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sexta-feira, maio 07, 2010

Hoje não faz escuro aqui, mas cinzento

Tinha saído de casa porque não estava lá muito bem. O dia estava frio. Eu também. Era daqueles dias em que vejo muita televisão. Quer dizer, olho muita televisão. E mudo de canais. São quatro. Mas parecem-me vinte e um. Não sei o que está a passar. Olhos fixos nos pontinhos do écran. Tenho o casaco comprido vestido porque não o despi. E o cachecol. Era um desses dias. Daqueles em que vejo muita televisão porque não vejo mais nada. Na rua fazia um escuro danado. Não o distinguia. Como se houvesse um lado de lá e um lado de cá e ambos estivessem pintados com a mesma cor, o escuro. Não havia ninguém àquela hora. Mesmo que houvesse, acho que não ia dar por isso. Percorria a rua do cemitério, a pé, quando me pareceu, Não. Não pareceu. Era mesmo a sonhar. Estava ali sozinho.
Entro na Igreja. Entro no confessionário. São 03 horas da manhã. Está apertado e sinto-me sufocar. Hoje não faz escuro aqui, mas cinzento. Nublado. É um daqueles dias em que me sinto sozinho. E nem tenho vontade de falar comigo. Os padres têm dias assim. Se calhar todos temos dias assim. Por isso, volto-me para Deus e murmuro: “Estás a ouvir-Me!”

segunda-feira, novembro 02, 2009

Vocações sacerdotais, quando?

Não vou falar do que penso. Vou só constatar a realidade. Tal como a constata o meu olhar. Digam que é apenas um olhar, que eu respeito. Mas é um olhar que existe.
O número de paróquias não diminui. Só diminui o número de pessoas em cada paróquia. Por outro lado, o número de sacerdotes diminui substancialmente. Logo, aumenta o número de paróquias e de serviços por sacerdote.
Geram-se novas angústias nos sacerdotes. Cansados. Esgotados em correrias, em faltas de compreensão, em multiplicar de exigências da parte das pessoas. Estigma do funcionário/profissão. Celibato. Falta de tempo para a oração. Para si próprio. O problema acresce porque alguns não aguentam e desistem. Lembro o mais recente colega que já não está ano activo. Estou a pensar noutro que já teve o casamento civil marcado. O problema agrava-se porque diminui o número de sacerdotes e a regressão aumenta. Muda o número de participantes nas eucaristias. As pessoas emigram de diversas formas. Os paroquianos diminuem. Um problema de natalidade, sobretudo. Missas com menos gente. Há-as com 30, 40 pessoas. Não podiam juntar-se?!
Muda muita coisa. Fora e dentro da igreja. Novos confrontos. Novas necessidades. Um evangelho a actualizar. Mas as atitudes dos cristãos continuam as mesmas de há vinte ou dez anos atrás, quando tinham o pároco na paróquia, sem grandes serviços, disponível para ouvir, para presidir a todas as celebrações, litúrgicas ou não, com tempo para inventar festas e procissões, para confessar, para conviver com as pessoas, embora se calhar hoje os padres convivam mais com as pessoas, digo eu. Recorrem ao padre quando precisam, e exigem-lhe, porque se entregou gratuitamente em favor do reino, que esteja na gaveta ao dispor. Abre-se e fecha-se a gaveta consoante as necessidades. Ate aceito. É para as necessidades que ele tem sentido. Mas, se têm celebração da Palavra é porque não deviam ter. Se a procissão foi mais curta o padre faz-nos perder a fé. Se o casamento não é assim ou assado, este padre não presta. Se vai exigir-se uma catequese organizada, coerente e séria, são exigências, e desistimos. Se faz algo formativo, não é para mim, pois também não tenho tempo. Se não faz, não se dedica às pessoas. Não quer saber. Se é obrigado a acabar com alguma coisa, não quer trabalho. Se não possui tempo, não quer saber de nós. Se come com este, tem preferidos. Se não come em casa de ninguém, não é sociável. As atitudes são as mesmas de há vinte anos. E depois a Igreja não evolui.
Sabem de um coisa? De vez em quando, ocorre-me a tentação de desejar ter nascido uns vinte anos antes.

