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quinta-feira, 10 de junho de 2010

Dia de Portugal


Que Vençais no Oriente tantos Reis

Que vençais no Oriente tantos Reis,
Que de novo nos deis da Índia o Estado,
Que escureçais a fama que hão ganhado
Aqueles que a ganharam de infiéis;

Que vencidas tenhais da morte as leis,
E que vencêsseis tudo, enfim, armado,
Mais é vencer na Pátria, desarmado,
Os monstros e as Quimeras que venceis.

Sobre vencerdes, pois, tanto inimigo,
E por armas fazer que sem segundo
No mundo o vosso nome ouvido seja;

O que vos dá mais fama inda no mundo,
É vencerdes, Senhor, no Reino amigo,
Tantas ingratidões, tão grande inveja.

Luís Vaz de Camões, in "Sonetos"

domingo, 21 de março de 2010

Dia Mundial da Poesia: Recordar Ary dos Santos


Ecce Homo

Desbaratamos deuses, procurando
Um que nos satisfaça ou justifique.
Desbaratamos esperança, imaginando
Uma causa maior que nos explique.

Pensando nos secamos e perdemos
Esta força selvagem e secreta,
Esta semente agreste que trazemos
E gera heróis e homens e poetas.

Pois deuses somos nós. Deuses do fogo
Malhando-nos a carne, até que em brasa
Nossos sexos furiosos se confundam,

Nossos corpos pensantes se entrelacem
E sangue, raiva, desespero ou asa,
Os filhos que tivermos forem nossos.

Ary dos Santos, in 'Liturgia do Sangue'

domingo, 14 de março de 2010

Ricardo Reis: Tenho mais almas que uma


Vivem em nós inúmeros;
Se penso ou sinto, ignoro
Quem é que pensa ou sente.
Sou somente o lugar
Onde se sente ou pensa.

Tenho mais almas que uma.
Há mais eus do que eu mesmo.
Existo todavia
Indiferente a todos.
Faço-os calar: eu falo.

Os impulsos cruzados
Do que sinto ou não sinto
Disputam em quem sou.
Ignoro-os. Nada ditam
A quem me sei: eu 'screvo.

Ricardo Reis, in "Odes"

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Rosa Lobato de Faria (Lisboa, 20 de Abril de 1932 - Lisboa, 2 de Fevereiro de 2010)

Notícias destas dispensam-se.

De Rosa Lobato de Faria

(Lisboa, 20 de Abril de 1932 - Lisboa, 2 de Fevereiro de 2010)


Quem me quiser há-de saber as conchas
a cantiga dos búzios e do mar.
Quem me quiser há-de saber as ondas
e a verde tentação de naufragar.


Quem me quiser há-de saber as fontes,
a laranjeira em flor, a cor do feno,
a saudade lilás que há nos poentes,
o cheiro de maçãs que há no inverno.


Quem me quiser há-de saber a chuva
que põe colares de pérolas nos ombros
há-de saber os beijos e as uvas
há-de saber as asas e os pombos.


Quem me quiser há-de saber os medos
que passam nos abismos infinitos
a nudez clamorosa dos meus dedos
o salmo penitente dos meus gritos.


Quem me quiser há-de saber a espuma
em que sou turbilhão, subitamente
- Ou então não saber coisa nenhuma
e embalar-me ao peito, simplesmente.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Sophia de Mello Breyner Andresen- Fundo do mar



Fundo do mar
No fundo do mar há brancos pavores,
Onde as plantas são animais
E os animais são flores.


Mundo silencioso que não atinge
A agitação das ondas.
Abrem-se rindo conchas redondas,
Baloiça o cavalo-marinho.
Um polvo avança
No desalinho
Dos seus mil braços,
Uma flor dança,
Sem ruído vibram os espaços.


Sobre a areia o tempo poisa
Leve como um lenço.


Mas por mais bela que seja cada coisa
Tem um monstro em si suspenso.


Sophia de Mello Breyner Andresen
Obra Poética I
Caminho

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Pessoa


    Tudo quanto penso,
    Tudo quanto sou
    É um deserto imenso
    Onde nem eu estou.

    Extensão parada
    Sem nada a estar ali,
    Areia peneirada
    Vou dar-lhe a ferroada
    Da vida que vivi.

    [...]

    Fernando Pessoa, 18-3-1935

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Sophia... Rapariga de Bronze

Laurinda Alves escreveu:

Há precisamente cinco anos este lugar estava cheio de gente a despedir-se de Sophia. Hoje o Largo da Igreja da Graça foi baptizado com o nome de Sophia e foi ali colocado o seu busto de bronze e um poema que escreveu sobre Lisboa (...cont.)

Eu acrescento um poema, dessa magnifica poetisa uma das grandes responsáveis pelo meu gosto pelas letras...

A hora da partida
A hora da partida soa quando

Escurece o jardim e o vento passa,
Estala o chão e as portas batem, quando
A noite cada nó em si deslaça.
A hora da partida soa quando as árvores parecem inspiradas
Como se tudo nelas germinasse.
Soa quando no fundo dos espelhos
Me é estranha e longínqua a minha face
E de mim se desprende a minha vida.

sábado, 13 de junho de 2009

Fernando Pessoa: O Andaime

E porque hoje me identifico particularmente com este poema... sabe-se lá porquê:

O Andaime
O tempo que eu hei sonhado
Quantos anos foi de vida!
Ah, quanto do meu passado
Foi só a vida mentida
De um futuro imaginado!

