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segunda-feira, agosto 12, 2024

Conversa fiada

Quando chegou ao restaurante para comer e festejar com os pais da criança que baptizara há menos de uma hora, o único lugar vago era ao lado de uma familiar de idade algo avançada, uma senhora que parecia já ter dado muito à vida. As mãos mostravam a calosidade do trabalho de campo, assim como a tez morena. No trato fazia lembrar o mesmo tipo de figura. Tinha o marido ao seu lado, do outro lado, mas não se evitava de comentários jocosos ao senhor prior. Falava dos padres como quem sabe a história de cada um. Por isso, às tantas, no meio da conversa, um pouco atrevida, fez uma afirmação do tamanho da sua boca e da sua vida. Todos os padres têm uma amante. Mesmo que muitos padres tenham dificuldade em lidar com o celibato, a coisa, assim dita, suou excessiva e disparatada. Por isso a resposta não se fez esperar, e, diante do seu marido, o padre fez o mesmo tipo de afirmação, de boca cheia e sorriso nos lábios. Sabia que todas as mulheres têm um amante?!

A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "A ideia que as crianças fazem dos padres"

segunda-feira, novembro 13, 2023

Seminários que formam clérigos e não pastores

Quando leio o que alguns jovens seminaristas escrevem por estes dias, por ocasião da semana dos seminários, e me apercebo que lhes falta a frescura das palavras e da novidade de Cristo no seu coração, e que insistem em repetir palavras clericais que parecem ter aprendido no percurso do seminário, palavras de bem dizer, mas que dizem pouco, devo confessar que fico triste. Parece-me que falta vida nos nossos seminários. Vida de verdade. Não quero generalizar e quero imaginar que a grande maioria dos nossos seminaristas é bem mais santa do que eu. E precisamos de padres santos. No entanto, estou convencido que ainda há muito por fazer para que os seminários deixem de ser redomas de vidro que protegem os futuros padres dos males do mundo ou fábricas de uma casta clerical que se fecha sobre si mesma. Ainda bem que a assembleia sinodal do último mês de outubro deixou plasmada, no seu relatório de síntese, a necessidade de uma formação dos candidatos ao sacerdócio ministerial que não crie um ambiente artificial separado da vida normal dos fiéis. Precisamos de seminários que formem pastores e não clérigos!

segunda-feira, novembro 29, 2021

à procura de freiras

Um padre ia a passar numa rua movimentada quando viu ao longe um grupo de adolescentes a conversar, distraídos. Mas falavam alto o suficiente para se conseguir escutar. A gritaria típica das hormonas aos saltos. Mas o inimaginável é que falavam da catequese e riam-se muito. Contavam algo engraçado a uma amiga que não ia à catequese, porque esta dizia que tinha de ir lá espreitar a catequista. Quando o padre, ao passar, os cumprimentou e lhes perguntou de que falavam ao falar da catequese, aceleraram o passo com risinhos mais contidos. Ao menos disseram algo parecido com um olá boa tarde. E já se encontravam a uma distância considerável quando a colega perguntou. Este é que é o padre? E que anda ele a fazer na rua? E ela mesma respondeu. Deve andar à procura de freiras. E os risinhos aumentaram de tom. 
 
A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "Como é que o stor aguenta?"

quarta-feira, janeiro 15, 2020

conversas de outros mundos

Era uma conversa que escutava ao longe, como quem não quer entrar na conversa, mas está lá em silêncio. Era uma conversa fiada, mas que não era bem fiada. Era uma conversa entre dois padres amigos, mais ou menos da minha idade. Aquela idade em que se começa a olhar mais para o passado que para o futuro, mais para o que não fizemos que para o que ainda poderíamos fazer. Dizia um. Cada vez que olho para os casados da minha idade, alguns que andaram na escola comigo, a passear com os seus filhos, fico a pensar. A ti nunca te acontece? O outro respondeu que não. Que não tinha pensado muito nisso. Na verdade, talvez um pouco. Mas pouco. O primeiro continuou. Já imaginaste quem vai cuidar de ti quando estiveres velhote, doente, incapacitado? E o outro respondeu na mesma linha. Também ainda não tinha pensado muito nisso. Dizia que não tinha muito tempo para pensar neste tipo de coisas. Ok, acrescentou o outro. E ficou por ali a conversa.

