É com posts como este que é posta a nu a miséria moral de uma certa parte da "extrema-esquerda", enredada na ilusão das escolhas obrigatórias, e perdida ideologicamente e praticamente, de tal modo que, cega pelo seu ódio ao sistema vigente, desesperada pela aparente falta de respostas (que não as vê, o que não quer dizer que elas não existam), resolve "escolher": escolher tudo o que (aparentemente, pois se o faz de facto, é outra conversa) se "oponha" ao "capitalismo". É assim que esta esquerda escolhe o Hamas e o Irão contra os Estados Unidos, o que se é um erro e uma prova de ingenuidade e de infantilidade na forma de olhar para a complexidade do Mundo, pelo menos pode-se discutir. Mas é também assim que esta esquerda escolhe nem mais nem menos que o lado dos gangsters, que aterrorizam e oprimem os habitantes das favelas brasileiras, e são pelo menos tão responsáveis pela falta de saída das vidas dessa gente como o estado brasileiro e a ordem social vigente (aliás: não serão eles parte da ordem social vigente?), posto que do outro lado está "o estado", e o exército, e a lei do Brasil. Temos assim que os criminosos das favelas brasileiras, que assassinam os seus vizinhos, que enriqueceram à custa dos seus concidadãos e dos quais não se conhece um pingo de um programa de solidariedade social, são elevados a verdadeiros revolucionários urbanos, quiçá à esperança dos desesperados da extrema-esquerda, que detestam o sistema, não encontram alternativas, e alucinam com exércitos revolucionários onde apenas está o fascismo (no caso islamita) ou a pura delinquência (no caso em apreço). Preto ou Branco. Capitalismo ou os seus inimigos. Esta é a armadilha teórica que resulta na falência moral das posições do Renato Teixeira.
terça-feira, 30 de novembro de 2010
Manifesto dos economistas aterrorizados (falsa evidência nº 3)
Falsa evidência n.º 3:
OS MERCADOS SÃO BONS JUIZES DO GRAU DE SOLVÊNCIA DOS ESTADOS
Segundo os defensores da eficiência dos mercados financeiros, os operadores de mercado teriam em conta a situação objectiva das finanças públicas para avaliar o risco de subscrever um empréstimo ao Estado. Tomemos o exemplo da dívida grega: os operadores financeiros, e todos quantos tomam as decisões, recorreram unicamente às avaliações financeiras para ajuizar sobre a situação. Assim, quando a taxa exigida à Grécia ascendeu a mais de 10%, cada um deduziu que o risco de incumprimento de pagamento estaria próximo: se os investidores exigem tamanho prémio de risco é porque o perigo é extremo.
Mas há nisto um profundo erro, quando compreendemos a verdadeira natureza das avaliações feitas pelos mercados financeiros. Como não é eficiente, o mais provável é que apresente preços completamente desconectados dos fundamentos económicos. Nessas condições, é irrazoável entregar unicamente às avaliações financeiras a análise de uma dada situação. Atribuir um valor a um título financeiro não é uma operação comparável a medir uma proporção objectiva, como por exemplo calcular o peso de um objecto. Um título financeiro é um direito sobre rendimentos futuros: para o avaliar é necessário prever o que será o futuro. É uma questão de valoração, não uma tarefa objectiva, porque no instante t o futuro não se encontra de nenhum modo predeterminado. Nas salas de mercado, as coisas são o que os operadores imaginam que venham a ser. O preço de um activo financeiro resulta de uma avaliação, de uma crença, de uma aposta no futuro: nada assegura que a avaliação dos mercados tenha alguma espécie de superioridade sobre as outras formas de avaliação.
