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segunda-feira, 19 de setembro de 2011

ELA DORMIA...


Jacinta Dantas


Gostava de se ler, assim mesmo, em páginas em branco. Pouco tempo se passara desde que adentrou nesse plano e tudo estava para ser escrito. O período era de expectativas: um dia qualquer, num mês qualquer , e, a vidinha no morro, continuava na mesmice de sempre, vivida na sua meninice sem fartura , sem beleza e poucas perspectivas na vida da menina que apenas sonhava com alguém que fosse maior que tudo aquilo, maior que a mediocridade daquela vida de tantos medos. E, de tanto ter medo da fome, engolia tudo que lhe aparecia, inclusive o vento e a presença do outro, sem se dar conta de sua maior fome. Num único dia, pronto, perdeu-se de si, perdeu-se dos sonhos
e...

para fugir da solidão ela dormia, dormia entorpecida, mascarando a dor, mas não queria morrer, queria acordar noutro lugar e encontrar, naquela vida mesmo, o Santo que, alguém lhe disse, mostrava o caminho onde se podia encontrar pão e amor. E mais não teve.Dormiu...
E mais, não sonhou.


Obs: Imagem da autora.

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

DA ALEGRIA À PERPLEXIDADE



Jacinta Dantas


Em plena tarde de sábado, com o friozinho que se permite fazer em território litorâneo capixaba, os jovens se reúnem para um encontro especial. Quem sabe um momento de “ritual de passagem”. Afinal, saíram do ensino médio e o momento agora é de preparação para o ingresso na faculdade. É a confraternização do Grupo que se encontrou pela força do desejo de crescimento. Pessoas que conviveram nos últimos três anos, estudando, acalentando e partilhando sonhos, elaborando projetos... projetos de vida. Há sensação de segurança no condomínio fechado aonde os jovens, ainda tão meninos e meninas, reúnem-se talvez, enquanto grupo, pela última vez. Há alegria no olhar que fala da vontade de crescer, seguir crescendo, vivendo a aventura de estar no mundo e fazer suas escolhas.

Mas, do bom encontro que se esperava acontecer, há um quê de vontade de desorganizar e o que se vê é de faltar o ar que se respira. Na festa idealizada para a confraternização, jovens, um tanto meninos e meninas – perplexos – envolvidos numa ação bestial promovida por outro jovem que bate sem ter por quê.

De repente, sem oferecer resistência, o jovem, concebido e formado para trilhar o caminho do crescimento e da felicidade, é agredido com socos no rosto por outro rapaz que simplesmente o escolheu para bater. Terá sido escolhido pelo cheiro? Ou será pela cor do cabelo? Ou será... ? Quantas interrogações permanecem no sentimento de quem foi agredido e de quem, impotente, assistiu a tudo. No saldo da festa, garrafas quebradas, objetos roubados e o jovem ali, humilhado, sentindo um quê sem sentido a arder-lhe no corpo e na alma.

Ah! O agressor não pertencia à turma de estudantes. Fora convidado por um colega. Mas isso não explica nada. Estando ali, naquele momento, protagonizando o triste espetáculo, também ele faz parte da rede de busca por respostas.

Que conta é essa que não fecha? Que prazer é esse que se tem em agredir? Será esse o único modo de se mostrar vencedor diante do grupo? Mas vencedor do quê?

Será esse o sintoma dos tempos abundantes em que se pode empanturrar de tudo o que deseja e que se tem a ilusão de se poder comprar a felicidade em todas as prateleiras de um Shopping? Será essa uma amostra do sintoma que destroça a alma e nos faz viver como seres sem sentido?


Obs: Imagem enviada pela autora.




domingo, 17 de julho de 2011

O JARDIM FLORESCERÁ NO TEMPO CERTO


Jacinta Dantas

Enquanto, por aqui, há inverno
vou cuidando do coração e preparando-me para a grande festa:
O encontro entre primavera e alegria
E o jardim?
Ah! o jardim florescerá no tempo certo.


Obs: Imagem enviada pela autora (do fotoblog UOL)

domingo, 12 de junho de 2011

A FRAGILIDADE DE SER HUMANO


Jacinta Dantas
jacintadantas@bol.com.br


Bem cuidada, a dama da noite se prepara para florescer. Suas folhas largas, com jeitão leguminoso, parecem prenhes de felicidade, anunciando que mais Vida chegará. O botão vai crescendo, crescendo e, daqui a pouco, será a flor que se abre quando a maioria, no jardim, dorme. Seu “estado de graça” é rápido, dura menos que o tempo da noite. Mas, é ela, a dama que enche, preenche e se derrama em perfume. Para garantir o seu conforto e proteger seu rebento do forte vento, seu botão é amparado, protegido por mãos humanas, para que possa se desenvolver plenamente até a noite do grande espetáculo.

Mas, na contramão do viver, a fragilidade de Ser Humano.

Mulheres, fazendo compras no Supermercado, estão agitadas, num burburinho geral. Olhares petrificados, perplexos, incrédulos. Não, não era verdade o que ouviam. Ela estava ali, ontem, fazendo suas comprinhas, escolhendo os biscoitos que mais lhe agradavam. Depois passou na lojinha e comprou uma canga para ir à praia domingo, comentavam as mulheres, falando, mais de uma ao mesmo tempo, enquanto escolhiam batatas, tomates, alface, laranja, maçã...
Afinal, era quinta feira, e a vida não pára. É dia de promoção; dia de providenciar os alimentos para manter vivo o corpo.

Mas, outro corpo que estava se tornando uma mulher, como botão sem cuidado, não experimentará o mistério do pleno florescimento. Quantos sonhos a menina acalentou ao longo de sua vida? Quantos...? Quantos...? Quantos...?

E o desejo, Ah, o desejo. O desejo de desabrochar.

