sábado, 31 de dezembro de 2011

Levar o passado para o futuro?

Não é bem isso, é mais ver se não se repete!
Votos de um bom 2012, em especial para a trupe deste blog.

 
© Arquivo de Família, Sofia Silva

a imagem lê "Jody: como vês, aqui também há pretos, e eu até aproveito para lhes dar beijinhos! Que tal, também queres?

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Alain Robbe-Grillet, o primor da mise-en-scène




Talvez mais facilmente reconhecido como o guinista do "L'année dernière à Marienbad" (1961), realizado por Alain Resnais, Alain Robbe-Grillet é a excelência da mise-en-scène.

"L'éden et après" (1970) é um filme mas também uma experiência da ordem psicanalítica (como era a estrutura do espaço em Marienbad). Nesse sentido, queira o espectador entregar-se ao momento e pode dar-se a uns segundos de catarse. 

Passado no universo do faz-de-conta e das possibilidades, aqui e ali tende a escalar para o lugar dos sonhos, dos desejos mortais, assim confrontando-nos com a autenticidade dos nossos impulsos.

Como quase sempre, corporiza o medo e erotiza o desejo, envolvendo-os com a mestria da forma. Em "Léden et après" o mundo pertence à arte, desde a arquitetura às performativas, percorrendo uma série de movimentos dentro das belas-artes. Pela pluralidade e acutilância do discurso, este é um filme que todos deveriam ter a oportunidade de ver.

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Reabilitação moral para punks?

Não é fácil de encontrar a linha que separa o respeito ao outro do respeito a nós próprios ou então a ideia da liberdade era só isso mesmo e isso tudo: uma Ideia.
Dar-se-á o momento em que não conseguimos fazer valer a nossa presença aqui e ainda assim, aqui estar, neste país?

Não surpreende o acontecimento retratado na notícia que se segue, mas confronta-me mais uma vez com a desilusão de ver que um grupo de jovens não só caracterizado pela rebelião, mas por ela identificado também, ali continue a estar, naquele lugar, naquela situação, à espera que um ataque se aproxime. Custa acreditar que não houvesse alternativa. Custa acreditar que não consigamos ver quando deixou de haver alternativa.

 Police officers shave the heads of punks Photograph: Hotli Simanjuntak/EPA

Police in Indonesia's most conservative province have stripped away body piercings and shaved off mohicans from 65 youths detained at a punk-rock concert because of their perceived threat to Islamic values.

The teens and young men were also stripped of dog-collar necklaces and chains and then thrown in pools of water for "spiritual" cleansing, the local police chief, Iskandar Hasan, said on Wednesday.

After replacing their "disgusting" clothes, he handed each a toothbrush and barked: "Use it."

It was the latest effort by authorities to promote strict moral values in Aceh, the only province in this secular but predominantly Muslim nation of 240 million people to have imposed Islamic laws.

Here, adultery is punishable by stoning to death, gay people have been thrown in jail or lashed in public with rattan canes, and women must wear headscarves.

Punk rockers have complained for months about harassment, but Saturday's roundup at a concert attended by more than 100 people was by far the most dramatic.

Baton-wielding police broke up the concert, scattering young music lovers, many of whom had travelled from other parts of the sprawling archipelagic nation.

Dozens were loaded into vans and brought to a police detention centre in the hills, 30 miles (60km) from the provincial capital, Banda Aceh, for rehabilitation, training in military-style discipline and religious classes, including Qur'an recitation.

parte 2  aqui

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Mesmo que não gostes de mim

Olha, quero escrever-te esta carta. Provavelmente até não gostarás de mim, por ser tão rude e muitas vezes
me deixar enredar nas obscenidades, na revolta contra o mundo dos poderosos. Acredito que tenhas razão.
Não passo de um ser simples e tolo, nascido no meio da pobreza e das injustiças. Depois, o fermento dos
dias e anos a ver sempre os mesmos a sofrer e a não ter nada, fez o resto.
Provavelmente não gostarás desta carta nesta época de paz e amor, em que todos somos bons samaritanos
e praticamos o bem. Eu não vou nunca praticar o bem. Porque não posso, porque não me deixam.
Sinto-me preso aos dias do presente, com todos os malefícios da humanidade. Uma noite, um dia, uma
época concreta não mudam nada. Nem Jesus, nem as religiões para iludir as pessoas e manter sempre
o status quo dos poderosos perante os outros, que não te iludas, somos nós. Sou eu e és tu. Apesar da
tua desconfiança para comigo e para com a minha vida. Mas lembra-te de respeitar sempre a visão do
outro, porque cada ser tem o seu canto pessoal de memórias e vivências individuais. É nisso que acredito,
em ti, ser individual e único. Desde que tenhas em ti a consciência do teu dever perante os outros. Desde
que saibas que a inteligência deve ser usada para o proveito de todos e não apenas do teu. Que a cultura
é algo que deves valorizar e promover. Que o amor é uma arma tão poderosa quanto a tua voz de luta.
Que a energia com que te empenhas perante o mundo e a tua vida são mais importantes que todos os
arraiais, todos os natais, todos os deuses, todas as romarias e procissões. Que não devemos adorar ídolos
com pés de barro, pois são inanimados e tu és um ser pensante. Usa o cérebro para a reflexão, a crítica
e usa a tua sensibilidade para amares as pessoas, os animais e a natureza envolvente.