A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "Fez-me só parar o carro"

quarta-feira, julho 03, 2019

Os padres das amazónias

Contaram-me que há uns anos, numa determinada região do nosso país e da nossa Igreja, um determinado bispo foi encontrar na diocese, em que tomou posse, uma série de padres que, segundo o mesmo, prevaricavam. Numa linguagem mais inteligível, eram padres que tinham uma senhora e seus filhos com eles. Pelo que me contaram, havia, inclusive, alguns testemunhos bonitos de padres que moravam com esta sua família, em condições muito humildes, tais como a sacristia. Então o determinado bispo achou por bem acabar com esta forma de vida sacerdotal, embora a maioria destes padres fossem estimados pelas suas gentes. Se assim o desejou, assim o fez. Restaram dezoito padres. E não se sabe ao certo se eram impecáveis ou mais empenhados que os outros. O que se sabe é que hoje é uma diocese abandonada pela fé. 
Não posso garantir que tenha ocorrido tal e qual como me contaram. O que se conta nem sempre é verdade. Ou tal e qual. Mas o sínodo da Amazónia, que vai ocorrer em Outubro próximo e que tem sido badalado na comunicação social, sobretudo religiosa, por causa da abertura que o documento preparatório deste sínodo tem feito em relação à hipotética ordenação de homens casados, nomeadamente indígenas, fez-me pensar que há muitos caminhos no caminho da fé ou do sacerdócio. Aliás, todos somos sacerdotes pelo nosso baptismo. Ou não?

terça-feira, novembro 27, 2018

Acabar o dia entre quatro paredes

O que fazem os padres quando chegam ao final do dia, a casa, e ficam sozinhos? Foi esta a pergunta curiosa da Sofia que surgiu no imaginário do meu pensamento. Pelos vistos, a Sofia andava a questionar-se, tal como eu, sobre a vocação consagrada, em particular a dos sacerdotes, sobre o que era viverem sós, entre quatro paredes. Como seria? E eu gostava de pintar o filme de outra cor, menos sépia, menos branco e negro, menos cinzento. Gostava de dizer que, ao chegarmos a casa, o mais natural é ajoelhar aos pés do Senhor e agradecer-lhe o dom desse dia, pedir-lhe compreensão pelas nossas faltas, falhas e cansaços. Gostava de lhe dizer que era a oportunidade para nos sentarmos ao seu colo e esperarmos o calor do seu amor. Mas não sei se é essa a realidade. Algumas vezes será. Mas outras, acabamos o dia fechados em quatro paredes, geralmente sozinhos. Mas o pior é que nos fechamos, não apenas nas paredes da casa onde moramos, mas em nós próprios. Ficamos sozinhos, com oportunidade para nos abrirmos ao mestre da vida, para sentirmos que na nossa solidão há uma cadeira à nossa mesa, à beira da nossa cama, que é ocupada por Ele. Mas geralmente ficamos fechados na nossa solidão, voltados sobre nós mesmos. Não há pior solidão que aquela em que nos fechamos sobre nós mesmos. Como uma casa que se encerra convencida que assim evita os assaltos dos ladrões. Faz lembrar um filme que vi em tempos. Um casal fechara-se, barricara-se em casa com medo dos ladrões. O que aquele homem e aquela mulher não sabiam era que o ladrão já lá estava em casa e tinham acabado de se fechar com ele dentro.

