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domingo, 5 de abril de 2020

Um dilema ético gerado pela covid-19

«Imagine-se que amanhã chegam três pacientes em estado grave a um hospital com recursos escassos: um rapaz de 15 anos com diabetes, uma mãe de 25 anos sem historial de doenças e um avô com 80 anos. Por causa do novo coronavírus, eles estão a lutar pela vida e só nos resta um ventilador. A quem o devemos administrar? Qual é a acção correcta? Este não é um cenário meramente ficcional de uma aula teórica de ética; é algo que já está a acontecer em Itália, Espanha e, em breve, é provável suceder em Portugal.
Como possível resposta para esse dilema ético, há duas teorias éticas rivais: o consequencialismo das regras e a deontologia. Essas duas teorias aceitam que uma acção é moralmente correcta se, e só se, não infringir as regras morais correctas. Onde há desacordo é na concepção e fundamentação do que são “regras morais correctas”. Para o consequencialista das regras, tudo o que importa para determinar a correcção moral de uma determinada regra são as suas consequências, ao passo que, para o deontologista, há regras morais que não podemos quebrar mesmo que tenham as melhores consequências.
Por um lado, de acordo com o consequencialismo das regras, com raízes em Stuart Mill, as “regras morais correctas” são aquelas que, a serem adoptadas por todas ou quase todas as pessoas, mais promovem o bem de uma forma imparcial no máximo grau possível. Assim, devemos seguir aquelas regras que têm as melhores consequências. Para sabermos se uma regra moral é correcta, devemos imaginar como seria o mundo se todos ou quase todos a aceitassem. Se descobrirmos que a aceitação geral de uma regra seria prejudicial para a promoção do bem geral, teremos de considerá-la incorrecta. Mas se entendermos que a sua aceitação geral teria um impacto muito positivo no bem geral, então poderemos considerá-la correcta.
Por outro lado, de acordo com o deontologismo, com raízes em Kant, as “regras morais correctas” são (1) aquelas que podemos querer que sejam adoptadas universalmente e (2) aquelas que nos levam a tratar as pessoas como fins e não como meros meios. A ideia da cláusula (1) não consiste em ver se teria boas ou más consequências que todos agissem de acordo com uma determinada regra. Consiste, antes, em mostrar se é ou não possível todos agirem segundo uma tal regra. Já a cláusula (2) salienta que, seguindo uma regra moral correcta, nunca poderemos manipular as pessoas, ou instrumentalizá-las para alcançar os nossos objectivos.
Seguindo essas teorias éticas, que regra devemos adoptar para solucionar o dilema ético inicial? A quem devemos administrar o nosso único ventilador? Em Itália adoptou-se a seguinte regra para resolver esses casos: dar prioridade àqueles doentes com maior probabilidade de sucesso e esperança de vida. Mas será essa uma regra moral correcta, de acordo com as teorias acima descritas?
Podemos dizer que sim. Pois, por um lado, seguindo a ética consequencialista das regras, se violarmos essa regra e adoptarmos uma regra alternativa em que aplicamos o nosso único ventilador ao doente que tem menos probabilidade de recuperar, gera-se um estado de coisas que tem piores consequências: nessa situação é provável que todos morram. Por outro lado, seguindo a ética deontológica, pode-se argumentar que naquela situação de recursos escassos é possível todos agirem de acordo com a regra adoptada pela Itália e, além disso, será implausível defender que, ao adoptar-se uma tal regra, estamos a “instrumentalizar” as pessoas com menos probabilidade de sucesso de recuperação para alcançar os nossos objectivos. Simplesmente, dada a situação ilustrada pelo nosso dilema inicial, seria impossível dar a mesma assistência médica aos três doentes. Portanto, as duas principais tradições rivais da ética acabam por concordar nesta situação trágica.»

