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terça-feira, 4 de julho de 2017

Leve É o Pássaro...


Leve é o pássaro:
e a sua sombra voante,

mais leve.


E a cascata aérea

de sua garganta,
mais leve. 
E o que lembra, ouvindo-se 
deslizar seu canto,
mais leve. 
E o desejo rápido
desse mais antigo instante, 
mais leve.
E a fuga invisível
do amargo passante,
mais leve.

Cecília Meireles

terça-feira, 23 de maio de 2017

Mais Um Soneto de Florbela Espanca



Obrigada pela sua presença. Volte sempre.



segunda-feira, 8 de maio de 2017

Quando Vier a Primavera


Quando vier a Primavera,
Se eu já estiver morto,
As flores florirão da mesma maneira
E as árvores não serão menos verdes que na Primavera passada.
A realidade não precisa de mim.
Sinto uma alegria enorme
Ao pensar que a minha morte não tem importância nenhuma
Se soubesse que amanhã morria
E a Primavera era depois de amanhã,
Morreria contente, porque ela era depois de amanhã.
Se esse é o seu tempo, quando havia ela de vir senão no seu tempo?
Gosto que tudo seja real e que tudo esteja certo;
E gosto porque assim seria, mesmo que eu não gostasse.
Por isso, se morrer agora, morro contente,
Porque tudo é real e tudo está certo.
Podem rezar latim sobre o meu caixão, se quiserem.
Se quiserem, podem dançar e cantar à roda dele.
Não tenho preferências para quando já não puder ter preferências.
O que for, quando for, é que será o que é.
(Poemas Inconjuntos, heterónimo de Fernando Pessoa)

        Obrigada pela sua presença. Volte sempre.



quinta-feira, 30 de março de 2017

Amigo de Pablo Neruda

Amigo

Amigo, toma para ti o que quiseres,
passeia o teu olhar pelos meus recantos,
e se assim o desejas, dou-te a alma inteira,
com suas brancas avenidas e canções. 
Amigo - faz com que na tarde se desvaneça
este inútil e velho desejo de vencer.

Bebe do meu cântaro se tens sede.

Amigo - faz com que na tarde se desvaneça
este desejo de que todas as roseiras
me pertençam.
 
Amigo,
se tens fome come do meu pão.

Tudo, amigo, o fiz para ti. Tudo isto
que sem olhares verás na minha casa vazia:
tudo isto que sobe pelo muros direitos
- como o meu coração - sempre buscando altura.

Sorris-te - amigo. Que importa! Ninguém sabe
entregar nas mãos o que se esconde dentro,
mas eu dou-te a alma, ânfora de suaves néctares,
e toda eu ta dou... Menos aquela lembrança...

... Que na minha herdade vazia aquele amor perdido
é uma rosa branca que se abre em silêncio...

Pablo Neruda, in "Crepusculário"





Foto da Internet

Obrigada pela sua presença. Volte sempre.





quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

A Palavra de Carlos Drummond de Andrade


A Palavra
Já não quero dicionários
consultados em vão.
Quero só a palavra
que nunca estará neles
nem se pode inventar.
Que resumiria o mundo
e o substituiria.
Mais sol do que o sol,
dentro da qual vivêssemos
todos em comunhão,
mudos,
saboreando-a.

Carlos Drummond de Andrade
 
Obrigada pela sua presença. Volte sempre.


terça-feira, 31 de janeiro de 2017

Eugénio de Andrade e a Sua Poesia


Velho, velho, velho
chegou o Inverno.
Vem de sobretudo,
vem de cachecol,
o chão por onde passa
parece um lençol.
Esqueceu as luvas
perto do fogão,
quando as procurou,
roubara-as o cão.
Com medo do frio,
encostou-se a nós:
dai-lhe café quente,
senão perde a voz.
Velho, velho, velho
chegou o Inverno.

Eugénio de Andrade






Obrigada pela sua presença. Volte sempre.







quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

Na Terra Negra da Vida-Miguel Torga


Na terra negra da vida,
Pousio do desespero,
É que o Poeta semeia
Poemas de confiança.
O Poeta é uma criança
Que devaneia.
Mas todo o semeador
Semeia contra o presente.
Semeia como vidente
A seara do futuro,
Sem saber se o chão é duro
E lhe recebe a semente.

