sábado, 1 de março de 2025

A garrafinha

 Foi numa conversa com meu marido, enquanto tomávamos uma xícara de café, porque para um mineiro, o calor que tem feito, não é impeditivo para um bom café. E deixemos de lado a questão do preço para não amargar inclusive a escrita!

"Você se lembra da primeira vez que viu o mar, o que você sentiu? " - assim iniciou a prosa.

Puxei pela memória e me transportei para aquele dia. A chegada ao litoral foi com chuva, o mar estava cinza, a impaciência de criança por ter que esperar o outro dia para poder colocar os pés na areia, na água, nas ondas.

Teve até simpatia naquela noite para parar de chover! E depois foi muita alegria, aquele desejo de ficar ali o tempo todo!

Eu já " conhecia" o mar pela televisão e talvez alguma figura em livro, fotografia em revista. Comprovei o que conhecia de maneira distante.

Marido foi só com o imaginário. Carregava apenas o que tinha ouvido de quem já tinha colocado os pés na areia da praia.

O transporte foi feito numa kombi.

"Você lembra das kombis? Naquele tempo podia estacionar na praia mesmo, na areia, e meu coração estava maior que toda aquele kombi cheia da parentada!"

Café, lembranças, risos e assim ele recordou a ida de seu pai, Antônio, bem moço vivendo lá na roça rodeada pelas montanhas mineiras, na sua ida ao litoral.

Um acontecimento para aquele homem nascido em 1925 viajar tão distante para ver o mar. Acontecimento da grandeza de uma festa.

E assim foi Antônio encontrar o oceano ali nos tornozelos de calças dobradas um pouco abaixo dos joelhos, os pés ressabiados diante da imensidão azul.

Já quase em tempo de retornar, pegou uma garrafa e a encheu com a onda mansa que se desmanchava.


No retorno da viagem, a casa se enchia de visitantes ávidos por informações detalhadas. Afinal, naquela porção do século passado, rodeado pelas montanhas mineiras em seu pedaço de terra que dava abóbora, couve, milho, a dificuldade, a distância de uma viagem dessas para chegar ao mar, era imensa.

E igualmente distante as fotografias, as imagens de uma praia. Uma boa conversa, um causo bem contado, era o que se tinha.

Gente chegava, um bolo de milho era servido e a prosa girava em torno de: "é mesmo grande assim como falam Antônio? E é azul como dizem?"

A inquietação maior se dava mesmo com a grande dúvida: "é mesmo verdade que aquele mundão de água é tudo salgado?"


Ah... a garrafinha!

Arrancou suspiros, exclamações e reflexões aquela tal garrafinha.

Diante das perguntas cheias de curiosidade, Antônio pegava a garrafa, despejava, melhor dizendo, gotejava cuidadosamente o líquido esclarecedor das dúvidas na mão do incrédulo e dizia - prova, põe assim a língua.

Não bastava que um membro da família provasse e atestasse a qualidade salgada da água do mar. Todos queriam viver em suas línguas aquela experiência.

Passados muitos dias, deu-se as condições de Antônio ir visitar sua irmã querida, Tunica, assim chamada em bom mineirês!

Sua irmã não pudera ir para a grande viagem com eles, o irmão compadecido, fez-lhe uma promessa:

" Olha Tunica eu vou trazer um pouquinho de água do mar para você ver mesmo se é salgada".

Mas, o pior já tinha acontecido... Era visita atrás de visita, parente próximo e distante, conhecido e conhecido que nem se sabia quem era - todos ganhando uma lambida na mão com a água do mar. E num é que a água acabou? E bem na vez da Tunica saber do mar, a garrafinha estava vazia.

Antônio não teve dúvida:

Pegou um copo na cozinha, encheu-o de água, colocou sal, mexeu e mandou tudo para dentro da garrafinha.

Rumou para a casa da irmã e foi recebido com a pergunta:

" É mesmo salgado o mar, Antônio? ".

"Tunica faz assim com a mão, agora põe a língua".

Rimos um bocado dessa garrafinha!

E você, tem lembrança da primeira vez que viu o mar?!




segunda-feira, 17 de fevereiro de 2025

Toquei o sino

 

Minha filha Júlia e eu


Semana passada fiz a minha última sessão de radioterapia!

Bem mais leve que o tratamento anterior, a quimioterapia, ainda assim com desconfortos, mas com a alegria de finalizar mais uma etapa importante.