sábado, setembro 01, 2018

A Adrenalina do senhor prior

Estava sentado ao seu lado. A distância não alimentava muito desconforto. Mas ela não parava de fazer piropos ao senhor prior. Estávamos no meio de uma festa de aniversário, uma daquelas festas para as quais o pároco ainda vai sendo convidado. Assim como ela. Não era mulher que fizesse incómodo libidinal ao senhor prior. Era apenas uma senhora castiça que usava todas as conversas para meter picante. Por isso o padre, que era eu, ria-se e divertia-se. E às tantas entrou na brincadeira. 
Na noite anterior estivera até tarde a assistir a um concerto, que achara maravilhoso. Cantara imenso, batera palmas, saltara, dançara. Por isso, ao deitar-se, teve dificuldade em adormecer. Estava, como se costuma dizer, com adrenalina. Por isso, em tom de brincadeira, disparou para a vizinha do lado. Esta noite deitei-me cá com uma adrenalina! E fez com a mão um sinal de exclamação e excitação. Mas a exclamação e excitação da senhora ainda foram maiores. Dormiu com quem, senhor prior? Com a Adre…quê? Com uma Adelina, ou Adrelina? Eu bem digo, os padres são cá uma peça! Mas faz bem, senhor prior, os padres são homens como os outros.

sábado, fevereiro 18, 2017

O fenómeno de “As mulheres que se apaixonam pelos padres”

O fenómeno das “mulheres que se apaixonam por padres” intriga-me. Não são propriamente essas mulheres que me intrigam. É o facto de que o texto mais lido e mais comentado neste espaço onde escrevo seja esse texto. Já passaram seis anos e é o texto mais lido de sempre, continuamente lido. E comentado. Continuamente comentado. Não, minhas amigas, não me zango nem discordo. Só me intriga. 
Intriga-me como texto escrito de entre centenas de outros textos que tentam falar de Deus, da espiritualidade, da fé, da Igreja, do sacerdócio, do mundo. Intriga-me que vários órgãos de comunicação social me tenham contactado por causa dele e para dar a cara por ele. Intriga-me. Intrigo-me. 
Ou talvez não.

sexta-feira, outubro 31, 2014

Gostei de ver o Coimbra

Avistei-o do altar. Destacava-se pela altura acima da média e pela tez morena. Estava no terceiro ou quarto banco. Intrigou-me a postura, o entoar dos cânticos com o coro, a forma de se ajoelhar e de estar atento às leituras. Como Deus não me dotou de larga visão, desenhei-lhe apenas estes gestos e atitudes que também se destacavam dos outros participantes na Eucaristia. Só quando a visão e a proximidade me permitiram desenhar mais que isso, descobri que era o Coimbra, o Coimbra que se ordenara no mesmo dia que eu e que, após ter abandonado o sacerdócio com uma filha no colo e uma esposa no abraço, já não via há anos. Viera porque era missa de sétimo dia de uma pessoa que lhe era querida. No final veio à sacristia dar-me um abraço. Gostei tanto de ver o Coimbra! Gostei sobretudo de perceber que se mantém o mesmo. Que se afastou do sacerdócio, mas não de Deus e da Igreja. Que a sua fé genuína continua lá. Lá onde Deus e homem se encontram, no coração do Coimbra.
Apetecia-me dizer Afinal um dia padre, padre todos os dias. Mas prefiro dizer que gostei muito de ver assim o Coimbra.

