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sábado, junho 14, 2025

Não é artista "pop" quem quer, mas sim quem pode


Pode parecer um pouco ridículo, mas muitas vezes uso a televisão como rádio, e o mais curioso é ter como estação preferida a "Rádio Lusitânia", que só passa música portuguesa, atravessando todos os géneros musicais e visitando todas as épocas.

Faço-o porque a rádio é uma boa companhia. Sim, mesmo que o som saia de dentro da televisão, é rádio que oiço (até por não ter imagens...), é a rádio musical que finje não estar ali, mas está...

Mas não era sobre isso que queria escrever (já começa a ser um hábito).

Na sexta-feira, antes de me deitar, descobri que a RTP1 estava a transmitir um dos concertos de David Fonseca e acabei por ficar a ver e a ouvir. E depois fiquei a pensar em todos os músicos e cantores de qualidade que temos, que têm menos tempo de antena que a gente de "voz torta", que inunda os programas televisivos de entretenimento dos fins de semana e cantam sempre a mesma canção...

Mas ainda fui mais longe e pensei em quatro ou cinco vozes que parecem ter mais mundo, que o deste pequeno país. Sim, que não é artista "pop" quem quer, mas sim quem pode, quem tem arte para tal... o David Fonseca pertence claramente a este grupo restrito, onde também estão a Sónia Tavares (e os Gift), a Manuela Azevedo (e os Clã), o Jorge Palma ou o genial Rui Reininho (e os GNR).

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)


terça-feira, junho 10, 2025

Lá estamos nós, no dia que é muitos dias...


Este dia que podia ser só de Portugal e das Comunidades, também é de Camões, o nosso poeta Luís, que foi capaz de escrever sonetos há mais quinhentos anos, que ainda fazem sentido e têm beleza... e até são cantados...

Pensar que quando a Amália resolveu trazer Camões para o fado, foi quase um escândalo nacional. Nem o meu querido Zé Gomes Ferreira achou graça, apesar de ser bastante avançado para o seu tempo. E depois vieram outros poetas até às vielas, numa clara demonstração do bom gosto da "Rainha do Fado".

Felizmente o Luís também era um homem do futuro, sabia que "Mudam-se os Tempos, Mudam-se as Vontades".

Foi por isso que compreendeu, como poucos, que  "todo o mundo é composto de mudança".

São estas pequenas grandes coisas que fazem com que Luís de Camões continua a ser o nosso "poeta maior".

(Fotografia de Luís Eme - Constância)


sábado, maio 31, 2025

As palavras difíceis de explicar e de lhes oferecer o seu verdadeiro sentido...


Ele podia perguntar a outra pessoa, mas veio logo perguntar-me a mim (isto de ter fama de "intelectual" tem que se lhe diga...), o que queria dizer "honra", palavra que ouvira duas ou três vezes durante o jantar.

Tive dificuldade em explicar às primeiras aquele miúdo curioso, de oito anos, o significado desta palavra tão em desuso. Percebi que não havia uma forma fácil de explicar algo que fora tão importante no seio das famílias, mesmo nas mais humildes. O quanto era importante para eles honrar os seu nome...

Foi quando me lembrei de lhe dizer que a honra era o orgulho que sentíamos pelos nossos pais, tios ou avós, por serem boas pessoas. Ao ponto de querermos seguir os seus exemplos pela vida fora.

Como acontece com as crianças, não se ficou com uma explicação tão simples e continuou a querer saber coisas: «Então os tios que não são boas pessoas, deixam de ser da família?»

Disse-lhe que não. Por mais disparates que os nossos familiares façam, são sempre da nossa família. Lembrei-me da expressão "laços de sangue", mas guardei-a para mim, achei que era melhor não complicar as coisas...