Esta é a minha carta, é o meu coração a falar, numa cabeça com milhões de imagens, lugares, pessoas e
memórias infinitas. Que quando a vida não corre bem, existem os amigos, os amantes, os pais, os avós,
um desconhecido, para te ajudar. Que a vida não deve ser feita de medos, de temores com o futuro, com
o presente, com o passado. As dúvidas no caminho, só com a experimentação, só indo ao encontro delas,
poderás encontrar respostas, ou alternativas. Não há fórmulas universais para as nossas vidas. Há apenas
o desejo de trilhar caminhos. Umas vezes repetindo os velhos caminhos gastos e sem erva pelo caminho,
outras vezes molhando os pés na erva alta dos caminhos desconhecidos. A surpresa, a curiosidade é sempre
boa companheira. Ser observador, ser curioso, fazem de ti um ser mais lúcido, mais louco, mais estranho
para os outros. Não temas a diferença, o comentário jocoso, a indiferença, a extravagância dos teus actos.
Porque a vida que vamos viver é só uma, mesmo que não acredites. Aproveita o tempo que os teus pais te
deram para nasceres e construíres o teu percurso. Não foi deus que te pôs aqui, não desculpes sempre a
tua vida com a vida dos outros para te sentires melhor. Recusar deuses é assumir com maturidade todos
os nossos actos. Assumir que é o ser humano que comete atrocidades, que é a natureza que causa tufões,
tremores de terra, que os animais são cruéis, mas leais. Assume-te como ser que erra, mas sem pecado,
sem baixares a cabeça de vergonha perante o mundo. Levanta a cabeça, deambula por aí e faz novos
amigos. Podem não gostar de ti, podem ignorar-te, mas se fores sempre transparente e verdadeiro, estás
livre de remorsos e arrependimentos do passado. Nunca deixes nada por fazer ou dizer. Se amas, se sonhas,
se sofres, se sorris, se queres subir ao alto do monte, sobe, se te queres despir, despe. Se queres ser rude,
tolo, mau, sê. Como deves ser generoso, amigo, sensível, agradável para os outros. Mesmo para ti, que não
gostas de mim, que me ignoras, que me desprezas. Não te censuro por tal atitude. Porque sou eu que provoco
isso. Sou eu que vou à luta, sou eu que procuro a reacção da minha antecedente acção. Se ficasse parado,
se me mantivesse no mesmo limbo inerme, parado, não se agitaria o mundo, não haveria energia para fazer
a combustão dos sentidos. Esqueci-me de te dizer que isso faz parte do meu dia-a-dia de trabalho. O mundo
das emoções, dos sentidos, dos abraços, dos sorrisos, dos choros, dos gritos, dos pulos, do mundo das
crianças. Sê criança. E brinca, brinca. Cria mundos imaginários e amigos igualmente inexistentes. Cria estórias,
escreve e pensa. Desenha tudo o que possas imaginar. Pega numa faca e faz dela um avião, um termómetro, um
microfone. Mas não te magoes com ela. Usa todas as coisas do mundo com cuidado e atenção, tendo especial
cuidado com os seres humanos e os animais, depois, com a terra, a água, o ar, o fogo. Joga com os cinco sentidos,
os quatro elementos, os três amigos verdadeiros, os dois olhos, o teu coração. Para que não sejas um zero nesta
vida. Para que deixes marcas nos outros e não apenas na areia, que o mar acaba por apagar. Há mais marés que
marinheiros, mas são eles que pescam para nós o alimento para vivermos. Não tens que comer animais, podes ser vegetariano, mas desde que faças a escolha por ti, não determinada por outros, serás mais feliz. Pensarás talvez
nesta altura, que tanta escrita faz-te parecer o "Sermão de Santo António aos Peixes". Poderia ser, mas não tenho
a agudeza intelectual de António Vieira, nem quero comparar-me a ninguém. Por isso, não temas tal parecença.
São fruta da época, são páginas desse e de outros livros, mas também das minhas vivências, dos meus caminhos.
O meu desejo é que comeces a construir o teu, cada vez mais, mesmo que continues sem gostar de mim.
Não digo isto com tom paternalista. Nada disto serve de filosofia barata e vã para arrumar a um canto da mesa.
Prefiro antes que me deites ao lixo que me deixes esquecido no cimo da mesa. Ou como por vezes dizer a verdade,
ser duro ou directo pode ser menos doloroso que ignorar, que fugir ao confronto, ao frente-a-frente de ideias.
Por agora vou-me despedir. Aonde quer que estejas, um abraço, um beijo, um carinho. Mesmo que não gostes de mim.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Correio Interno - Um balanço de 2011 (2)


André,

            Estrabão descreveu os lusitanos como um povo que se alimentava de bolotas e, em 2011, a prole, completa uma volta de 360º. Depois de enfartar pezinhos dos porcos, mãozinhas das vacas, túbarozinhos dos carneiros, tenazezinhas das sapateiras, comerão outra vez bolotas, os lusitanos, se as houver. A cortadela “caldoverdológica”, (com rodelas de chouriço), – nome regional para o “corte epistemológico” de Bachelard –, a passagem de rico a não-rico, deu-se com um evento organizado na assembleia da República: o chumbo do PEC IV, e a sequente “crise política”, expressão hiperbólica para “queda do Governo”.
 Nesse dia rapava-se a comoção do ar com um salazar. Mário Soares publicara, no dia anterior, um ridículo artigo titulado “Um apelo angustiado”, de mãos postas rogando a interferência de Cavaco Silva para que “fitacolasse” o Governo ao poder. Manuela Ferreira Leite, que aprovara o PEC I, há um ano, quando ainda era timoneira do PSD, avança no dia da discussão do PEC IV para a primeira fila, senta-se ao lado direito de Miguel Macedo. Durante a legislatura sentara-se na última fila, junto de Pacheco Pereira, onde nesse dia abanca a moderna e bela Francisca Almeida.
O Governo entra enfatiotado às 15:09 horas e às 15:20 o ministro das Finanças, Teixeira dos Santos, expõe as suas razões, um ictio-bláblá em que faz previsões sobre o défice: “será reduzido para 3% e 2%, em 2012 e 2013, respetivamente”, e reage atontadiço ao pedido de mais uma conta para o povo pagar: “por isso, tenho enorme dificuldade em compreender e aceitar o discurso de que não são justificáveis mais sacrifícios. Esse é um discurso enganador (aplausos da bancada dos correligionários) e irresponsável (pausa e mais aplausos)”. Finadas as razões governamentais, Luís Montenegro, do PSD, desfralda o bláblá em nome da oposição: “queria começar por lhe dizer que o discurso que acabou de proferir é bem uma confissão de todo o seu falhanço”, o gajo do seu lado esquerdo, o deputado Luís Menezes, rumina entre dentes: “muito bem!”. Em Portugal há uma forte tradição do gajo ao lado do orador gosmar entre dentes um assertivo, convincente, másculo, “muito bem!”. Diogo Feio, do CDS, foi o ponto alto deste encorajador uso, infelizmente tomou o elevador social para Bruxelas e o canal Parlamento perdeu um canoro efeito sonoro.   
Escalava-se a montanha do debate, e alcança-se o cume, que não foi a solução para os problemas do país, nem uma epifania coletiva dos deputados sobre a sua função, mas um mundano apontamento de fashion. Teixeira dos Santos, na resposta à intervenção de Bernardino Soares, do PCP: “se me permite um gracejo. Acho que o sr. deputado até achou que isto era tão importante a ponto de hoje envergar uma linda gravata”.
A sra. Leite fora escolhida, pelo seu partido, para derramar a intervenção de fundo, no púlpito. Nesse momento Teixeira dos Santos sai da sala para outros afazeres, a velha senhora não desarma e lê as suas folhas. Racionaliza as eleições que perdera para José Sócrates: “sabemos que essas eleições foram, sem dúvida, um êxito do marketing político”, e separa as águas entre os bons e os maus: “já não é ao nível das medidas concretas, se elas são boas ou más, se são corretas ou incorretas, se são necessárias ou não são necessárias (pausa, aplausos dos seus correligionários), o problema que se põe a este parlamento, com uma clareza gritante, é ao nível de quem propõe e de quem se responsabiliza por elas”, e vaticina mais tarde: “não tenho nenhuma dúvida de que as mesmas medidas tomadas por um Governo que suscitasse confiança aos mercados, teriam outra reação por parte dos mercados. Nenhuma dúvida”. Na mouche!

Um abraço
Maturino Galvão

Sinais

Desenho de Maturino Galvão

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Zielinski por cá

Seminário de Siegfried Zielinski: "Arqueologia dos Media. Arte, Ciência e Tecnologia"

mais informação aqui

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Detenção por tempo indeterminado





1) Explicitly authorize the federal government to indefinitely imprison without charge or trial American citizens and others picked up inside and outside theUnited States;
2) Mandate military detention of some civilians who would otherwise be outside of military control, including civilians picked up within the United States itself; and
3) Transfer to the Department of Defense core prosecutorial, investigative, law enforcement, penal, and custodial authority and responsibility now held by the Department of Justice.

Não devia surpreender que nos Estados Unidos o cidadão perca oficialmente o direito à defesa e assistência judicial, sendo que na Europa também já andamos a arrastar o cadáver de uma democracia que já nem representativa é, mas surpreende.