quarta-feira, maio 07, 2014

O Padre José apaixonou-se

Ele tem trinta e poucos anos e ela vinte e muitos. Não se conheceram no acaso da paróquia, mas no ocaso da vida. Por causa de Deus e das Suas coisas, tiveram que trocar palavras. Muitas. Depois trocaram olhares, gestos, cumplicidades. Até se sentirem presos a uma corrente invisível. Uma corrente de três ou quatro metros, com cada um deles nas pontas. A uma distância uma união. Encontrei o padre José no mundo da Internet e foi ele que começou a conversa. Não consigo descrever todas as emoções que vêm crescendo em mim há muito tempo, amigo. Ela é extraordinária. Quando estamos juntos, sinto que me evita. Mas eu não consigo deixar de pensar nela. Gosto de dialogar com ela e de lhe sentir o cheiro. Na igreja procuro-a no meio das outras pessoas. Ainda por cima é minha paroquiana. Não tenho medo nem vergonha do que as pessoas possam dizer, do que possa pensar a sociedade em geral, do que possam sofrer os meus pais e restantes familiares. Mas não sei que fazer, amigo. O que será melhor? Viver como sacerdote com o coração triste, ou viver como um homem que descobriu o que é o amor mas tem de abdicar de toda uma vida que se construiu?
Eu não soube responder. É tão complicado responder a um colega sobre estas assuntos que são nossos, de todos os padres, e que não nos podemos distanciar deles. E depois andamos nós a pregar que o principal mandamento de Deus é o Amor. Mas queremos castrar-nos uns aos outros na forma mais íntima de amar. E precisamos de padres que saibam amar. E precisamos de padres autênticos. E precisamos de padres porque cada vez somos menos. Por isso não lhe respondi como devia. Fiz o mais fácil nestas ocasiões. Disse-lhe que ia rezar por ele. Apetecia-me dizer que ele devia procurar a felicidade fosse como fosse. Que devia ter consciência que as paixões passam e só fica o amor. E que o amor a Deus não é apenas uma paixão. E que tudo passa se assim permitirmos que aconteça. Mas como era tanta coisa e tanta coisa paradoxal, acabei por dizer apenas. Vou rezar por ti, amigo.

domingo, abril 27, 2014

O padre que morava sozinho

Este padre já faleceu. Já lá vão uns dez anos e faleceu com mais de setenta. Mas contaram-me esta história que me apeteceu contar também. Era um padre simples de uma paróquia simples. Morava, como quase todos os padres, sozinho. Morava numa casa com três quartos, mas apenas ocupava um. Era um bom padre e não tinha dificuldade aparente em morar sozinho. Levava essa forma de viver como a forma normal de viver de um padre. Como a forma de viver com Deus. Segundo me contaram, não o encarava com desgosto, tristeza ou solidão. Ia partilhando a vida com aqueles que faziam parte da sua simples paróquia. Era uma paróquia simples, mas tinha uma catequese com muitas crianças e adolescentes. Um deles era um acólito assíduo. Tinha feito a primeira comunhão havia pouco tempo e entusiasmara-se no serviço de ajuda à Missa. Numa dessas ocasiões, o padre achou oportuno lançar-lhe a proposta de ser padre. Olha lá, já alguma vez pensaste em ser padre? A resposta não se fez esperar e, na simplicidade de quem não media as palavras, ele respondeu que não. Nem pensar. Que não queria ficar sozinho como o senhor padre. Nem pensar. Não queria viver a vida sozinho. Contaram-me que o padre ficara sem palavras. Imagino que ficara com imensos pensamentos. Os mesmos de quem me contou a história. O padre morava sozinho e provavelmente foi assim que morreu. Sozinho.
Quero fazer votos de que na nossa vida de padres, embora morando sozinhos, nunca nos sintamos sós.