Depois, o desespero, o medo, a incerteza, o desamparo. Em pleno século 21, a menina quis se livrar de tudo que a afligia e viu uma única saída: acabar com o problema. Agora, todos choram a partida da menina que, grávida de 03 meses, não suportando a pressão, quis abortar. A menina que mãe não era hora de ser, com apenas 14 anos, partiu e, de uma só vez, duas vidas foram interrompindas: dois botões morreram antes de florescerem.

É...
A dama da noite, com seus mistérios e encantos, floresce para a noite e se recolhe antes do alvorecer. Grande sabedoria! Vive o tempo que tem que viver, nem menos, nem mais.


Obs: Imagem enviada pela autora
Imagem: Alessandra C Filipi
Flor dama da noite

domingo, 15 de maio de 2011

FACES E FASES


Jacinta Dantas
jacintadantas@bol.com.br


Quantas de mim estão em mim
pulsando em arritmias?

encontro-me
nas várias peles que tive
e
reconheço-me
na derme que sou.

Ainda assim
continuo

...

Procurando-me


Obs: Imagem da autora.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

OS CAMINHOS QUE LEVAM À MONTANHA

Jacinta Dantas
jacintadantas@bol.com.br


Por aqui, o tempo é de festa. Animados pelo sopro de vida renovado no Domingo da Ressurreição, milhares e milhares de pessoas se encontram e celebram em preparação à festa para a Mãe. Todos os anos, no primeiro dia após o domingo de Páscoa, começa o oitavário que se encerra na grande festa de Nossa Senhora da Penha. Uma semana inteirinha de cantos e orações no lugar sagrado, entre pedras, árvores e a bela visão de águas que proporcionam o prazer de respirar e contemplar a Vila. Lugar do bom encontro que prima pela beleza, conservando e oferecendo ar puro e alegria. Toda essa movimentação remete-me à história – o nascer desse lugar onde vivo e no que dele sou parte – comparte no viver, desde que aqui cheguei.

Conta a história que foi num domingo, dia em que a fé católica festeja pentecostes... 23 de maio do longínquo ano de 1535, e eis que aos pés da montanha verdejante, nascia a primeira filha do Espírito Santo, que se prepara para os festejos de seus 476 anos. Cidade com seus encantos e desencantos, abriga-me desde os anos de 1970, quando aqui cheguei pelas mãos de meus pais, vinda do interior das Minas Gerais, lugar de terra rocha (ou vermelha) sei lá, e de muita pobreza para a grande maioria de seus habitantes. Das lembranças que tenho, sei que meus pais juntaram os filhos e os filhos e de lá saíram, rumo à cidade promessa de dias melhores.

Perplexos e extasiados com o lugar de ventos e expressões diferentes – em que se “pocava” a pipoca na panela – avistávamos a imensidão de água, ao longe de nossa casa, visão que nos seduzia , apontando como seta que ali havia beleza no encontro com sua majestade, o Mar. Suas princesas, aos poucos, foram se apresentando à vontade de se fazerem conhecidas pelos mineiros recém-chegados. Praia da Costa, menina dos olhos dos moradores, Itapuã, que até hoje agrega lazer e labor no ofício dos pescadores, Itaparica, a princesa mais badalada da orla, Barra do Jucu, que recebe as garças no final da tarde, a Praia da Barrinha, que faz a alegria para o esporte que reúne os surfistas, e mais praias para o deleite na cidade verão que dura o ano inteiro. Um lugar bonito mas que, também, tem seus problemas. Hoje, para desespero dos canelas verdes, o que mais assusta são os constantes alagamentos que afetam, dos bairros periféricos aos bairros nobres, chegando a confinar pessoas em suas residências, impedindo o cidadão de exercer o seu sagrado direito de ir e vir: instala-se o caos enquanto cai a chuva.

E a vida segue: segue seu rumo. Para não fugir à tradição religiosa, a devoção marca presença. Puxada do Mastro, Congadas, e gente, muita gente vinda de todos os cantos do Brasil para a Festa. Festa que inclui na sua programação, o encontro de milhares de homens que, desde 1958, fazem, sob o manto da fé, a tradicional Romaria dos Homens: uma longa caminhada que começa na capital Vitória e percorre os caminhos que levam à montanha. Montanha sagrada, ornada por densa floresta. Soberana montanha no alto de seus 154m de altura. Generosa montanha, anfitriã da padroeira do Estado, Nossa Senhora da Penha – a conhecida Nossa Senhora das Alegrias – A montanha que traz no seu topo o Convento da Penha, a escolhida montanha que testemunhou o começo do que hoje é : Vila Velha, oficialmente, a filha mais velha do Estado do Espírito Santo.



Hoje, a Romaria dos Homens já não é exclusiva de homens. Mulheres e crianças se juntam aos homens e seguem em procissão, saindo da Catedral de Vitória, com destino ao Convento da Penha em Vila Velha.


Obs: Imagem enviada pela autora: imagem de Andra Valadares publicado no fotoblog uol.

domingo, 3 de abril de 2011

À ESPERA DO ARCO IRIS


Jacinta Dantas
jacintadantas@bol.com.br


Raios e trovões assustadores fizeram-me acordar. A chuva forte dava sinais de muitos problemas nos próximos dias. A água, antes pura, vem morro abaixo, soterrando casas, obstruindo estradas. Passei o resto da noite em claro. Sabia que teria muito trabalho no dia seguinte, mas não conseguia dormir. Bem cedo, fui trabalhar, e, de fato, o cenário era o que eu imaginava. Enchente, lama, desabrigados, pobreza...Precisava dar tudo de mim. E trabalhar me ajudava a desviar a atenção de outra tragédia.

A cena deprimente não saia do meu pensamento. Sentia o corte na carne e na alma. Como é que aquilo tudo estava acontecendo? Desde quando? Estávamos casados há apenas 03 meses, e, até então, eu nada sabia. Ele, completamente seduzido, não ligava pra mim.