quinta-feira, junho 18, 2009

Quem der mais que cinco faltas sem justificar, fica para trás

Acabou a catequese. Por este ano. Revi todas as Fichas da Catequese. Memória das presenças e faltas do pessoal. Alguns. Dois ou três ficaram para trás. Não como quem fica de costas voltadas para Deus. Mas para serem mais assíduos e a formação cristã ser mais séria. Dói. Não é fácil. Se calhar é mais fácil faltar do que dizer a alguém que não pode continuar sem levar a sério. Reunião com os pais. Final de ano. Repito. Festas: Pai Nosso, Palavra, Vida, Profissão de Fé, Envio, Primeira Comunhão, Confirmação. Todas abordadas. Preparadas com os pais. Os que apareceram, claro. Nalgumas paróquias, metade ou menos. Mais mães que pais. Isto é coisa de mulheres, dizem. Como se a educação fosse apenas para as mães gerirem. Já sabiam o que avisara vários Domingos em Outubro. Uma reunião no início do ano. Palavras na Folha Paroquial. Quem der mais que cinco faltas sem justificar, fica para trás. Não pode ser só andar atrás das festas. Da Primeira Comunhão e da Confirmação em especial. Isto não é negócio, mas quem quer, tem de mostrar que quer. Levanta-se então uma senhora de cabelo encaracolado. Quer dizer, levanta a voz. Senhor padre, o meu filho faltou muitas vezes. Mas também com a catequista que tinha!
Fica complicado gerir a boa vontade dos catequistas com a sua formação pedagógica. Nem sempre coincidem. Reconheço. Porém acredito que Deus consegue o que quiser através de quem quiser. Explico a boa vontade daqueles que se oferecem para ajudar a crescer a fé dos filhos dos outros. Disponibilidade. Tempo. A dificuldade hodierna de educar crianças, adolescentes ou jovens. Educar sem magoar. Sem levantar o dedo para admoestar. Cativar sem cartola. Sem coelhinho na cartola. A senhora continua a falar mal da catequista. A razão das faltas do filho é a catequista que exige demais. Marca numa hora que não dá para a mãe do seu filho. Nunca o explicou à catequista. Só se lembrou ao trovejar. Se o me filho não leva o catecismo é porque não o encontra! A mãe está muito atenta, penso para mim.
E depois de uma enxurrada de argumentos, saio em defesa da catequista. Minha senhora, no próximo ano conto consigo para dar catequese.

quarta-feira, março 18, 2009

A morfina da ti Maria

Telefonou para o confessionário a filha. Ou a sua lagrimita. Fui lá logo nesse dia. A mãe, que visito regularmente (o que o regular me permite), está de cama há anos. Piorando. Claro. É isso que, doente, na maioria das vezes, se faz na cama e na idade. Estava a dormir. Olhe o senhor padre. Ela sorriu. Tinha levado morfina há poucas horas. A noite anterior tinha sido violenta. Para a mãe, filha e genro. O médico dera a entender. Por isso as lágrimas da filha implorando auxílio. Custa sempre. Caramba. Fiz por mostrar um sorriso também. A ti Maria mal se percebia, mas estava lúcida. Ouvi muito calado. Aprendi. Mulher de fé, de sofrimento, mas de ânimo. Depois disse umas doidices. Já está habituada. Este padre é maluco. Fartámo-nos de rir. Até a filha. Ó Mãe, já há tanto que não rias assim! Ajoelhei-me aos seus pés. Perguntei se precisava algo que eu pudesse fazer. Podia confessar, ou sei lá. Tipo a Unção dos doentes. Disse assim para que não parecesse o fim. Há gente ainda que assimila o sacramento como “extrema unção”. Fiquei pasmado. Que bom! Claro que quero. A filha ficou aliviada. Celebrámos o sacramento. No final ainda ficámos mais um bocadão. Rimos muito. Ai este padre! É o padre mais maluco que conheço… mas se calhar é mais padre que muitos. Fiquei sem palavras. Nem sabia se referir. Mas o que ouvi de seguida deixou-me, não só sem palavras, como sem pensamentos. Deus gosta muito de mim!

sábado, fevereiro 14, 2009

Um colega que deixa de o ser e as consequências

O telefone do confessionário tocou. Do outro lado e de chofre: “Faxavor de continuar a cumprir bem as suas funções”. Depois, em pouquíssimas palavras, explicou quão grave era. Só depois do depois entendi. As vozes daquelas e daqueles que gostam de falar da vida alheia chegaram à conclusão de que eu ia deixar de ser padre porque o tinham ouvido a outra pessoa entendida nestes assuntos de comentar. E que era verdade. Que um padre assim e assado, com mais ou menos esta idade, lá para aqueles lados, ia deixar de ser padre. Só podia ser eu. Bolas. Nem se preocuparam em saber se era verdade! Já estão a ver.
Mas o que mais me indigna é que muitos desses rádios volantes fazem parte do grupo daqueles que condenam o celibato. Os padres deviam casar! dizem. Têm uma opinião muito aberta sobre assuntos de igreja. São progressistas. Tão progressistas, que na hora do assunto ser real, exclamam: É um escândalo! E alimentam as telenovelas e as histórias, aquilo que é verdade e aquilo que é fruto da imaginação. E depois ainda metem todos no mesmo saco. Aquele também já tem noiva. E aquele. Qual é o padre que não tem várias candidatas a viver em sua casa!
E a mim só me faltava possuir parcas semelhanças com o colega que vai deixar de o ser.
Ora bolas, não me chegava o celibato!