 Miguel Torga






Obrigada pela sua presença. Volte sempre.







quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

Mar Português

MAR PORTUGUÊS

Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu

 Fernando Pessoa




Obrigada pela sua presença. Volte sempre.







quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

A Poesia de Fernando Pessoa

Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem achei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,
Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem,
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.
Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo: «Fui eu?»
Deus sabe, porque o escreveu.
Fernando Pessoa


Obrigada pela sua presença. Volte sempre.


quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

Poesia de Natal com David Mourão Ferreira


Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que se veja à mesa o meu lugar vazio
Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que hão-de me lembrar de modo menos nítido
Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que só uma voz me evoque a sós consigo
Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que não viva já ninguém meu conhecido
Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que nem vivo esteja um verso deste livro
Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que terei de novo o Nada a sós comigo
Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que nem o Natal terá qualquer sentido
Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que o Nada retome a cor do Infinito



Obrigada pela sua presença. Volte sempre.


segunda-feira, 14 de novembro de 2016

Poema em Noite de Super Lua

Em noite de super Lua, a maior desde 1948, eis um poema de Alberto Caeiro/Fernando Pessoa.



O Luar quando Bate na Relva

O luar quando bate na relva
Não sei que cousa me lembra...
Lembra-me a voz da criada velha
Contando-me contos de fadas.
E de como Nossa Senhora vestida de mendiga
Andava à noite nas estradas
Socorrendo as crianças maltratadas ...
Se eu já não posso crer que isso é verdade,
Para que bate o luar na relva?

Alberto Caeiro, in "O Guardador de Rebanhos - Poema XIX"
Heterónimo de Fernando Pessoa


Obrigada pela sua presença. Volte sempre.





terça-feira, 1 de novembro de 2016

Um Soneto de Antero de Quental



À Virgem Santíssima

Cheia de Graça, Mãe de Misericórdia

N'um sonho todo feito de incerteza,
De nocturna e indizível ansiedade,
É que eu vi teu olhar de piedade
E (mais que piedade) de tristeza...

Não era o vulgar brilho da beleza,
Nem o ardor banal da mocidade...
Era outra luz, era outra suavidade,
Que até nem sei se as há na natureza...

Um místico sofrer... uma ventura
Feita só do perdão, só da ternura
E da paz da nossa hora derradeira...

Ó visão, visão triste e piedosa!
Fita-me assim calada, assim chorosa...
E deixa-me sonhar a vida inteira!

Antero de Quental, in "Sonetos"


Obrigada pela sua presença. Volte sempre.





terça-feira, 18 de outubro de 2016

À noite, com Cecília Meireles


(Já não se morre de velhice
nem de acidente nem de doença,
mas, Senhor, só de indiferença.)

  Como se morre de velhice
ou de acidente ou de doença,
morro, Senhor, de indiferença.

Da indiferença deste mundo
onde o que se sente e se pensa
não tem eco, na ausência imensa.

Na ausência, areia movediça
onde se escreve igual sentença
para o que é vencido e o que vença.

Salva-me, Senhor, do horizonte
sem estímulo ou recompensa
onde o amor equivale à ofensa.

De boca amarga e de alma triste
sinto a minha própria presença
num céu de loucura suspensa.

(Já não se morre de velhice
nem de acidente nem de doença,
mas, Senhor, só de indiferença.)
 

Cecília Meireles 

Obrigada pela sua presença. Volte sempre.





quinta-feira, 15 de setembro de 2016

Hoje a Noite é de Poesia Com Olavo Blac

Velhas Árvores

Olha estas velhas árvores, mais belas
Do que as árvores novas, mais amigas:
Tanto mais belas quanto mais antigas,
Vencedoras da idade e das procelas...

O homem, a fera, e o inseto, à sombra delas
Vivem, livres de fomes e fadigas;
E em seus galhos abrigam-se as cantigas
E os amores das aves tagarelas.

Não choremos, amigo, a mocidade!
Envelheçamos rindo! envelheçamos
Como as árvores fortes envelhecem:

Na glória da alegria e da bondade,
Agasalhando os pássaros nos ramos,
Dando sombra e consolo aos que padecem!

