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sábado, 4 de abril de 2020

George Dickie

Morreu George Dickie (1926-2020), o autor da teoria institucional da arte. Depois de propor uma primeira versão da teoria teve em conta objeções que lhe foram feitas e reformulou-a. Um bom exemplo, portanto, do que por vezes se chama “atitude filosófica”.  

«O mundo da arte não requer procedimentos rígidos; admite e até encoraja a frivolidade e o capricho sem pôr em causa o seu propósito sério. Contudo, se não é possível cometer um erro na atribuição de estatuto envolvida na produção da arte, é possível cometer um erro ao conferir o estatuto de candidato à apreciação. Ao conferir um tal estatuto a um objeto, assume-se uma certa responsabilidade pelo objeto no seu novo estatuto. Apresentar um candidato à apreciação coloca-nos sempre perante a possibilidade de ninguém o apreciar e que em virtude disso a pessoa responsável pela atribuição perca a credibilidade. É possível fazer uma obra de arte a partir da orelha de uma porca, mas isso não a torna necessariamente uma bolsa de seda.»
         George Dickie, Introdução à Estética, Bizâncio, Lisboa, 2008, pp. 136-137.



segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

Poemas de quem não morreu

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O poeta brasileiro, Ferreira Gullar, morreu ontem aos 86 anos.

Cantiga para não morrer

Quando você for se embora,
moça branca como a neve,
me leve.

Se acaso você não possa
me carregar pela mão,
menina branca de neve,
me leve no coração.

Se no coração não possa
por acaso me levar,
moça de sonho e de neve,
me leve no seu lembrar.

E se aí também não possa
por tanta coisa que leve
já viva em seu pensamento,
menina branca de neve,
me leve no esquecimento.

Os mortos

os mortos vêem o mundo
pelos olhos dos vivos

eventualmente ouvem,
com nossos ouvidos,
certas sinfonias
algum bater de portas,
ventanias

Ausentes
de corpo e alma
misturam o seu ao nosso riso
se de fato
quando vivos
acharam a mesma graça

Traduzir-se

Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.
Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.
Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.
Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.
Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.
Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.
Traduzir-se uma parte
na outra parte
– que é uma questão
de vida ou morte –
será arte?

O Trenzinho do Caipira

Lá vai o trem com o menino
Lá vai a vida a rodar
Lá vai ciranda e destino
Cidade noite a girar
Lá vai o trem sem destino
Pro dia novo encontrar
Correndo vai pela terra, vai pela serra, vai pelo mar
Cantando pela serra do luar
Correndo entre as estrelas a voar
No ar, no ar, no ar... (...)

Ferreira Gullar

(Poemas cantados por Adriana Calcanhoto).

quinta-feira, 27 de outubro de 2016

João Lobo Antunes: o interesse por tudo o que é humano

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Hoje morreu um médico que, além de uma indiscutível competência na Medicina, gostava de literatura, filosofia e poesia. Era um caso raro entre os médicos portugueses, pois reconhecia que não basta dominar o que vem nos livros técnicos para ser bom médico. É preciso um saber mais alargado, que não pode ser adquirido sem a leitura crítica de livros que refletem sobre os problemas humanos a que a ciência não responde. Um saber que permite ver o mundo a partir de um horizonte mais amplo que, embora não exclua dúvidas e inquietações, nos pode fazer ser melhores profissionais e melhores pessoas.

E ele era. Vale, por isso, a pena ouvir com atenção as palavras de João Lobo Antunes a falar dos livros que marcaram a sua vida.

Ao ouvi-lo, pensei nos alunos de ciências do ensino secundário que aspiram prosseguir os estudos em cursos na área da saúde. Para muitos há as disciplinas secundárias e as principais, as da formação específica: Matemática, Física e Química e Biologia e Geologia, onde gastam, durante a semana, não só muitas horas letivas (porque as cargas horárias são muito maiores que as das outras disciplinas) como, nalguns casos, muitas horas não letivas na frequência de explicações fora da escola para conseguir obter as médias elevadas que possibilitem a entrada nos cursos das universidades que desejam. Alguns destes alunos ostentam uma certa indiferença pelas outras disciplinas baseando-se no facto de as considerarem menores na sua formação futura e sem interesse prático.