Na minha limitada compreensão humana, não entendia nem aceitava. Toda uma vida desmoronando e, eu, perplexa, atordoada, paralisada. Seria uma crise existencial interferindo no nosso relacionamento conjugal? Não, era mais que isso: era grave demais, feio demais. Senti vergonha e preferi tentar resolver com ele, sem que outras pessoas ficassem sabendo. Tivemos uma longa conversa e, juntos, decidimos que o melhor seria um tratamento. Procuramos uma clínica especializada, marcamos a consulta, mas na hora marcada, só eu apareci. Não o localizei em canto algum. Como o programa de tratamento era extensivo à família, e, naquele momento, eu era o familiar mais afetado, comecei, então, meu processo de cuidado comigo mesma.

Nos 03 anos de namoro, nos preparamos afetiva e economicamente para vivermos sob o mesmo teto. E chegou o momento certo. A cerimônia do nosso casamento se deu num período de muitos acontecimentos. Ele, no último período da faculdade, além da preparação para o casamento, estava, também, às voltas com a redação da monografia, a festa de formatura, e a tão esperada promoção no trabalho. Fiquei feliz e orgulhosa com tantas coisas boas, ao mesmo tempo, acontecendo na vida do homem que escolhi como companheiro e parceiro de vida.

Como um temporal que alaga, parece que seus sonhos, acalentados por muito tempo, resolveram se realizar num rompante, sem deixar tempo para assimilação dos fatos, para aceitar que coisas boas podem acontecer à pessoa.

Numa noite quente de verão, enquanto ele me esperava no altar, caminhei ao seu encontro, ouvindo, palavra por palavra, “Eu sei que vou te amar”. E ao ouvir – por toda a minha vida – estava ao seu lado, de braços dados. Padre, convidados, testemunhas, minha mãe, a música e nós. Cenário perfeito para a felicidade. Estávamos, ali, oficializando o contentamento da união, do encontro, da vontade de se constituir família. E ouvi – “até que a morte os separe...” Nossa viagem de núpcias foi rápida, pois com o novo cargo na empresa, ele não pôde entrar de férias.

Mas, com as águas de março, vejo tudo se acabando: ele completamente apaixonado por ela e eu impotente, sem ação ou reação. Desde aquela noite, a descida foi rápida: a enxurrada arrastou tudo o que encontrava pelo caminho, e nela, vi, de perto, a degradação humana. Continuamos morando sob o mesmo teto por mais 10 meses, mas o casamento, o encantamento e cumplicidade já não mais existiam. Continuava com a aliança recebida na cerimônia, mas não me sentia casada. Mantendo as aparências, lutei, desesperadamente, para livrá-lo daquela obsessão.

Noites e dias com o aperto no peito, o coração disritmado, a boca seca, o medo e a dor de aceitar o fracasso. Para enfrentar a tempestade que também me afetava e, não me deixar arrastar, além da psicoterapia, passei a tomar antidepressivo e ansiolítico, pois entendi que precisava de um suporte que me ajudasse a enfrentar aquele estado lastimável no qual me meti. Falei com minha mãe e com os amigos mais próximos, na esperança de que eles interviessem. Contei tudo, sem reservas, pois precisava urgentemente de ajuda, para mim e para ele. Não podia vacilar. Precisava encontrar uma saída que fosse menos dolorosa.

Ele se deixava consumir. O homem bonito, com quem me casei, agora estava esquelético, com o olhar evasivo, às vezes dissimulado. No desespero, acreditando ser uma questão de escolha, arrisquei. Ou ela ou eu. E, para o meu desespero, ele escolheu. Em pouco tempo, seu dilúvio particular o arrastou para o fundo, para o vazio e a solidão. Foi perdendo tudo que levara anos para conquistar: saúde, emprego, amigos... foi se perdendo no turbilhão de águas selvagens. Perdeu tudo, e, principalmente, perdeu-se de si mesmo.

E, em mais uma noite insone, madrugada adentro, esperei e ele não chegou . Pela manhã, já com o raiar do dia, chegando ao hospital, tive a confirmação. Overdose. Assim terminou.

Hoje, um sentimento de culpa ainda me atormenta: será que eu seria a diferença? Será que desisti muito cedo? Será que, comigo, ele encontraria forças para não se deixar seduzir? No fundo, penso que ele não suportou as maravilhas de um bom período de chuva, e se deixou seduzir pelo que lhe dava mais prazer: o poder de uma tromba, que se rompe no meio da noite, e não livra ninguém da fúria de suas águas.

E eu, após a tempestade, vivo momentos de intervalos entre o alívio e a tristeza. Sigo em frente, mantendo-me de pé, com o olhar no horizonte, à espera do arco-íris.


Obs: Imagem da autora.

segunda-feira, 21 de março de 2011

LUA CHEIA DE GRAÇA EM TEMPO DE TRANSIÇÃO



Jacinta Dantas


Tantas palavras engolidas retinha o ar que, apreensivo desaprendia sua natureza de liberdade – seu direito de ir e vir – e sua missão de abrir os caminhos para a realização e crescimento daquele ser que em plena construção, torna-se frágil na criança/adolescente que se curvava ao império do silêncio. Revivendo vidas tantas vezes vividas, vejo agora a urgência de revisão no sentido do que outrora obstruía minhas forças. Refletindo o já vivido, vejo o contraste à estação, no exagero de luz que se evidencia no espaço sagrado aonde sobressai a necessidade por falar, falar, falar, todos ao mesmo tempo, numa ação frenética que se propõe acumular informações diversas. Tudo é preciso ser dito e o tudo vira um zumbido. É preciso comentar todos os acontecimentos do dia...da semana...do mês...e para isso só tem alguns minutinhos, os minutos que antecedem ao início do ritual. O medo de se encarar confunde silêncio e escuridão. E a luz, ah luz excessiva! Também ela instiga a falação e o que sinto é ansiedade por todos os lados. E é com aflição que surge outra “luz” para abrandar o ambiente. Impõe-se, então, a repetição de um dito que nivela a voz, ignorando a oportunidade do escutar-se, com o poder de conceder às células o refrigério e o abraço com o sentimento de paz. Abstraindo-me, faço-me vento e me espalho na mistura de cores, em tons castanho/ dourado que se apresentam com promessas de renovação e (re) equilíbrio. E, retornando à estação, vejo cheiro de folhas secas em redes tricotadas e entrecortadas pela luz suave do bronzeado adquirido. Agora sim: apesar do barulho, escuto o silêncio... respiro, vejo o silêncio, respiro...respiro... Respiro outono nessa noite de lua cheia, a mais bela Lua, cheia de graça e beleza coroando o final da estação de corpos expostos reverenciando o Sol.