Meu horário para esse tratamento era sempre no final da tarde, 17h20 , e foi inevitável o stress, a ansiedade - hora de cair a chuva aqui em São Paulo, trânsito que trava, ruas alagadas e o pior, na maioria das vezes, durante os temporais de verão, a energia elétrica oscila, cai e por consequência, a máquina de radioterapia parava.

Era necessário que o técnico especialista fosse acionado. Isso demorava... Mas, enfim, concluí essa fase!

Agora é seguir com acompanhamento.

Muitas vezes, enquanto eu recebia a infusão da quimioterapia, ou agora mais recente, enquanto esperava minha vez de entrar na sala da radioterapia, eu ouvia o som do sino e o som das palmas, dos aplausos.

Muitos "anônimos" ali na sala de espera participavam desse momento celebrativo - alguém em sua última químio ou rádio. Foi assim comigo!

Soube pela internet de pessoas que odiavam o sino na ala da oncologia pois, ou elas mesmas, ou algum parente não iria tocá-lo devido à gravidade do caso.

Sinceramente eu acho bonito participar, daqueles pequenos instantes de alegria.

Acho até mesmo importante celebrar uma pequena vitória - hoje eu consegui. Se é a cura definitiva ou não, acho que é uma etapa, como está nos "dizeres do sino ".




Quero celebrar com vocês que torceram por mim, que me enviaram mensagens, um bom pensamento, orações.

Vou começar minhas visitas aos blogs e ir buscando inspiração para escrever aqui. Sinto que tanto tempo parada, perdi o jeito!

Só sei que quero continuar!

Um abraço carinhoso 💚

terça-feira, 31 de dezembro de 2024

Para esquecer? Para crescer!

 


" Um ano para esquecer? "

Essa foi uma pergunta que meu marido me fez, e que não hesitei em responder - claro que não; não é um ano para ser esquecido. 

Compreendo a pergunta que ele fez; foi um ano realmente duro, difícil, intenso.
Mas somos também feitos das dificuldades.

Por esses dias li uma frase, marcada como de autor desconhecido. Dizia assim:

Confie que as rachaduras são por onde a luz entra.

Não me cansarei nunca de agradecer tudo o que recebo por aqui, todos vocês que torcem por mim!

Que seja mais leve 2025, que cessem as guerras e seja a saúde abundante para todos!

sexta-feira, 20 de dezembro de 2024

Véspera


O dia amanheceu véspera. O canto dos passarinhos era um canto de véspera. A banana que meu marido ofertou-lhes era véspera.

Véspera. Como foi mesmo que aprendi esse conceito?

No dicionário a definição vem como o dia que antecede.

Lembro-me da professora dos anos iniciais que carinhosamente podíamos chamar de tia, ensinando-nos o que era véspera - " véspera de quinta-feira é? quarta-feira, respondíamos em coro; véspera do dia 19 é? dia 18.

Certamente foi em casa que a palavra véspera tinha seus significados ampliados. Na véspera de algum aniversário de criança da família, lá estavam as tias enrolando brigadeiros, línguas-de-sogra, cajuzinho, as balas de côco que eram enroladas em papéis coloridos com franjas e nada podia ser comido porque era véspera.

O mesmo se dava no Natal, a véspera dos adultos era cheia de afazeres na cozinha, era uma véspera inundada de cheiros, de aromas ora doce, ora salgado.

Algum adulto colocava presentes debaixo do pinheiro que espetava e estava decorado com pequenos pedaços de algodão, nossa neve, e nossas mãozinhas de criança, olhos curiosos, alertados que em nada podíamos mexer, afinal era véspera.

Véspera era um dia comprido, custoso de passar. A palavra véspera talvez afetasse os ponteiros do relógio e eles passavam a fazer o seu tic-tac de modo moroso, quase arrastado.

Outro problema que nos acometia nas vésperas, além dos ponteiros se moverem com lentidão se dava na hora de dormir. Um coletivo de borboletas ( que acabei de pesquisar - panapaná, panapanã ) invadia os olhos, os pensamentos, a barriga toda e chacoalhava o sono que assustado ficava,  escondia-se sabe-se lá onde...

Assim também foi a véspera da minha última quimioterapia.

Acordei numa mistura de sentimentos - a alegria por chegar ao final, o desejo de que já fosse o dia e não a véspera e, o que na minha infância acontecia com os ponteiros de qualquer relógio, aconteceu com qualquer relógio digital que eu olhasse, tudo absolutamente lento.

Seria um dia comprido. Foi realmente um dia que não passava para logo trazer o que a minha véspera significava.

Claro que meu conceito de véspera na vida adulta não envolve só olhinhos curiosos, borboletas na barriga.