Esta valorização das disciplinas da formação específica dos cursos de ciências do ensino secundário - por parte de alguns alunos, professores, encarregados de educação, do ministério e da sociedade em geral - em detrimento das outras áreas de estudo (por exemplo, as humanidades e as artes) é, a meu ver, empobrecedora e não deixará de ter consequências a longo prazo na formação dos futuros médicos e cidadãos. Para ser bom médico será apenas necessário dominar as “ferramentas do ofício”?

O médico João Lobo Antunes responderia que não. Ele interessou-se, ao longo da sua vida, por tudo aquilo que é humano, o que engloba não só os conhecimentos especializados da medicina como a poesia, a literatura e a filosofia. Ele personificou a célebre afirmação de outro grande médico: “O médico que só sabe de medicina, nem de medicina sabe.”

Era bom que os alunos que aspiram a ser médicos pudessem aprender com o seu exemplo.

terça-feira, 24 de março de 2015

Um nome muito estrangeiro



Os Animais Carnívoros

Dava pelo nome muito estrangeiro de Amor, era preciso chamá-lo
sem voz - difundia uma colorida multiplicação de mãos, e aparecia
depois todo nu escutando-se a si mesmo, e fazia de estátua durante um
parque inteiro, de repente voltava-se e acontecera um crime, os jornais
diziam, ele vinha em estado completo de fotografia embriagada, desco-
bria-se sangue, a vítima caminhava com uma pêra na mão, a boca estava
impressa na doçura intransponível da pêra, e depois já se não sabia o
que fazer, ele era belo muito, daquela espécie de beleza repentina e
urgente, inspirava a mais terrível acção do louvor, mas vinha comer às
nossas mãos, e bastava que tivéssemos muito silêncio para isso, e então
os dias cruzavam-se uns pelos outros e no meio habitava uma montanha
intensa, e mais tarde às noites trocavam-se e no meio o que existia agora
era uma plantação de espelhos, o Amor aparecia e desaparecia em todos
eles, e tínhamos de ficar imóveis e sem compreender, porque ele era
uma criança assassina e andava pela terra com as suas camisas brancas
abertas, as suas camisas negras e vermelhas todas desabotoadas.

Herberto Helder

(Herberto Helder morreu hoje, dia 24 de março de 2015. Tinha 84 anos.)

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

António Ramos Rosa

A FESTA DO SILÊNCIO

Escuto na palavra a festa do silêncio.
Tudo está no seu sítio. As aparências apagaram-se.
As coisas vacilam tão próximas de si mesmas.
Concentram-se, dilatam-se as ondas silenciosas.
É o vazio ou o cimo? É um pomar de espuma.

Uma criança brinca nas dunas, o tempo acaricia,
o ar prolonga. A brancura é o caminho.
Surpresa e não surpresa: a simples respiração.
Relações, variações, nada mais. Nada se cria.
Vamos e vimos. Algo inunda, incendeia, recomeça.

Nada é inacessível no silêncio ou no poema.
É aqui a abóbada transparente, o vento principia.
No centro do dia há uma fonte de água clara.
Se digo árvore a árvore em mim respira.
Vivo na delícia nua da inocência aberta.

António Ramos Rosa, Volante Verde.

Ramos Rosa

O poeta e tradutor António Ramos Rosa nasceu em Faro, a 17 de Outubro de 1924, e morreu hoje, 23 de Setembro de 2013. A Biblioteca Municipal de Faro tem o seu nome.

sexta-feira, 11 de maio de 2012

Uma cidade, vista e tocada ao piano por Bernardo Sassetti

Morreu hoje o compositor e pianista Bernardo Sassetti.