domingo, fevereiro 01, 2009

Nem uma palavrinha de agradecimento, parte III

A zeladora dos altares não demorou muito a vir ter comigo de novo. Estivera a meditar em casa. Queria perceber ainda mais. Pelo menos melhor. Contei então uma história. Os membros do corpo estavam cansados de trabalhar para que o estômago tivesse comida. Então decidiram fazer greve. Deixaram de exercer as suas funções. Não é difícil descobrir como em pouco tempo começaram a sentir-se fracos. A desfalecer. Depressa concluíram que todos os membros deviam cooperar se queriam sentir-se saudáveis, e o estômago reconheceu também que devia repartir com igualdade tudo o que chegasse a ele. Depois do final da história, que não alonguei nem adornei, repeti: Todo o cristão tem um lugar na comunidade, que não pode ser apenas o de mero espectador. Deve cumpri-lo não como um prolongamento do ministro ordenado, mas pela missão que Deus lhe tiver reservado. Aliás, o sacerdócio comum dos baptizados não faz inútil o sacerdócio ministerial, não o substitui. Um e outro participam do sacerdócio de Cristo. Vem na Lúmen Gentium. A organização da comunidade não se trata de mera eficácia administrativa. Tem a sua raiz numa consciência mais profunda do Povo de Deus. O grupo da comunidade cristã crescerá na corresponsabilidade tanto quanto mais houver partilha de responsabilidades. E, minha senhora, não deve haver motivo de invejas, ciúmes ou arrogâncias. É como numa família: cada um faz o que pode para contribuir para ela e assim cumpre o seu papel. Por detrás não podem estar subjacentes nem poder, prestígio social, remuneração económica ou elogios. Por detrás deve estar a nossa missão sacerdotal. O melhor lugar pode até ser o mais discreto! O melhor lugar, a meu ver, é aquele em que se pode servir o irmão mais e melhor.
Deu-me um abraço e passou a fazer arranjos de flores muito mais bonitos.
Se querem saber, há dias elogiei-lhe não só o arranjo de flores como o seu arranjo com o rímel. Porque sim, porque estavam mais bonitos e sinceros.

quinta-feira, janeiro 29, 2009

Nem uma palavrinha de agradecimento, parte II

A zeladora dos altares não concordou, embora o rímel continuasse a olhar na direcção das minhas palavras, isto é, da minha boca. E, já que não serviram, continuei. Na Casa de Deus há muito espaço, muitos lugares, muito que fazer. Há para todos. Todos têm para fazer. Funções, responsabilidades, serviços. Até ao Concílio Vaticano II os leigos não eram considerados membros activos da Igreja. Não participavam na eucaristia. Assistiam. Não celebravam os sacramentos. Recebiam-nos. Eram espectadores passivos da actividade da hierarquia. Depois as coisas foram mudando. Porém, na minha opinião, as mentalidades ainda não mudaram o que deviam, quer de padres quer de leigos. Todos têm opiniões sobre o assunto. Mas uns não querem abdicar do monopólio. Outros não querem assumir o trabalho.
Servir na Igreja, minha amiga, é um direito e dever de cada um. E o serviço deve ser só isso, serviço gratuito. Todo o cristão deve ser activo, e tem um “lugar” a cumprir na comunidade. Não peça agradecimentos. A mim. Aos outros. A Deus. Faça-o como verdadeiro serviço. Acho que não gostou da palavra serviço, porque saiu porta fora sem dizer sequer Vou-me embora.

domingo, janeiro 25, 2009

Nem uma palavrinha de agradecimento, parte I

Andava eu atarefado pelos corredores da Igreja. Dirigia-me ao confessionário, o meu local de eleição. Vem uma zeladora dos altares, borrifada de batom e aquilo dos olhos, o rímel, cuido eu: Vou desistir, senhor padre. Nem uma palavrinha de agradecimento! Sua ou dos outros! Fiquei boquiaberto com a frase e com o rímel. E atalhei quando fechei a boca e abri de novo: o melhor agradecimento é quando estamos em sintonia com a pessoa que merece o nosso agradecimento e apoio. Melhor do que falar na missa dos valores de cada servidor, é sintonizar com eles, partilhar, simplesmente estar com. Aprendi isso porque um dia o bispo louvou muito o nosso trabalho, meu e da equipa diocesana, durante a homilia. Mas depois da missa, ausentou-se para outras actividades, que nem eram bem diocesanas. E estavam lá mais de mil pessoas. Suas ovelhas. Fiquei, como há pouco, boquiaberto. E “olhiaberto”. O melhor agradecimento ou demonstração de valor era ter ficado connosco o resto do dia.

quarta-feira, janeiro 21, 2009

Meu Deus, porque me abandonaste?!

