Mostrar mensagens com a etiqueta caridade. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta caridade. Mostrar todas as mensagens

terça-feira, agosto 20, 2024

Pessoas que são o céu na terra.

Há pessoas que são o céu na terra. Gente que passa despercebida, mas deixa marcas. Gente que não vive senão fazendo o bem, vendo o bem em todo o lado e encontrando Deus em cada bem. Gente que está connosco, não porque mereçamos, mas porque a sua vida é para fazer o bem. A senhora Maria é uma destas pessoas que está sempre disposta a dar de si. É para a limpeza da igreja, é para o coro da igreja, é para ir ao encontro espiritual. De manhã à noite, ajuda o marido na horta e no quintal, faz-lhe o comer, vai às compras para o comer. Leva produtos da horta a uma série de vizinhas e necessitados. Também ao senhor prior. Tudo faz por e para quem necessita. Gasta-se nisto. Não faz nada de especial, mas tudo o que faz acaba por ser especial. De manhã à noite é um pouco de céu na terra.

A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "Quinze maçãs especiais"

quinta-feira, maio 16, 2024

Os padres e as paróquias não vivem do ar

As pessoas pensam que os padres e as paróquias vivem do ar ou dos proveitos do Vaticano. A Igreja é sempre rica por natureza na mente das pessoas. E os padres uns oportunistas. Por isso dizem que os padres só querem dinheiro e não fazem nada de graça. As mesmas pessoas que raramente são generosas com a comunidade cristã e pouco se importam se ela tem gastos e necessidades. Pressupõem que, por se tratar da Igreja, tudo é gratuito. E a verdade é que tudo deveria ser gratuito na Igreja, porque todos os seus gastos deveriam ser supridos pela generosidade dos membros da comunidade. Nas comunidades cristãs primitivas, ao que se sabe, a partilha e a hospitalidade eram características do ambiente comunitário. Agora, perdeu-se o sentido da “comunidade” e ganhou o sentido do “supermercado” numa sociedade consumista até ao nível religioso. A missão dos padres é gratuita e deve ser desinteressada. As paróquias estão abertas de modo desinteressado e desprendido. Mas o ar não paga as contas e ninguém vive do ar. 
 
A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "Não há engano que pague a nossa generosidade"

quarta-feira, setembro 20, 2023

A generosidade dos pobres

Esteve em Roma o tempo suficiente para conhecer algumas ruas de cor e alguns dos seus habitantes. Naturalmente que ia algumas vezes à Praça de São Pedro. Ali perto, encontrava sempre um casal sem-abrigo, ele sentado numa cadeira de rodas, ela sentada a seu lado, muitas vezes a fazer tricô. Saudavam-no sempre que passava. Buongiorno, padre. Reconheciam-no no meio dos transeuntes, porque ele também os saudava. Uma manhã, ao passar junto deles, a senhora pediu-lhe uma ajuda diferente da moedinha habitual. Que ajudasse o marido a levantar-se do seu cobertor estendido no chão e o colocasse na sua cadeira de rodas. Nem o cheiro do descuido o impediu de se dispor prontamente a levantá-lo e a ajustá-lo na cadeira. No final, delicada e muito agradecida, a senhora perguntou-lhe se aceitava um café, que ela teria todo o gosto em oferecer-lho.
 

segunda-feira, março 13, 2023

A senhora de papelão

Caminhavam numa rua de uma cidade grande, mãe e filha de cinco anos, quando tiveram de passar junto a uma senhora deitada no passeio, embrulhada por uns papelões de um bege sujo pelo uso, mal-vestida, mal-arranjada, a chorar. Estava frio. A mãe e a menina iam com pressa, porque tinham uma consulta marcada no médico e não podiam atrasar-se, mas a filha não retirava os olhos da senhora dos papelões. Uns bons metros depois, largou a mão da mãe, pôs-se em frente dela, obrigando-a a parar, e perguntou porque é que a senhora estava a chorar. A mãe tentou explicar-lhe que ela deveria estar a chorar por causa da dificuldade da vida, porque não deveria ter casa para se abrigar do frio, cama onde dormir e prato onde comer. Como as crianças destas idades nunca se contentam com uma pergunta, a pequena disparou de imediato: Então porque é que tu não a ajudaste? A mãe ficou desarmada por fora e sobretudo por dentro, deixando que as lágrimas da senhora de papelão chegassem ao seu rosto. Com a maior honestidade possível, baixou-se e explicou à filha que tinha errado muito ao não ajudá-la. A pequena limpou-lhe algumas lágrimas e abraçou-a. Abraçaram-se. E aquela mãe, ainda hoje, quando conta esta pequena história, chora como a senhora de papelão. 
 