A avaliação financeira não é, sobretudo, neutra: ela afecta o objecto que é medido, compromete e constrói um futuro que imagina. Deste modo, as agências de notação financeira contribuem largamente para determinar as taxas de juro nos mercados obrigacionistas, atribuindo classificações carregadas de grande subjectividade, contaminadas pela vontade de alimentar a instabilidade, fonte de lucros especulativos. Quando baixam a notação de um Estado, as agências de notação aumentam a taxa de juro exigida pelos actores financeiros para adquirir os títulos da dívida pública desse Estado e ampliam assim o risco de colapso, que elas mesmas tinham anunciado.
Para reduzir a influência da psicologia dos mercados no financiamento dos Estados, colocamos em debate duas medidas:
Medida n.º 8: As agências de notação financeira não devem estar autorizadas a influenciar, de forma arbitrária as taxas de juro dos mercados de dívida pública, baixando a notação de um Estado: a sua actividade deve ser regulamentada, exigindo-se que essa classificação resulte de um cálculo económico transparente;
Medida n.º 8 (b): Libertar os Estados da ameaça dos mercados financeiros, garantindo a compra de títulos da dívida pública pelo BCE.
domingo, 28 de novembro de 2010
La Moda.
Música de Ennio Morricone;
La Donna Invisible, de Paolo Spinola, Itália, 1969.
As coisas verdadeiramente boas não passam nunca de moda.
sexta-feira, 26 de novembro de 2010
Where's the orchestra?
Where's the orchestra?
"That the espousal of authenticity takes the form of a kind of soft relativism means that the vigorous defence of any moral ideal is somehow off limits.
(...)
In adopting the ideal, people in the culture of authenticity, as I want to call it, give support to a certain kind of liberalism, which has been espoused by many others as well. This is the liberalism of neutrality. One of its basic tenets is that a liberal society must be neutral on questions of what constitutes a good life. The good life is what each individual seeks, in his or her own way, and government would be lacking in impartiality, and thus in equal respect for all citizens, if it took sides on this question.
(...)
The result is an extraordinary inarticulacy about one of the constitutive ideals of modern culture. Its opponents slight it, and its friends can't s peak of it."
Charles Taylor in The Ethics of Authenticity
"That the espousal of authenticity takes the form of a kind of soft relativism means that the vigorous defence of any moral ideal is somehow off limits.
(...)
In adopting the ideal, people in the culture of authenticity, as I want to call it, give support to a certain kind of liberalism, which has been espoused by many others as well. This is the liberalism of neutrality. One of its basic tenets is that a liberal society must be neutral on questions of what constitutes a good life. The good life is what each individual seeks, in his or her own way, and government would be lacking in impartiality, and thus in equal respect for all citizens, if it took sides on this question.
(...)
The result is an extraordinary inarticulacy about one of the constitutive ideals of modern culture. Its opponents slight it, and its friends can't s peak of it."
Charles Taylor in The Ethics of Authenticity
© Franz Xaver Messerschmidt, The Yawning One, uma das inúmeras esculturas em que Messerchmidt expressa a procura de uma fisionomia com que se identifique
Laura Nadar
quinta-feira, 25 de novembro de 2010
"Casa dos grevistas" despejada pela polícia.
Casa dos grevistas from Antonio Maria Leal on Vimeo.
Desta vez durou pouco. A justiça e as "forças da ordem" em Portugal são quase sempre extraordinariamente solícitas quando se trata de desalojar ocupações.
A greve, a ocupação e os serviços mínimos
Foto roubada ao Spectrum
À manifestação de ontem, que no decurso da dita apelidei de "serviços mínimos da luta anti-capitalista", sucedeu, surpreendentemente, uma acção de luta que aprecio, apoio incondicionalmente, e que espero que tenha sucesso: uma nova ocupação em Lisboa, a segunda em poucos meses, desta vez na Rua de São Lázaro, 94. A coisa envolve distribuição gratuita de sopas, e uma rádio pirata disponível em 108.0 fm. Já se sabe que a mobilização nos primeiros dias é essencial, pelo que se apela à presença de todos no local.