Domingos Faria, Jornal Público, 5 / 4 / 2020


segunda-feira, 10 de junho de 2019

A moralidade muda

Dave Robinson, Ética no Quotidiano – Guia Prático

«A moralidade é passada de geração em geração sem ser muito questionada. Mas pode mudar. Em tempos, a maioria das pessoas pensava que nada havia de errado em observar um urso a ser despedaçado por uma matilha de cães – dava um esplêndido dia de lazer para toda a família. Hoje, ficamos mais alarmados e perturbados com a crueldade desnecessária com os animais e pensamos que a perseguição aos ursos é uma coisa errada. Muitos de nós hoje pensam que a caça à raposa é provavelmente também cruel. E a maioria das pessoas deixou de pensar que a homossexualidade é perversa. Parece que a sociedade progrediu. Mas não há razão para nos tornarmos demasiado complacentes. Os seres humanos não estão necessariamente a ficar demasiado agradáveis, ano após ano. Ainda fazemos coisas más. E continuam a surgir novos problemas morais com que não sabemos lidar. Deveríamos permitir que o governo prendesse as pessoas sem julgamento, no caso de serem terroristas? Deveríamos permitir que torturassem suspeitos para obter mais informações?

Então, porque mudam desta maneira as crenças morais? De onde vêm, já agora?»

Dave Robinson, Ética no Quotidiano – Guia Prático, Gradiva, Lisboa, maio de 2019, pp. 9-10.

Algumas pessoas consideram que, dos factos referidos por Dave Robinson, se infere que a moral é relativa. Mas não é o caso do próprio autor: após a passagem citada ele acrescenta que dizer que as crenças morais vêm da sociedade “é a resposta fácil”.

Vale a pena ler mais!

https://www.gradiva.pt/catalogo/46314/etica-no-quotidiano

quarta-feira, 20 de março de 2019

O dever de ajudar


Este argumento não foi escrito a propósito de Moçambique e das cheias que já mataram mais de 200 pessoas e deixaram milhares de outras a precisar de ajuda urgente. Mas podia ter sido. Chamo a atenção para a terceira premissa.

Primeira premissa: O sofrimento e a morte por falta de alimento, abrigo e cuidados médicos são maus.
Segunda premissa: Se está em seu poder impedir que algo mau aconteça, sem sacrificar nada de importância semelhante, é errado não o fazer.
Terceira premissa: Ao contribuir para organizações humanitárias pode prevenir o sofrimento e a morte por falta de alimento, abrigo e cuidados médicos, sem sacrificar nada de importância semelhante.
Conclusão: Se não fizer contribuições a organizações humanitárias está a fazer algo de errado.

Peter Singer, A Vida Que Podemos Salvar, Gradiva, Lisboa, 2011, pp. 31–32.

domingo, 22 de janeiro de 2017

Ética automóvel

A programação de carros autónomos coloca problemas morais similares ao célebre problema do trolley. Como se pode ler no jornal Observador: “Os carros autónomos vão ser programados para escolher quem atropelar em caso de acidente inevitável. Uma grávida ou um idoso? Um rico ou um pobre? Um peão ou dez?”

Na sua opinião como deve um carro desses ser programado? O Instituto de Tecnologia de Massachusetts, mais conhecido por MIT, criou um site chamado Moral Machine em que são apresentadas situações em que assumimos a posição de um automobilista prestes a ter um acidente e em que temos de decidir o que fazer: atropelar um adulto ou uma criança, uma pessoa ou duas, etc.

Segundo o Observador, “o MIT já tem em seu poder milhões de respostas, oriundas de 160 países”, podendo-se concluir que a maioria dos indivíduos se inclina em favor do mal menor. Parece que a maneira como as pessoas responderem aos dilemas éticos apresentados em Moral Machine serão tidas em conta pelos programdores dos automóveis. 

Quem disse que as teorias e discussões filosóficas não têm consequências práticas?

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

O eléctrico desgovernado: discussão de um dilema moral

trolley-problem-1
Situação 1.
O dilema do troléi 1
Situação  2.
O eléctrico desgovernado 2

1. Na tua opinião, o que seria correto fazer na situação 1 e na situação 2?
2. Como justificarias a tua decisão em cada uma das situações?
3. Haverá uma diferença relevante entre ambas as situações? Porquê?



terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Não vender a alma ao diabo

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A independência de espírito, o sentido crítico e a integridade moral são bens raros (e a crise torna-os ainda mais escassos). Porém, felizmente, podem ainda encontrar-se nalguns seres humanos.