Acabei há pouco um funeral. E agora refugio-me aqui. No confessionário escuro e frio. Era um jovem de 26 anos que faleceu num acidente de automóvel. Filho único. O emprego conseguira-o há pouco tempo. Depois de vários anos a estudar em Lisboa. A mãe, segundo me disseram, aquando da gravidez, teve imensas dificuldades. Correu risco de perder a criança. Esteve em repouso absoluto e foi guiada por médicos para conseguir os seus objectivos. Dar à luz. Um mar de gente na Igreja. Eu tremia por todos os lados. Ainda bem que não conhecia a fundo o jovem. Mas já estou a rezar por causa de alguns amigos. Fico sem voz ao pensar. Hoje fiquei sem pinga de sangue. O que dizer na homilia. Que não sabia o que dizer. E fui utilizando a expressão de Jesus “Meu Deus, porque me abandonaste?” e fiz entender que também Ele fraquejou. Mas que aceitou. E que à luz da Vitória da Ressurreição, alimentamos a nossa esperança, o nosso ânimo. E que se o levou, era porque gostava muito dele. Que se calhar o queria privar de tanto mal que existe no mundo. E que não há possibilidade de nos conceder todos os milagres. Que senão teríamos hoje gente com milhares de anos. Não tinha sentido nascer. Que devíamos continuar as obras começadas pelo jovem Rodrigo. Que devíamos aprender com isto da morte a lição da vida. Nesta ocasião todos somos iguais. Não há ricos nem pobres. Que não sabemos o dia nem a hora. Que perdemos tempo preocupados com tantas futilidades. Que devemos estabelecer prioridades. Que não devemos estar a mal com ninguém. Que devemos amar enquanto é tempo. Que devemos procurar sentido para a vida. Que devemos… E rezei a pedir fé aos pais, porque ela também me ajudou a segurar o barco em momento idêntico aquando da morte da minha mãe. E vim para casa com os gritos dos pais nos ouvidos.
E pergunto. Porque me custa tanto celebrar funerais?! Porque tenho tanta fragilidade nestas ocasiões, Senhor?!

terça-feira, janeiro 13, 2009

Hoje foi daqueles dias

Venho aqui para me confessar. Não há padre. Numa linha de não sei quantos quilómetros só existe um padre. Eu. Não há ninguém para me ouvir. Só Deus me escuta. Só eu me escuto. Entro de mansinho. Não me sento na cadeira normal, mas no canto direito do confessionário. Acocorado. As mãos a segurar a cabeça. Não chegam para envolver os pensamentos. É um daqueles dias em que vou às compras e me telefonam quando estou para pagar. Faço a menina esperar. Ela sorri. Os que estão depois de mim acenam com a cabeça para a direita e para a esquerda. Sim. Diz. Onde estás. No Modelo. Que fazes? Compras. Tas a ver! Se tivesses esposa, agora ela estava aí contigo a fazer as compras lá para casa e para os miúdos. Não estavas sozinho. E ri-se, a brincar. Eu não. Decido desligar com a desculpa que estão muitos à espera a acenar para a direita e para a esquerda. São vários os casais. Pago. Fico no carro a olhar alguns minutos para o volante. Foi assim que escolhi. Fazer compras sozinho. E rezo sozinho na esperança de que estejam mais a rezar. Na esperança de que não esteja sozinho. Viajo sozinho até casa e entro sozinho. Arrumo as compras sozinho. Sento-me sozinho. Depois ajoelho-me cansado no chão frio e…rezo acompanhado!

segunda-feira, junho 30, 2008

Todas as semanas têm um Domingo

Todas as semanas têm um Domingo. Óbvio. Isso significa levantar a trouxa e levar armas e bagagens pelas estradas da zona. Levantar cedito. O suficiente para uma boa higiene, que o dia merece, umas pequenas fatias de qualquer coisa, umas orações rápidas, uma vista de olhos pelo esquema da homilia. Sim, que preparo sempre a homilia. Faço um esquema bem completo. Para evitar fugir do assunto e para atingir bem os fins propostos. Propostos por mim e pelo Evangelho. Sempre com referência neste. Melhor, sempre a beber da fonte que este é. E toca a marchar. Cheio de sono. Olhos semi-abertos. Primeira estação. Já está tudo mais ou menos pronto. Tenho grupos corais muito bons. Por esta banda abundam bandas. E ajuda. Os acólitos. Os Ministros. Entro pelo fundo. Sorrio. É costume meu. Mesmo com sono, sorrio. Nem que seja para disfarçar as olheiras. Saudação. Se possível, faz-se com que todos se sintam bem. Final. Desejo bom Domingo. Segunda estação. Entrei, andei e saí do carro aceleradamente. O senhor padre anda sempre a correr, dizem. Quando há baptizados então. Sim. Só os celebramos na eucaristia, com a comunidade presente, com a comunidade a acolher, a receber. Nessas ocasiões, voo. A homilia já sai melhor. Se é incisiva, saio de encontro pelo meio da assembleia. As histórias só de vez em quando, para não gastar todos os trunfos. Quase não olho para o papel, mas está presente para alguma correcção. Há sempre um ou outro que boceja. Não dormiu bem, justifico para meu bem. Eucaristia arejada. Participação de muitos. De vez em quando os da catequese. Fazem-se sinais interessantes. Um dia destes, a propósito do evangelho da multiplicação, distribuímos um pedaço de pão que foi partilhado por uns e outros. Chegou e sobrou. Só falta a chouriça, disse alguém. O momento da consagração é muito especial para mim. O tom de voz muda. Sem hipocrisia. Muda porque assim o sinto. Não há como celebrar eucaristia! Terceira estação. Sai tudo muito melhor. Só que a intensidade da cerimónia começa a pesar. O pessoal diz que sorrio muito. Se não sorrio, alguma coisa está mal por dentro. De vez em quando o Pai-nosso reza-se de mãos dadas. Uh… que grande novidade. Todos o fazem. Se for necessário há palmas. Acólitos e acólitas. Ministros e Ministras. Leitores organizados. Temos Folha Paroquial em todas as paróquias. Lá estão todos os que têm serviços na semana seguinte. Contém todos os avisos e até as intenções de missa. Um texto de reflexão. Evito perder tempo no final com avisos.
De vez em quando há quarta estação. Um desvio no calvário. Alguma Procissão. Ou reunião. Ou encontro. Ou festa. Ou, sei lá. Geralmente termina ao findar do dia. Todo roto. Amanhã tenho mais ainda que fazer. Não é Domingo, mas é dia de trabalho. Porém celebrar a eucaristia com os meus é bom! Hoje estou aberto a sugestões. Como celebrar ainda melhor?! Quem dá sugestões!?