Não lhe quis estar a dar lições de moral, mas ainda lhe disse que não estarmos sempre a mentir, também era uma questão de honra. O que lhe fui dizer, falou-me logo, com um sorriso, do "maior mentiroso do mundo", esse mesmo o Trump, que quer tudo menos ser uma "pessoa honrada". 

Foi bom, porque nos deu uma oportunidade para mudarmos de assunto...

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)


sábado, maio 10, 2025

Como se ganha uma manhã, um dia...


Foi bom acordar cheio de ideias sobre um livro que anda mais que na minha cabeça. Sim, ele tem de ser realidade, no final do Verão, terá de estar pronto para ganhar asas e voar por aí...

Foi por isso que a primeira coisa que fiz, na companhia do café e da torrada, foi sentar-me e registar num documento do PC as ideias que quase que se "atropelavam", com a boa sensação de estar a recuperar o "tempo perdido".

Foi uma manhã ganha. Aliás, um dia ganho. E ainda agora começou...

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)


sábado, abril 26, 2025

"25 de Abril Sempre, Fascismo Nunca Mais!"


Felizmente o Dia da Liberdade continua a ser uma festa.

É num clima de alegria, serenidade e cumplicidade que se desce a Avenida da Liberdade, com gente de todas as idades.

Curiosamente ou não, cada vez assistimos mais à presença de jovens, com cravos vermelhos, sorrisos bonitos e vivas ao "25 de Abril, sempre / Fascismo nunca mais!"


(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)


quarta-feira, abril 02, 2025

Às vezes ainda escuta o grito: «Isto é tudo meu!»


Nem toda a gente compreende, o porquê, das pessoas com bons empregos e uma boa vida, serem de esquerda. Acham que estes deviam ser todos "pobrezinhos", usar calças de ganga e camisas aos quadrados...

Estávamos a falar das "cegueira ideológicas", quando apareceu a Laura.

Como de costume entrou muda e saiu calada.

Olhei-a e fiquei a pensar que devia ser o único daquela mesa de trabalho, que sabia das várias "questões ideológicas" que enfrentou desde muito cedo. Sim, teve logo na infância, a percepção de que alguma coisa estava errada no seu mundo. Ao contrário dos irmãos e dos primos, não percebia a razão de "ter tudo" e dos outros, que trabalhavam na quinta do avô, "não terem nada".

Também lhe custava não puder brincar com os filhos dos trabalhadores, e logo ela, que gostava tanto de correr e de saltar... Nem mesmo depois do 25 de Abril.

Como não viviam no Alentejo não enfrentaram o pesadelo das ocupações nem outra qualquer batalha laboral com os trabalhadores. Pelo contrário, ainda aumentaram o património, graças à desgraça alheia...

Já adolescente, foi "convocada" com o resto da família, para conhecer uma das novas propriedades da família. Fez-lhe muita confusão, ver o avô num dos pontos mais altos da herdade, de braços abertos, com um charuto no canto da boca, a dizer, quase num grito de felicidade, «Isto é tudo meu!»

Foi apenas a confirmação, de que aquele não era o seu mundo. Achou tão estranho perceber que  o avô era incapaz de dizer: "Isto é tudo nosso"... 

É muitas vezes olhada de desdém pela família. Alguns sobrinhos chamam-lhe a "tia comunista", mesmo que nunca tenha sido do PCP. Quando me contou mais esse episódio lembrei-me de ouvir um dos sobrinhos do Nuno (Teotónio Pereira), falar do mesmo modo, pouco orgulhoso de ter um "tio comunista"...

Se o avô da Laura ainda fosse vivo, era capaz de achar mais que graça, à "cambalhota" que estão a obrigar o mundo a dar...

(Fotografia de Luís Eme - Seixal)


domingo, março 30, 2025

O "comércio justo" é bom, mas o "comércio simpático" ainda é melhor...


Fala-se aqui e ali do "comércio justo", mas do que eu gosto mesmo, é do "comércio simpático".

Nem sei por onde comece. Não é que sejam muitos, eu diria até que, são do clube dos "poucos e bons".