No contexto do estudo da teoria ética de Kant, a minha aluna Inês Marcelino (do 10º D) enviou-me algumas excelentes imagens e cartoons que irei publicar neste blogue, esta é primeira delas.

Muito obrigada Inês!

quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

A dor e a morte são boas

leoa atacando zebra

«O mundo natural, como é efectivamente constituído, é um mundo em que um ser vive à custa de outros. Como disse Paul Shepard, “a estrutura da natureza é uma sequência de atos de matar”. Cada organismo, para usar a metáfora de Darwin, luta para manter a sua própria integridade orgânica. Os animais mais complexos parecem experienciar (a julgar pelo nosso próprio caso e raciocinando por analogia) estados psicológicos apropriados e adaptativos que acompanham a existência orgânica. Há uma paixão manifesta pela auto-preservação. Há desejos, prazer com a satisfação dos desejos, uma agonia intensa que acompanha os danos físicos, frustração e um medo crónico da morte. Mas estas experiências são a substância psicológica da vida. Viver é estar ansioso com a vida, sentir prazer e dor numa mistura apropriada e morrer mais cedo ou mais tarde. É assim que o sistema funciona. Se a natureza como um todo é boa [como sustenta a Ética da Terra], então a dor e a morte também são boas.»

J. Baird Callicott, “Uma Questão Triangular” in Os animais têm direitos? – Perspectivas e Argumentos, organizado e traduzido por Pedro Galvão, Dinalivro, Lisboa, 2011, pp. 167-168.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Flor do deserto: guião de análise do filme


Título original do filme: Desert Flower
De: Sherry Horman
Com: Liya Kebede, Sally Hawkins, Anthony Mackie, Timothy Spall
Género: Drama
GB, 2009, Cores,
O filme, Flor do deserto, é baseado na história da modelo somali Waris Dirie.  Ela nasceu numa família nómada da Somália  e  foi submetida a uma prática vulgar no seu país e em vários outros, chamada mutilação genital feminina ou excisão. Mais tarde, quando se tornou conhecida internacionalmente, escreveu um livro e tornou-se uma activista contra essa tradição cultural.
Após o visionamento do filme, responda às seguintes questões:

1. Dê três exemplos que ilustrem as diferenças existentes entre a cultura inglesa e a da Somália.
2. Enuncie dois juízos morais, cujo valor de verdade seja diferente para uma pessoa que aceite o código moral dominante na sociedade inglesa e uma que aceite o código moral na sociedade somali.
3. Com base em que valores da cultura somali se justifica a prática da excisão?
4. De acordo com os valores morais dominantes nos países europeus, como é avaliada, do ponto de vista moral, a prática da excisão?
5. Na sua opinião, haverá ações que possam ser moralmente boas ou más, independentemente do contexto cultural? Porquê?
6. Indique duas passagens do filme que justifiquem a seguinte afirmação: a defesa das ideias do relativismo moral e cultural conduz ao conformismo.
7. Ao condenar a prática da excisão no seu país, a modelo somali admite que os valores morais dependem apenas da cultura? Porquê?
8. A defesa dos direitos humanos e do relativismo serão compatíveis? Justifique.
9. Explique o significado do título atribuído ao filme: "Flor do deserto".
10. Gostou do filme? Explique porquê.
A professora: Sara Raposo

domingo, 26 de outubro de 2014

Porque não devemos chamar "bárbaros" aos fanáticos islâmicos

 estado islâmico fanatismo religioso

Nos últimos meses, perante as atrocidades cometidas por grupos islâmicos fanáticos como o Estado Islâmico e o Boko Haram, vulgarizou-se nas redes sociais e até na imprensa o uso da palavra “bárbaro”. Julgo que a crítica é correta mas que a palavra escolhida para a exprimir é errada.