A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO:  "O Carlos que é meu sacristão"

terça-feira, março 07, 2023

A nota sem dono

Era seu costume levar sempre qualquer coisa ao mendigo que estava sentado no seu posto de abrigo, ao sair da faculdade. Uma peça de fruto, um chocolate, uma moeda, uma notita. Chegou a levar-lhe um maço de cigarros, porque ele fumava. Ao princípio achou estranho que um mendigo fumasse quando tinha necessidade de tantas outras coisas. Mas depois foi percebendo que era assim que ele gastava a vida, porque não tinha outro modo de a gastar. E aceitou-o como ele era. Foi a descoberta mais bonita que fez da mendicidade. Não julgar quem é mendigo. Tornaram-se amigos, ao ponto do mendigo dizer bom dia e boa tarde sempre que se viam, e ao ponto deste meu colega padre o chamar do meu amigo mendigo. Estas coisas não se contam e ele só mas contou porque, há dias, quando se aproximava do transporte para casa, encontrou uma nota de dez euros no chão. Pegou nela, percebeu que não era possível encontrar-lhe o dono. E no outro dia, de manhã cedo, antes de entrar na faculdade, depois do bom dia habitual e de um trocar de pequenas palavras, arranjou um novo dono para a nota, o seu amigo mendigo.

A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "Quem olha para dentro, desespera"

domingo, agosto 21, 2022

O padre de férias

O telefone tocou várias vezes. Chamadas de números diferentes, mas coincidentes no propósito. Senhor padre, eu sei que está de férias, mas precisava de um documento. Padre, eu sei que está de férias, mas precisava falar consigo. Padre, olhe, eu sei que está de férias, mas precisava marcar um baptizado. 
Claro que para Deus não há férias e o ministério do padre também não tem férias. Não há uma hora ou umas horas para ser padre. O padre é-o por inteiro, em todo o lado e em todo o momento. Igualmente nas férias. E também deve primar pela disponibilidade. Contudo, depois de saberem que o padre estava de férias, como afirmaram ao telefone, e depois deste ter informado a paróquia com antecedência que ia estar de férias entre os dias tal e tal, e que se tivessem assuntos para tratar o fizessem atempadamente, não seria oportuno também deixar o homem descansar?!

A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "O padre é o 'tem de'"

domingo, fevereiro 13, 2022

“assassinado pela indiferença”

No centro de Paris, numa rua movimentada, no passado dia 18 de Janeiro, o fotógrafo René Robert, de 85 anos, depois de ter saído de casa, após o jantar, para um passeio, não se sabe ao certo como nem porquê, caiu inconsciente. Ali permaneceu caído cerca de nove horas, exposto ao frio numa noite em que as previsões meteorológicas apontavam para temperaturas de 3ºC. Levado para o hospital, depois que um sem-abrigo chamou os serviços de emergência, já pelas 6h30 da manhã, foi-lhe diagnosticado um traumatismo craniano e uma grave hipotermia como causa do óbito. Foi um desalojado da sociedade, um sem-nome, quem deu o alarme. Mais um dos que não conta. E um jornalista, amigo do fotógrafo, ao falar do assunto, intitulou-o de “assassinado pela indiferença”. Como de facto, assassinado por uma sociedade que tem opinião para tudo, mas que é indiferente a tudo. Uma sociedade que defende a diferença, mas não dá conta do outro. Uma sociedade formada por indivíduos que não se olham senão a si próprios. Paradoxalmente plural e individual como nunca na história do mundo. Uma sociedade em rede desligada. Uma sociedade feita de pessoas que vivem, sozinhas, ao lado uns dos outros!