Apesar do Manel da mercearia do bairro se esticar um pouco com os preços, é de uma simpatia a toda a prova. Não é por acaso que há algumas avós que vão lá só para "namorar" com o jeitoso do moço, que nasceu para atender pessoas. Também é bastante culto (formado em gestão, ficou com a loja dos pais, no período complicado do pós-troika), ou seja, tem conversa para toda a gente.

Depois desço à Gil Vicente, onde tenho pelo menos quatro cafés à minha disposição. Curiosamente, nem sempre vou ao que tem melhor atendimento, graças à Soraia, porque tenho de atravessar a rua e nem sempre o faço (o piloto automático leva-me vezes demais na direcção do "Repuxo", mais pelo peso histórico da primeira tertúlia cultural que frequentei, que pelo "atendimento", que deixa muito a desejar, porque  há quem esteja sempre a fazer um "frete ao cliente" e deixe o sorriso em casa.

Continuo na direcção de Cacilhas e entro na "melhor farmácia do mundo". Sim, são quatro os funcionários (três "elas" e um "ele"...), além do sorriso e das palavras agradáveis que oferecem a quem chega, tentam resolver todos os problemas, nunca nos mandam para a concorrência. Penso que acabam por ser vítimas da simpatia, deve haver quem lá vá, só para se sentir bem atendido e ter "uma prosa", sobre um dor qualquer.

Sobre Cacilhas, estamos conversados. 

Depois subo a Almada e entro no "Olivença", que mesmo sem ter nada de especial como restaurante, tornou-se quase familiar, muito graças ao Carlos, que recebeu de braços abertos a nossa cada vez menos expressiva, "Tertúlia do Bacalhau com Grão", no primeiro dia da semana.

Falta falar da loja de fotocópias que frequento, no centro de Almada, há mais de vinte anos. Falo de um casal daqueles que já não há (o Carlos e a Maria José). Além da simpatia e do serviço de excelência, são de uma honestidade que também já se usa pouco nestes tempos estranhos.

Antes de acabar esta pequena crónica, escrita por ser adepto do "comércio simpático", ainda fiquei a pensar se esquecera alguém. Acho que não. Claro que há mais pessoas que sabem receber, com a Carla dos "óculos" ou o casal simpático da tabacaria mais pequena de Cacilhas, mas não sou um cliente tão assíduo como nos outros lugares.

(Fotografia de Luís Eme - Cacilhas)


sábado, março 29, 2025

«Tudo mudou. Somos uns sortudos, agora até as escritoras são bonitas.»


Não nos encontramos muitas vezes. Não é preciso.

É um homem de um tempo ainda mais longínquo, que o meu, mesmo que sejamos da mesma geração.

Crescemos, estudámos e vivemos em meios muito diferentes. Percebo isso pelas conversas que temos, mas também pela sua biografia, aquela  oficial, que está ao alcance de todos.

Ninguém diria pela tal "biografia" (foram muitos anos ao lado dos "poderes"...), que era tão anarquista. Ou então foi a idade que o foi extremando nas ânsias de liberdade, que devia ter, quando estava "refém" do poder.

Casou mais cedo do que eu. Gosta tanto da instituição que já vai na sua quinta união de facto (depois da chatice que foi o terceiro divórcio, não voltou a assinar nada de "cruz" (palavras dele).

Tudo o que escrevi até aqui, são coisas da qual não falamos. Sim, é verdade, nunca falamos das nossas mulheres. Uma ou outra vez, falamos dos filhotes, mas apenas porque calhou em conversa.