sexta-feira, outubro 12, 2012

Os padres também amam

Necessito amar. Mas cortam-me as pernas do amor, para que o amor não ande. Digo-o com todas as primeiras e segundas intenções. Digo-o, porque neste exacto momento tenho uma mão aberta, com os dedos afastados. Fecho-a, e apesar de fechada, tudo me foge da mão, por entre os dedos. E fica apenas o punho fechado. Sai-me da boca e da vontade sem querer. Deus criou-nos assim, com esta vontade infinita de amar. Afinal, é o amor que nos traz a felicidade e Deus quer-nos felizes. Saímos do seminário com esta certeza de que temos de amar a todos, mesmo que isso implique não amar ninguém. E vamos fazendo assim o nosso sacerdócio. Convenhamos que alguns constroem essa casa com uma série de janelas abertas. E não aponto nenhum dedo, pois tenho a mão fechada. Aproveito e fecho também as cortinas. Dizem-nos que para o sacerdócio só há esta porta. E eu acredito nisso, em sentido figurado. Mas todos necessitamos amar, em sentido real. Faz parte da nossa essência de seres finitos que procuram o infinito numa entrega, numa partilha, numa forma de se não ser sozinho no mundo. E tu que fazes, Senhor? Dás-nos uma família. Mas precisamos mais. Dás-nos uma irmandade a que chamas presbitério. Mas é uma virtualidade do amor. Dás-nos uns amigos, como eu costumo dizer, do peito. Mas também esses a vida nos afasta. Porque mudamos de poiso e nada é eterno senão Tu. Porque a vida é simplesmente assim. O que eu acho bonito no meio disto tudo, é que o amor, para ser valioso, tal como tudo o que tem valor, tem de ser procurado. Mas estou para aqui há um ano, e sinto falta desses amigos do peito. Não os perdi. Só estão longe. E é assim quem, em nome de Deus, tem de ou devia ser perfeito.

quarta-feira, março 16, 2011

Agarrou-me na mão

A meio da confissão, enquanto lhe dava conselhos sobre como lidar com os filhos, pois tem três, agarrou-me na mão, apertou-a e disse. Todos os dias penso em si, senhor padre. Não contava com aquela frase e não tive tempo para a entender. Por isso, discretamente, afastei a mão e fiz que precisava dela para gesticular qualquer coisa. E continuei a dar conselhos. Usava a boca para os conselhos e a cabeça para os pensamentos. Tentei fazer de conta que nada acontecera. Ou que aquilo que acontecera se tratava de uma natural situação de amizade. Também é meu costume agarrar nas mãos das pessoas na confissão, sobretudo quando sinto que precisam desse gesto. Se ao menos ela tivesse dito Todos os dias me lembro de si, senhor padre, talvez a carga de sentido fosse diferente. Talvez eu pensasse que se lembrava de mim por saudades da terra, que ela está longe. Ou que se lembrava dos meus conselhos e tinha saudades ou precisava deles. Mas ao dizer que todos os dias pensava em mim, os meus pensamentos deram acento à necessidade de pensar em mim, ou à incapacidade de não pensar em mim. Não quis ficar perturbado, pois gosto muito dela, como gosto de toda a sua família. Por outro lado, quero pensar que ela precisa de mim apenas enquanto padre. Pois que também estou convencido que a tenho ajudado muito na resolução dos seus problemas e das suas vidas, inclusive com o marido. Ela é uma mulher simples. Não é muito estudada. Quero convencer-me que ela utilizou essas palavras porque não sabia quais utilizar, quais seriam as mais adequadas. Estou certo de que foi isso. Estou convencido disso. De certeza absoluta. Só não sei porque é que estou aqui a pensar nisto!

quarta-feira, outubro 27, 2010

Um grande padre

Há tempos escreveu-me falando sobre a sua atracção pelo padre da paróquia e sobre a dúvida em contar-lhe tudo. E a minha opinião foi que não contasse. Que tentasse ultrapassar sem nada revelar. Dizia que talvez fosse melhor para ambos. Que talvez fosse mais fácil para ele não perceber. Que talvez e outro talvez e outro, nas certezas ou dúvidas que tinha no que estava a dizer-lhe. A certeza do que seria melhor para a Igreja, para o sacerdote, e a dúvida do que seria melhor para a mulher e para o homem. Mas disse o que se me ofereceu dizer no momento. Ela deu-me, depois a razão, e agradeceu. De facto não tinha sequer coragem para enfrentar as consequências desse amor.
Ontem escreveu-me assim e eu copio quase na íntegra e com autorização.
Hoje vou revelar como o tempo passou e o sentimento não passou. Antes cresceu ao ponto de não conseguir contê-lo. Por e-mail contei-lhe tudo. Ao que ele me respondeu. Não é pecado se apaixonar. É uma coisa que não se pode evitar. Pecado é ir contra a vontade de Deus. Por isso, temos de perguntar a Deus para que suscita estas coisas, e estar atentos para não escolher o caminho errado, que não faria nenhum dos dois felizes. Por isso acho que a distância pode ser útil. Com o tempo, tudo ficará claro. Depois voltaremos a falar. Cuida-te. Um beijo. Deus te abençoe.
Perguntava no final o que eu achava. Eu não achei muitas palavras para dizer. E escrevi-lhe com poucas. Esse padre é um grande padre!

