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segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Sonhos de Outrora II *sangue às paredes*

O imenso Troll desmaiara em meio ao bosque, pouco depois de ambos constatarem o quanto já se haviam afastado daquele castelo de pedras negras e frias. Seus ferimentos o tinham vencido, ao menos pelo resto daquela tarde, e ele agora jazia caído ao lado da bela elfa que tanto lutara para salvar. A Sidhe vertia lágrimas, vendo o quão machucado aquele corpo estava e o quanto o esforço de ir resgatá-la havia custado ao seu amado guardião azul. Ele estava tão diferente de como ela se lembrava, mas tinha certeza de quem era. Aqueles toques, aquele abraço e aquele beijo intenso que partilharam em meio à escuridão abafada dos calabouços, que ela jamais esqueceria. Ele finalmente viera salvá-la daqueles captores horrendos, daquela prisão que conseguira quebrar-lhe a vontade. Levava uma mão ao peito, sentindo o pequeno corte onde teria cravado a adaga até o fundo, desistindo de tudo e todos, se ele a tivesse alcançado talvez dois segundos depois.

- Você veio... tanto tempo eu esperei... achava que não havia mais como. Que poderia me ter esquecido, amado. Que poderia não mais alcançar-me e nossas juras de tantas vidas tinham nos abandonado. Me desculpe, meu querido Troll, se eu quase desisti de olhar em teus olhos uma vez mais! Não me deixe só, aqui, por favor levanta e abre teus olhos nesse cair da noite! - O corpo cansado dela desabava sobre aquele tronco imenso, azulado, em meio às súplicas por um suspiro que fosse, dos lábios dele. Quantas batalhas e inimigos não haviam superado juntos, no passado! Ele jamais a abandonara e por tantas vezes se colocara no caminho de qualquer agressor que poderia feri-la. Não haviam tido tempo sequer de conversar e ela sentia tanta falta daquela voz grave e forte do imenso guerreiro. - Por favor, não me deixa sozinha aqui, não de novo... eu não posso mais, meu guardião. Meu amado e feroz caçador. Eu... eu preciso... de você.

Em meio ao soluçar incontido, ela sentia uma mão tocar-lhe as costas e enfim sorria, buscando aqueles olhos de um verde tão profundo e deixando as lágrimas ganharem um tom bem diferente, enquanto se acomodava sobre aquele corpo imenso, marcado e ferido. - Eu nunca a deixei, minha bela dama. Sempre a busquei, mesmo quando não sabia exatamente a quem buscava. - Ele tocava aqueles cabelos e deixava seus dedos grosseiros deslizarem pelo toque tão macio deles... sorria para ela, com os olhos imensos fitando-a, tão feliz de finalmente poder ouvir a voz daquela que tanto sacrificara para encontrar. - Me desculpe se eu demorei, amada Sidhe. Mas precisava antes descobrir quem eu era, para entender o que meu coração sempre buscara, desde o começo. Mas nossas juras, essa promessa que nos une... jamais se apagou... hoje eu entendo porque meu peito estivera sempre tão incompleto. - Aquela grande mão azulada tocava o peito da elfa e o Troll apenas sorria, de um modo tão fraco, sentindo suas forças se esvaindo aos poucos. - Eu não posso continuar, agora... meu corpo se recusa a obedecer... eu... me desculpe, amada Sidhe...

Por um momento ela sentia uma pontada de desespero em vê-lo fechar os olhos, sob as copas daquelas árvores, mas encostava-lhe o ouvido ao peito em meio a um abraço tão forte e apaixonado e podia ouvir o bater daquele coração forte de seu guerreiro. Ele se havia esgotado e ela sabia que ainda poderiam estar sob perigo, mas sussurrava. - Descansa, meu amado... não deixarei que nada lhe aconteça... não agora que finalmente estamos juntos, uma vez mais. - Um som, um estalido em meio ao bosque anunciava que os dois não estavam sozinhos. Ela deixava os olhos percorrerem as sombras daquelas árvores e estreitava-os para enxergar um pouco além, percebendo a movimentação. Não saberia precisar quantos eram aqueles vultos, mas por um momento sentiu que isso não importava. Cansada, maltratada e ainda aturdida, ela alcançava a arma de seu amado Troll, aquela lâmina que atravessara exércitos, levando-o até ela. Precisava das duas mãos para empunhá-la e via o quanto o aço ainda luzia ao brilho do entardecer. Algumas ranhuras ao longo do fio, a ponta quebrada da qual espalhavam-se pequenas rachaduras que aos poucos despedaçariam aquele metal... mas a arma ainda suportaria aqueles golpes. Como tantas vezes antes, se tornava ali uma amazona de olhar selvagem, desafiando quem fosse.