As nossas conversas misturam-se mais com os livros, com o cinema, com a arte, e claro, com algumas pessoas curiosas, que podiam ser personagens de qualquer conto ou novela... Ou seja, acrescentamos sempre "cultura geral" um ao outro, especialmente ele, que viveu mais coisas que eu. Se nos últimos anos quase que "desapareceu" dos jornais e revistas (pois é, quem não aparece esquece...), durante anos andou pela imprensa, rádio, e até, televisão. Adora esta vida de quase anónimo e também se orgulha de não ter nenhuma rede social (disse que se as tivesse, a falta de assunto até era capaz de o levar a "postar" a fotografia de um pastel de bacalhau...).

Tem mais sentido de humor que eu. Foi por isso que me perguntou se eu não andava cheio de "caruncho". Disse que sim. Até lhe falei do meu joelho direito, que parece o de um futebolista, coisa que nunca foi, para além das camadas jovens do velho Caldas e das futeboladas entre amigos...

Em vez do Trump, falámos de algumas Ivanas. E lá se saiu ele com uma daquelas frases que a Inês detesta, pelo ar misógino que transporta (pois é, além de anarquistas, também fingimos que somos uns perigosos machistas, apenas porque nos sabe bem...): «Tudo mudou. Somos uns sortudos, agora até as escritoras são bonitas.»

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)


quinta-feira, março 27, 2025

O meu aplauso para todos aqueles que amam o teatro e sentem o palco como um "céu"


Não vou falar do que se diz, quase em jeito de piada, de que o Teatro e a crise, são quase "irmãos gémeos".

Vou falar das mulheres e dos homens que gostam (e precisam) de ser outras pessoas, e que amam vestir as "suas peles" nos palcos.

Gostam tanto de teatro, que até são capazes de fingir que têm o público que merecem, mesmo que as salas onde tentam brilhar, tenham demasiados lugares vazios na plateia, mesmo que os preços nem sejam elevados.

Alguns (cada vez menos...), até se dão ao "luxo" de dispensarem a participação em telenovelas, mesmo que isso os obrigue a andar diariamente em transportes públicos, e que jantem mais vezes sopinha que bifes...

É por isso tudo, que digo: "Viva o Teatro!" 

"Vivam todos aqueles para quem o Teatro é a sua vida!"

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)


quarta-feira, março 05, 2025

O começo de qualquer coisa...


É giro, mesmo que nem sempre seja uma coisa engraçada. Acontece que agora tenho sempre um tema especial na cabeça, cuja conjugação de palavras, quer ser livro.

Logo agora, numa altura destas em que os livros estão a deixar de ser o que eram...

Os últimos livros que escrevi foi sobre centenários de pessoas especiais. É provável que aconteça o mesmo em 2025... 

Desta vez são crónicas, ou um olhar mais pessoal do que todos os outros, porque misturo mais coisas...

O rascunho de uma delas começa assim:

«A conversa no fim do dia, ao jantar, naquela bela marquise, com o Tejo já a querer ser Mar eram uma coisa…
A televisão tinha pouco interesse lá em casa. E ainda bem.
Falava-se mais, sobre tudo e sobre nada. E também se lia bastante.
Por isso é que falávamos sobre as notícias dos jornais, o mundo estava longe de nos ser indiferente…»

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)


quarta-feira, fevereiro 26, 2025

Os "Verdes Anos" de Paulo Rocha (e de Carlos Paredes, Isabel Ruth e Rui Gomes...)


Há dias revi os "Verdes Anos" de Paulo Rocha (RTP2), filme que marca o inicio do chamado "cinema novo" português.

É giro, que cada vez que voltamos a rever um filme, descobrimos sempre coisas novas. Neste caso em particular, não via esta fita há uns vinte anos (ou mais...), pelo que fiz uma leitura mais política, olhando para as personagens (todas) como o retrato de um país cinzento, que não tinha nada para dar às pessoas, especialmente os jovens, que são sempre as principais vítimas de todos os governos que fingem governar...

E neste caso em particular, havia a guerra colonial à espera dos rapazes, pelo que a emigração masculina significava muitas vezes mais que um sonho, era a fuga a uma realidade que matava...