sexta-feira, maio 28, 2010

As mulheres que se apaixonam pelos padres.

Padre, não sei que sinto, mas sei que sinto algo pelo padre da minha paróquia. Por mais que me esforce em ver nele o sacerdote, não consigo deixar de pensar nele como homem. Já tentei afastar-me, mas procuro-o na confissão, na Eucaristia, nas palavras que diz e nos apertos de mão que faz. Vejo em cada um dos seus apertos de mão um aperto no meu coração. Pior que isso é imaginar que em cada aperto está um beijo discreto. Ele cuida a distância com o aperto de mãos. Mas sentir a sua mão na minha, no meu tacto, pesa mais que um beijo na face, porque este passa mais rápido e não me demora nos pensamentos. O senhor é padre. Sabe, de certeza como pensam os padres, como sentem, como amam, como se apaixonam, como são fiéis ou não, como conseguem ou não viver o celibato. Diga-me. Será que ele me pode amar um dia. Será que devo deixar crescer em mim este desejo? Eu não quero afastá-lo de Deus. Mas também não queria que Deus o afastasse de mim.
A conversa aconteceu por email, num anonimato que entendo. Da mesma forma respondi, não tanto pensando no padre que se pode apaixonar ou no padre que pode discordar do seu celibato. Antes no padre que quer ser fiel nesta forma de entrega a Deus. No padre que não quer pensar em viver de outra forma. No padre que está distraído e não deu conta que a sua vocação está atraindo alguém de forma mais intensa que a intensidade de Deus. Não sei se fui correcto, porque a vontade de Deus é que todos sejamos felizes, quer nas nossas opções, quer na nossa forma de deixar que a vida aconteça. Mas depois de carregar na palavra “enviar”, não consegui deixar de me questionar. As mulheres que se apaixonam pelos padres sentem-se atraídas pela pessoa ou pelo padre? O que as seduz é o gesto do padre ou o carinho do homem? O padre ou o homem que está dentro do padre? E caso os padres correspondam, fá-lo-ão pelo vazio que têm ou pelo amor que têm? Para viver a sua afectividade ou para a sossegar?

sábado, fevereiro 14, 2009

Um colega que deixa de o ser e as consequências

O telefone do confessionário tocou. Do outro lado e de chofre: “Faxavor de continuar a cumprir bem as suas funções”. Depois, em pouquíssimas palavras, explicou quão grave era. Só depois do depois entendi. As vozes daquelas e daqueles que gostam de falar da vida alheia chegaram à conclusão de que eu ia deixar de ser padre porque o tinham ouvido a outra pessoa entendida nestes assuntos de comentar. E que era verdade. Que um padre assim e assado, com mais ou menos esta idade, lá para aqueles lados, ia deixar de ser padre. Só podia ser eu. Bolas. Nem se preocuparam em saber se era verdade! Já estão a ver.
Mas o que mais me indigna é que muitos desses rádios volantes fazem parte do grupo daqueles que condenam o celibato. Os padres deviam casar! dizem. Têm uma opinião muito aberta sobre assuntos de igreja. São progressistas. Tão progressistas, que na hora do assunto ser real, exclamam: É um escândalo! E alimentam as telenovelas e as histórias, aquilo que é verdade e aquilo que é fruto da imaginação. E depois ainda metem todos no mesmo saco. Aquele também já tem noiva. E aquele. Qual é o padre que não tem várias candidatas a viver em sua casa!
E a mim só me faltava possuir parcas semelhanças com o colega que vai deixar de o ser.
Ora bolas, não me chegava o celibato!