Os gregos antigos e os romanos chamavam “bárbaros” aos estrangeiros. A palavra grega que se traduz por “bárbaro” significava “aquele que fala como os animais”. Ou seja: quem não falava grego, quem não era grego, era considerado inferior aos gregos e visto como sub-humano. Julgar que a cultura dos outros povos é inferior à nossa, julgar que aquilo a que estamos acostumados é superior àquilo a que não estamos acostumados, é uma atitude pouco inteligente mas frequente na história da humanidade. Nas ciências sociais é conhecida por etnocentrismo.

Apesar da maioria das pessoas não saber a história da palavra, quando se diz “bárbaro” cria-se geralmente a ideia de que estamos a criticar um costume estrangeiro. Ora, o que há de errado nas acções do Estado Islâmico e do Boko Haram não é o facto de não serem portuguesas, europeias ou ocidentais, mas sim o facto objectivo de serem atrocidades que violam os direitos humanos e prejudicam as pessoas direta e indiretamente atingidas. Se forem realizadas por portugueses não serão menos más.

Sendo assim, o facto de, por exemplo, a tourada ser uma tradição portuguesa não a torna mais benigna nem a impede de ser criticada - nem por portugueses nem por estrangeiros. E caso um estrangeiro a critique este não será um bárbaro, mas alguém que se preocupa com os animais não humanos.

domingo, 9 de fevereiro de 2014

Discussão de um dilema moral: qual seria a ação correta?

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Fotos dos personagens reais. Mais informações acerca dos factos descritos podem ser consultadas AQUI.

«Consideremos agora um dilema moral verdadeiro (…):

Em junho de 2005, uma equipe formada pelo suboficial Marcus Luttrell e mais três seals (como são conhecidos os integrantes da Sea, Air, Land [Seal], força especial da Marinha dos estados Unidos para operações em mar, ar e terra) partiu numa missão secreta de reconhecimento no Afeganistão, perto da fronteira com o Paquistão, em busca de um líder do Talibã estreitamente ligado a Osama bin Laden. Segundo relatórios do serviço de inteligência, o alvo da missão comandava de 140 a 150 combatentes fortemente armados e estava num vilarejo numa região montanhosa de difícil acesso. Pouco depois de a equipe ter se posicionado numa colina com vista para o vilarejo, apareceram à sua frente dois camponeses afegãos com cerca de cem ruidosas cabras. Chegaram acompanhados de um menino de aproximadamente 14 anos. Os afegãos estavam desarmados. Os soldados americanos apontaram os rifles para eles, sinalizaram para que se sentassem no chão e, só então, começaram a discutir sobre o que fazer com eles. Por um lado, os pastores pareciam ser civis desarmados. Em contrapartida, deixá-los seguir adiante implicaria o risco de informarem os talibãs sobre a presença dos soldados americanos.

Os quatro soldados analisaram as opções, mas deram-se conta de que não tinham uma corda, então não seria possível amarrar os afegãos para ganhar tempo até encontrar outro esconderijo. As únicas opções eram matá-los ou deixá-los partir.

Um dos companheiros de Luttrell sugeriu que matassem os pastores: “Estamos em serviço atrás das linhas inimigas, enviados para cá por nossos superiores. Temos o direito de fazer qualquer coisa para salvar a nossa vida. A decisão militar é óbvia. Deixá-los livres seria um erro.”

Luttrell estava dividido. “No fundo da minha alma, sabia que ele tinha razão”, escreveu mais tarde. “Não poderíamos deixá-los partir. Mas o problema é que tenho outra alma. A minha alma cristã. E esta estava prevalecendo. Alguma coisa não parava de sussurrar do fundo da minha consciência que seria errado executar a sangue-frio aqueles homens desarmados.” (…) »

Michael Sandel, o texto foi retirado daqui (Crítica, revista de filosofia), onde pode ser lido na íntegra (em português do Brasil).