A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "O sacrário está vazio"

quarta-feira, março 24, 2021

Estou com um coração nas mãos

Estava aflita. Era o adjectivo mais adequado ao seu estado de vida e de saúde. Ainda não sabia o que tinha. Andava a fazer exames. Já fizera vários. Mas a ansiedade e a dor não paravam. Deixava que uma e outra se transformassem em aflição. A doença da aflição. Senhor padre. Estou com o coração nas mãos. Aqui está o principal sintoma da aflição! Ter o coração nas mãos. 
E quantas vezes o coração nos vem parar às mãos, sem sabermos o que fazer com ele! Nestas circunstâncias, a melhor solução é, a meu ver, pedir o apoio de outras mãos. Na verdade, todas as coisas pesadas se tornam menos pesadas se forem seguras ou levantadas por várias mãos. Tudo o que nos pesa pode ter menos peso quando procuramos outras mãos. Dar as mãos é quase como dar o coração. E quando se partilha o coração, outros corações ganham vida! 
 
A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "Sinto-me uma pecadora"

sexta-feira, fevereiro 12, 2021

as vacinas do poder

Segundo informações de um jornal da praça pública, mais de 800 padres em Portugal foram vacinados na primeira vaga de vacinas anti-covid que eram destinadas para os prioritários dos prioritários. Os dados fizeram-me pensar, embora o jornal em causa seja um órgão de comunicação social pouco credível e eu deseje crer que, se calhar, muitos desses padres apenas se deixaram levar na onda da vacinação que estava ao virar da esquina e à mão de semear, na IPSS que dirigem ou que algum amigo dirige ou que frequentam sistematicamente. Quero crer que não foram vacinados por chico-espertismo. E por isso evito julgar cada caso, porque cada caso será um caso. Mas quero pensar na generalidade. E a situação, a meu ver, tem no plano eclesiológico, ao nível hierárquico, ao menos, duas frentes de observação. 
Em primeiro lugar, a facilidade com que uma situação destas ocorre, realça que, para além de vivermos num tipo de sociedade que se alimenta de aproveitamentos e cunhas, é uma sociedade em que isso se tornou tão banal e natural que, pelos vistos, nem o clero lhe parece imune, mesmo que ética e moralmente tivesse um certo dever de lhe ser imune.
Por outro lado, esta vacinação menos devida ou claramente indevida, parece também demonstrar como ainda existe dentro do clero quem use o lugar que ocupa, não como um serviço, mas como um poder. Não digo que seja radicalmente aquele tipo de poder que gosta de mandar em tudo. Mas aquele tipo de poder que se acha no direito de poder. 
 
A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO:  "O padre é o 'tem de'"

sexta-feira, janeiro 22, 2021

ser bom ou fazer o que tem de ser

Veio ter comigo porque estava muito incomodada desde há uns três ou quatro dias a esta parte. Tinha dito a uma pessoa amiga um Não que lhe custara dizer. Que lhe custara dar. Estava habituada a dar-lhe sempre um Sim, mesmo quando ela não o merecia muito. Abria as suas portas e as portas da sua casa sempre que a outra amiga precisava. Fazia-o com amor, por amor, e mesmo que ela não o merecesse. Dizia-me isso porque esta vinha muitas vezes para sua casa, com familiares incluídos, onde dormia e comia sem problemas, e há umas duas dezenas de anos que não a retribuía com um convite a visitá-la em sua casa. Morava longe. Mas tão longe como ela da sua casa. A mesma distância. 
E agora, dizia-me, teve necessidade de pernoitar na terra onde ela morava. Precisara mesmo, senão não lhe tinha endereçado nenhum pedido. E sabe qual foi a resposta, senhor padre? Sabe? Não tenho cama para ti. Fosse como fosse, até porque lhe bastava um chão com uns cobertores. Não precisava senão ter onde ficar, para não ficar ao relento ou não ter de pagar um hotel ou pensão. E a amiga fechara-lhe a porta que já há anos não lhe abria. Custou-lhe. Não porque se sentisse traída na sua bondade. Ficara apenas sentida com o modo como a amiga tinha sido ingrata, sem grandes explicações. 
Mas passaram poucos dias, mesmo muito poucos, senhor padre, e a amiga pedira-lhe, novamente, asilo. O marido até se tinha zangado. E ela disse que não. Que desta vez não podia. Mas isso incomodava-a, até porque tinha para si, na sua forma de ser cristã, a meta da bondade sem interesse. 
Não lhe respondi para a sossegar. O que lhe disse, disse-o porque o penso assim. Uma coisa é ser bom. Outra coisa é fazer o que tem de ser, o mais correcto. Devemos sempre fazer o bem. Mesmo quando nos fazem mal ou não nos fazem bem. Devemos fazer o bem, como diz o ditado, sem saber a quem. Mas, às vezes, há coisas que temos de fazer porque têm de ser feitas, por bem. A amiga dela precisava de uma lição. Não podemos confundir ser bom com ser condescendente. Aquela sua amiga precisava de aprender a ser boa também. Ensinar alguém a fazer o bem é um grande gesto de bondade. 
 