terça-feira, janeiro 13, 2009

Hoje foi daqueles dias

Venho aqui para me confessar. Não há padre. Numa linha de não sei quantos quilómetros só existe um padre. Eu. Não há ninguém para me ouvir. Só Deus me escuta. Só eu me escuto. Entro de mansinho. Não me sento na cadeira normal, mas no canto direito do confessionário. Acocorado. As mãos a segurar a cabeça. Não chegam para envolver os pensamentos. É um daqueles dias em que vou às compras e me telefonam quando estou para pagar. Faço a menina esperar. Ela sorri. Os que estão depois de mim acenam com a cabeça para a direita e para a esquerda. Sim. Diz. Onde estás. No Modelo. Que fazes? Compras. Tas a ver! Se tivesses esposa, agora ela estava aí contigo a fazer as compras lá para casa e para os miúdos. Não estavas sozinho. E ri-se, a brincar. Eu não. Decido desligar com a desculpa que estão muitos à espera a acenar para a direita e para a esquerda. São vários os casais. Pago. Fico no carro a olhar alguns minutos para o volante. Foi assim que escolhi. Fazer compras sozinho. E rezo sozinho na esperança de que estejam mais a rezar. Na esperança de que não esteja sozinho. Viajo sozinho até casa e entro sozinho. Arrumo as compras sozinho. Sento-me sozinho. Depois ajoelho-me cansado no chão frio e…rezo acompanhado!

quarta-feira, janeiro 30, 2008

O suspeito

As pessoas vivem em permanente desconfiança. Fazem-no em relação a quase tudo e a quase todos.... humm... faz-me desconfiar. E claro que desconfio, pois no que se refere à Igreja sobe-se ao transcendente, isto é, a desconfiança passa dos limites do conhecido. Suspeita-se sempre da Igreja. O religioso é suspeito. Se afirmares que és cristão, tornas-te suspeito. Se afirmares que vais à missa, és já um suspeito perdido. Se contares que estás a pensar em ser padre tornas-te um suspeito a achincalhar. Se te ordenares padre, tornas-te um suspeito conhecido. Se te tornares pároco, tornas-te, aos olhos dos teus paroquianos, não só suspeito, como o suspeito. Tornas-te um dos suspeitos mais perdidos, conhecidos e a achincalhar. Tornas-te um dos alvos preferidos da suspeição dos teus paroquianos.
Acontece muito alguns garantirem ter visto isto e aquilo, esquecendo que a mente vê sobretudo o que nós queremos. No café ou na fábrica toda a gente viu ou sabe quem viu. Toda a gente garante que se viu.
A mim já me viram em diversas poses, perfis, silhuetas, posições. Inclusive me viram à mesma hora em que celebrava a Eucaristia a beber um café em determinado café. Já me viram muito bem acompanhado, convenhamos, ou em locais muito interessantes, ou a fazer coisas interessantíssimas. E já conseguiram juntar estas três. Encontraram-me num local que não conheço com uma pessoas da paróquia que, independente de ser gorda ou magra, alta ou baixa, não me diz nada em termos de beleza ou de simpatia, a fazer a mais recôndita das acções. E depois fala-se, em segredo, que o padre não pode saber que a gente sabe. Mas há sempre alguém que se descai. Faz parte da novela. Ou se descai porque é amigo e quer o bem. Ou se descai porque tem de ameaçar o padre. Ou se descai porque tanto segredo não cabe em tão pequena boca. Na primeira observação quase sempre me rio. Por isso quando me contam algo de outros colegas sacerdotes, nunca acredito. Às vezes também fico a pensar. Mas digo que não acredito. No entanto, quando penso nas pessoas que podem estar a sofrer à custa do padre, porque alguém tinha de ser visado para apimentar a novela, fico indignado. Já para não falar nas vezes em que somos insultados. Um dia chegaram a indicar-me o caminho do inferno. Que era lá o meu lugar.
Até entendo que o padre, como figura mais ou menos pública, seja motivo de conversa. Mas não entendo que as pessoas coloquem na boca, nos pensamentos e nas acções de um padre, aquilo que ocupa a maior parte das suas lucubrações e desejos. Das suas, que se refere a elas, óbvio.
Não há morangos com açúcar ou abraça-me ou atira-te a mim ou o não sei quê, que eu não fixo os nomes das telenovelas, que chegue aos calcanhares destas.