 

1. Na tua opinião, o que seria correto fazer nesta situação?

2. Como justificarias a tua decisão?

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

A guerra: um olhar diferente

"Sem conter qualquer tipo de violência, o vídeo gravado, através de uma câmara presa ao soldado, pretende transmitir uma forte mensagem sobre a visão que os soldados têm da guerra e sobre os seus sentimentos."

Ler mais: AQUI.

domingo, 6 de outubro de 2013

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Os chimpanzés e orangotangos têm personalidade, tal como nós

chimpanze abraça leopardo     chimpanze

«[Conclusão de um] Estudo: Os chimpanzés e orangotangos têm, de facto, personalidades, e estas são semelhantes às humanas.

Uma investigação publicada na revista Animal Behaviour revelou que, numa análise da personalidade de chimpanzés e orangotangos individuais a partir de observações feitas por diferentes humanos, a eliminação da variabilidade individual devida ao observador não alterou as conclusões sobre as características dos animais, sugerindo que os humanos envolvidos no estudo não projetaram as suas ideias ao avaliar o caráter dos primatas.»

Leia mais na Naturlink.

Estes dados são relevantes para a discussão filosófica dos direitos dos animais não humanos, nomeadamente porque sugerem que, além de sofrimento físico, alguns animais não humanos podem sentir sofrimento psíquico.

domingo, 11 de agosto de 2013

Tem que se fazer justiça, nem que o céu desabe

“Os prejuízos que alguns possam enfrentar devido à dissolução de alguma prática ou instituição não serve para defender que permitamos a sua manutenção. Ninguém tem o direito a ser protegido de prejuízos se a proteção em questão envolver a violação dos direitos dos outros. Ninguém tem o direito a ser protegido pela manutenção de uma prática injusta, que viola os direitos dos outros. Tem de se fazer justiça, nem que o céu desabe.”

Tom Regan, The Case for Animal Rights

(Citado por Carl Cohen, no ensaio “Os animais têm direitos?”, do livro Os animais têm direitos? – Perspectivas e Argumentos, organizado e traduzido por Pedro Galvão, Dinalivro, Lisboa, 2011, pág. 66).

touro de fogo em espanha

Segundo Tom Regan, não são apenas os seres humanos que têm tais direitos mas também muitos animais não humanos. As duas principais questões que lhe podemos colocar são:

Os animais não humanos terão realmente direitos?

Haverá direitos absolutos e invioláveis?

(Informações sobre os touros de fogo aqui.)

terça-feira, 28 de maio de 2013

Eutanásia: dois exemplos de sofrimento intenso e incurável

Homem Coco Gritar

«Jack tinha um melanoma na barriga, um tumor sólido maligno que os médicos pensavam ser do tamanho de uma bola grande de beisebol. O cancro começara alguns meses antes com um pequeno tumor no seu ombro esquerdo e, a partir de então, fora submetido a várias cirurgias. Os médicos planeavam extirpar o tumor grande, mas sabiam que Jack morreria em breve. O cancro disseminara-se por metástases – espalhara-se até já não ser possível controlá-lo.

Jack era bem parecido, corajoso e tinha cerca de 28 anos. Sofria de dores constantes e o seu médico receitara uma injecção intravenosa de um opiato – um medicamento contra as dores, ou analgésico – de quatro em quatro horas. A mulher de Jack passava a maior parte do das horas do dia com ele e ficava sentada ou deitada na sua cama e dava-lhe palmadinhas em todo o corpo, como se costuma fazer às crianças, só que de forma mais metódica, e isso parecia ajudá-lo a controlar a dor. Mas, de noite, depois da sua linda mulher se ter ido embora (as mulheres não podem passar a noite na Clínica) e de a escuridão se instalar, a dor atacava sem piedade.

À hora determinada, uma enfermeira dava a Jack uma injecção do analgésico (…) e isso aliviava-lhe as dores durante duas horas ou talvez um pouco mais. Depois, começava a gemer, ou a chorar, muito baixo, como se não quisesse acordar-me. [Esta descrição foi escrita por um doente que partilhou um quarto de Hospital com Jack.] Por fim, começava a uivar, como um cão.