No Spectrum encontram o essencial tanto sobre esta ocupação como sobre a manifestação. Da minha parte o tempo é neste momento muito escasso, pelo que este blogue também está mais ou menos a cumprir os serviços mínimos.
sábado, 20 de novembro de 2010
Amanhã, a NATO e a manif
Foi uma semana complicada. Primeiro, a ressacar do Barreiro Rocks, depois os problemas no acesso à net, e eis que o momentum para se escrever sobre a cimeira da NATO, e os protestos contra a mesma, de algum modo se esfumou. Ou será que não? Ter-me-ia apetecido, certamente, abordar dois ângulos: o primeiro, o da nojenta campanha lançada pelas autoridades e patrocinada pelos media (desculpem-me os ofendidos, mas cada vez concordo mais com o post do Luiz mais abaixo), destinada a lançar o medo e confundir os protestos contra a cimeira com acções perpetradas por criminosos, ou a envolver a desobediência civil e mesmo a resistência violenta nessa capa estúpida mas conveniente, o "terrorismo". Hoje, já em cima da hora, todos já sabemos que: não vem, nem nunca planeou vir a Portugal, ninguém do "Black Bloc", ou do que o valha; e que se preparam coisas feias contra os mesmos de sempre (a meia dúzia de anarcas portugueses, e desta vez as outras dúzias de anarcas de outros países que cá estarão). O que me leva exactamente ao segundo ângulo, já que temo que a porrada seja aplicada com a indiferença, e mesmo com o aplauso, de outras "organizações de esquerda" que pretendem monopolizar o protesto na sua agenda, e ao serviço não da luta contra a NATO, o militarismo ou mesmo o capitalismo, mas dos interesses de um partido político, o do costume. A este respeito, exemplar, exemplar, é a troca de argumentos nos comentários a este post do Cinco Dias (138 comentários ao momento!). Leiam, e descubram, se ainda não conhecem, não só o sectarismo e a desunião da Esquerda no seu esplendor, como ilustradas as razões pelas quais eu quero que o PCP se extinga. Nada há de mais sectário e controlador que o PCP, e a união da Esquerda, mesmo que por causas pontuais, só será conseguida à custa do enfraquecimento desse partido. Não acreditam? Pois vejam como pretendem controlar a "sua" manifestação, e mesmo impedir os outros de o fazer como pretendem. O argumentário utilizado é todo um programa: "os outros que vão fazer A SUA manifestação para outro lado, esta é a NOSSA manifestação", and so on (há ali até um ponto em que a coisa chega ao delírio, quando defendem que uma lei se superioriza à constituição, ou quando utilizam em seu benefício pareceres do MAI - a fidelidade ao partido exige todos os desmandos).
Aqui neste blogue somos sectários à vontade, pelo que colocamos o cartaz da organização menos sectária,
a tal que foi mandada fazer "a sua" manifestação para outro lado.
sexta-feira, 19 de novembro de 2010
Manifesto dos economistas aterrorizados (falsa evidência nº2)
Falsa evidência n.º 2:
OS MERCADOS FINANCEIROS FAVORECEM O CRESCIMENTO ECONÓMICO
A integração financeira conduziu o poder da finança ao seu zénite, na medida em que ela unifica e centraliza a propriedade capitalista à escala mundial. Daí em diante, é ela quem determina as normas de rentabilidade exigidas ao conjunto dos capitais. O projecto consistia em substituir o financiamento bancário dos investidores pelo financiamento através dos mercados de capitais. Projecto que fracassou porque hoje, globalmente, são as empresas quem financia os accionistas, em vez de suceder o contrário. Consequentemente, a governação das empresas transformou-se profundamente para atingir as normas de rentabilidade exigidas pelos mercados financeiros. Com o aumento exponencial do valor das acções, impôs-se uma nova concepção da empresa e da sua gestão, pensadas como estando ao serviço exclusivo dos accionistas. E desapareceu assim a ideia de um interesse comum inerente às diferentes partes, vinculadas à empresa. Os dirigentes das empresas cotadas em Bolsa passaram a ter como missão primordial satisfazer o desejo de enriquecimento dos accionistas. Por isso, eles mesmos deixaram de ser assalariados, como denota o galopante aumento das suas remunerações. De acordo com a teoria da “agência”, trata-se de proceder de modo a que os interesses dos dirigentes estejam alinhados com os interesses dos accionistas.