Há muito bom gosto nesta realização de Paulo Rocha. Além da boa escolha do par que protagoniza a longa metragem (Isabel Ruth e Rui Gomes), há a guitarra de Carlos Paredes que enche o écran. A fotografia também é muito boa. É curioso, o realizador mostra-nos as avenidas novas que crescem e ocupam uma nova parte da cidade, mas também as zonas campestres, que continuavam a resistir ao tempo, à medida que se íamos afastando do centro da Capital.

O filme retrata mesmo um tempo de mudança, no país e no cinema...

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)


quarta-feira, fevereiro 12, 2025

A arte de contornar o "não"...


Se há uma área onde o normal é recebermos o "não", como primeira resposta a qualquer projecto que seja apresentado, é a Cultura.

Estava a ver o programa biográfico "O Portugal de...", com a actriz Joana Barrios, e, quando ela falou que passa o tempo a "contornar o não", levou-me de viagem pelo tempo, fez com que recordasse as muitas coisas que fiz por teimosia, apenas por receberem com primeira reacção, o tal "não". Mesmo que raramente nos seja dita essa palavra, nua e crua.  Sim, rapidamente percebemos que a palavra "não" tem milhentos significados...

Almada teve durante muitos anos um vereador da Cultura que ficou conhecido como o "nim", porque embora não usasse a palavra "não", raramente se comprometia com o que quer que fosse. Parece que ainda o estou a ouvir dizer, "vamos ver", ou "isso é muito interessante", que qualquer bom conhecedor da personagem, percebia que o "não" estava praticamente garantido...

É também por estas coisas que gostei muito de ser activista cultural, de ter contribuído para a realização de centenas de iniciativas, por ser um "artista" na arte de "contornar o não" (pois é, a teimosia nem sempre é defeito...).

Hoje essa "pessoa" já não existe. Às vezes tenho saudades dela, outras nem por isso. Sei que se "ela" tivesse recebido ontem, como resposta a um e-mail, menos de um décimo do apoio necessário para um actividade importante que pretendo realizar em 2025, não diria o que eu disse, não responderia: "grato pelo apoio".

É nestas pequenas coisas que descobrimos que a idade nos torna mais flexíveis, menos radicais...

(Fotografia de Luís Eme - Almada)


quinta-feira, fevereiro 06, 2025

Uma boa conversa sobre a falta de "planícies" nas cidades...


Estava quase a entrar no quintal, quando vi um homem sentado no degrau do portão, a fumar um cigarro.

Normalmente encontrava uma ou outra mulher ali sentada, a descansar, a meio da subida, demasiado íngreme e longa, com o saco das compras ao lado. Desviava-me para entrar, dizendo-lhes para continuarem sentadas a descansar, quando se preparavam para seguir viagem.

O fumador fez-me lembrar um tio emprestado, que também esteve ali sentado a fumar um cigarro "às escondidas" (a mulher e o médico diziam que lhe fazia mal, só que como lhe sabia bem, nunca deixou o vício...), a quem fiz companhia. 

Estivemos por ali a conversar, há uns bons vinte anos. O tempo é aquela coisa que todos sabemos...

Ele era uma pessoa divertida e entre outras coisas, depois da passagem de algumas pessoas de idade, por nós, disse-me que todos aqueles que tivessem mais de sessenta anos deviam ser proibidos de passar por aquela rua, a pé, tanto a descer como a subir. E acrescentou, que com o passar dos anos, descer tornava-se mais penoso que subir, por causa dos joelhos. E quem tenha jogado à bola, como ele, ainda pior...

Mas o melhor estava ainda para vir, quando ele quis quase sustentar a tese sobre "proibição" de uma forma alegre: «Esta descida é tão vertiginosa, que ainda aparece aqui alguém com dores nos joelhos que cai na tentação de, em vez de descer a rua, normalmente, começa a rebolar até lá baixo.»