Laura Nadar

Correio Interno - Um balanço de 2011 (1)


André,

A cerimónia do “bode expiatório”, o velho rito judeu, cristalizado no cristianizado organista Duarte Lima, será suficiente para os filhos de Viriato e netos do Freitas do Amaral finarem o ano sem sombra de pecado? “E aos costumes disse nada” Duarte Lima, nem um filho ou um sobrinho na Suiça ou um conde em Abranhos.
  No entanto, o ano começara sob auspício.
 Em Fevereiro, o Bloco de Esquerda lança uma bomba: não, não foi uma ideia nova, refrescante, borbulhante, assustados com o seu definhamento total do espetro político, foi a velha bomba nuclear da moção de censura contra o Governo, agendada simbolicamente para o dia seguinte ao da coroação de Cavaco Silva na principal silha do reino de Portugal. No dia aprazado, realmente, gastou-se tempo, eletricidade, papel, água (engarrafada) e outros custos de produção do tearzinho da luta pulítica, como acentuam no “u”, os eleitos da nação. Parecia arremetido o país para mais um ano com dinheiro. Entretanto, a realidade bate nas tabuinhas das janelas da casa portuguesa.   
O primeiro choque, para jornalistas e público em geral, foi o de que os velhos morrem. Após a surpreendente descoberta pelas Finanças, de um cadáver, há 9 anos sentado na cozinha, velado pelos cadáveres do cão e dos periquitos, de um faltosa aos deveres fiscais, os operários da informação vasculharam, por semanas, o país de frente atrás, descobrindo corpos com mais ou menos tempo de decomposição. Mas as mortes não se refletiam na libertação de postos de trabalho para os vivos, e o vivo líder Cavaco Silva, no seu discurso de tomada de posse como presidente da República, sinaliza como fundamental para o país os jovens e o mar. Num momento de vibrante otimismo, a indústria jornalística adjetivou o discurso de “contundente” e “histórico” e Francisco Assis, na carranca de oposição: “não gostei”.
Os jovens, lançados ao mar do mundo do trabalho, também descobriam coisas. E a mais importante foi borrifar-se para o futuro ontem.
Os mais ativos convocam uma “manifestação da geração à rasca”. Nesse dia, no parlamento, num belo toque de perfeição à Camilo Castelo Branco: “não se pode ser perfeito hoje em dia sem se ser um bocadinho idiota”, o deputado do PSD, Pedro Rodrigues, advogado, 31 anos, dizia: “faço parte de uma geração adiada, faço parte de uma geração que não sabe qual é o seu futuro amanhã”; pergunta da locutora: “mas não está à rasca?”; “não estou à rasca, mas estou muito preocupado com o futuro, com o meu e com o da minha geração”. Segundo o site da Assembleia da República um deputado amaquia-se com 3 624, 41 € mais 370,32 € para despesas de representação, compreensivelmente não põe à rasca, apenas preocupado.
Ritualizar o “bode expiatório” no Duarte Lima – aportuguesando o costume judaico de carregar um bode com os pecados da sociedade e soltá-lo no deserto para morrer, seria: aguentar-se à jarda por nós todos, ou seja, “e aos costumes disse nada”. (Nome de um conto de David Mourão-Ferreira, inspiração do filme de José Fonseca e Costa “Sem sombra de pecado”, e também uma expressão jurídica para o facto de que a testemunha não tem parentesco ou amizade especial com as partes envolvidas no processo). Duarte Lima tomará como um homem, não arrastará ninguém, nem sequer um deputado trocatintas, nem que seja de Freixo de Espada à Cinta. O “bode expiatório” surge no momento crucial da vida intelectual portuguesa. O português precisa do “bode expiatório” tal como de gasolina para o carro, ou carregamento para o telemóvel. Fazer o download dos pecados da sociedade numa pobre besta, e lançá-la no deserto para morrer, na falta de deserto, mande-se para a Zona Prisional com quatro refeições por dia e umas prendas de Natal do diretor, ou então atafulhá-lo bem de todos os pecados, passados, presentes e futuros e mandá-lo para Paris.

PS: a imagem mais fofinha do ano: a entrada vitoriosa de Paulo Portas no 24º congresso do CDS, em Viseu, de dedo em “like”, isto é, de polegar para cima. Quem não verteu uma lágrima é um “odiador” de gatinhos na Internet.

Um abraço
Maturino Galvão

Marginais VII

Somos os filhos bastardos da História.
Os sem-rosto cujo rosto é uma máscara debaixo de outra máscara. Mãos nuas como armas contra armas cingidas por mãos sujas.
Não nos deixam esquecer. E o nosso perdão terá um parto difícil.
Como gémeos siameses, somos consumidor insatisfeito e produto defeituoso. Amálgama de componentes a tentar regredir ao estado de matéria-prima. Para evoluir de uma forma completamente nova.
Preferimos as sombras às trevas que nos querem impor. A escuridão é a total ausência de luz, é um nada. A possibilidade da luz é o que possibilita as sombras em nos movemos.
Não queremos tudo, mas não nos contentamos com o pouco que nos querem tirar.
Somos os filhos bastardos da História. Somos os seus herdeiros. E estamos aqui para reclamar o que é nosso.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Carta ao Primeiro-Ministro da Cultura, de Fernando Mora Ramos