Bem sabemos que há vésperas que são difíceis, dolorosas, vésperas que machucam.

Mas a minha véspera era feliz.

Dia 5 de dezembro de 2024, às 16h eu estava recebendo a última sessão de quimioterapia.

O corpo também é moroso para se recuperar de uma medicação tão agressiva. Passei pelo mais difícil, foram 16 químios entre vermelhas e brancas. Agora lido com um efeito colateral bastante desagradável, tenho algumas unhas que estão a cair. Traz bastante incômodo mas pensar em tanto que enfrentei nessa jornada me faz inspirar profundamente e dizer isso também vai passar.

Toda essa história de véspera é para dizer que estou bem e quero agradecer a cada um de vocês, amigos de blogs que rezaram por mim, que me colocaram em suas preces, que me enviaram um pensamento carregado de força e muita vibração positiva.

A gente nem sabe explicar, e realmente não precisa de explicação nenhuma, cada pensamento, cada oração de maneira misteriosa me chegou, me sustentou e eu realmente agradeço.

Seja o seu Natal envolto em amor!

E mais uma vez, obrigada por estar ao meu lado desejando-me força 💚

 

quinta-feira, 7 de novembro de 2024

A tia Nazaré

 Depois de ter escrito sobre o colar da tia Nazaré, algo muito especial aconteceu!

Mas antes eu quero me desculpar pela ausência de notícias sobre meu tratamento, quero também agradecer a compreensão e as mensagens tão carinhosas e encorajadoras que recebo. Saibam, elas são muito importantes para mim e incrivelmente me trazem forças.

Eu estou bem, dentro do possível de um tratamento tão exigente para o corpo, e agora próxima a finalizar a fase da quimioterapia - faltam quatro sessões - depois virá a radioterapia e, acredito, que ao terminar as químios, o organismo vai aos poucos se restabelecendo.

Estou bastante animada e esperançosa!

Mais uma vez obrigada a todos 💚


Logo depois de ter escrito sobre a tia Nazaré, algo muito bom aconteceu!

Minha filha, que mora em outra cidade por conta da faculdade, veio passar uns dias comigo e assim meu marido pode fazer uma curta viagem para visitar os familiares e se encontrou com tia Nazaré!



Juju e eu 

Antes da visita, num outro dia, parada numa das vendas típicas da região.
Marido bem que quis comprar o banco, esse mesmo em que aparece sentado para a foto.
Hoje porém, não tá querendo nem saber o tal banco...  O time do coração vai mal da pernas...
Vou aqui chamar Toninho, também um cruzeirense para opinar nessa má fase do time!



Marido abraçadinho com tia Nazaré


Tia Nazaré e seu marido, tio Lázaro


E claro não poderia faltar o colar da tia Nazaré que ela mesma confecciona e está lá no seu pescoço, reparem bem, além do sorriso lindo de quem já passou dos 90 anos!


Que vocês estejam bem! Vou me empenhar para aparecer por aqui com mais frequência.
Fiquem em paz!





sábado, 3 de agosto de 2024

O colar da Tia Nazaré

 Há textos em que apenas as palavras bastam. Há fotografias que dispensam palavras e também há a junção de imagem e texto que se entrelaçam, se complementam.

Para esta publicação tentei fazer uso apenas de palavras e nada ficava bom ou claro. Então vou colocar a foto.

Antes porém, vai um alerta e um pedido - não faça como eu, que fui tão pequena e me envergonho por minha atitude.

Os adjetivos foram ágeis saltando de minha mente, parecia até que todos ao mesmo se mostravam: brega, exagerado, esquisito, espalhafatoso, inútil, engraçado, chique, ridículo.

O colar da Tia Nazaré.



Não conheço a tia Nazaré e ela também não me conhece.
Tudo se deu da seguinte forma:
Embora todos soubessem que minha sogra não estava nada bem e que o fim de sua jornada por aqui se aproximava, houve a ligação telefônica determinante.
A voz embargada do outro lado da linha dizia que se quisessem ver dona Sebastiana com vida, que não demorassem a chegar.

A distância que separa nossa cidade e o recanto lá em Minas Gerais onde ela morava, é extenso. Avião? Não, não há realmente encurtamento de caminho, é chão e chão e chão.

Meus filhos queriam se despedir da avó, um sobrinho iria conosco e então, um dos filhos de dona Sebastiana chegou aqui em casa e desesperado disse - "lá está chovendo, meu carro não passa na estradinha, preciso ir com vocês".