- Por ti, meu nobre guerreiro... - Mordia o lábio inferior, contendo um urro de fúria e deixando a lâmina faiscar contra o chão, correndo para punir aqueles agressores. Contaria um corpo para cada ferida de seu amado. E tinha certeza que não haveriam corpos o suficiente.

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Ao final daqueles riscos de sangue, o anfitrião ainda desenha traços pelas paredes da caverna, sabendo que nunca conseguirá escrever o suficiente, deixando seu imenso punho direito, de pedra, continuar a missão de passar a quem quiser ler o significado de cada uma daquelas batalhas. Mas deixava-se sorrir, para aqueles que tão longe haviam chegado dentro de sua caverna.

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PS1: imagem - Melly de *Hito76

PS2: esse conto é uma continuação do post Sonhos de Outrora

PS3: para quem esperava o segundo capítulo do livro de Lara, já está no blog http://olhosdelara.blogspot.com

terça-feira, 30 de outubro de 2007

Em fuga... *sussurrado por Angelique, à fogueira*

Aquela floresta parecia ainda mais escura, no cair da tarde, do que à noite, propriamente. Era um lugar de lembranças, para aqueles viajantes, para alguns boas, para outros, tão ruins. O Bosque dos Reis deixara de fazer jus ao nome, após poucas centenas de anos, e expandira-se para além daquele pequeno vale. Cobria todo o território, até os agitados Mares Atlânticos. Sufocava o que ainda restava ali dos pés de laranjeiras que antes cresciam às bordas do vale. Eram imensas plantações de frutos coloridos, de quando a nobreza chegara àquelas terras selvagens e tentara domá-las com alguma beleza. Eles haviam deixado o castelo na noite anterior, aproveitando a pálida luz da lua cheia, mas a noite que se aproximava não seria tão gentil. Nuvens tornavam todo aquele céu cinzento e a escuridão viria mais cedo, sabiam disso.

- É idiotice, sabe? Se ninguém pisa pra esses lados do Vale há centenas de anos, o quê diabos viemos fazer aqui? Cacete, dá pra ver que vai dar merda! – a voz estridente e áspera da pequena Fabiana, uma Nocker de pele pálida e bochechas vermelhas, soava como o arranhar de unhas em um quadro negro. Tinha os cabelos de um cobre sujo como o avental, enquanto preocupava-se em fazer funcionar uma bússola que lhes fora dada pelo vizir do castelo, em meio à fuga.

- Pelo mundo dos Acordados, a criança jamais estaria em segurança. E Lady Beatrice nos ordenou que a tirássemos de lá. Lembre-se da Rainha, Fá... – Edgar, o imenso troll de pele azulada e cabelos encaracolados, negros, parava ao lado da pequena ruiva e parecia grande demais para serem realmente enamorados. Trazia sentada ao ombro direito uma menina que não poderia ter mais de 12 anos de idade, uma Sidhe de cabelos dourados, tão longos e cheios que algum desavisado poderia achar que seu guardião era, na realidade, loiro. O homenzarrão trajava uma placa peitoral polida, simples, sem qualquer brasão, calças cargo, bem largas, cheias de bolsos e tênis Adidas, pretos. – Não esqueça que o vizir nos mandou seguir para leste.

- Tá, eu sei! Acha que eu não lembro, porra? Mas essa bosta de bússola não funciona e não veio com garantia, tá bom? – Fabiana se aborrecia, o rosto ainda mais vermelho q o normal, e berrava impropérios com o aparato – Funciona, putaquepariu!!!! Eu vou te desmontar em pedaços, sua merda arcaica! – achava uma pedra um pouco maior, entre duas árvores, e erguia a bússola no alto prestes a quebrá-la contra a rocha.

- Espera... ela girou... – aquela voz soava repentinamente, por trás da jovem inventora, assustando-a como de costume... olhava por sobre o ombro, de soslaio, e via o andarilho cinzento observando a bússola. Ele jamais emitia qualquer som, mesmo em meio ao bando de folhas secas em que pisavam. Era um elfo, como a menina aos ombros do mostruoso ser azul, mas parecia ainda mais pálido que ela. Tinha os cabelos castanhos bem arrepiados, curtos, e uma expressão sempre serena. Não trajava armadura alguma, apenas um sobretudo marrom, mas tão desbotado que a um olhar mais distraído faria-lhe parecer um médico. De cada lado da cintura, pendiam os coldres de duas espadas longas, esguias como ele mesmo. – É pra lá...