segunda-feira, março 31, 2008

Aproxima-se o fim

Mais um funeral. Sim. Fiz tudo para que a cerimónia não parecesse um findar de algo, que é sempre triste, mas o princípio de algo belo e bom, a passagem para a vida eterna. Estas coisas, apesar de as entender à luz da fé, custam sempre. Sobretudo depois que faleceu a minha mãe. Parecia que o mundo desabava em cima de mim. Só existia eu e ela. Juntos olhávamos o mundo pedindo explicações. E foi ela que me esclareceu, indicando-me com sinais, ainda em vida, de que estava bem junto de Deus. Tinha cumprido a sua missão na terra e agora, porque Deus se agradara dela, estava como uma rosa num dos Seus canteiros preferidos.
Mas repito que custa. Desorganiza os projectos que vou fazendo para cada dia. Traz a imagem de quem sofre. Traz hipocrisias. Mas custa mais ainda estarmos com alguém que sente o final da sua vida aproximar-se. E isso aconteceu hoje.
Depois do funeral, como estava perto, como tinha algum tempo, como senti vontade, fui visitar dois anjitos, como lhes chamo, cada um com mais de 90 anos. Dois anjitos que ficam em sua casa todos os minutos que lhes restam à espera de uma palavra, de um sorriso, de uma visita, de algum calor jovem que bata à porta. Conversámos muito.
Rimos, falámos do passado. Eu falei do presente. E quando chegou a hora de falar do futuro, o rosto de um dos anjitos soltou uma lágrima. Depois várias. Depois muitas. Apetecia fugir dali. Fiquei parado. Contei umas chalaças, expressei que não gostava de ver um rosto tão lindo a desfigurar-se com lágrimas. Sorriu, mas continuou a proferir lágrimas para explicar: Está a aproximar-se o fim! Perguntei-lhe se tinha medo. Disse que não. Mas doía-lhe tudo. Uma perna, a doença, a vida. Estava cansado de viver. Percebi que havia algum medo. Fiquei também com medo. Não o medo de acabar a minha vida. Mas o de não conseguir dar alento àquela. E ainda há quem diga que custa mais quando eles “partem” novos. Compreendem melhor a partida dos mais velhos. Nunca entendi porque se diz isso. Como se fosse normal que só morressem os velhos ou os abandonados, ou os que dão problemas, ou os maus. Não é normal ajuizarmos assim. Isso é que não é normal. O melhor é aceitarmos a lógica da vida tal como ela se apresenta, sem grande lógica. A mim resta-me explorar a minha fé para encontrar respostas, para não ter medo. E acreditem que não é lamechice. É essa que aguenta e responde a tudo aquilo que vai custando muito na minha vida. Acredito.

quarta-feira, outubro 03, 2007

O lado de cá e o lado de lá da janela

Ultimamente tenho aprendido muita coisa. Afinal, um homem está sempre a aprender! Quando era seminarista, não entendia porque muitos padres se refugiavam no seu cantinho. Não davam améns a ninguém. Tornavam-se frios e distantes. Apareciam como quem tem toda a autoridade. Como a última palavra na paróquia. Apareciam como os donos do sagrado. Se por ventura comiam fora de casa, que fosse com gente que podia interessar. Achava que era um erro. Tinham de ser gente sofrida. Gente sem braços para amar. Só para o serviço e o zelo pastoral. Pensava eu que não devia ser nada saudável ficar por detrás de uma janela, fechada, a olhar para lá das nossas paredes. Hoje, fazendo a experiência, continuo a sentir que as janelas foram feitas para abrirem. E que as portas se inventaram para se poder sair e entrar consoante as necessidades. Mas, e há sempre um mas. Nem que seja para entender a perspectiva do outro. Mas a chuva cai lá fora. E molha. O sol bate fortemente e não se suporta. O vento agita como se nos arrastasse. Pode vir um carro e atropelar-nos. Não sei. Deste lado da janela não tenho de ouvir desaforos, faltas de compreensão. Não me sujeito tanto. Posso falar sozinho que ninguém me interpreta mal. Não tenho de ser ofendido. Não tenho de escutar o que dizem por lá das coisas que faço ou devia fazer ou entendem que devia ser. É mais esquisito, mas não dói tanto esta cruz. E pergunta um penitente. Porque dizes isso hoje? E respondo. Porque não consigo viver sem me dar realmente, sem sentir os outros, sem amar o próximo, sem conversar, conviver, brincar, rir com os outros, aproximar-me de quem precisa ou quem preciso, estar com os outros, ser eu próprio. Ser o padre, o amigo, o homem, o Cristo… O padre é apenas um padre. Mas é mais fácil fazer como aqueles que avistavam o mundo do lado de cá da janela. É esta a minha oração de hoje.