A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "O Carlos que é meu sacristão"

segunda-feira, novembro 23, 2020

As missas e a azeitona

Este domingo duas das minhas igrejas estavam a meia ocupação, mesmo descontando a meia ocupação da pandemia. Tal como eu já adivinhava, porque esta região vive rodeada de olivais. As pessoas têm de apanhar a azeitona, dê por onde der, seja em que dia for. Não é só a missa que faz parte das suas vidas. Também a azeitona faz. E por isso há épocas do ano, tal como a época das vindimas, em que as igrejas desta região se despovoam um pouco. Assim, no final das missas que ali celebrei, rezando também por aqueles que estavam na “apanha”, desejei boa azeitona, expressão típica de quem sabe o que é “andar à azeitona”. 
Já no regresso a casa, veio-me à memória um colega que, há uns anos, embora poucos, numa dessas celebrações um pouco mais vazias, por causa da azeitona, passara grande parte da homilia, zangado e a esbracejar, criticando quem tinha ido à azeitona. A parte da homilia que ainda hoje me custa mais a engolir, foi aquela parte em que ele deixou no ar o desejo de que alguns caíssem de alguma oliveira e partissem uma perna, para aprenderem que não deveriam ter faltado à missa. Ainda hoje não entendo como é possível fazer afirmações deste tipo, mesmo que nos custe presidir a uma celebração para meia dúzia de pessoas. Como se a bondade de Deus só devesse existir para com os que vão à missa. No que a mim diz respeito, eu rezo para que não caiam das oliveiras e possam voltar rapidamente à missa.

quinta-feira, novembro 19, 2020

Tratar dos pobres

Curvado pela idade, com a ajuda de uma bengala, o senhor José bateu à porta do senhor prior. Estava na hora do almoço, mas era dia mundial dos pobres e o senhor José tinha pressas de fazer o bem. Trazia um envelope no bolso para o senhor prior dar aos pobres. Quando o pároco lhe abriu a porta, achou estranha a hora deste amigo que admira muito. A missa tinha acabado há poucos minutos. Ó senhor José, tinha tempo. Não era preciso ter vindo agora. Mas o senhor José tinha a tensão muito alta e não baixava. Já tomara duas vezes a medicação e a tensão não baixava. Tinha de ir ao centro de saúde. Mas não queria ir sem antes deixar o envelope. Ó senhor José, tinha tempo. Teria sido mais prudente em ir primeiro ao centro de saúde. Ai, senhor José, reclamava o padre, um pouco preocupado. 
Mas o senhor José, antes de tratar de si, tinha de tratar dos pobres da paróquia. 
 
A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO:  "A Rosária"

sexta-feira, setembro 04, 2020

Os abusos da caridade

Ligavam e pediam. E a Manuela, minha paroquiana, dava. Ligavam e pediam. E a Manuela dava. Continuavam a ligar e a pedir, e a Manuela dava, mesmo sem o marido saber. Mesmo sem conhecer muito bem a instituição do outro lado da linha do telefone. Mas podia dar. E dava. Aprendera que a caridade é dar sem saber a quem. Mas, como nem tudo parece o que é, ou é o que parece, no último ano, tornaram a ligar, e a Manuela, porque o seu marido acabara de falecer, porque achava que não era oportuno, porque estava sem vontade anímica para nada, explicou humildemente que o momento não era muito bom, que compreendesse, pois o marido falecera há pouco, que talvez noutra ocasião. E então ouviu do outro lado da linha algo que lhe perfurou o coração através dos ouvidos. Porque é que me está a mentir? A senhora está a mentir, só para não dar. Padre, foi como se tivesse bebido água ardente a pensar que era água natural. Nem consegui desligar o telefone. Foi a menina do outro lado que o desligou. A menina também não precisava dizer mais nada. Agora a Manuela percebera tudo. Finalmente. Há pedidos de caridade estranhos. Esquisitos. Ou melhor, fora da caridade. Verdadeiros abusos para quem vive a caridade e da verdadeira caridade. 

A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO:  "Pobres de rua"