Em jeito de homenagem, eis um excerto da excelente banda sonora composta por Bernardo Sassetti para o filme Alice, de Marco Martins.

Bernardo Sassetti

domingo, 9 de agosto de 2009

Raul Solnado: “Sff, minha senhora, é aqui que é a guerra?”

O actor e humorista Raul Solnado faleceu sábado de manhã no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, aos 79 anos. O funeral foi hoje em Lisboa. Segundo o jornal Público, quando o carro funerário chegou à entrada do cemitério dos Olivais várias centenas de pessoas bateram palmas. Merecidas, sem dúvida!

Aires Almeida publicou, no Crítica: blog, um texto chamado A natureza do humor em que esboçou as “três principais teorias filosóficas sobre a natureza do humor: a teoria da superioridade, a teoria da incongruência e a teoria da libertação”.

Leia o texto e tente classificar o humor de Raul Solnado, nomeadamente o humor do genial sketch “A guerra de 1908”, que pode ouvir no vídeo – superioridade, incongruência ou libertação?

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

A injustiça da morte: uma história de M. S. Lourenço

Há anos atrás, M. S. Lourenço escreveu no semanário O Independente várias crónicas chamadas Os Degraus de Parnaso, depois publicadas em livro com o mesmo nome.

Na crónica que mais gostei (e cujo título infelizmente não recordo) descreveu uma situação ocorrida em Angola, na Guerra Colonial. Recordo que, em poucas linhas, descreve magistralmente o sufocante calor africano e a sua atrapalhação por ter de comandar um posto militar, já que o capitão que tinha essa responsabilidade metera baixa (por motivos psicológicos, se bem me lembro) e ele era o oficial mais graduado.

M. S. Lourenço conta que um dia, após o almoço, estava ele mergulhado na leitura de um livro, um grupo de pessoas se aproximou inesperadamente do posto militar, fazendo muito barulho e atirando algumas pedras. Os soldados de sentinela (assustados, confundidos pelo calor, pelo barulho e pela poeira) julgaram tratar-se de um ataque e dispararam alguns tiros.

Perceberam depois que se tratava de um grupo de homens, mulheres e crianças a quem um missionário evangélico qualquer dissera que na Bíblia estava escrito que os portugueses não deviam estar em África. Aquelas pessoas tinham ido, portanto, explicar aos soldados portugueses que se deviam ir embora. Iam de Bíblia na mão e entoando ruidosos e frenéticos cânticos. Não estavam armadas. Não era um ataque!

Havia diversos mortos e feridos. M. S. Lourenço ajudou o médico a tratar dos vivos e dos mortos. Quando terminaram, horas depois, o médico disse. “Não acredito na ressurreição dos mortos. Mas agora vejo que é uma ideia justa.”

o filósofo M.S. Lourenco

M. S. Lourenço morreu no sábado: 1 de Agosto de 2009. Além de filósofo, foi professor de Filosofia, poeta e tradutor. Dedicou a maior parte do seu trabalho à Lógica e à Filosofia da Matemática. Embora muitos dos seus trabalhos não sejam acessíveis a não especialistas, vale a pena espreitar a sua página pessoal - M. S. Lourenço.

(Mais informações na revista Crítica e aqui e aqui.)

domingo, 2 de agosto de 2009

Em homenagem ao professor M. S. Lourenço

estradadavida

Fernando Taborda, Estrada da Vida, 1954.

(A fotografia foi tirada deste sítio.)

Li as traduções de textos filosóficos que o professor M. S. Lourenço fez, alguns dos textos que escreveu e aprendi com ele. Surpreendeu-me o seu súbito desaparecimento.

Fica, para todos os que se interessam em Portugal pela Filosofia, a obra e também o exemplo (ler aqui).

terça-feira, 30 de junho de 2009

Em homenagem a Pina Bausch

A dança está em todo o lado…

Pina Bausch

Pina Bausch (1940 -2009) era uma bailarina e coreógrafa alemã.