domingo, julho 15, 2007

Sinto-me uma pecadora

Veio numa hora sem movimento. Uma hora tardia. Não foi directa no assunto. Mas as palavras eram directas. Contidas, mas directas. Não sei por onde começar. Continuei em silêncio. Deixei que ela escolhesse as palavras. Se veio ao meu encontro, já tinha encontrado a força necessária. A mais difícil. Agora era uma questão de tempo e de palavras. E no meio de umas tantas deambulações, soltou quatro. Traí o meu marido. E não me sinto bem em relação a ele e em relação a Deus. Sinto-me uma pecadora. Quero ser forte. Mas o meu coração recorda a outra pessoa. Amas ainda o teu marido, perguntei. Respondeu que sim. Mas que não sabia como lidar com a situação. Ele perdoava, mas ela não se sentia capaz de se sentir perdoada. Até porque não esquecia os momentos com a outra pessoa. E eu encontrei-me a louvar a sua honestidade. Senti que isso era ainda mais importante que a traição. E desejei-lhe muita força. Nós, cristãos, somos tão santos como pecadores. Tão fortes como tão fracos. Sinceramente, penso que uma das nossas vitórias é podermos assumir que somos fracos. Como Jesus. Assumir as nossas fragilidades com humildade. Fui mais longe quando disse Não te envergonhes de ser frágil. Quanto à tua fragilidade, leva-a nos ombros apenas como isso, uma fragilidade. As paixões são muito descontroladoras e muito superficiais. São rápidas a consumir e a desaparecer. São fruto e consequência de desejos. O amor é mais profundo. Mais doloroso. Mais difícil. Complicado… mas mais interessante. A paixão resulta do desejo inato de prazer. O amor do desejo natural de ser feliz. Tens de fazer esta distinção. Se te sentires fraquejar, descobre a tua força interior e percebe à tua volta como o que tens neste momento é belo. Procura dar-lhe novo sabor. À tua relação com o marido. Procura dialogar. Demonstrar o que sentes e deixar que ele faça o mesmo. Deita-te nos braços dele e sente como é bom ter quem nos aconchegue com verdade. Ainda que com rotina. Não há nada melhor que termos com quem partilhar-nos totalmente... E não só sexualmente…

sexta-feira, junho 29, 2007

Quem é que Deus quer salvar?

Um dos malfeitores que fora crucificado ao lado de Jesus dizia: “Senhor, lembra-Te de mim quando estiveres no teu reino”. E a resposta veio pronta: “Hoje mesmo estarás comigo no paraíso”. Mas ele não tinha sido um criminoso?! Um pecador?! O que ele não deve ter feito durante a sua vida!!! Mas a resposta é rápida. Não tem hesitações. “Hoje hás-de estar lá”. Pufa, suspirei. Ele quer mesmo salvar todos. Não exclui ninguém.
E ouço uma voz ao meu lado. Já tinha chegado uma penitente ao confessionário. Ainda teve tempo de se arrepender. Que lindo! Resmungo dizendo que não é disso que se trata. Este raciocínio é redutor. Senão teríamos a gentinha toda fazer o que apetece e depois a pedir perdão na hora H. Ou então, não sabendo da hora H, vivendo com o medo próprio de quem pode ser apanhado nas suas tramóias.
O meu raciocínio é outro. O de Deus também.
Basta que abramos as portas do nosso coração a Deus. Quando as abrimos estamos a mostrar que sabemos quem Ele é: “Senhor, lembra-Te de mim”. Quando o abrimos, estamos já a amá-l’O. E está sempre na hora de o abrirmos. Amar é mais importante que tudo. Mesmo quando erramos ou somos pecadores. Jesus não afastou nunca os pecadores. Até disse que veio para eles. Mas condenou os hipócritas. Os que parecem os mais santos, bondosos, certinhos, mas por dentro não têm espaço para o amor. É engraçado que, geralmente, os mais frágeis, os que se reconhecem mais pecadores, costumam ter o coração mais simples e disponível para amar! Porém, que isto não seja desculpa para as nossa falhas e pecados, tipo: estou descansado porque amanhã o gajo perdoa-me.
Por mais pecadores ou frágeis que sejamos, há sempre uma esperança… se O soubermos amar.
O que conta não é a quantidade de pecados, mas a quantidade de amor!