O troll apenas suspirava, ao ver a amada mostrar a língua para o elfo andarilho, que se afastava na direção certa. Em seguida trazia a bússola à altura dos olhos e sorria, faceira, com um ar vitorioso. – Só precisava tomar um susto, né? – Guardava-a no grande bolso do avental, levantando o rosto e sorrindo para o imenso namorado, antes de seguir o guerreiro silencioso, Rogério, que embrenhava-se ainda mais naquela mata espessa, ainda sem fazer qualquer ruído.

A menina, Catarina, via tudo de um pouco mais alto e seus olhos azuis bem claros foram os primeiros a notar aquela aproximação... abaixava-se, abraçando aquele grande pescoço azul, assustada. Algumas das grandes árvores mais à frente deles começavam a perder sua cor, como se definhassem, deixando-se mostrar pelo que realmente eram: meros reflexos de prédios, casas, postes e construções, projetando-se no Sonho. O troll logo erguia melhor a cabeça e também podia ver aquele mudar, sentindo uma brisa muito fria começar a soprar pelo Bosque.

- Rô... ele está aqui... – o vento frio vinha agora com cheiro de húmus, soprando pedaços de galhos e folhas secas, quebradiças, na direção dos quatro... algo se movia, muito à frente, mas já visível aos dois guerreiros. O elfo parava, alguns passos à frente, a mão esquerda instintivamente alcançando a empunhadura de uma das espadas à cintura.

- Chega a ser difícil acreditar... – o Sidhe falava, naquele tom altivo, típico de sua raça – Ele pode profanar mesmo o próprio Sonho. Eu imaginava que ele teria perdido a capacidade de cruzar o véu... Lady Beatrice estava errada, afinal. – Aquele ser se aproximava, arrancando a cor e a beleza de tudo que o rodeava, trazia, ele também, uma espada já na mão esquerda. Aeglos, a “Ponta de Gelo”, fora uma arma belíssima, em seu tempo... a lâmina transparente tinha um brilho próprio, emitia um frio agradável, bem diferente daquele que agora parecia se deixar sentir nos ossos deles. O gelo que formava a arma havia enegrecido, deixando surgir rachaduras e lanhos ao longo da superfície.

- Não sei se vocês perceberam, mas estão perto demais da costa... caminham em meu território... achei que tínhamos um trato, não? – A voz daquele jovem era rouca, como o farfalhar de folhas no outono. – Mas lhes dou passagem, sem qualquer preço... afinal, estou diante da princesa da Primavera. – Aquele vulto negro abria um sorriso canhestro, aproximando-se ainda mais, deixando-se notar, à fraca luz. Era um rapaz de pele bem clara e cabelos negros, que misturavam-se a pêlos de gato, da mesma cor. Acima da cabeça, sobressaía um par de grande orelhas angulares, enquanto das costas, deixava-se notar o rabo felino, serpenteando por entre folhas de outono, que pareciam segui-lo, ou cair de seu pêlo.

- Não sabíamos que o trato se estendia ao Sonho, cavaleiro do outono. – A voz do troll retumbava por aquelas árvores e sombras. – Sequer achávamos que seria possível você chegar a este lugar, ou teríamos tomado outro caminho.

- Sabe... – O garoto deixava aqueles olhos, as pupilas cortadas na vertical, pela íris, examinarem bem seus antigos colegas. – ... até aí eu não imaginava que a Bia deixaria vocês atravessarem o portal do castelo. Afinal, há muito que pisar nos Sonhos do reino de Santa Cruz é proibido, a todos nós. Mas se bem me lembro, a corte perdeu uma certa pedra... VOCÊS perderam uma pedra... muito legal. – Ria, baixinho, rouco, rodeando-os.

- VOCÊ!!! Ah, seu escrotinho, foi você quem pegou a Pedra, né? Você tá fodido, se eu te agarro! – Fabiana enfurecia, uma vez mais, olhando no fundo daqueles olhos cínicos.

- Nada, menina... mas vocês nunca se perguntaram se ela não podia ir parar em mãos erradas? E se com o poder dela, uma cria do outono poderia vir corromper seu lindo Sonho? – Eles olhavam em volta e podiam notar sombras se movendo, o frio daquele lugar aumentando. A jovem princesa segurava-se com mais força ao guerreiro azul, como se tentasse buscar algum calor...