Quando isto acontecia, ele ou eu tocávamos à campainha, chamando uma enfermeira, e pedíamos um analgésico. Esta dava-lhe codeína, ou algo semelhante, por via oral, mas o resultado era praticamente nulo – não lhe provocava mais efeito do que metade de uma aspirina ministrada a um homem que tivesse acabado de partir um braço. A enfermeira explicava-lhe sempre, num tom tão animador quanto possível, que não faltava muito para a próxima injecção intravenosa – “agora, já só faltam cerca de 50 minutos”. E, invariavelmente, os gemidos e uivos do pobre Jack tornar-se-iam mais altos e frequentes até que, por fim, vinha o alívio abençoado. (…)

***

A 24 de Fevereiro, o filho do casal H. T. Houle morreu (…) na sequência de uma operação cirúrgica de emergência ordenada pelo tribunal. A criança nascera a 9 de Fevereiro, horrivelmente deformada. Tinha malformações em todo o lado esquerdo; não tinha olho esquerdo, faltava-lhe praticamente a orelha esquerda, tinha a mão esquerda deformada; algumas das suas vértebras não estavam fundidas. Além disso, sofria de uma fístula traqueo-esofágica e não podia ser alimentada pela boca. O ar escapava-se-lhe para o estômago, em vez de seguir para os pulmões, e o fluído gástrico subia para os pulmões. Como referiu o Dr. Andre Hellegers, “Não é preciso grande imaginação para pensar que haveria mais deformações internas…”

Com o passar dos dias, o estado da criança piorou. Surgiu uma pneumonia. Os seus reflexos tornaram-se mais fracos e, devido à circulação deficiente, surgiram suspeitas de lesões cerebrais graves. A fístula traqueo-esofágica, a ameaça imediata à sua sobrevivência, pode ser corrigida com relativa facilidade mediante cirurgia. Mas, tendo em atenção as complicações e deformidades associadas, os pais recusaram-se a dar autorização para a intervenção cirúrgica. Vários médicos (…) tinham uma opinião diferente e apresentaram o caso em tribunal. O Juiz (…) ordenou que se realizasse a cirurgia. Foi este o teor da sua decisão: “No momento do nascimento com vida, existe um ser humano que tem o direito à mais ampla protecção legal. O mais fundamental de todos os direitos de que goza qualquer ser humano é o direito à própria vida”

Eutanásia – As questões morais,  Organização de Robert Baird e Stuart Rosenbaum, Bertrand Editora, 1997, pp. 9-11.

Jack tinha uma doença incurável e dores muito intensas. Recorrer à eutanásia, caso ele a tivesse solicitado, teria sido moralmente correcto ou incorrecto? E se ele não a tivesse solicitado?

O casal H. T. Houle não autorizou a cirurgia que prolongaria a vida e o sofrimento do seu filho. (A não realização dessa cirurgia constituiria que tipo de eutanásia?) O Juiz ordenou a realização dessa cirurgia. Quem agiu correctamente?

terça-feira, 30 de abril de 2013

Há guerras justas?

Da disciplina de Ciência Política (uma opção do 12º ano, nos cursos científico humanísticos) faz parte a discussão de problemas filosóficos, um exemplo disso é o problema da guerra. Se quiserem saber mais sobre o assunto, podem consultar o blogue Homo politicus, em que disponibilizo os recursos utilizados nessas aulas.

Um exemplo de uma actividade é a que se segue.

No dia 1 de Setembro de 1939, os alemães invadiram a Polónia. Dois dias mais tarde, a França e a Grã Bretanha declararam guerra à Alemanha, inicia-se assim a  2ª Guerra Mundial.

Dois políticos ingleses, o chefe de Estado (o rei Jorge VI) e o primeiro ministro (Winston Churchill)  proferiram dois discurso históricos, explicando à população os motivos que levavam o país a entrar neste conflito.

Serão os argumentos a favor da guerra, presentes nestes discursos, aceitáveis do ponto de vista ético?