Aqui à beira do rio
Sossego sem ter razão.
Este seu correr vazio
Figura, anônimo e frio,
A vida vivida em vão.

A ‘sp’rança que pouco alcança!
Que desejo vale o ensejo?
E uma bola de criança
Sobre mais que minha ‘s’prança,
Rola mais que o meu desejo.

Ondas do rio, tão leves
Que não sois ondas sequer,
Horas, dias, anos, breves
Passam — verduras ou neves
Que o mesmo sol faz morrer.

Gastei tudo que não tinha.
Sou mais velho do que sou.
A ilusão, que me mantinha,
Só no palco era rainha:
Despiu-se, e o reino acabou.

Leve som das águas lentas,
Gulosas da margem ida,
Que lembranças sonolentas
De esperanças nevoentas!
Que sonhos o sonho e a vida!

Que fiz de mim? Encontrei-me
Quando estava já perdido.
Impaciente deixei-me
Como a um louco que teime
No que lhe foi desmentido.

Som morto das águas mansas
Que correm por ter que ser,
Leva não só lembranças —
Mortas, porque hão de morrer.

Sou já o morto futuro.
Só um sonho me liga a mim —
O sonho atrasado e obscuro
Do que eu devera ser — muro
Do meu deserto jardim.

Ondas passadas, levai-me
Para o alvido do mar!
Ao que não serei legai-me,
Que cerquei com um andaime
A casa por fabricar.

Fernando Pessoa, in "Cancioneiro"

Fernando Pessoa: O que Me Dói não

E porque ele nasceu a 13 de Junho de 1888,

O que Me Dói não É

O que me dói não é
O que há no coração
Mas essas coisas lindas
Que nunca existirão...

São as formas sem forma
Que passam sem que a dor
As possa conhecer
Ou as sonhar o amor.

São como se a tristeza
Fosse árvore e, uma a uma,
Caíssem suas folhas
Entre o vestígio e a bruma.

Fernando Pessoa, in "Cancioneiro"

sábado, 21 de março de 2009

Rómulo de Carvalho/António Gedeão-Poema para Galileu




Estou olhando o teu retrato, meu velho pisano,
aquele teu retrato que toda a gente conhece,
em que a tua bela cabeça desabrocha e floresce
sobre um modesto cabeção de pano.
Aquele retrato da Galeria dos Ofícios da tua velha Florença.
(Não, não, Galileo! Eu não disse Santo Ofício.
Disse Galeria dos Ofícios.)
Aquele retrato da Galeria dos Ofícios da requintada Florença.

Lembras-te? A Ponte Vecchio, a Loggia, a Piazza della Signoria…
Eu sei… eu sei…
As margens doces do Arno às horas pardas da melancolia.
Ai que saudade, Galileo Galilei!"

António Gedeão, in Linhas de Força

domingo, 7 de dezembro de 2008

Ary dos Santos

Quando se fala de Ary dos Santos, a imagem que me vem à memória é de um homem gorducho, na televisão a ler (declamar?) (a sua) poesia.
Lembro-me que me senti intimidada com aquele homem... falava tão rápido e tinha ar de mau!
Perguntei ao meu Pai quem era. Respondeu-me que era Ary dos Santos e que havia um disco, que está agora em minha casa e há minutos estive com ele na mão a recordar este episódio; se eu quisesse podia ouvir.
Mas, Pai, a minha professora não nos lê assim os poemas... é mais meiguinha!-Respondi...
Não ouvi o disco naquela altura, só anos mais tarde.
O 'mau' era força, convicção, acreditar... era a mensagem interior, claro!
Falar de Ary dos Santos, lembro-me logo de Fernando Tordo, Paulo de Carvalho, Simone de Oliveira... uma geração de ouro, de grandes pérolas Portuguesas.

Os putos

Uma bola de pano, num charco
Um sorriso traquina, um chuto
Na ladeira a correr, um arco
O céu no olhar, dum puto.

Uma fisga que atira a esperança
Um pardal de calções, astuto
E a força de ser criança
Contra a força dum chui, que é bruto.

Parecem bandos de pardais à solta
Os putos, os putos
São como índios, capitães da malta
Os putos, os putos
Mas quando a tarde cai
Vai-se a revolta
Sentam-se ao colo do pai
É a ternura que volta
E ouvem-no a falar do homem novo
São os putos deste povo
A aprenderem a ser homens.

As caricas brilhando na mão
A vontade que salta ao eixo
Um puto que diz que não
Se a porrada vier não deixo

Um berlinde abafado na escola
Um pião na algibeira sem cor
Um puto que pede esmola
Porque a fome lhe abafa a dor.


Hoje faz 71 anos que nasceu!

(Poema tirado daqui)

domingo, 21 de setembro de 2008

Rómulo de Carvalho/António Gedeão


Estive a ver na RTP Memória um programa (de 1996) com Rómulo de Carvalho/António Gedeão.

Fiquei a pensar nisto que ele disse:

'Não voto. Não acredito no Homem! Seja de direita, seja de esquerda, não acredito na capacidade do Homem fazer algo socialmente boa. Só o faz se for do seu interesse!'