Sábia é a natureza: no intervalo entre o verão e o inverno, oferece-se em transição e renasce, com alegria, na estação das flores.


Obs: Imagem enviada pela autora: foto modificada do fotoblog uol

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

DOIS DEDINHOS DE PROSA


Jacinta Dantas
jacintadantas@bol.com.br


De longe, passeando pela praia, percebi que ele estava compenetrado. Sentado no banquinho de madeira, parecia extasiado, completamente entregue às maravilhas que o lugar lhe proporcionava. Coloquei-me ao seu lado, e, respeitando seu silêncio, fiquei ali, ouvindo o som das ondas que vinham e voltavam, num compasso que mais parecia um canto de paz. Nossos olhares se cruzaram e pensei que no seu olhar havia nostalgia, como se recordasse tempos passados vividos de alegria, dor, tristeza, euforia...

Interrompi o silêncio com um sorriso. Carinhosamente ele me estendeu a mão num gesto de desejar que o dia fosse bom. O alvorecer para ele começara muito cedo e eu ali, atrapalhando aquela contemplação do passado. Sentimento que se desfez a partir do cumprimento de bom dia. Em dois dedinhos de prosa, já sabia seu nome – Sr. Bento – nome imponente do homem que viveu mais de 50 anos no mar e do mar, no oficio de levar e trazer pessoas, produtos e o que mais precisasse sair ou voltar para a Praia de Jabaquara, fizesse chuva ou fizesse sol, lá estava ele, remando, na lida diária.

Trabalhou de sol a sol, e, como barqueiro, teve o mar como companheiro e parceiro na luta do dia-a-dia para prover o sustento da família. Tempos difíceis de dias em que só dava para comer uma única vez. De um jeito jocoso, afirmou não concordar com o refrão da música, imortalizada na voz de Bete Carvalho, que diz: no tempo do “dérreis” e do vintém se vivia muito bem [...] Sem medo de errar, e, com jeito de quem reconhece a beleza das coisas boas da vida, enfatizou que agora é que se vive muito bem, complementando que o tempo de hoje é muito melhor, pois é nele – no tempo de agora – que sua vida acontece.

E ficamos ali, proseando. Em poucos minutos de conversa orgulhosamente ele foi contando que criou 10 filhos e agora, na sua família, tem advogado, professor, funcionário público graduado, médico e até uma bisneta que mexe com o mar (a profissão da bisneta ele não soube dizer). Fez questão de se levantar e, apoiado em sua bengala, convidou-me para caminhar. Caminhamos juntos, lado a lado à beira mar e chegamos a uma Igrejinha. Tirando o chapéu, fez o sinal da cruz e logo foi dizendo que a Igrejinha de São João fora construída por ele. Depois corrigiu dizendo que não a fez sozinho. Um amigo seu também participou de frente na construção – mas ele foi o cabeça que comandava o pessoal – e tudo fora realizado em forma de mutirão, enfatizou.

Do alto de seus 87 anos, acenando com o chapéu e voltando o olhar para o céu, relembrou vários amigos que já partiram para a morada de Deus, inclusive o companheiro na construção da Igrejinha. No rosto, os sulcos, marcas esculpidas pelo tempo, vão remodelando seu olhar diante da vida. Já não há mais a correria, pois esse mesmo tempo, segundo ele, agora corre a seu favor.

Voltei para a pousada feliz com a intensidade daquele olhar que reverencia o céu e o mar. Quanta sabedoria acumulada em suas experiências eu poderia explorar. Dos instantes que passamos juntos ficou a dimensão do encontro com o outro no encontro comigo mesma. Ficou, também, a experiência de vivenciar o dia com alegria, valorizando o que se conquista de bom no caminho feito. E, na despedida, senti saudades de outro velho que também já partiu. Meu velho pai, que com o ofício de carpinteiro, como o bom José, deu sua contribuição para a formação da pessoa que sou hoje. Então percebi que a nostalgia era minha.


Obs: Imagem da autora.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

NAS ONDAS DOURADAS


Jacinta Dantas


Aos amigos íntimos ele confidenciou que a menina, fazendo-lhe um afago na testa, disse-lhe para ficar tranquilo: a Onda chegaria na tarde daquele setembro...