Dirijo-me a Vossa Excelência pois tutela a cultura e dedica-lhe, segundo o Senhor Secretário de Estado, duas horas semanais. O corte de 38% aplicado às estruturas de criação do teatro e da dança não é só uma diminuição da escala de apoio, como seriam 10% ou 15%. É uma liquidação, um acto de terror. 38% é uma amputação, o que, num corpo já frágil, gerará paralisia e por certo, pois muitos continuarão a teimar viver, condições desqualificadas de agir pelo acrescento de precariedade estrutural, técnica e artística, ao exercício pluridisciplinar. O que alterará radicalmente a eficácia da sua função social, remetendo as artes para a trincheira e a pura resistência – não há muito, o I.N.E referia a existência, num ano saudável de crescimento, de um milhão de espectadores de teatro.
Experimente Vossa Excelência cortar 38% ao orçamento doméstico, à gasolina, ao seu gabinete, ao serviço da sua segurança, à verba que tem para as despesas de representação, à limpeza do palácio, ao que quiser e logo verá que instaurará a entropia. O resultado deste corte será, a prazo, o regresso ao folclore servil de antes de Abril, aos viras e torna a virar de antigamente desaparecendo o que a dinâmica democrática consolidou e que, por consagração de facto no real português – o teatro e a dança existem no todo nacional, mesmo não sendo fruto de uma política - também a fundou, qualificou e expressou, à democracia.
O projecto de manter apenas os Teatros Nacionais para a Senhora Merkel ver é pequena política, forma de fingir um cosmopolitismo e um avanço civilizacional que se ignora como desígnio  – que país será europeu sem um sector de iniciativa estatal, teatros públicos, uma visão nacional da sua estruturação? Para nós trata-se só, daqui em diante, de simular pela parte a existência do todo, os nacionais como o próprio teatro, álibi de esperteza a fazer de conta que se respeitam os imperativos constitucionais do acesso à criação e fruição artísticos.
O país não é Lisboa e Porto e Lisboa e Porto não são o seu centro. As companhias de teatro, aos quase 38 anos de democracia – o número do corte -, já deveriam ter-se convertido num sector público ágil em consonância articulada – isso seria uma política realizável com os meios havidos - com as autarquias, as regiões plano e as estruturas de criação. É assim na Europa. Se falamos de integração não pratiquemos a periferia, a marginalização do que é europeu. E europeu não é cortar cegamente, isso é, ao invés, uma forma de resolver irracional e desarticuladora de um devir europeu que o teatro e a dança são. Não acredito que Vossa Excelência quando a frequenta, a Europa europeia, não a identifique justamente com os seus espaços culturais, em qualquer ponto da sua própria geografia, de Bilbao a Edimburgo. Nessa Europa europeia os Estados desenvolveram políticas artísticas nacionais, no território e respondendo aos desequilíbrios demográficos. Ninguém é excluído do acesso às criações artísticas que quotidianamente praticam tradição e modernidade, Shakespeare e Beckett, Strindberg, Ibsen, ou Ésquilo, Sófocles, um Rei Édipo ou a Flauta Mágica. Por cá, o desprezo por Camões, dramaturgo, Gil Vicente, o nosso Shakespeare e génio europeu, fazem com que o português tenha entrado numa espiral de desqualificação e expressão de pensamento trágicas. Mas o idêntico desprezo por Fernando Pessoa, Jorge de Sena ou Natália Correia, pela encenação de textos narrativos, de Carlos Oliveira a Lobo Antunes, por Luís Miguel Cintra - prémio Camões - entre outros criadores teatrais de valor reconhecido, impede-nos de aceder à modernidade tão propalada pelos decisores, assim como nos afasta de novo do convívio com a dramaturgia europeia actual, de Brecht a Barker ou Martin Crimp. O teatro e a dança são, com a investigação científica e sectores de produção de ponta, o que nos aproxima dessa Europa europeia.
São artes com um potencial educativo profundo, de dimensão cognitiva iniludível e de um fazer que pensa, em que emergem na representação formas de pensar – “teatro de ideias” chamou Antoine Vitez (Dir. da Comédie) a Electra. Mas a arte não é pedagógica por ser pedagogia mas por ser arte e isso respeita-se, nos lugares em que Europa e civilização avançada se casam. Um país que destrói o teatro e a dança faz o que os talibãs fizeram com os budas, uma barbaridade e coloca-se do lado do que as ditaduras fazem, destrói a possibilidade da prática da vivificação da memória, esse “perigo” que mostra que tudo muda e permite, no presente, convocar a tragédia reconhecida para que se evite. Censurar, por via financeira, o debate democrático que as artes possibilitam e estimulam, atacando assim o teatro, veículo essencial de prática da língua é um crime de lesa pátria.
Vossa Excelência sabe que os cortes ao teatro e à dança não têm expressão na dívida. Se o engano de trezentos milhões nas contas do orçamento nada significa, como afirmaram as Finanças, o que significará o pouco que se investe nestas artes? Sei que os demagogos e populistas dirão, “lá estão estes”,“querem privilégios” e outro tipo de ordinarice mental e verbal – ninguém enriqueceu com o teatro ou a dança e nenhum dos seus praticantes dedicados investe na bolsa ou pratica deslocalizações e fugas de capitais. A voz do vulgo não é a da razão e um país inculto não terá futuro e a cultura artística elaborada só pode fazê-la quem fizer dela profissão, o mesmo que para qualquer sector. Falo-lhe do que gerações de políticos não fizeram de criação de um dispositivo cultural, não apenas dos que praticam as artes e também da existência de mais de vinte escolas de formação teatral, nos ensinos secundário, politécnico e universitário, frequentadas por milhares de jovens que, deste modo, também não terão organizações que os acolham, pois as que existem já não respondem ao crescendo imparável das suas “clientelas”– é a dita procura. 
A Senhora Merkel, em Berlim, reforçou o orçamento da cultura em 5%, 50 milhões de euros agora anunciados, um vigésimo do bolo de um território específico, já que os orçamentos das regiões são outros dinheiros, cada região com os seus teatros públicos, como era o caso e é da companhia criada por Pina Bausch em Wuppertal.
Admitamos que, por imperativo de solidariedade nacional, o teatro e a dança sofressem cortes. Seriam certamente simbólicos pois o que fazem, com o pouco que têm, tem ocupado o espaço de um serviço público que o Estado não estruturou. As estruturas de criação substituem-se na realidade à inexistência de uma política cultural.
Sugiro que Vossa Excelência repense no que está a permitir e porventura implementar. Trata-se de um voltar para trás sem regresso a meio de uma viagem a um futuro melhor que tarda em chegar. O país da austeridade não é projecto, este só pode ser o da qualificação dos portugueses, do seu crescimento cultural, condição do económico. As artes são uma das vias da qualificação, na liberdade dos seus exercícios. E esta liberdade não se faz, em nenhum país europeu, fora de um quadro de estruturação pública.
Como Vossa Excelência sabe o discurso da subsidiodependência usado por gente que vive a expensas do orçamento, de modos duplos e triplos, não resolve um problema maior e que é o da estruturação democrática constitucionalizada das artes e da cultura no todo nacional, expressão da nossa identidade plural, tradição, inovação e suas práticas contemporâneas. Daqui lanço portanto o repto a Vossa Excelência que reflicta bem no que se está a fazer e evite o pior.       
Fernando Mora Ramos – Encenador na província

(Publicado hoje, 12 de Dezembro, no Jornal Público)

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Justiça de classe

Seis meses de prisão para dois jovens envolvidos nos "distúrbios" da manifestação da Greve Geral. Sobre os polícias infiltrados, provocadores, e agindo à margem de qualquer enquadramento legal, que estiveram na origem de grande parte dos "distúrbios" que resultaram nestas condenações, a PSP e o ministro continuam a negar apesar de todas as provas, até em vídeo, os contrariarem, e a IGAI e a PGR assobiam para o lado. Registo também o carácter "não remissível em multa" das condenações, em contraste com tantos casos de criminalidade "comum" (querem uma comparação: eu mesmo fiz uma vez queixa de um segurança de discoteca, por agressão, um incidente bem mais grave que este, e apesar de ser o segundo caso que envolvia o dito segurança, a condenação foi remissível em multa). O senhor juiz terá claramente assumido o seu papel de "pilar do sistema", e esquecido o espírito da lei, esse simples instrumento. Mais um passo está dado no sentido da criminalização de qualquer tipo de contestação que escape ao inócuo enquadramento legalista dos sindicatos, e pretenda ser algo mais que a habitual válvula de escape do sistema.

as T.A.Z. e o terrorismo poético, segundo Hakim Bey

recomenda-se, em grandes doses

Para além da entrevista em vídeo, uma outra com Hans Ulrich Obrist, publicada na e-flux

Laura Nadar

As time goes by...

Via Esquerda Republicana.

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Assembleia Popular Barreirense


Convocatória:

Somos cidadãs e cidadãos em exercício da nossa soberania. Reconhecemos que o nosso campo de acção político está relegado a um papel passivo que não vai além do compromisso com o Estado por meio do imposto ou do voto. Intermediado por organismos e instituições burocratizadas, corporativas e hierarquizadas que controlam e condicionam o poder efectivo sobre a decisão das questões fundamentais da gestão do nosso quotidiano.
No momento em que a mensagem que nos chega dos nossos Governantes é a da união em torno de soluções apresentadas como inevitáveis, decidimos reunir-nos em Assembleia Popular livre, num exercício de cidadania pacífico, apartidário e laico, que pretende tomar a palavra no processo de resgate das nossas vidas. Conscientes da responsabilidade que este tempo histórico nos confia, em todo o mundo pessoas como nós estão a tomar as ruas na busca de soluções que nos levem a superar os problemas imediatos, mas também buscar novas formas de organização e gestão para a nossa vida social e comunitária. Convocamos todas e todos os que se sintam igualmente perplexos com o cenário actual e aspirem a assumir um papel activo, para que possamos juntos discutir livremente e em pleno direito as formas de resolver os problemas que o presente nos coloca.

