omnipotência.
Três vezes uma onda alta num arranco de fim, lambeu as garras do corvo, mas três vezes recuou. A cada vaga, o coração frágil da Arca, dependente do coração resoluto de Vicente, estremeceu de terror. A morte temia a morte.
Mas em breve se tornou evidente que o senhor ia ceder. Que nada podia contra àquela vontade inabalável de ser livre.
Que, para salvar a sua própria obra, fechava, melancolicamente as comportas do céu.

Final do último conto do livro, “Bichos”, uma obra fascinante, pela sua simplicidade e pelas várias mensagens que nos são oferecidas, pela sapiência dos animais de Miguel Torga, ao longo dos catorze contos...

sexta-feira, agosto 10, 2007

Miguel Torga (I)

A "Visão" e o "Jornal de Letras", resolveram homenagear um dos grandes nomes da literatuta portuguesa, com a edição de um pequeno livro com o título, "MIguel Torga, Cântico do Homem".
Quem gosta deste poeta e prosador genial, não deve perder esta pequena homenagem...
Eu gosto. Gosto de tudo o que ele escreveu. Da sua poesia, tão forte; da sua ficção, tão natural; e claro, dos seus diários, tão intimistas e certeiros.
Por hoje, retiro apenas uma passagem curta do seu "Diário, XI", que expressa bem a seu amor pela liberdade e pela democracia:
«S. Martinho de Anta, 21 de Agosto de 1968 - Não, nunca poderia pertencer a nenhum partido. Se eu hoje me visse na situação de ter de aplaudir a invasão da Checoslováquia, preferia morrer. Assim, ao menos, posso continuar a viver no mundo, livremente indignado.»