Muitos anos se passaram desde aquele primeiro encontro. Suzana relembra sua meninice refletida na pureza da lua, colocando-se à disposição de Pedro, com ouvidos atentos e seus dedos ágeis, escutando e transcrevendo sua história de vida em letras datilografadas que mais tarde se transformariam no livro gostoso de ler. Uma história que, sem obedecer a nenhuma ordem do tempo, revelava-se, em forma romanceada, o olhar de um homem sobre a cidade, a missão, as escolhas... a vida. Com o encantamento que lhe era próprio na adolescência, Suzana trazia nos olhos negros o brilho das descobertas nos seus poucos mais de 15 anos, contrastando com a serenidade do olhar azul daquele homem que já vivera mais de 70. Aos poucos ia conhecendo a diversidade de papéis que aquele irmão-avô exercera em tantas vidas vividas e ela estava ali, escutando em primeira mão, suas vivências no trajeto percorrido: diretor de uma grande editora, suas viagens pelo Brasil e pelo exterior, o enfrentamento nos tristes anos de ditadura, o exercício de sua missão... Várias tardes convivendo com um homem que trazia na bagagem muita cultura e nenhuma ostentação de luxo ou riqueza apenas a vida vivida para servir. Sempre que era possível, a “menina” convidava o recém chegado para uma caminhada, no final da tarde, nas areias da Praia da Costa. Tudo era novidade; O velho homem que veio de Minas e escolhera a Vila para usufruir os belos dias da aposentadoria, e a jovem, com vontade de percorrer a trilha, animavam-se na conversa informal (que não seria transcrita para o livro), pois ali na areia, se dava o caminhar da amizade no compasso que demarcava o encontro do passado com o futuro. Pela primeira vez, Suzana, a menina que morava no morro, tinha contato com palavras até então desconhecidas por ela, como empatia, autenticidade e fitoterapia: uma das paixões daquele velho meio bruxo, meio santo, que amava gente e se dedicava à busca da cura para os males do corpo. E, mais que remédios fitoterápicos, Pedro oferecia presença, calor e afago, emprestando-se à pessoa que estava doente, com sua simpatia e simplicidade franciscana. Agora senhora de si, Suzana relembra esses tempos, passeando pelo mesmo lugar – a mesma praia que agora é outra – toda iluminada, outra água, outro céu, outra lua? Por que essa parte vivida intensamente não constara no livro? Muitos anos se passaram e a presença de Pedro continua forte em sua vida. Ele a chamara e ela estava ali, mais uma vez à disposição do encontro, o último, talvez? Muita história acumulada, mas o momento não pedia palavras. Nos passos lentos que davam movimento ao corpo que conseguira transpor nove décadas de vida, Pedro e Suzana entrelaçaram as mãos e sob a cumplicidade do mar olhavam-se, caminhando no compasso do silêncio, sem deixar pegadas. Cada passo era novo e único: as ondas iam e vinham em deliciosas espumas que lhes acariciavam os pés e apagavam o passo dado. Naquele novo encontro, a sempre “menina” fez-lhe companhia em todas as ondas, mantendo-se firme, com os pés fincados no chão. De repente, sem que ela percebesse, seus dedos se desvencilharam e Pedro calmamente foi ao encontro de seu caminho. Suzana, paralisada com a beleza da onda, só percebeu o sorriso. O mesmo sorriso que a conquistara no passado agora lhe dizia que ele precisava partir e partir sozinho no caminho que ora em diante só caberia o seu caminhar. Não havia mais como participar. E, sorrindo, Suzana viu Pedro pela última vez, deixando-se levar nas ondas douradas, no final da tarde no mês de setembro.


Obs: Imagem enviada pela autora (do Fotoblog UOL)

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

VAGANDO E DIVAGANDO: uma percepção



Jacinta Dantas
jacintadantas@bol.com.br


Olho e vejo alguém vagando pela vida: um ser que desafia a realidade, ignora o tempo e afeta as pessoas. Com seu jeito sem jeito, sem obrigações, sem horário, sem lugar, (mas que ocupa muito espaço), incita sentimentos de raiva, pena, medo e... compaixão. Do poder do Estado, parece intuir a existência da repressão. Em seus "ensaios" para o confronto, não se intimida: enfrenta a polícia, exigindo continência, e, em posição de sentido, berra:

_olhe a minha patente
eu sou coronel
Toma juízo soldado

Tendo a rua como endereço, ele incomoda, pois expõe, sem pudor, a face que ninguém quer enxergar diante do espelho. Por não ser dono de si, sobra-lhe liberdade e tempo para perambular pelas ruas, sentar-se nas pedras, brincar, xingar, gritar, e, passar o tempo sem saber em qual tempo ele passa. Do tempo cronológico nem faz idéia, passa horas olhando pro nada que dá pra lugar algum, e, garante, com entusiasmo, que está numa grande festa, recebendo amigos famosos, ou numa grande batalha, comandando os soldados.

– FOGO, FOGO, FOGO, descansarrrrrr

Passa o tempo e o tempo passa, prá mim e pro Zé. Tenho consciência do meu tempo interior, e sei que ele existe, independente de mim e da minha vontade; e, independente da vaga vida do Zé, o tempo é como é. Simplesmente existe, antes e depois. A certeza da finalização coloca-me em constante “conflito” frente ao desejo de realização de meus projetos. A convivência com alguém que vivencia a experiência de finitude e mantém a vontade, os sonhos e projetos, aflora, em mim, uma confusão de sentimentos e aspirações.

Na tênue distância que se estabelece entre mim e o Zé, vislumbro a possibilidade de que, talvez por aí, pelo desejo de realizações, se consiga fugir da realidade temporal e fazer o próprio tempo, pois a vida continua seu curso, seu percurso, mesmo na dicotomia entre vida e morte, realidade e fantasia. De novo, volto pro Zé: divagando, retorno ao tempo, penso em liberdade, e vejo que, por ser "livre" , o Zé continua na sua festa e na sua guerra.

Comando dado, comando obedecido? Qual nada. Por vezes a liberdade do Zé lhe custa caro. Gritos de horror, resistência, insistência...e o limite se impõe na vaga vida do Zé. Passa um tempo “sumido” da rua, e nesse tempo, ninguém reclama a sua falta. Mas , quando o Zé volta, volta com ele a desorganização de sentimentos, a rua fica cheia e o tempo fecha.

Depois de 15 dias internado, ele volta ao seu (não) lugar, contando que passara 06 meses num cruzeiro, com direito a show com Roberto. É... o Zé continua lá fora, ou aqui dentro, sobrevivendo na rua, percebendo o tempo do seu jeito. E, o tempo passa, o sol se põe, a chuva cai, o rio faz o seu percurso, o mar o recebe, os pássaros cantam, as crianças brincam, e com distinta percepção, o Zé continua vagando e eu, divagando sobre o tempo e a liberdade.