Regulamento da Assembleia Popular:
Estrutura da Assembleia:
Leitura das normas de funcionamento da Assembleia por um membro da mesa.
1h Debate Aberto
1h Apresentação de propostas para Grupos de Trabalho e resumo das actividades em curso.
Fecho: Decisão da data para a próxima Assembleia / Reunião dos grupos de trabalho

Funcionamento da Assembleia:
- Todas as pessoas são livres de participar e tomar a palavra compreendendo a necessidade de eficiência deste órgão e respeitando todas e todos os intervenientes segundo os princípios de boa convivência. Para cada tomada de palavra deve ser cumprido um tempo máximo de 5 minutos.

- A Assembleia não tem um carácter legislativo ou executivo sobre as pessoas que a constituem. A vontade soberana desta Assembleia expressa-se no exercício prático dos desafios e propostas que são lançadas de e para cada participante.

- Antes de cada sessão é necessário que, de entre as pessoas reunidas, existam três voluntárias ou voluntários para cumprir a execução das tarefas que garantam o seu funcionamento, a saber:

- Uma pessoa responsável por recolher as inscrições para tomar a palavra e propostas de nova data para a assembleia.
- Uma pessoa responsável pela moderação do tempo de cada intervenção e pelo respeito pela ordem da inscrição.
- Uma pessoa responsável pela redação de um documento que possa resumir os temas abordados. Este documento deverá depois ser assinado pela redactora ou redactor e tornado público através da publicação no site e leitura no início da sessão seguinte. Qualquer tomada de posição presente neste documento será da responsabilidade da autora ou autor. Não há, por isso, prejuízo de que outras pessoas possam redigir documentos no mesmo sentido. 
Estes três voluntários ficam com a responsabilidade de tratar da logística necessária para a assembleia seguinte. 

- A decisão sobre a data de uma nova Assembleia é feita segundo o maior número de disponibilidades dos presentes. Junto da pessoa responsável devem ser feitas propostas no sentido de uma nova data para Assembleia que será escolhida após a consulta de quem participe na mesma.

Divulgação:

A divulgação está a ser feita por todos de acordo com os meios que querem ou podem dispensar. Basta ir ao  link http://wtrns.fr/ehAVHTqR1EdAd7a, fazer o download do cartaz e flyer, fotocopiar e colar/distribuir.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Está crítico, em todos os campos

Convém ter em mente que os tempos são de trazer as iras à flor da pele, mas que o relativismo dá lugar à política do vale tudo, à supra-valorização estética do indivíduo e a conotações atabalhoadas entre legalidades, valores morais e conceitos como o de bem e de mal (ou o de certo e errado).

Um destes dias, ouvia-se alguém da plataforma 15 de Outubro dizer (aos media, claro) que qualquer atitude ilegal fazia pouco sentido (no final deste vídeo), suponho que com o intuito de delinear bem a barreira entre os piratas da web e o seu núcleo de acção. Vejo esta submissão como um autêntico disparate e aconselha-se, pelo menos, que da próxima que repetirem uma frase destas, coloquem uma preposição a seguir, ou então subentende-se que continuarão a agir em cumprimento com as políticas deste (e de outros) governos, independentemente do tipo de medidas em questão, e apesar da responsabilidade que lhe atribuem.

Do outro lado da barricada temos gente a produzir frases com um tal teor de ódio que de imediato saltam para o espaço da notícia sensacionalista à la diário de notícias, não deixando por isso de ser alarmantes per si. Veja-se o caso deste comentário atribuído a um elemento da Acapor, destacado aqui, em que vem a pérola "esses animais precisam de ser punidos exemplarmente", referindo-se aos hackers, ao tugaleaks e outros que tais. Resta saber a que ele se refere "exactamente", quando usa a palavra "exemplarmente".

Agora vejamos uma outra bem mais controversa: o apresentador da BBC Jeremy Clarkson, em tom jocoso, proferiu as seguintes palavras em relação aos grevistas "Eles deviam ser abatidos. Deviam ser levados para a rua e ser executados à frente das famílias. Como é que eles se atrevem a fazer greve quando têm pensões asseguradas enquanto o resto de nós tem de trabalhar para viver?!" Agora os britânicos discutem como hão-de aceitar isto, se contrapondo a esta irritação alguma empatia e tolerando o tilt ou se partindo para alguma tese, como aconteceu com os tumultos do Verão. Um artigo que levanta uma série de hipóteses (e de comentários) no Guardian, aqui.

E para terminar, no mesmo tom alarmante que pretende apenas chamar a atenção para o nível de resposta que pode vir a ser exigido a quem fizer questão de preservar valores estruturais dos direitos humanos, como a tolerância, a caridade e a sanidade mental,  este glimpse da marcha nacionalista russa que teve lugar no princípio de Novembro, exaltando a ideia de uma Europa branca:

sábado, 3 de dezembro de 2011

Alugar a rua

 
© Koszticsák Szilárd

Para além dos assuntos deste país, cobertos por uma vasta fauna de bloggers (mais ou menos esclarecidos, mais ou menos irados), convém ir estando atento às enfermidades de "democracias" vizinhas, sobretudo numa perspetiva de antever lutas que podem vir a ser nossas também.

Dentro do rol de situações extremas que vão tomando conta do leste Europeu, um caso em particular me saltou à vista pela ausência de sentido que lhe consigo ver. Falo de uma medida recentemente proclamada pela autarquia de Budapeste (Fidesz), que visa eliminar do espaço público os sem-abrigo, medida esta que vai de encontro a outras que têm sido tomadas no enclave Hungria/República Checa.

Vamos então ao corpo da notícia: Máté Kocsis, autarca do 8ºdistrito de Budapeste e o líder regional István Tarlós, têm tentado aprovar uma série de medidas para impedir que se possa viver na e da rua, nomeadamente criminalizando a prática de dumpster-diving (recolher mantimentos do lixo), e aplicando uma multa que pode ir até 167 euros apenas por se estar na rua, oferendo a esta a alternativa de ir para a prisão.

Desta campanha posta em prática desde finais de Setembro, em Budapeste, seus recursos e métodos para a fazer cumprir, consigo apenas extrair como objectivo o de fazer uma limpeza da faceta mais óbvia da pobreza do pais. As sucessivas tentativas de prender ou afastar os sem-abrigo hão-de, a seu tempo, dar lugar à “eliminação” de alguns, se não por vias legais, recorrendo a práticas igualmente "nobres", como roubar-lhes as roupas ao fim do dia para garantir que se esfumacem com a noite.