quarta-feira, junho 06, 2007

No funeral, uma oração de resmungar

Primeiro uma explicação. Depois a acção. Após vários funerais, deixei de rezar publicamente, isto é, com voz de mega-fone, durante o acompanhamento do féretro até ao cemitério. Decidi assim, contra a minha vontade intelectual e espiritual, porque era dos poucos acompanhantes que rezava. Ao meu redor pelo menos. Ora, se assim acontecia, bem podia rezar no meu interior. Continuava a rezar sozinho. Bem sei que a oração comunitária é mais… digamos, de Cristo.”Onde dois ou três estiverem em meu nome, Eu estarei no meio deles”. Se calhar também foi comodismo. Mas o argumento é válido. Digo eu para mim. Expliquei.
Num dos últimos acompanhamentos, aconteceu. Encontrava-me na minha oração, como disse, interior. Um homem da frente falava alto qualquer coisa que não percebia. Foi-se aproximando. Parou a um palmo de mim. Isto é uma vergonha: Reze lá ao menos um Pai-nosso. Eu já tinha rezado vários. E disse-lhe que estava a rezar. Que ele também o podia. Devia fazer. Isto é uma vergonha. O nosso padre nem um pai-nosso sabe. Na paróquia de… (não interessa o nome! Mas é de um colega) o padre reza. Estive para perguntar-lhe se os paroquianos rezavam. Mas não fiz. Calei-me. No fundo ele tinha a sua razão. Continuava. Só na nossa paróquia. É uma vergonha, não acham?... Nem um pai-nosso! Repeti-lhe que rezasse também. Não ouviu. Não me conseguia ouvir.
Eu continuei na minha oração… pessoal e comunitária, pelos outros, mas interior. Ele também. Uma oração de resmungos. Foi até ao cemitério nestas orações. Ouvia-o de longe. Eram sentidas, porque muito repetidas. Em mega-fone, como desejava. Contaram-me mais tarde que já não devia estar sozinho. Alguns graus a mais falavam com ele.
Porém, fiquei na dúvida se agradou mais a Deus e à honra do falecido a minha oração silenciosa, se a oração sonora e reivindicativa deste amigo…

terça-feira, maio 29, 2007

Foi um colega que contou

Hoje venho aqui, às escondidas, para esboçar umas palavras de desconforto. Bem baixinho. Para ninguém ouvir a minha confusão. E conto, porque o colega não contou em confissão.
Um destes dias um colega. Um padre, claro. Outro. Nem sei bem a que propósito. Falava de um outro colega. Outro ainda. Que tinha viajado aos Estados Unidos. Visitava um amigo. Outro colega mais. E numa visita às paróquias encontrou uma criança. Como é normal e hábito aqui em Portugal, sorriu para ela. Com certeza concentrado nas palavras de Jesus: “Deixai vir a mim as criancinhas”. Ou então por pura exterioridade de simpatia. Que também nos é próprio. Aos portugueses. O colega deu-lhe um encontrão. Repeliu-o. Afastou-o da criança. Não entendeu. Mais tarde, em casa, explicou: não se pode olhar uma criança aqui nos Estados Unidos. Muito menos sorrir-lhe. Pode levar a outras interpretações. Todos desconfiam. Os padres são o alvo preferido. Lembras aquelas notícias? Há até quem desista de se abeirar do sacerdócio. Os jovens não querem ser conotados com nada.
E o colega que visitara os Estados Unidos não mais sorriu durante a sua estadia.

quinta-feira, maio 03, 2007

Ontem foi assim

Levantei-me mais tarde porque me deitara tarde. Cerca das nove e trinta. Casa de Banho com ele. Sim. Também fazemos dessas coisas! Tomo um banho meio quente porque o gás está a ir-se e ainda não tive tempo para ir buscar novo. Precisava uma secretária só para estas coisas. Ou secretário. Se calhar era mais próprio. A casa está fria porque… só preciso ligar o aquecimento para mim. Entretanto bateram à porta. Moro sozinho. Por isso não atendo. Deve estar a dormir. Estou sempre a dormir quando não abro a porta. Dizem. Às vezes escolhem aqueles momentos mais fisiológicos para bater à porta. E continua o dia. Depois do pequeno-almoço, saio para tomar o meu café da manhã no café em frente. Tenho um café que mora em frente e que me permite usufruir de som ambiente até bem tarde. Pior é quando não tenho estacionamento à minha porta. Ouço falar da Jacinta. Uma paroquiana doente com cancro. Preocupa-me o estado dela. Vou ligar dizendo umas piadas para animar. Só o possível. Recebo outro telefonema. Precisam que lhe faça o baptizado sem que os padrinhos estejam crismados: Há outro padre lá do sítio que permite. Explico o Código Direito Canónico. Entendo que estar crismado não é igual a ter fé. Mas tem de ser. Penso. Tenho de ir ao Centro por causa dos dois velhinhos que precisam que se lhes resolva o problema. Vou e almoço. No meio ainda rabisco o calendário litúrgico da semana. Preparo os avisos para os jovens elaborarem a Folha Paroquial. Quase duas horas. Converso com as empregadas. Uma refila porque não concorda com o horário do Domingo. Bateu a porta do escritório. Mais uns desabafos da Directora Técnica do Centro. Ouço já com o pensamento noutros lados. Entro em casa e torno a sair. Um amigo convida para café. Outro. Conversa puxa conversa. Desabafa. Quer desistir do Conselho Económico. Está cansado do que tem de ouvir. Animo-o. Animo-me. Já preciso. Chego a casa para ver as leituras do funeral. Faço o funeral que é o que me custa mais como padre. No final, depois do constrangimento dos choros a que assisto, vem uma senhora. Quer perceber porque é que não pode fazer a festa da Santa tal. Tal porque já nem consigo ouvir o nome correcto. Insulta-me. E continuo a sorrir-lhe. Casa de novo. Outra paróquia para celebrar missa. Vou mais cedo para atender confissões ou outras necessidades. Atendo só uma. Celebro a pensar no dia que está a passar. Acabo. Tinha uma reunião marcada com as zeladoras dos altares. Até para estas inventam reuniões. De doze aparecem duas. Não tenho vontade de fazer jantar. Ainda tenho de trabalhar no computador. Vou ao centro. Já está fechado. Tenho chaves e como qualquer coisa. Programo mais umas coisas no computador. Penso numa actividade. Recebo mais uns telefonemas. Bons e maus. Trabalho. Afazeres. Experimentam até ao tutano. Ouço do outro lado um paroquiano com problemas sérios. A esposa. Sinto-me incapaz. Queria rezar e já não consigo. A cabeça à roda. Apetece-me ter uma reunião com Deus e discutir com Ele. Deito-me. Claro que não adormeço logo. Revejo o dia todo. E o de amanhã. Ainda há quem pense que não trabalhamos!
E vou marcar uma reunião com Ele.