Soltámos ambos uma gargalhada, que fez com as mulheres da casa viessem à janela e ele tivesse de apagar o cigarro à pressa, sem escapar de ouvir boas da esposa, enquanto me piscava o olho, quase a querer dizer-me: "deixa-as falar, ninguém me tira o prazer de uma boa cigarrada"...

(Fotografia de Luís Eme - Almada)


quarta-feira, janeiro 29, 2025

Os oitenta anos da "Bíblia do futebol"


Podia falar do "calimero" que começa a andar em negação, quando se fala de violência em Lisboa, ao ponto de até colocar em causa os números apresentados pela polícia, mas isso era dar atenção a quem não a merece.

É por isso que prefiro festejar os oitenta anos de vida que a "Bíblia" do futebol comemora hoje.

"A Bola" foi o jornal que mais li no começo da adolescência até à idade adulta, porque tinha jornalistas extraordinários, como foram o Alfredo Farinha, o Carlos Miranda, o Aurélio Márcio, o Vitor Santos, e sobretudo, o Carlos Pinhão. Adorava ler as suas crónicas, especialmente quando "largavam a bola", e davam largas à imaginação e ao espírito de cronistas, com os populares "Hoje Jogo eu"...

Não tenho grandes dúvidas, que foi graças a eles, que quis ser jornalista desde muito cedo. Ainda tive o prazer de conhecer Alfredo Farinha, Carlos Miranda e o Carlos Pinhão. Acabei por ter uma maior proximidade com  este último, por gostarmos ambos das coisas da cultura. Conversámos bastantes vezes, sobre livros, mas também sobre cinema ou teatro, apesar da concorrência quase doentia desse tempo entre o "Record", - onde eu já trabalhava - e "A Bola". Era uma daquelas coisas em que fingíamos passar-nos ao lado...

E não posso esquecer Cândido de Oliveira, jogador, treinador, seleccionador nacional e democrata (esteve preso no Tarrafal...), o principal responsável por este projecto jornalístico de grande sucesso, que dura há oitenta anos...

A propósito da capa, eu é que agradeço!


terça-feira, novembro 26, 2024

Continuar o vinte cinco no dia vinte seis...


Por tudo o que tenho lido e ouvido (as conferências a que assisti na sede da Associação 25 de Abril, com alguns dos protagonistas, convidado pelo meu saudoso amigo, Carlos Guilherme, foram muito importantes...), existiu mesmo a possibilidade de se desencadear uma "guerra civil", no dia 25 de Novembro de 1975, de consequências imprevisíveis, até porque existiam demasiadas armas na posse de civis (distribuídas pelo exército)...

Há três factores, decisivos, para que só existissem três mortes, e de militares, nesta operação.

Aquilo que nos nossos dias, ainda pode ser entendido como um "acto de cobardia", também pode, e deve, ser olhado numa outra perspectiva, completamente oposta. 

Foi preciso ter muita coragem, para colocar os interesses do país acima de todos os outros (militares, partidários e pessoais). Refiro-me às "ausências" responsáveis de Otelo Saraiva de Carvalho, de Álvaro Cunhal e dos Fuzileiros (que não saíram da sua unidade, para "desempatar" a batalha entre Comandos e Paraquedistas...), decisivas que que este golpe militar fosse controlado por todos aqueles que defendiam a democracia.

Isto só foi possível, porque o Presidente da República era o general Costa Gomes, uma das pessoas mais ponderadas e inteligentes, do "Verão Quente". Foi ele que conseguiu que o Otelo, o Cunhal e os Fuzileiros, ficassem em casa...

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)


segunda-feira, novembro 25, 2024

O 25 de Novembro foi apenas um Golpe Militar Democrático, e não uma Revolução!


É preciso recordar que esta direita e extrema-direita, que nunca gostou de Abril (pudera, uma boa parte deles perderam uma série de regalias, perceberam que afinal eram pessoas como as outras, apesar dos privilégios que os rodeavam...), não esteve directamente ligada ao golpe militar, de 25 de Novembro de 1975.