Ocorre-me dizer muito pouco, dado que medidas de exclusão como estas, ainda que encapuçadas de uma política de reinserção social, para além de perversas, merecem zero de margem de tolerância. Informação mais detalhada sobre este e outros assuntos da região podem ser lidos aqui

Laura Nadar

terça-feira, 29 de novembro de 2011

assim se faz



Vi recentemente este retrato de acções directas por um grupo de ativistas ambiental (e anti-capitalista e defensor da autonomia e auto-gestão, etc) que elogio pela clareza de ideias, pela crueza da descrição e por conseguir evitar as armadilhas da valorização exuberante de determinado tipo de comportamento; por fazer sobretudo o elogio do conhecimento, conseguindo assim estabelecer os paralelos desejados entre teoria e acção.

Independentemente dos meios de que cada um dispõe, o documentário faz um apelo conciso e despretensioso à desobediência civilizada, explicando estratégias de organização e apontando algumas diferenças entre o que define uma acção e/ou tomada de posição com consequências directas e os problemas que podem advir de manifestações e atitudes que não pretendem chegar a lado algum.

Apesar do filme não ter conseguido ainda distribuição, no seu espaço online é sugerido que a distribuição seja feita livremente nas acampadas de todo o mundo, tal como foi feito em Londres. Legalidades à parte e porque o mais importante é que a mensagem circule, aqui fica um link de acesso marginal. Quem se revir que divulgue!

Laura Nadar

Comunicado dos advogados dos detidos a 24 de Novembro

COMUNICADO SOBRE OS ACONTECIMENTOS DO DIA DA GREVE GERAL DE 24 DE NOVEMBRO DE 2011
Considerando a manifestação de 24 de Novembro em Lisboa, dia de greve geral, os momentos de brutalidade policial que aí ocorreram, a difusão mediática destes acontecimentos e a natureza das acusações formuladas contra os manifestantes, sentimo-nos obrigados a reclamar o “direito de resposta” para impedir a calúnia gratuita e a perseguição política.
Acreditamos, por aquilo que vemos, ouvimos e lemos todos os dias, que a televisão e os jornais são poderosos meios de intoxicação, de controlo social e de propagação da ideologia e do imaginário capitalista. A maioria das vezes recusamo-nos a participar no jogo mediático. Desta vez a natureza e gravidade das acusações impele alguns de nós a escrever este comunicado. A leitura que fazemos da realidade e daquilo que é dito sobre os acontecimentos do dia da greve geral tornam evidente que:
I. Está em curso acelerado a mais violenta banalização de um estado policial com recurso a agentes infiltrados, detenções arbitrárias, espancamentos, perseguições, bem como a justificação política de detenções e a construção de processos judiciais delirantes sustentados em mentiras.
II. Sobe de escala a montagem jornalístico-policial que visa incriminar, perseguir e reprimir violentamente – veremos mesmo se não aprisionar – pessoas que partilham um determinado ideário político, pelo simples facto de partilharem esse ideário. A colaboração entre jornalistas e polícias na construção de um contexto criminalizante tem o seu expoente máximo nas narrativas delirantes da admirável Valentina Marcelino do Diário de Notícias e das suas fontes, como José Manuel Anes do Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo.
III. A participação na construção deste discurso por parte de inúmeras instâncias de poder, desde sindicatos e partidos até ao mais irrelevante comentador de serviço, cria o clima ideal para que o anátema lançado sobre os “anarquistas” ou os “extremistas de esquerda” ajude a legitimar a montagem de processos judiciais, a invasão de casas, as detenções sumárias. Ao contrário do que a maioria pensa, são realidades com as quais convivemos há já algum tempo.
Por isso mesmo, vimos deste modo dar a nossa versão do que aconteceu no dia 24 de Novembro. Sendo que acreditamos que estamos especialmente bem colocados para falar do que aconteceu porque criámos um “Grupo de Apoio Legal”, que acompanhou a manifestação e está a procurar defender judicial e publicamente os detidos nesse dia por forças da ordem pública.
Fazemo-lo não por se tratar de companheiros “anarquistas”. Aliás, não só nenhum deles se conhecia entre si antes de ser detido, como nenhum de nós conhecia previamente nenhum dos detidos – a própria polícia será testemunha de que nem sabíamos os seus nomes.
Fazemo-lo porque – ao contrário dos sindicatos – consideramos que é nossa responsabilidade, enquanto indivíduos lúcidos, activos e organizados, apoiar e mostrar solidariedade com todas as pessoas que se juntam a uma greve que nós também convocámos. Sobretudo para com aqueles que foram vítimas de repressão e perseguição na sequência desse dia.
Temos por isso acesso aos processos e estamos neste momento a reunir provas e testemunhos que possam repor a “verdade legal” que, sabemos já, chegará tarde de mais para ser atendida pelos ritmos e critérios jornalísticos. Sobre o que aconteceu no dia 24 Novembro em São Bento temos testemunhos, vídeos e fotos que documentam o seguinte:
_Não sabemos exactamente o que aconteceu nos segundos de agitação em que as grades de contenção foram derrubadas. Infelizmente não estávamos no local e não pudemos participar. Sabemos apenas que, na sequência dessa confusão, um grupo de três polícias infiltrados apontou um alvo, num canto oposto a onde se deu o derrube (na rampa junto à Calçada da Estrela). Esse alvo era um rapaz de 17 anos, estudante no Liceu Camões. Poucos minutos depois, já fora da manifestação e em plena Calçada da Estrela, os três homens não identificados abordaram o rapaz e enfiaram-no num carro sem anúncio prévio de detenção. Várias pessoas, entre elas alguns colegas e professores, manifestaram-se contra essa detenção, aparentemente injustificada. Mais tarde, outro homem com cerca de 30 anos é detido de forma idêntica.
_Pode-se ainda observar claramente em vários vídeos que as três detenções que tiveram lugar no local onde as barreiras policiais foram derrubadas foram levadas a cabo por agentes não identificados que entraram no corpo da manifestação para deter, arrastar e algemar sem qualquer aviso os manifestantes. Segundo as leis que os próprios dizem defender, qualquer detenção com estas características tem um nome: sequestro.
_Já no fundo da Calçada da Estrela, três jovens dirigiam-se ao Minipreço da Rua de S. Bento quando um grupo de quatro homens que não se identificaram como agentes policiais, agarrou um deles e o encostou à parede. Enquanto um dos agentes à paisana afastava os outros dois, um rapaz com 21 anos de origem alemã era agredido brutalmente, como foi testemunhado por várias pessoas e registado em vídeo. Tudo indica que o agente que a polícia diz ter sido ferido se magoou na sequência desta detenção ilegal no momento em que o rapaz alemão procurava resistir a uma agressão sem sequer perceber ainda o que lhe estava a acontecer. A polícia veio mais tarde justificar a sua acção pelo facto de o rapaz ser perigoso e procurado pela Interpol.
Parece-nos da ordem do fantástico que todos os jornalistas e comentadores que se pronunciaram sobre o sucedido pareçam acreditar que um juiz de instrução possa libertar imediatamente alguém procurado pela INTERPOL.
O que para nós fica claro, após os acontecimentos descritos, é que se preparam novos métodos de contenção social e se assiste a uma escalada na repressão de qualquer gesto de contestação.
Neste contexto, o anúncio de que o ataque às montras de repartições de finanças foi obra de “anarquistas extremistas” é o corolário de uma operação que visa marginalizar e criminalizar toda a dissidência e toda a oposição activa ao regime que se procura impor. Não é apresentada nenhuma prova, nenhum indício que sustente sequer uma suspeita, quanto mais uma acusação.
Tornou-se uma evidência nestes anos de crise que os Estados e os seus gabinetes de finanças, têm em curso um roubo organizado das populações, através de impostos que servem em grande medida para cobrir os grandes roubos nas altas esferas do poder e da economia. Neste sentido, a criminalização dos anarquistas, e a sua identificação como o inimigo interno, serve sobretudo para isolar esses acontecimentos do crescente sentimento de revolta e da tomada de consciência social que atravessa a sociedade no seu todo.
Dito isto, é preciso salientar que um “anarquista” é, antes de tudo, um defensor da liberdade individual, da autonomia e da organização horizontal e igualitária; Que, não existindo nenhum partido ou organização central que emita uma posição correspondente àquilo que “todos os anarquistas” pensam, este comunicado é apenas uma visão parcial de alguns indivíduos que partilham um património filosófico e social que são as ideias anarquistas. Uma versão naturalmente sujeita a críticas e discussão por parte dos nossos amigos e companheiros.
Por fim, gostávamos apenas de recordar a todas as pessoas que lutam para manter a sua lucidez, que o regime implantado no dia 28 de Maio de 1926 começou precisamente por se justificar com a necessidade de combater a anarquia e de reprimir os anarquistas, que nessa altura se organizavam em torno da Confederação Geral do Trabalho. Hoje é fácil perceber a natureza desse regime, nessa altura não o era.
Ontem como hoje, cada um de nós tem que decidir individualmente se toma posição activa contra o que está a acontecer ou se, com a sua passividade, colabora com o estado de coisas.
Grupo de Apoio Legal para o 24N
Lisboa, 28 de Novembro de 2011