segunda-feira, abril 23, 2007

Só fico a pensar… como seria

Dum lado está uma senhora, ou menina. Tem uma voz jovem. Não consigo ver através dos buracos do confessionário. Também não interessa. Conta-me coisas do arco-da-velha. A confissão parece demorar uma eternidade. E fico assim. A pensar. E volto para casa a pensar. Como será? Como seria? Ter uma família, uma esposa, um par ou dois de filhos? Não estou a fazer prosa. Às vezes penso como seria. Quando decidi definitivamente ser sacerdote, ser padre – andava já em teologia – disse para mim mesmo. Por muito que amasses uma mulher, amarias sempre mais a Deus. Considero que essa não era uma desculpa para nada. Era o que sentia. É o que ainda sinto. Mas, por vezes, pergunto como seria. Se calhar não estava tantas vezes sozinho, sem vontade de, inclusivamente, falar comigo. Não falava com paredes, com televisões ou com a almofada. Continuaria a dar tudo e a amar os meus paroquianos, os que Deus me entregasse ao cuidado. E não podia ser bígamo amando Deus e a minha esposa? E não é isso que Deus quer? Que amemos todos, em especial os que escolhemos para viverem connosco, e igualmente O amemos a Ele? Não sei. Não sei mesmo. Provavelmente tenho assim, sozinho, mais disponibilidade para os outros, para os meter no meu coração. Quantos lá caberão? E sou mais imparcial no que toca à vida dos outros. Estou desprendido até da família. Mas às vezes penso. Não é mal pensar. Nem é pecado. É só um pensamento. Não fico doente. Nem atrofiado. Nem castrado. Nem obcecado. Nem desequilibrado. Nem angustiado. Nem com pena. Ou remorsos. Ou saudade. Ou outras coisas parecidas. Só fico a pensar… como seria.

sexta-feira, abril 13, 2007

Prometi uma missa a Nossa Senhora do Ó

Acercou-se a coçar barba. Olhou-me de esguelha. Tipo, não sei se é este! Mas deve ser, pelo jeito. E disse baixinho, como se não conviesse que mais alguém ouvisse: “Senhor padre, prometi uma missa em acção de graças à Senhora do Ó. Quando é que o senhor padre a podia ir lá dizer à capela?” Para entender melhor, esta capela é um local afastado da paróquia. Em primeiro lugar não sei se alguém se disponibilizaria para ir lá ouvir-me ou ver-me. Só costumo lá celebrar uma vez por ano, na altura da festa. Ele queria por força que fosse lá celebrar. Num tem uma meia horita? Não é essa a questão. Há uma pastoral organizada e um local apropriado para celebrar as eucaristias. Se fosse aceder a este tipo de pedidos, não fazia outra vida. Tinham de inventar-se muitas mais capelas!
Mas o pior é que eu não posso ser obrigado a cumprir as promessas dos outros. E disse-lhe: Então a sua promessa é para ser cumprida por mim?
Essas promessas são mesmo boas. São para os outros.
Mais grave ainda foi aquela senhora que há uns anos me veio dizer que tinha uma promessa a cumprir. Uma procissão de velas. A rir, para que também não se assustasse muito, disse-lhe: Minha senhora, pegue numa vela e comece a dar a volta à paróquia. Ela fez olhar de desconfiada. E acrescentei: Então a senhora quer que toda a paróquia cumpra a sua promessa!
Nunca gostei muito de promessas e cuido que Deus também não gostará. Porque é que não prometemos, pura e simplesmente, ser melhores?