- Mas você não saberia usar a Pedra! O único de nós que conseguia era o Thiago... e você... o deixou esquecer... e morrer... – Rogério sacava as duas espadas, ainda sem emitir qualquer ruído, exceto pela própria voz. Estavam cercados... aquelas sombras se assemelhavam a imensas panteras, mas com cabeças de gatos... toda a cor que tinham estava nos olhos, sempre amarelos, grandes, em meio ao Bosque. Fabiana sacava do bolso o celular, discando as teclas 1-9-0, deixando o dedão sobre o “Send”.

- Mas como eu disse, vocês não podiam saber que eu estaria aqui, então podem passar... EU não farei nada com vocês, tá bom? – O Pooka corrompido deixava-se desaparecer entre as sombras e apenas a voz continuava, entre as árvores, casas e postes. – E tem razão, orelhudo, eu não poderia usar a Pedra... mas vocês conhecem o Eshu Cabeça-de-Palha, eita velho porreta! – Aquela risada de escárnio ecoava, enquanto as sombras saltavam sobre os aventureiros e a princesa infante, irrompendo em uma luta furiosa.

segunda-feira, 8 de outubro de 2007

Sonhos de Outrora *sangue às paredes*

Ele avançava... apesar de todos os ferimentos, avançava resoluto. A seta ainda cravada no ombro esquerdo, da qual apenas quebrara a haste para não deixar-se sangrar demais, se a arrancassem de sua carne. Não sabia mais dizer o quanto do que sentia escorrer pela armadura lanhada e sobre a pele era suor, seu sangue ou o sangue daqueles seres vis. Mas começara a correr e, pelos instantes que se seguiram, seus músculos esqueceram toda a dor. A espada, apesar da habilidade e força dos artesões que a tinham forjado, jamais deveria ter suportado tanto. Ainda brilhava, com uma resiliência que refletia a dos olhos do guerreiro furioso... a ponta do aço, já com algumas ranhuras, ameaçava ir rachando-se a cada novo golpe.

Ele urrava, espantando a dor. As muralhas daquele pátio ensangüentado ecoando sua voz, dando-lhe impulso para cada novo golpe. Tudo parecia reverberar, da armadura às pedras que formavam o chão... desafiava cada novo inimigo com o olhar feroz, mas aqueles jamais recuariam em medo. Não conheciam aquele sentimento na pele, pois era dele que alimentavam-se. O corpo cansado que avançava em meio a eles, já tendo abandonado pedaços da armadura antes mesmo de alcançar os portões. Aquele homem arfava, sentindo a morte tão de perto, mas não nutria aqueles seres por um segundo sequer. Seus olhos não traziam medo, apenas aquela fúria, alimentada por um amor que tais demônios desconheciam. Nem seus Mestres lembravam-se de tê-lo visto, até aquele momento... não sabiam quem era aquele que cruzara o pátio deixando atrás de si um rastro de seus serviçais e das flechas que ainda resvalavam no que restava de sua armadura e escudo. Do alto da torre, após tanto tempo, aqueles olhos cruéis temeram o brilho de uma lâmina.

O estrondo do grande portal interno de madeira abrindo-se e estilhaçando contra as paredes, como se um imenso aríete abrisse caminho para aquele olhar resoluto. Uma multidão daqueles serviçais sombrios, de dedos afiados como navalhas, jogando-se sobre ele, rasgando-lhe a pele, carne e músculos. O homem gritava, caindo de joelhos em meio ao imenso salão, enquanto a lâmina atravessava dois daqueles seres, pelo pescoço do primeiro e até o peito do segundo... seus risos parecendo feri-lo quase tanto quanto as garras. As narinas incendiadas, em uma febre causada pela dor e fúria.

- NÃÃÃO!!!!!!! NÃO DEIXAREI ESTE LUGAR... SEM ELA!!!!!!

Urrava alto, fazendo todos aqueles seres hesitarem por tempo o suficiente para colocar-se de pé e girar a lâmina ao redor, indo de encontro a eles. Girava o corpo, jogando longe o escudo e agora segurando a grande lâmina com as duas mãos. A ponta já quebrada, em uma investida mais violenta a um daqueles crânios... mas a espada resistia. Não o deixaria, em sua missão. Ela já era parte dele, daquele amor intenso que o movia e não deixava o corpo sentir demais aqueles golpes... por todo o imenso castelo, sua dor e sua fúria ecoavam... mesmo até os profundos calabouços... um soluçar baixo era interrompido por aquela voz distante, tão estranhamente familiar.

- NÃO POSSO!!!!!! NÃO FALHAREI!!!!!!