Obs: Imagem da autora.

domingo, 16 de janeiro de 2011

DE NOVO, A FLOR


Jacinta Dantas
jacintadantas@bol.com.br


Desci do ônibus e resolvi fazer o restante do trajeto a pé. Ao lado do terminal rodoviário, vou caminhando e sinto outros caminhos, outros lugares que primavam pela beleza de suas montanhas e, agora, parecem um não lugar. Caminhando, tento não pensar nas fortes chuvas; caminhando, tento não pensar na devastação pois o desejo é agir. Ação; parece ser essa a palavra que falta. Ação; parece ser esse o assunto que precisa estar em pauta. Prossigo nos meus quilômetros pensantes e, de novo, ela me desperta nesse meu lugar entrecortado por canais...vários canais de possibilidades para o entupimento com coisas que são descartadas. Canais que, concebidos como valões, sofrem carregando os dejetos jogados por mãos humanas.
...

Em meio ao devaneio, ela me acolhe: de novo a ALAMANDA se abre em sorrisos com seu amarelo, bonito amarelo circundando todo o espaço do popularmente chamado valão. De novo, a flor, contrapondo a sujeira com sua beleza, encoraja-me no seu florir, e florindo, com um amarelo tão absurdamente encantador, ela me faz escutar, no seu ato de comunicar ao mundo, que já passa da hora de se cultivar, entre as pessoas – família-comunidade-igreja-escola-poderpúblico – a cultura do cuidado pela cidade.

Obs: Imagem enviada pela autora (Foto de Jamir Dobkowski)

domingo, 9 de janeiro de 2011

VIDA



Jacinta Dantas


Na sequência dos dias

sol e lua

dia e noite...noite e dia

vida

No círculo do existir...

alvorecer e crepúsculo são maravilhas

no coração que se faz aberto para o viver


Obs: Imagem da autora.

sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

A FLOR SE FARÁ FLOR E GENTE...


Jacinta Dantas


Um assombro cataclismático, invade e estressa, congestionando os poros, contaminando de impurezas o sangue, o sangue estremecido entre o desencanto e a frustração, o sangue desorientado. Gente que vai... gente que vem... superlotando lojas-supermercados-shoping-restaurantes-ruas-ônibus-buzinas, e o Ser se consumindo num consumismo finalizador, como se tudo acabasse num dia, à meia noite, convencionado como último dia de um ano. Na busca desenfreada, o Ser se desdobra em Despedidas do velho numa tentativa desesperada de manter-se sempre novo, apesar da comilança e da bebedeira permissivas em data final. Alheio às trapalhadas humanas, o tempo segue seu curso, e, no tempo que se encerra, assim como no começo, mais chuva toma conta da avenida e tudo se confunde...e pessoas perdem o pouco que têm e o pensamento remete-se ao ano de 2010 que começa abençoado pela tríade da Paz, do entendimento e da tranqüilidade. Mas a dicotomia da doidice faz desmoronar os projetos, transformando os sonhos em lamento, lama, lágrimas e água, muita água nos lugares encantados ou sem encanto, onde há seres festejando e seres entalados nos morros ocupados por insensatez. ANGRA! O ano termina e eu insisto em relembrar: BUMBA! Penso que, se não esqueço incorro no risco de ter atitude de mudança. Rememorando e não entregando os fatos à fatalidade, ouso pensar que posso escutar a natureza nos momentos em que deságua toda sua força. Qual é a escolha? Para onde ir? Crateras lesionam o fluxo do bem viver em descasos acumulados ao longo do trajeto. Segue o corpo – perdido segue – segue em descompasso cardial suplicando energia e paciência para retomar. E mais uma vez, com todas as avalanches, sinto que é preciso repetir o ritual, apesar das perdas. O coração pede para subir e agradecer, então subo. No alto, com a respiração ritmada, o corpo encharcado recebendo, dos cabelos, os últimos pingos, recompõe-se e, aos poucos, vai se acalmando e percebendo que na sagrada montanha, protegida por frondosas árvores em todo o seu entorno, o espaço é propício à contemplação. Sigo, procurando o melhor espaço e vejo o perfume no olhar radiante que me socorre. Na rocha molhada, percebo-me aliviando os medos contidos em assoreamentos subterrâneos. Então, admiro seu jeito livre que me devolve a intensidade da luz: uma gostosa troca que me faz reverenciar a vida pelo pulsar que aproxima as várias formas do viver. Elevo-me para o infinito, escuto-me...escuto-me...escuto-me...confidenciando meu desejo de esperança, sabedoria, justiça e o equilíbrio necessário na ocupação dos espaços para que outras tragédias sejam evitadas. Volto meu olhar e mais uma vez contemplo a flor amarela, com suas grandes folhas, esparramada sobre a rocha. E ela, generosa, acolhe-me com alegria e, em harmonia com o lugar que ocupa no mundo, toca em seus sinos a canção do amor fraternal na ternura do amarelo desabrochando em sorrisos, mostrando-me que eu sou o Ser que também é pingo de chuva, o Ser que também é rocha...que também é flor. Misturando-nos, sinto o pulsar da Alamanda proclamando com sua beleza que a tempestade vai passar; proclamando com sua simplicidade que o dia termina e sempre haverá o Amanhecer – amanheceremos em 2011 – conscientes de que juntos somos um no Universo, e, sendo um, precisamos nos cuidar, harmonizando-nos e reverenciando as 04 estações, os 04 elementos, as 04 fases da lua, 0s 04 pontos cardiais...e, respeitando-nos, a flor se fará Flor e gente será o Ser que se faz no caminho, tornando-se gente à imagem e semelhança de Deus.


Obs: Imagem enviada pela autora ( alamanda, do fotoblog da UOL)

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

QUANDO O VERÃO CHEGAR



Jacinta Dantas
jacintadantas@bol.com.br


Das mãos de um amigo recebi uma plantinha, com mais ou menos 10 centímetros. Veio de onde? Não sei. O que sei é que foi meu presente de aniversário naquele ano. Plantamos, eu e minha mãe, aquela pequenina no nosso, também, pequeno quintal.