sábado, setembro 29, 2007

Como é que o stor aguenta?

A aula estava, como sempre, em rebuliço. Eram miúdos complicados, mas gostavam de aprender a vida. Demoravam a sentar nas cadeiras. Demoravam a assentar o silêncio. Porém, passados que fossem cinco minutos, prestavam atenção ao que eu falava. Só que mais não fosse, para me poderem confrontar e questionar. Para me medir o pulso. Hoje em dia os jovens são muito assim. Dispersos, mas com sede de perceber a sua vida. E no meio de uma situação normalíssima de uma aula de EMRC o Luís soltou descaradamente a pergunta. Ó stor, não lhe custa essa coisa do celibato? Como é que o stor aguenta? Não tinha absolutamente nada a ver com o assunto da aula. Mas respondi no segundo seguinte, como resposta à sua pergunta, que ainda era novo. Todos franziram as orelhas. Pois, por isso mesmo, stor, disse outro. O stor ainda é novo. Quando for velho é que vai ser mais difícil, acrescentei. Ó stor, retornou o Luís. Atão mas agora, que é novo, não será mais difícil?! Os olhos estavam todos à espera que explicasse. Não tinha sentido algum a minha afirmação. De novo é que a gente tem as hormonas aos saltos! Deixei que a sala parasse. Virei costas e escrevi no quadro, enquanto perseguiam o barulho do giz: Quando tivermos menos forças, será mais difícil encontrá-las.

segunda-feira, abril 23, 2007

Só fico a pensar… como seria

Dum lado está uma senhora, ou menina. Tem uma voz jovem. Não consigo ver através dos buracos do confessionário. Também não interessa. Conta-me coisas do arco-da-velha. A confissão parece demorar uma eternidade. E fico assim. A pensar. E volto para casa a pensar. Como será? Como seria? Ter uma família, uma esposa, um par ou dois de filhos? Não estou a fazer prosa. Às vezes penso como seria. Quando decidi definitivamente ser sacerdote, ser padre – andava já em teologia – disse para mim mesmo. Por muito que amasses uma mulher, amarias sempre mais a Deus. Considero que essa não era uma desculpa para nada. Era o que sentia. É o que ainda sinto. Mas, por vezes, pergunto como seria. Se calhar não estava tantas vezes sozinho, sem vontade de, inclusivamente, falar comigo. Não falava com paredes, com televisões ou com a almofada. Continuaria a dar tudo e a amar os meus paroquianos, os que Deus me entregasse ao cuidado. E não podia ser bígamo amando Deus e a minha esposa? E não é isso que Deus quer? Que amemos todos, em especial os que escolhemos para viverem connosco, e igualmente O amemos a Ele? Não sei. Não sei mesmo. Provavelmente tenho assim, sozinho, mais disponibilidade para os outros, para os meter no meu coração. Quantos lá caberão? E sou mais imparcial no que toca à vida dos outros. Estou desprendido até da família. Mas às vezes penso. Não é mal pensar. Nem é pecado. É só um pensamento. Não fico doente. Nem atrofiado. Nem castrado. Nem obcecado. Nem desequilibrado. Nem angustiado. Nem com pena. Ou remorsos. Ou saudade. Ou outras coisas parecidas. Só fico a pensar… como seria.