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quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

Nostalgia

"A alma tem nostalgia das origens... As cores estão lá, no poente. Mas quem só vê as cores não vê nada. A beleza nostálgica do sol que se põe é uma dádiva dos olhos de quem a vê como quem vê pela última vez."
(Rubem Alves)



quinta-feira, 9 de setembro de 2010

É tempo de jabuticabas



O tempo e as jabuticabas
'Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver
daqui para frente do que já vivi até agora. Sinto-me como aquela
menina que ganhou uma bacia de jabuticabas. As primeiras, ela
chupou displicente, mas percebendo que faltam poucas, rói o caroço.

Já não tenho tempo para lidar com mediocridades.
Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflados.
Não tolero gabolices. Inquieto-me com invejosos tentando destruir
quem eles admiram, cobiçando seus lugares, talentos e sorte.

Já não tenho tempo para projetos megalomaníacos.
Não participarei de conferências que estabelecem prazos fixos
para reverter a miséria do mundo. Não quero que me convidem
para eventos de um fim de semana com a proposta de abalar o milênio.

Já não tenho tempo para reuniões intermináveis para discutir
estatutos, normas, procedimentos e regimentos internos.
Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas,
que apesar da idade cronológica, são imaturos.

Não quero ver os ponteiros do relógio avançando em reuniões
de 'confrontação', onde 'tiramos fatos a limpo'.
Detesto fazer acareação de desafetos que brigaram pelo
majestoso cargo de secretário geral do coral.
Lembrei-me agora de Mário de Andrade que afirmou: 'as pessoas
não debatem conteúdos, apenas os rótulos'.
Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a
essência, minha alma tem pressa...
Sem muitas jabuticabas na bacia, quero viver ao lado de gente
humana, muito humana; que sabe rir de seus tropeços, não se encanta
com triunfos, não se considera eleita antes da hora, não
foge de sua mortalidade, defende a dignidade dos marginalizados,
e deseja tão somente andar ao lado do que é justo.

Caminhar perto de coisas e pessoas de verdade, desfrutar desse
amor absolutamente sem fraudes, nunca será perda de tempo.'

O essencial faz a vida valer a pena.

Rubem Alves
********
O tempo das jabuticabas me remete a um tempo que não volta mais. As jabuticabeiras pretinhas, pretinhas, e nós lá em cima dos seus últimos galhos querendo pegar as maiores, não nos satisfazíamos com as que estavam ao nosso alcance, aquela mais distante era a melhor.
Época do colegial, dos namoricos à distancia, da troca de olhares, do primeiro amor tão inocente!
Quero, agora, fazer como Rubem Alves, quero encher a bacia de jabuticabas, sentar à sombra de uma centenária árvore, colecionar amigos... gente humana, mas muito humana, contar bastante causos, rir com elas...e depois saborear todas as jabuticabas que chegarem às minhas mãos.

domingo, 23 de maio de 2010

Sobre o Casamento II


Casamento, frescobol e tênis

Rubem Alves

Depois de muito meditar sobre o assunto concluí que, os casamentos
(relacionamentos) são de dois tipos: Há os casamentos do tipo tênis e há os casamentos do tipo frescobol.

Os casamentos do tipo tênis são uma fonte de raiva e ressentimentos e terminam sempre mal. Os casamentos do tipo frescobol são uma fonte de alegria e têm a chance de ter vida longa. Explico-me.

Para começar, uma afirmação de Nietzsche com a qual concordo inteiramente.
Dizia ele: 'Ao pensar sobre a possibilidade do casamento cada um deveria se fazer a seguinte pergunta: Você crê que seria, capaz de conversar com prazer com esta pessoa até sua velhice'? Tudo o mais no casamento é transitório, mas as relações que desafiam o tempo são aquelas construídas sobre a arte de conversar.

Sheerazade sabia disso. Sabia que os casamentos baseados nos prazeres da cama
são sempre decapitados pela manhã, terminam em separação, pois os prazeres
do sexo se esgotam rapidamente, terminam na morte, como no filme 'O Império dos Sentidos'. Por isso, quando o sexo já estava morto na cama, e o amor não mais se podia dizer através dele, ela o ressuscitava pela magia da palavra: começava uma longa conversa sem fim, que deveria durar mil e uma noites.
O sultão se calava e escutava as suas palavras como se fosse música. A música dos sons ou da palavra - é a sexualidade sob a forma da eternidade: é o amor que ressuscita sempre, depois de morrer.

Há os carinhos que se fazem com o corpo e há os carinhos que se fazem com as palavras. E contrariamente ao que pensam os amantes inexperientes, fazer carinho com as palavras não é ficar repetindo o tempo todo: 'Eu te amo...'