O aniversário passou, a primavera acabou, e tudo seguia seu curso. Eu na minha rotina... trabalho, trabalho, trabalho, e mais trabalho. E a plantinha? Estava muito bem aos cuidados de minha mãe.

Algum tempo mais tarde, creio que uns 5 anos, com o desejo de mudar de rumo, dei uma parada geral na minha vida. Olhando para mim, passei a ter tempo para olhar o que estava a minha volta. E nesse olhar, passei a cuidar da plantinha que, então, se tornara uma pequena e linda árvore.

Acompanhando seu desenvolvimento, comecei a sentir que ela sofria. O lugar onde estava não lhe era agradável. Pouco espaço, pouco sol, pouco... tudo era pouco. Mas era a minha planta preferida.

E nas manhãs lindas de primavera, com um sorriso – que era só pra mim – ela retribuía o meu “bom dia rainha”. Nesse encantamento primaveril fui percebendo seus sinais de descontentamento. Soberana, esbanjando simpatia e sem perder a elegância, ela esperou o momento certo e, confiando na intimidade que nos unia, disse-me que precisava mudar. E agora, como ficar sem a minha preferida? Mesmo sofrendo, entendi que assim como eu, que por me sentir sufocada, decidi mudar de ares, também ela precisava de outro lugar onde pudesse se desenvolver plenamente.

No coração, senti o quanto estava apaixonada por aquele ser vivo-verde-encanto em terra, e percebi que o momento, por mais que doesse, pedia o desapego. Na despedida ela chorou, seus galhos murcharam. Eu fiquei firme. Meu amor, que já era grande, mostrava-me que ela precisava passar pelo desconforto da mudança para continuar vivendo bem.

Sua viagem foi tranqüila, dois homens a transportaram com o respeito e o carinho dignos para sua nobreza. Mesmo assim, sei que ela sofrera. Não quis acompanhá-la, não queria que ela percebesse que eu também sofria. Então, fiquei olhando sua partida na reta da vida até onde meus olhos alcançaram.

Tempos depois fui visitá-la em seu novo endereço. Lugar amplo, bonito, cheio de harmonia e luz. Percebi que a mudança deixou-lhe uma pequena depressão em seu tronco. Mas vi e senti que água, espaço, sol e carinho estavam lhe fazendo muito bem.

Quem a recebeu, um amigo querido, cobria-lhe de mimos, valorizando cada progresso daquela árvore que lhe fora dada de presente por mim. Seus olhos brilhavam e em suas palavras, muitos elogios para a rainha.
- Ela está crescendo, está linda...
- Já cresceu tanto que ultrapassou a altura do sobrado...
E a rainha, naquele espaço, majestosamente seguindo a vida nos dias de sol, de chuva e de vento, enfrenta com altivez, as enchentes que afetam as pessoas.

E as enchentes? Como a água do rio que corre pro mar, elas passam. E como tudo passa, chegou a vez de o meu amigo ir embora. E agora? Endoideci. Como ficará a rainha? Desesperados sentimentos, tumultuados pensamentos: As pessoas, também, passam por nossas vidas.

A árvore e eu, em nossos lugares ficamos. Faceira e forte ela toma conta do seu lugar. Já não há mais nenhum resquício do sofrimento da partida. Generosa e agradecida, abraça tudo o que há de bom na primavera e se prepara para se esparramar de amor, em agradáveis balanços e sombras – quando o verão chegar -


Obs: Imagem enviada pela autora ( foto mogno: de viajante do fotoblog uol)

domingo, 12 de dezembro de 2010

ESTRANHOS MUNDOS!?



Jacinta Dantas
jacintadantas@bol.com.br


Meninos-metade-homem-menino percorrem por trilhos na vida desengonçada. O corpo anuncia a entrada em mundos estranhos com pedregulhos sob os pés e - mesmo com espinhos no trajeto -não há como retroceder. Mesmo com espinhos no trajeto, é preciso seguir, mas os trilhos descarrilados não apontam caminhos e em espelhos embaçados não há o reflexo da lei que orienta. O grito, rouco e sufocante, implora por algo ou alguém que os façam parar. LIMITE é a palavra de ordem vigente, mas a falência escancara a fragilidade. No conflito o confronto e, no lugar onde se supõe resgate para o convívio social, o encontro com um outro igual. Iguais, na condição de fora de lugar, estranham-se no seu entre-lugar demarcado pela delinqüência que despersonaliza: Mais vale o líder que se impõe deixando de ser pessoa e se assume, diante do grupo, como o número que o destaca na infração; uma locomotiva sem freio e sem rumo que não reconhece alteridade. E tremem os trilhos enquadrados nos caminhos tortuosos.

... do menino-homem, no curto e trágico caminho percorrido, ficou o olhar nas mãos trêmulas de mãe.


Obs: Imagem enviada pela autora ( do foloblog uol)

terça-feira, 30 de novembro de 2010

EM POUCAS PALAVRAS...



Jacinta Dantas
jacintadantas@bol.com.br


Uma angústia: MEDO
E, se as cores não se destacarem mais?
Se eu não reconhecer o cheiro do vermelho?

...

Uma alegria: ESPERANÇA
Por hora, vou abrindo a trilha e seguindo o caminho.

...

Uma certeza: O QUE SINTO AGORA
...sou puro coração. Pulso desejos e - alegria de viver, conviver - é o que quero, reaprendendo a arte de me aproximar com a espontaneidade, simplicidade e confiança de uma criança, na mulher que Sou.

...

O que fica: VONTADE
Apesar do medo
existo
e acolho o pulsar do viver
com toda a beleza que há na existência.


Ah!
A frase, para demarcar o meu dia, eu peço emprestada a João Cabral de Melo Neto

"...e não há melhor resposta que o espetáculo da vida: vê-la desfiar seu fio, que também se chama vida, ...”