Os corredores manchando-se daquele sangue... do suor. Das lágrimas daquele homem, que deixava a dor tornar-se parte de cada golpe. Como fôra estúpido, em demorar a entender aqueles sonhos... aquela busca que teria de fazer... que percebera tarde demais. Agora ela sofria, ele sequer sabia desde quanto tempo. Sofria, nas entranhas daquela fortaleza. Ele transpunha cada corredor, cada salão com dificuldade. As escadarias punindo suas pernas feridas e cansadas. De um tropeço, rolara por boa parte dos últimos degraus, sem saber onde sua espada fôra parar, em meio à escuridão. Seu olhos ali, tentando acostumar-se à pouca luz. As mãos tateando o chão ensangüentado... era o seu sangue. Agora sim, sentia a dor. Nada ouvia, o corredor estava vazio. E os passos se tornaram tão pesados quanto aquele ar... cambaleava, de encontro às paredes, rumo a uma porta escura. Manchando a pedra com o sangue quente... sentindo o corpo esfriar. As lágrimas correndo de dor e, agora sim, medo.

Do outro lado da porta, aqueles homens esguios, encapuzados, senhores daquele castelo, soltavam os grilhões que prendiam-na. O corpo dela, maltratado, dolorido, fraco, tombando ao chão. Diziam-lhe que sofreria até a morte, que aquela voz furiosa já fôra contida... que ninguém mais viria. Condenavam-na à solidão e murmuravam mantras de uma tristeza vil, sádica. A menina chorava, entregando-se àquelas ameaças... sentindo tudo escurecer. A solidão tomando seus olhos, sua mente, seus temores... ela voltava a soluçar... perdia-se em meio àquelas palavras e levava as mãos a cabeça. Um gesto de misericórdia... um dos Mestres jogava-lhe ao chão uma adaga de lâmina negra e o calabouço ficava novamente vazio. Todos desapareciam em meio à escuridão. Ela estava realmente só... mesmo a respiração que vinha, arfada, do outro lado daquela porta parecia não alcançar a bela dama élfica. Perdida ali, entre pesadelos, tomou a adaga nas mãos... prostrando-se de joelhos, de costas para a porta.

- Eu estou condenada à solidão... a não encontrá-lo... eu...

A ponta da adaga encostada contra os trapos que lhe faziam vestimenta... à altura do peito. Suava, mas a respiração era calma. A decisão não lhe trazia dúvida palpável, ainda que parte dela duvidasse das próprias palavras. Respirava fundo, repetindo para si os mantras vis que aquelas sombras lhe disseram... a voz cada vez mais firme, na certeza do que repetia. Não ouviu a porta abrindo-se com um estrondo, atrás de si... o homem novamente com o olhar resoluto. Enfrentara as sombras daquele último corredor escuro, forçando o corpo a ignorar cada corte que pulsava e a cabeça latejando. Viu-a ali, prostrada. Sim, era ela. A mulher de seus sonhos, de tantas outras vidas suas. Uma nobre elfa, uma fada Sidhe. Os cabelos escorrendo pelos ombros, enquanto os braços fechavam-se, trazendo a adaga contra o peito. Ela buscava aquela última dor, que a livraria de tudo o mais. Sentiu a ponta da adaga ferindo a pele, um fio de sangue correndo-lhe a pele, escorrendo.

Mas a lâmina negra não chegou a perfurá-la mais do que isso. Sentia sobre si o peso daquele corpo enorme. Aquelas mãos imensas segurando seus pulsos, por trás. A pele azulada... os dedos melados de sangue e suor, mas ainda assim conseguindo segurá-la ali... ela soltava a adaga, ao sentir lágrimas quentes tocarem seu ombro. O imenso Troll ainda temendo soltar-lhe os pulsos. Vendo aquela lâmina cruel no chão, começando a desfazer-se. As lágrimas da elfa misturando-se às dele, no chão de pedras frias... ficara ali, naquele castelo, em um canto esquecido do Sonho, desde que ele se fôra, há séculos, morto pelas mãos daqueles mesmos Mestres que agora haviam deixado o lugar, temendo tamanha força. Ele não era o mesmo Troll... voltara em um novo corpo mortal. Mas ela sabia. Soube no momento que sentiu suas mãos impedindo-a daquele último ato. Até o calor era o mesmo... deixava-se abraçar por aquele ser imenso, que tremia de dor e angústia, mas chorava de felicidade incontida... de uma admiração profunda à sua bela dama Sidhe. Daquele amor que levara-o até ali em fúria e agora prostrava-o em servidão.