Nesses tempos conturbados os fascistas - disfarçados de democratas conservadores -, andavam mais entretidos a incendiar sedes do PCP  e a serem protagonistas de ataques bombistas, em toda a região Norte (alguns dos quais mortais), que em preparar golpes militares democráticos.

Claro que, dia após dia, iam sonhando com a possibilidade de voltar ao poder, apostando em dividir o território português ao meio, ficando com todo o Norte do Tejo (como se a democracia não tivesse atravessado o rio...), porque o presente fazia-lhes doer. Gostavam era do país dos pobrezinhos e coitadinhos, a quem davam esmolas, para onde caminhamos, há mais de uma década...

Voltando ao 25 de Novembro, foi um golpe militar democrático, protagonizado pelo "Grupo dos Nove" (liderado por Vasco Lourenço e Melo Antunes) e pelo Presidente da República, Costa Gomes, com o apoio efectivo do PS, por intermédio de Mário Soares, que esteve sempre na primeira linha deste combate pela democracia (ao contrário dos representantes do PSD e do CDS, que hoje querem ser protagonistas...). Este golpe pretendia acabar com os excessos esquerdistas, que estavam a tornar o país ingovernável e a dividir cada vez mais os militares. 

Felizmente foi uma acção militar bem sucedida, quase sem sangue derramado, que teve Ramalho Eanes como o seu comandante operacional.

É preciso dizer que, esta comemoração, não passa de mais uma farsa, de uma direita que tenta alterar a história, como se isso fosse possível. 

E claro, também quer voltar ao "passado". Mas isso depende de todos nós e não apenas deles...

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)


sábado, novembro 23, 2024

«Queremos ser animais e não seres humanos»


«Queremos ser animais e não seres humanos.»

Esta foi a frase que retive de uma jovem de 22 anos, como reacção ao nosso comportamento perante as guerras, mas também à forma como nos relacionamos com os outros, especialmente os que são diferentes de nós.

Era suposto falar-se de teatro. Mas o teatro é a nossa vida, pelo que fez todo o sentido soltar aquela frase no meio de nós.

Como de costume, a resposta que foi dada à miúda atrevida, cheia de ideias próprias e certezas, foi de que não podia generalizar as coisas de uma forma tão simplista.

E eu ali a pensar, "claro que pode, e que ainda bem que ela é assim". 

Sei que é a indiferença que nos vai destruindo como pessoas. 

Não há ditador que não adore a frase de que "quem cala consente". Não há um ditador que não cresça, perante a indiferença das maiorias...

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)


quarta-feira, novembro 20, 2024

«Sabes? Foi a primeira vez que me senti importante na vida...»


Voltava para casa e pensava na quantidade de pessoas que conhecemos de vista mas que nunca iremos conhecer de verdade, nunca trocaremos mais que um bom dia ou boa tarde...

Tudo por ter o prazer de conversar e conhecer o António, um jovem que daqui a poucos meses será nonagenário, e que tinha tantas histórias para contar. Foi por isso que aos cinco minutos previstos, tiveram de ser somados muitos mais, ultrapassando a hora e obrigando à alteração da agenda. E ainda bem que isso aconteceu, porque foi um tempo ganho (para os dois)...

Vou escrever apenas sobre duas frases das muitas que ele me disse. Embora fosse um "lordesinho", por saber escrever e ler, bem (e como gostava de ler...), aos doze anos foi trabalhar para uma das fábricas de transformação da cortiça do Caramujo, e já era a sua segunda profissão, antes, com apenas dez anos, fora aprendiz de marçano na loja do André, que tinha mais de explorador que de mestre.