É isso.


Obs: Imagem enviada pela autora (foto de Andréia Gavazzoni)

domingo, 21 de novembro de 2010

TEMPO...TEMPO...TEMPO



Jacinta Dantas
jacintadantas@bol.com.br


Tempo de mais água na cidade onde as saídas estão ocupadas pela ignorância e prepotência de se fazer da rua a lixeira particular de cada um. Tempo de ficar quietinho, entocado entre as paredes; dois dias de gula e preguiça alternando com preguiça e gula. Ausento-me do mundo, sonho com um banquete, Meu Deus! E, eu, comendo o tempo nos espaços que me marcam. Que venha o sol oxigenar minha expressão cansada do tempo fechado, aprofundando a cicatriz que recebi na menina que fui, em constante ameaça de ir embora, antes do tempo, numa onda de infortúnios infantis. Quanto tempo de promessas de mãe para assegurar-me a vida! o sarampo já havia levado Maria de Fátima e Francisco, e eu, teimava em continuar – bem que o Franciscano avisou para não colocar esse nome na menina – mas, era promessa a N.Senhora de Fátima. A Lucia, a mais velha, crescia forte, como forte é, até hoje, na tranqüilidade e generosidade com que se aceita e leva a vida do melhor jeito que pode. E, voltando ao tempo, o dermatologista lança seu olhar botox sobre minha face e quer saber a quanto tempo carrego a marca que separa minhas grossas sobrancelhas. Ainda resisto a ele. Receio a artificialidade do sorriso em tempos perdidos que entopem o coração de expectativas – cárcere das emoções – aonde se escondem sentimentos que precisam se expandir em sorrisos, sorrisos que exercitem os músculos do diafragma, e me encha de fôlego para partilhar a alegria. Alegria de saber, um dia, que toda água faz seu curso normal, abençoando a terra, sem ficar represada no tempo dos que não veem retorno no investimento subterrâneo.


Obs: Imagem enviada pela autora.

domingo, 14 de novembro de 2010

NO SILÊNCIO, O GRITO



Jacinta Dantas
jacintadantas@bol.com.br


_ Eu quero ser ladrãããão...

ressoa em meio aos cheiros fortes do lixo que percorre o canal, numa voz sorridente, inquieta, fantasiando uma batalha no lugar onde se deposita tudo o que não se quer do lado de dentro. E, ali, onde o fora se confunde com o lado de dentro, na água apodrecida pelos descuidos de muitos, envolvem-se menino e cozinha nos cheiros misturados ao sabor do feijão, deteriorando possibilidades de sonhos.

_ Eu quero ser ladrão...

palavras que saltam com determinação na inocência de apenas 05 anos “vividos”, mas que já percebe a incursão de homens que se revezam em máscaras – caça e caçador – camuflando a dura e triste realidade daqueles que fazem do viver uma desventura na vida clandestina ou em amontoados de seres contidos à força.

Meu Deus! Há tão pouco tempo ele irrompeu, do conforto do útero materno, brotando para um mundo que deveria lhe reservar um universo de possibilidades. Mas, na brincadeira do assalto, a sedução:

_Eu quero ser ladrão.

...

No silêncio, o grito


Obs: Imagem enviada pela autora.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

UMA SEMENTE DE TRANSFORMAÇÃO



Jacinta Dantas
jacintadantas@bol.com.br


Em noite fria, escuto o cheiro que recende da terra molhada, e com a terra reflito. Sinto saudade de mim na vida de outros tempos. Saudade de amigos que se foram. Ronda-me uma melancolia que me parece síndrome de final de agosto, com tempo nublado e sol acanhado, indisponível para aquecer-me no desconforto da solidão. Os pensamentos voam... voam longe. Distante 20 anos da jovem romântica e sonhadora de outrora, dos encontros que primavam pelo viver dignamente no tom da fraternidade e do abraço, estou, hoje, seguindo, como todos seguem, fazendo o caminho, construindo outros e novos sonhos em cenários diferentes. Vinte anos: são duzentos e quarenta meses, sete mil e trezentos dias num tempo que demarca o intervalo entre o que foi e o que virá a ser, um tempo que antecede a maior idade; tempo de mudanças que exige responsabilidade. Tempo que passa e se aproxima do tempo em que a prescrição pode ditar as regras do que foi e do que poderia ter sido. E, revivo no tempo que agora chove, as tão sonhadas conquistas num tempo de vislumbradas mudanças apontadas pelo brilho da esperança na década que visualiza coragem, despojamento e busca. Década de 1980, do clamor por Diretas Já, de gente se encontrando como povo... Década que se encerra com ruas cheias de gente no adeus ao irmão querido que volta à terra forçado pelo tempo de outros que não queriam enxergar que entrávamos num novo tempo. Ah terra amada! Qual é o limite de tempo nessa passagem de volta ao seu encontro? O que fica de cada um? Por hora sei: O que tenho é o que vejo em você: a certeza de que sou nada e sou tudo. Sou cheiro, sou água, sou, também, terra molhada. Do todo, sou um pedaço, curtido pelo tempo que se renova e se recria. Sou Mulher, irmã da lua, feita de terra que me faz Ser. Sou corpo, morada do universo, morrendo e renascendo, e quando não mais for, ainda assim continuarei a ser em suas entranhas. E, eu, mistura da menina que fui com a mulher que sou, vejo-me imagem, perfume e leveza do barro e do sopro que me constitui. Faço-me Terra, enamorada do sol que se reluz molhada e se faz linda, fecunda, prenhe da imensidão em forma feminina, geradora de vidas vividas em seu seio, solo de lutas e disputas, ambição, servidão, Redenção. Terra querida, em você, Gaia mãe, percebo os frutos da luta de seus filhos ilustres que se misturam e agora se tornam terra. Uma semente que contribui para a fecundação e transformação de novos filhos que de você virão.


Obs: Imagem enviada pela autora (Foto de Ivone Ristchel)