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Monday, October 31, 2005

BALTUM

Uma possível má leitura de uma moeda balsense


"Baltum" surge pela primeira e única vez em Silva Lopes (Corografia ou Memória Económica, Estatística e Topográfica do Reino do Algarve, Lisboa 1841), como primitivo nome romano de Albufeira. Porém, e ao contrário do que lhe é habitual, este autor não indica nem a fonte nem uma justificação.
É provável que Silva Lopes tenha conhecido o termo por um seu informador de Albufeira, cuja identidade seria talvez possível indagar, no sentido de se tentar aprofundar o assunto.
Trata-se de um topónimo desconhecido nos corpora relativos ao Algarve, à Península Ibérica ou ao Império Romano.
Não existe nas fontes latinas ou medievais, na toponímia fóssil, na epigrafia ou na numismática.
A identificação de "Baltum" com Albufeira seria também uma situação anómala, pois não há conhecimento de vestígios romanos com carácter urbano na área da povoação, nem de materiais tardo-republicanos no contexto de uma ocupação indígena posterior ao séc. III a.C., tal como sucede nos restantes povoados proto-históricos do Algarve que cunharam moeda sob domínio romano (Ipses/Alvor, Cilpes/Rocha Branca, Ossonoba/Faro, Balsa/Cerro do Cavaco e Baesuris/Castro Marim).
Na realidade, nada se sabe da ocupação pré-islâmica da antiga península, correspondente ao actual centro histórico. A configuração natural, definindo um pequeno oppidum naturalmente fortificado na orla marítima, com um porto interior no divertículo estuarino hoje desaparecido, sugere no entanto um lugar com uma possível ocupação Proto-Histórica.
O facto de "Baltum" não ser referido por André de Resende (1597) nem por Sarrão (1607) nem por Vicente Salgado (1786) significa também tratar-se de um termo desconhecido pelo menos até finais do séc. XVIII, não pertencendo portanto à tradição historiográfica anterior
Os autores posteriores (Bonnet, Pinho Leal, etc.) limitam-se a copiar Silva Lopes, sem nada mais acrescentar, não podendo servir como fontes comprovativas ou independentes.
Poder-se-ia assim considerar "Baltum" um outro exemplo de invenção mais ou menos fraudulenta, produzida para nobilitar origens locais desconhecidas.
No entanto, a seriedade que Silva Lopes revela em toda a sua obra corográfica leva-nos antes pensar tratar-se, muito provavelmente, do resultado de uma leitura deficiente de um numisma antigo, encontrado algures na zona, nomeadamente de Balsa:
  • São conhecidos exemplares da cunhagem de Balsa (meados séc. I a.C.) em que o canto inferior direito é pouco legível. O "S" só apresenta o ramo superior (ficando semelhante a um "T") e o "A" praticamente desaparece.
  • É assim possível que o informador anónimo tenha lido BALT e que, com os seus conhecimentos latinos, tenha verificado tratar-se de uma palavra incompleta. Teria assim resolvido acrescentar o sufixo -UM, típico das terminações toponímicas romanizadas.
  • Sabe-se hoje da difusão regional das moedas balsenses, que têm aparecido em Faro e em Lagos (Molião), pelo que não seria extraordinária a sua ocorrência em Albufeira.
Note-se que esta hipotética leitura terá ocorrido antes de 1840, e portanto antes das moedas de Balsa serem conhecidas, o que só viria a suceder após 1866. Nesse ano, Estácio da Veiga identifica Balsa no extenso campo de ruínas romanas existente perto d Luz de Tavira e descreve algumas das moedas aí encontradas. Até essa data pensava-se que Balsa se localizaria sob a própria cidade de Tavira.





Exemplo de moeda balsense com legenda incompleta
Um exemplar semelhante pode ter originado a leitura BALT
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