Olavo Bilac, in "Poesias"


Obrigada pela sua presença. Volte sempre.

quinta-feira, 11 de agosto de 2016

POEMA DO AMIGO APRENDIZ


Quero ser o teu amigo.
Nem demais e nem de menos.
Nem tão longe e nem tão perto.
Na medida mais precisa que eu puder.
Mas amar-te sem medida e ficar na tua vida,
Da maneira mais discreta que eu souber.
Sem tirar-te a liberdade, sem jamais te sufocar.
Sem forçar tua vontade.
Sem falar, quando for hora de calar.
E sem calar, quando for hora de falar.
Nem ausente, nem presente por demais.
Simplesmente, calmamente, ser-te paz.
É bonito ser amigo, mas confesso: é tão difícil aprender!
E por isso eu te suplico paciência.
Vou encher este teu rosto de lembranças,
Dá-me tempo de acertar nossas distâncias

Fernando Pessoa 







Obrigada pela sua presença. Volte sempre.





terça-feira, 12 de julho de 2016

"A melhor maneira de viajar é sentir-se outro."



Viajar! Perder países!
Ser outro constantemente,
Por a alma não ter raízes
De viver de ver somente!

Não pertencer nem a mim!
Ir em frente, ir a seguir
A ausência de ter um fim,
E da ânsia de o conseguir!

Viajar assim é viagem.
Mas faço-o sem ter de meu
Mais que o sonho da passagem.
O resto é só terra e céu.
 Fernando Pessoa

Obrigada pela sua presença. Volte sempre.

terça-feira, 21 de junho de 2016

"No Meio do Caminho" de Manuel Bandeira





No Meio do Caminho

No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.

Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
Tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.

 Carlos Drummond de Andrade




Obrigada pela sua presença. Volte sempre.




segunda-feira, 9 de maio de 2016

ODE À PRIMAVERA



A vida anda possessa de Poesia!
Anda prenha de mosto!
Ou é da luz do dia,
Ou é da cor do rosto,
Ou então quer abrir-se, neste gosto
De pão com todo o sal que lhe cabia!

Tem narcisos de amor no coração,
Folhas de acanto nos sentidos!
E carícias na mão
A espreitar dos tendões adormecidos!

Toca-se numa pedra, e ela treme!
Murmura-se uma prece, e a boca grita!
A rabiça do arado é como um leme
Sobre a terra que ondula e ressuscita!
Quem avoluma a sombra, ou quem a teme?
Cada presença é um hino que palpita!
E se na estrada alguém discorda e geme,
Ninguém que vai no sonho o acredita!

Serás tu, Primavera?
Tu, com frutos na rama do futuro,
Com sementes nos pés
E flores inúteis sobre cada muro,
Contentes só da graça que tu és!

Miguel Torga



Obrigada pela sua presença. Volte sempre.

terça-feira, 12 de abril de 2016

A Poesia de Vinicius


De manhã escureço
De dia tardo
De tarde anoiteço
De noite ardo.
A oeste a morte
Contra quem vivo
Do sul cativo
O este é meu norte.
Outros que contem
Passo por passo:
Eu morro ontem
Nasço amanhã
Ando onde há espaço:
– Meu tempo é quando.

Vinicius de Moraes






Obrigada pela sua visita. Volte sempre.





quinta-feira, 17 de março de 2016

A poesia de Machado de Assis

 

As Rosas

Rosas que desabrochais,
Como os primeiros amores,
Aos suaves resplendores
Matinais;

Em vão ostentais, em vão,
A vossa graça suprema;
De pouco vale; é o diadema
Da ilusão.

Em vão encheis de aroma o ar da tarde;
Em vão abris o seio húmido e fresco
Do sol nascente aos beijos amorosos;
Em vão ornais a fronte à meiga virgem;
Em vão, como penhor de puro afecto,
Como um elo das almas,
Passais do seio amante ao seio amante;
Lá bate a hora infausta
Em que é força morrer; as folhas lindas
Perdem o viço da manhã primeira,
As graças e o perfume.
Rosas que sois então? – Restos perdidos,
Folhas mortas que o tempo esquece, e espalha
Brisa do inverno ou mão indiferente.

Tal é o vosso destino,
Ó filhas da natureza;
Em que vos pese à beleza,
Pereceis;
Mas, não... Se a mão de um poeta
Vos cultiva agora, ó rosas,
Mais vivas, mais jubilosas,
Floresceis. 


Machado de Assis, in 'Crisálidas'



Obrigada pela sua visita. Volte sempre.