Cedi meu lugar. Era mais importante os filhos dela, os meus e o sobrinho que foi criado por ela se despedirem. Minha despedida seria de outra maneira.

Foram. E talvez a chuva tenha acentuado ainda mais a tristeza deles.

Minha Júlia, quando voltou relatava todo o sofrimento da avó, seus gemidos, sua angústia, as horas que se arrastavam. A casa cheia de corações partidos, olhos inchados, choros silenciosos e estampados. E a tia Nazaré.

Tia Nazaré é aquele familiar que só se encontra nesses momentos difíceis ou em algum casamento.
Minha filha descreveu com muito encantamento os passos de tia Nazaré.

Ela chegou, meneou a cabeça e foi para o doloroso leito. Pegou na mão da Sebastiana, acariciou sua face, disse palavras, disse rezas, chorou muito, beijou sua mão e saiu.

Enxugou suas lágrimas com as próprias mãos, suspirou longo, estufou o peito levando os ombros bem para trás, o pescoço também, alinhada e recomposta  começou então a abrir armários, geladeira, torneira.
O aroma do chá de cidreira com o dos bolinhos de chuva iam invadindo narinas que antes só fungavam tristezas.
Tia Nazaré achou também que para aquelas barrigas vazias um pouco de pipoca ajudaria. A angústia foi dando espaço para o chá e o bolinho, vieram as recordações com um leve sorriso nos lábios com algum açúcar grudado e foram assim substituindo o som dos soluços e dos choros por  relatos do chá, dos bolinhos, do café que Sebastiana sempre tinha para oferecer.

Um casal chegou entrando ali pela cozinha. Tia Nazaré bateu o olho e soltou:
 - Esse é o Edvânio?
Ao som afirmativo, os elogios saltaram de sua boca!

 - Meu Deus como você se tornou um homem formoso, era tão mirradinho. Olha só, gordo, vermelho, bonito!

O rosto vermelho do Edvânio que é ruivo, ganhou tonalidades complexas de se descrever, acho que foi próximo ao roxo!
As risadas vieram espontâneas!

Num determinado momento ela se pôs a conversar com minha filha Júlia e se disse encantada com a simpatia dela. Na sua opinião eu deveria ser uma mãe muito agradável e por isso ela iria me mandar um presente, feito por ela mesma.

Foi em busca de sua bolsa e tirou de lá um colar. O colar da tia Nazaré. E pediu que Júlia me entregasse.

Conversaram longamente minha filha e ela. Foi Júlia que ficou encantada com o jeito de olhar para a vida que tia Nazaré demonstrou.

Silenciosamente pedi desculpas por ter olhado para o colar e despejar nele vários adjetivos.

O colar da tia Nazaré traz consigo um pouquinho da vivacidade, da alegria, da força em atravessar tantas dificuldades que ela já passou.
Obrigada pelo presente Tia Nazaré!

Notinhas sobre mim

Estou, dentro do possível, bem. Os efeitos da quimioterapia são intensos, desagradáveis, tenho muita fraqueza, enjoo, não consigo ficar no celular, computados, nem mesmo televisão. Tenho ainda mais dois ciclos dessa medicação que é bem agressiva e tóxica e depois começarei uma outra que parece ser mais branda.
Peço desculpas por não estar interagindo nos blogs. Em breve conseguirei passear por eles!
Um beijo e fiquem em paz.
Ana Paula





quinta-feira, 30 de maio de 2024

Fotografias e sorrisos

 " E, de repente, toda a felicidade volta. E como uma bolha de doce loucura, uma bolha de alegria que sobe até a garganta, acaricia minha boca, agita meu ventre de felicidade e me faz cair na gargalhada. Eu não sabia que esse som existia, que tinha aquela nota dentro de mim. Eu me sinto como um instrumento musical com uma tecla a mais. Um saudável defeito de fabricação." 

Valérie Perrin


Escolhi o trecho acima, retirado do livro "Água fresca para as flores" porque ele reflete o que eu desejo para nossos irmãos lá do Rio Grande do Sul. Que as águas possam baixar e que em algum momento chegue, assim, de repente essa alegria que faz sorrir.

Um mês dessa tragédia, tudo tão desafiador mas que aos poucos os sorrisos possam voltar.


Por esses dias fui fazer caminhada em um horário diferente do habitual, que é bem cedinho, e encontrei um espaço chamado de berçário, aberto.

Ali cultivam-se mudas que são doadas e também replantadas em outras áreas do parque.

Deixo algumas fotografias que fiz e o desejo de um bom feriado prolongado!