Barthes advertia: 'Passada a primeira confissão, 'eu te amo' não quer dizer mais nada'. 'É na conversa que o nosso verdadeiro corpo se mostra, não em sua nudez anatômica, mas em sua nudez poética'. Recordo a sabedoria de Adélia Prado: 'Erótica é a alma '.

O tênis é um jogo feroz. O seu objetivo é derrotar o adversário. E a sua derrota se revela no seu erro: o outro foi incapaz de devolver a bola.
Joga-se tênis para fazer o outro errar. O bom jogador é aquele que tem a exata noção do ponto fraco do seu adversário, e é justamente para aí que ele vai dirigir sua 'cortada' , palavra muito sugestiva, que indica o seu objetivo sádico, que é o de cortar, interromper, derrotar.
O prazer do tênis se encontra, portanto, justamente no momento em que o jogo não pode mais continuar porque o adversário foi colocado fora de jogo.
Termina sempre com a alegria de um e a tristeza de outro.

O frescobol se parece muito com o tênis: dois jogadores, duas raquetes e uma bola. Só que, para o jogo ser bom, é preciso que nenhum dos dois perca.
Se a bola veio meio torta, a gente sabe que não foi de propósito e faz o maior esforço do mundo para devolvê-la gostosa, no lugar certo, para que o outro possa pegá-la.
Não existe adversário porque não há ninguém a ser derrotado. Aqui ou os dois ganham ou ninguém ganha.. E ninguém fica feliz quando o outro erra, pois o que se deseja é que ninguém erre. E o que errou pede desculpas, e o que provocou o erro se sente culpado. Mas não tem importância: começa-se de novo este delicioso jogo em que ninguém marca pontos...
A bola: são nossas fantasias, irrealidades, sonhos sob a forma de palavras.
Conversar é ficar batendo sonho prá lá, sonho prá cá...
Mas há casais que jogam com os sonhos como se jogassem tênis. Ficam à espera
do momento certo para a cortada. Tênis é assim: recebe-se o sonho do outro para destruí-lo, arrebentá-lo, como bolha de sabão... O que se busca é ter razão e o que se ganha é o distanciamento. Aqui, quem ganha sempre perde.
Já no frescobol é diferente: o sonho do outro é um brinquedo que deve ser
preservado, pois se sabe que, se é sonho, é coisa delicada, do coração.

O bom ouvinte é aquele que, ao falar, abre espaços para que as bolhas de sabão do outro voem livres. Bola vai, bola vem - cresce o amor...
Ninguém ganha para que os dois ganhem. E se deseja então que o outro viva sempre, eternamente, para que o jogo nunca tenha fim..

Rubem Alves é educador, escritor, psicanalista e professor emérito da Unicamp.
'Os limites são físicos.. As limitações são mentais'

domingo, 24 de janeiro de 2010

Liberdade de pensamento





"Há escolas que são gaiolas.
E há escolas que são asas,
que existem para dar aos seus
alunos a coragem de voar."
Rubem Alves





Para pintar um pássaro



Pintar primeiro uma gaiola
Com uma porta aberta
Pintar depois
Algo bonito,
Algo simples,
Algo belo,
Algo útil
para o pássaro;
Depois, encostar a tela em uma árvore
Num jardim, num bosque ou
numa floresta,
Se esconder atrás da árvore
Sem dizer nada
Sem se mexer
E, quando o pássaro chegar,

se ele chegar
Guardar o mais profundo silêncio,
esperar que o pássaro entre na gaiola
e quando ele tiver entrado
Fechar docemente a porta com o pincel
Depois, apagar uma a uma todas as barras
Tendo o cuidado de não tocar nenhuma
das plumas do pássaro
Pintar, em seguida, a árvore
Escolhendo o mais belo dos seus galhos
para o pássaro
Pintar também a verde folhagem e a frescura do vento
A poeira do sol
E o barulho dos animais de erva no calor do verão
E, depois, esperar que o pássaro se decida a cantar
Se o pássaro não cantar
É mau sinal
Sinal de que o quadro é ruim
Mas, se cantar é bom sinal
Sinal de que você pode assinar, então tire suavemente
Uma das plumas do pássaro
E escreva seu nome num canto do quadro

Jacques Prévert
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Esta maravilhosa poesia é a mensagem mais linda que já li sobre escola. Reforça a busca pela qualidade, pela liberdade, pela transformação do ser humano e consequentemente pela sua valorização.
Não preciso dizer mais nada.