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

pode ser que assim lá vá


Uma curta animada do glaswegian David Shrigley sobre o futuro das Artes depois dos cortes esperados.

Laura Nadar

terça-feira, 22 de novembro de 2011

O absolutismo na comunicação espectacular


Não pretendo com este texto fazer um escrutínio sobre o Anonymous, as suas possíveis intenções ou o seu modus operandi, apenas denunciar um modo de fazer jornalismo que cada vez mais se generaliza. Se a Jornalista queria fazer uma peça sobre um fenómeno mundial que tem ganho algum mediatismo de entre os movimentos contestatários e que se caracteriza pela ausência de um corpo central que o chefie, devia ter-se escusado a fazer uma peça de quase dois minutos onde praticamente só adjectiva o movimento e pouca ou nenhuma informação concreta dá. Não é algo que seja novo mas é cada vez mais escabrosa a forma como alguns temas se prestam tão facilmente a que um meio de informação, cuja missão devia ser o de informar, na lógica da pirâmide organizacional de um Estado Democrático, tendo em conta o direito do cidadão à informação e ao exercício do seu pensamento crítico, se torna num meio de propaganda e hegemonia cultural. É óbvio que vivemos um, cada vez mais claro, Estado de excepção em que muitos se auto proclamam como polícias da cultura dominante e da ditadura do senso comum e nos dão ordens precisas sobre a forma como devemos compreender ou não cada fenómeno social. Seja este fenómeno uma crise económica ou um movimento contestatário. Estes factores devem, antes de mais, fazer-nos reflectir sobre a natureza do sistema vigente cuja incapacidade de cumprir com a promessa que nos é feita à priori fica cada vez mais clara. 
Tiago Sousa

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Hoje à noite



Com este vosso humilde servo na banda sonora interpretada ao vivo e sonoplastia. 
Às 21:30 na Casa Fernando Pessoa, em Campo de Ourique. Clicar na foto para mais pormenores.

Vai ser preciso largar

E ir...

Por agora fica um de uma série que pode ser vista aqui 

Cuidado! Não vale tropeçar nos clichés formais pelo caminho

Laura Nadar

Correio interno

(e-mail enviado ao Maturino Galvão):

Caríssimo:

A série de desenhos que me enviaste já foi toda publicada, com excepção de um, que achei que ficava já um bocado desactualizado devido ao tempo que vai passando. Aguardo então por mais, para quando puderes, claro. Agora que o único e exclusivo culpado por este estado de coisas, o Duarte Lima, vai passar uns tempos atrás das grades para motivos de catarse nacional, espera-se um rápido retorno à prosperidade deste nosso jardim. Sem qualquer dúvida que este será o mote para a implementação neste país de uma justa distribuição da riqueza, através de um sistema fiscal decente, de uma justiça rápida, eficaz e independente dos interesses, de reformas dignas, de salários ao nível da nossa utopia Europa. Vamos, aliás, e como sabes melhor que ninguém, recuperar o nosso papel histórico de farol da Europa, concretização do querido Quinto Império em modo pastiche. Mas apesar disto tudo, continuarás a ter matéria de sobra para os "Sinais", confio.

Um abraço

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Paulo Granjo: apelo aos comerciantes

O Paulo Granjo publicou um apelo muito interessante aos comerciantes para que adiram à Greve Geral, que abaixo se reproduz. Ele diz-nos que irá passar o texto aos da sua zona, que conhece pessoalmente, e com quem tem, portanto, relações que o tornam alguém credível aos seus olhos. Uma ideia muito válida, que pode ser partilhada por todos, já que o texto foi disponibilizado para download aqui (adaptando o quinto parágrafo).


APELO AOS COMERCIANTES

Caro Senhor comerciante:
É verdade que nos dias de greves a facturação costuma ser um pouco melhor.
É também verdade que as greves costumam ser feitas pelas pessoas que trabalham para outras, e não por quem tem o seu próprio negócio.
É verdade, ainda, que nas greves gerais as lojas costumam continuar abertas, dando a impressão de que tudo está normal e de que os comerciantes não têm nada a ver com o assunto.
Mas esta Greve Geral também tem a ver consigo. E muito.
Veja o meu caso: Desde o início do ano que levo para casa menos X% do salário. No Natal, vou receber quase menos XXXX euros de subsídio. No ano que vem, querem continuar a cortar-me no ordenado e não me querem pagar nem o subsídio de Natal, nem o de férias. E lá para Março vou pagar mais de IRS.
Quem é que acha que vai sofrer com isso, para além de mim e da minha família?
Não é o banco, pois a esse tenho sempre que continuar a pagar a casa.
São as compras que lhe faço a si e aos seus colegas que irão ficar cada vez mais pequenas, tal como as de todas as outras pessoas na minha situação. É também o senhor quem vai sofrer com isso.
Quanto mais o país ficar parado no dia 24, mais hipóteses há de que as coisas não sejam assim no ano que vem.
Ao fechar a porta do seu estabelecimento no dia da Greve Geral, estará a defender os interesses dos seus clientes e estará a defender os seus próprios interesses.
Peço-lhe que pense nisso.
Ass: NOME, PROFISSÃO