Estávamos na segunda metade dos anos 40 do século passado, a Guerra tinha acabado na Europa e no Mundo, mas a pobreza continuava bem presente na vida da maior parte das pessoas, que recebiam ordenados de miséria. Pobreza bem visível nas casas onde se vivia, na alimentação e até na forma de vestir e calçar... (Lá estou eu a "fugir" ao assunto)

O António era um miúdo vivaço e imaginativo, e depressa descobriram o seu gosto pelos livros (havia uma estante improvisada num dos cantos da fábrica, com meia-dúzia de livros, usados nas leituras, alguns deles lidos várias vezes, tal era o interesse que despertavam junto dos operários de ambos os sexos...).

E foi assim, que vez de escolher rolhas ou andar nas limpezas ou a recolher o desperdício, passou a ser o "leitor" de serviço. E lá vem a frase que ele me contou: «Sabes? Foi a primeira vez que me senti importante na vida...»

Entre as muitas coisas que me contou, houve outra que ficou: «Éramos obrigados a ser adultos à força. Vivemos tantas coisas nos tempos errados. Por gostar de saber coisas novas, sonhei muito tempo com a escola de Lisboa, mas foi apenas um sonho...»

Era esta a triste sina de uma boa parte das crianças da sua geração, que tinham de trabalhar, mal acabavam a instrução primária, para ajudar a equilibrar os orçamentos baixos das famílias (muito maiores que as dos nossos dias, em que ter meia-dúzia de filhos era a coisa mais normal do mundo) e não iam para a escola, muito menos passavam o tempo a brincar com os amigos...

(Fotografia de Luís Eme - Almada)


terça-feira, novembro 19, 2024

Conseguir resistir ao fascínio da televisão...


Conheci duas ou três pessoas que nunca tiveram televisão em casa. E estavam longe de ser aparentados com "marcianos". Era apenas uma questão de opções, de escolhas. Preferiam conversar uns com os outros, ler, ouvir música ou dar uma volta ao quarteirão, que  ficarem presos às notícias ou à telenovela da noite. E também tinham uma apetência especial por ver teatro e cinema.

O curioso era os filhos crescerem (falei com alguns...), sem sentir a falta do "pequeno ecrã", que nos influencia, muito mais do que pensamos.

Mas por alguma razão elas eram tão poucas...

É muito difícil resistir ao fascínio da "caixa mágica". E quem vive sozinho ainda terá mais dificuldade em deixar de fazer esse gesto simples, de carregar no botão e ficar com o "mundo em casa"... 

A não ser que não goste de companhia, de "ouvir outras vozes" à sua volta.

(E mais uma vez, não era bem sobre isto que queria escrever, mas agora já está...)

(Fotografia de Luís Eme - Almada)


quinta-feira, novembro 07, 2024

Por causa de um sonho (quase lindo como o da canção)...


Por causa de um sonho (por acaso, quase lindo), lembrei-me que tenho de telefonar a uma pessoa especial, para que ela me faça uma visita guiada à última exposição em que esteve envolvida.

Gosto de todas as formas de ver exposições. Desde aquelas de apenas cinco minutos, em que passamos pelas coisas e fingimos não as ver, às outras, mais normais, sem tempo marcado, em que até nos podemos sentar (se existirem bancos, claro...) e ficar por ali, a descobrir pormenores e a associar a cor e os retratados a outras histórias. E até aquelas em que parecemos perdidos, andamos por aqui e por ali, a ver se percebemos "a coisa"...

Claro que as melhores são as visitas guiadas, feitas pelos autores das obras ou pelos responsáveis das exposições. Nem é tanto pela explicação de cada obra, que isso acontece, é mais pelas histórias que elas transportam. Sim, de onde vieram (algumas quase que chegam da lua...), juntamente com os acasos, as trocas e baldrocas (sim, às vezes troca-se a ordem às coisas, quase à última hora...), que só quem andou às voltas com cada peça, viveu...

Pois é, vou ter de telefonar...

(Fotografia de Luís Eme - Almada)