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Fuck you and your politics

774 shares, 477 comentários, 1.414 pessoas fizeram “like”. É o novo fenómeno viral do facebook e inclui uma polémica (ver aqui) entre uma banda quase desconhecida, os Evols, e uma resposta idiota de um funcionário da Everything is New, a conhecida promotora de espectáculos. Gostava de alinhar umas quantas ideias sobre este assunto:
Passando os olhos na diagonal pelos comentários que se escrevem sobre o caso, apercebemo-nos que a grande razão para a indignação das pessoas é o facto da proposta da promotora ir no sentido de não existir qualquer tipo de compensação monetária para a banda actuar. Nem pagamento de cachet nem qualquer ajuda com as despesas inerentes. Na minha perspectiva esta indignação está relacionada com uma ideia geral de trabalho. O trabalho é compreendido como tendo um objectivo. O da recompensação monetária por um esforço que de outro modo poucos motivos teríamos para empenhar. Existe uma relação directa entre o trabalho e a necessidade de sobrevivência e uma relação que surge num segundo plano, e que se fecha numa minoria, de pessoas que trabalham para sobreviver mas retiram outros proveitos da relação de trabalho, como realização pessoal, desenvolvimento intelectual ou independência de patrões. Aquilo que fenómenos como a precaridade, os estágios não-remunerados, ou outras formas de trabalho mal pagos deixam latente é que retirando o único factor pelo qual trabalhamos o que sobra desta relação é a posição de prostração e subjugação do indivíduo ao trabalho. Só nesta altura parecemos encontrar motivos para nos revoltarmos contra esta relação apesar das circunstâncias serem exactamente as mesmas quer sejamos remunerados ou não. Quantos de nós, bem pagos ou mal pagos, não sofremos o famoso “Sunday Blues” quando nos lembramos da obrigação que temos na segunda feira? Quantos de nós não gostariam de poder responder na exacta medida que o nosso patrão nos merece? Ou fugir do trabalho num belo dia de sol? A verdade é que a relação que temos com um trabalho a horas marcadas, funções designadas, sem autonomia ou liberdade crítica e de pensamento é naturalmente uma relação contraproducente. O trabalho é em grande medida uma execução maquinal e repetitiva que nos ocupa uma fatia considerável do dia-a-dia e nos sorve energias e predisposição para desenvolvimento individual. 
Existe no entanto um grande número de pessoas que desenvolve outro tipo de actividades que lhe dão muito mais prazer e que sentem ser muito mais consequentes, sem que com essa actividade retirem qualquer tipo de recompensa monetária ou retirem apenas recompensa residual. Normalmente chamamos a isso hobbys ou passatempos. Estas actividades estão em grande medida muito mais relacionadas com o desenvolvimento das nossas valências e vocações. Quando a frustração de uma vida virada para o trabalho nos horroriza parece surgir em nós uma natural ambição de realização fora do seu âmbito. Em grande medida o fenómeno da música encontra aqui um eco. 
Quantos músicos não-profissionais trabalham arduamente no desenvolver das suas ideias criativas ou na busca de carreiras de sucesso? Talvez seja algo pouco claro para a maioria das pessoas mas o desenvolver de um projecto deste género depreende a colocação de muitas horas de trabalho que não é remunerado e investimento que não tem um consequente e imediato retorno. Em parte a Everything is New sabe isso muito bem. Crê que está a dar uma oportunidade de exposição aos músicos, e na realidade está, que se for bem empreendida pode corresponder num retorno posterior. Por isso, não é assim tão estranho, que músicos toquem de borla em determinados eventos, disponibilizem a sua música de forma gratuita na internet, ofereçam discos na compra de bilhetes para concertos, ou outras estratégias de exposição semelhante. Estes músicos compreendem que ocupam um lugar de produtores na cadeia de consumo cultural. Um dos factores que os poderá levar ao sucesso é a exposição da sua obra. Talvez surpreenda muita gente mas num outro festival promovido pela mesma Everything is New, e que tem o apoio de uma grande empresa de telecomunicações que até dá a cara por um projecto direcionado para a distribuição de música gratuita na internet, existe um palco, com o mesmo nome deste projecto que vos falo, onde os músicos tocam sem receber cachet. Assim como possa parecer estranho para muita gente a constatação de que os músicos que fazem o chamado circuito de uma reconhecida loja de artigos culturais recebam muito pouco para o fazer. Muitas vezes o músico oferece o que tem para vender pois sabe que o seu potencial cresce na medida em que mais pessoas sigam o seu trabalho e potencialmente se possam tornar compradores dessa música. É uma estratégia de marketing utilizada em muitas indústrias. Oferta de um determinado produto emergente como forma de chamar a atenção para as suas potenciais qualidades. 
Existe no entanto uma contradição latente, que mais uma vez tem um correspondente com a relação de exploração que vivemos nas relações mercantis actuais. Estas empresas fazem muito, mesmo muito dinheiro com a música. E é apenas reflexo da sociedade capitalista que vivemos que, na altura de dividir o proveito que retiram dos eventos que promovem e para o qual os artistas são uma peça fundamental, sejam eles cabeças de cartaz ou abertura de palcos secundários, o façam de modo tão desigual e injusto. Seguindo esta lógica de raciocínio a crítica volta-se contra os próprios músicos e contra o próprio público. Os mesmos que se fazem mostrar pelos números indicados no início deste texto. Quem alimenta este sistema são, em última análise, eles próprios. Se de facto indigna assim tanto as pessoas que situações destas aconteçam com artistas de que gostam, ou que poderão vir a gostar, talvez fosse importante pensar se, em vez de protestar no facebook ou enviar emails de protesto para as caixas postais destas empresas, não deveriam rever as suas relações de consumo. Os festivais ou concertos de massas são o desenrolar de um processo de mercantilização espectacular e por isso estão emprenhados do mesmo espírito contra o qual nos revoltamos no dia-a-dia. A socialização mediada por imagens em que o fim não é nada, o desenrolar é tudo. Exercício de imagens-objecto adornadas tendo em vista a ficção da produtividade moderna. Não é mais do que a dominação do homem quando a economia já os dominou totalmente. Um deslocamento da realização humana do ser para o ter e do ter para o parecer. A degradação da vida colectiva num universo especulativo. Uma reconstrução material da ilusão religiosa como tão bem nos mostra Guy Debord através destas considerações retiradas do seu livro A Sociedade do Espectáculo.
Talvez da próxima vez em que estejamos a pagar por um bilhete devamos considerar se nos apetece mesmo dar dinheiro e atenção a estes seres abjectos que são os concertos de massas ou se não estaremos interessados em procurar experiências que possam ser mais reais e profundas. Porque esse circuito paralelo, felizmente, ainda vai existindo. Os próprios músicos devem assumir a sua quota-parte e considerar o seu papel. Se pretendem continuar a fomentar este tipo de relação com o seu público e com a indústria ou desbravar caminhos que os levem a conquistar uma independência mais consequente em relação a estas grandes corporações. Assumir claramente se querem fazer parte deste joguete. Se querem ser um peão nas mãos do espectáculo ou pretendem eliminar a mediação entre a sua produção artística e o consumo da mesma. 
Se queremos contestar e superar estas lógicas estabelecidas devemos compreender que a sabotagem das suas relações é o primeiro passo a desenvolver. Todos temos um papel considerável na aceitação destas normas ao exercer o nosso papel de consumidores, de empregados ou produtores. Ao colocarmo-nos na posição de detentores das nossas decisões ou de aceitarmos alienar esse poder. É certo que as relações são por demais complexas. E primeiro que tudo é preciso iniciar um processo de descodificação e desconstrução da realidade. É igualmente complexo descortinar os procedimentos de cada um dos agentes envolvidos. É por isso que é tão importante discutir estas questões em voz alta para que possamos reflectir em conjunto sobre os modos de superar estas relações tendo em vista a capacidade de tornar a crítica consequente e a acção fundamentada.

Tiago Sousa