Um ROE (Return on Equity ou rendimento dos capitais próprios) de 15% a 25% passa a constituir a norma que impõe o poder da finança às empresas e aos assalariados e a liquidez é doravante o seu instrumento, permitindo aos capitais não satisfeitos, a qualquer momento, ir procurar rendimentos noutro lugar. Face a este poder, tanto os assalariados como a soberania política ficam, pelo seu fraccionamento, em condição de inferioridade. Esta situação desequilibrada conduz a exigências de lucros irrazoáveis, na medida em que reprimem o crescimento económico e conduzem a um aumento contínuo das desigualdades salariais. Por um lado, as exigências de lucro inibem fortemente o investimento: quanto mais elevada for a rentabilidade exigida, mais difícil se torna encontrar projectos com uma performance suficientemente eficiente para a satisfazer. As taxas de investimento fixam-se assim em níveis historicamente débeis, na Europa e nos Estados Unidos. Por outro lado, estas exigências provocam uma constante pressão para a redução dos salários e do poder de compra, o que não favorece a procura. A desaceleração simultânea do investimento e do consumo conduz a um crescimento débil e a um desemprego endémico. Nos países anglo-saxónicos, esta tendência foi contrariada através do aumento do endividamento das famílias e através das bolhas financeiras, que geram uma riqueza assente num crescimento do consumo sem salários, mas que desemboca no colapso.
Para superar os efeitos negativos dos mercados financeiros sobre a actividade económica, colocamos em debate três medidas:
Medida n.º 5: Reforçar significativamente os contra-poderes nas empresas, de modo a obrigar os dirigentes a ter em conta os interesses do conjunto das partes envolvidas;
Medida n.º 6: Aumentar fortemente os impostos sobre os salários muito elevados, de modo a dissuadir a corrida a rendimentos insustentáveis;
Medida n.º 7: Reduzir a dependência das empresas em relação aos mercados financeiros, incrementando uma política pública de crédito (com taxas preferenciais para as actividades prioritárias no plano social e ambiental).
quinta-feira, 18 de novembro de 2010
Os homens são todos iguais, mas uns são mais homens do que outros.
quarta-feira, 17 de novembro de 2010
Do desaparecimento
Um fim de semana de Barreiro Rocks, mais três dias de problemas no acesso à net, que ainda não estão totalmente resolvidos... Mais logo o regresso em pleno.
domingo, 14 de novembro de 2010
quinta-feira, 11 de novembro de 2010
Barreiro Rocks 2010
A décima edição da loucura barreirense (também conhecida como "o fim do mundo que dura dois dias") está aí, com mais um cartaz de luxo. Num festival que priveligia o garage-rock, confesso que são as suas vertentes mais heterodoxas que prefiro, pelo que os meus destaques deste ano são Demon's Claws e The Strange Boys, amanhã, e Nicotine's Orchestra e Guadalupe Plata, no Sábado. E claro que é de destacar a festa que é todo o festival, onde sempre se transpira simpatia e boa disposição, nunca se viu uma confusão (bom, lembro-me de uma, mas causada por um certo músico ciumento...), e se começam concertos pelas três da manhã, para se ouvir música até ao sol raiar. Felizmente que estas são qualidades que tem vindo a ser cada vez mais reconhecidas, e que o festival cresce de prestígio e de visitantes de ano para ano. Que tal uma saltada para verificar? Mais informações aqui.
Only a Woman's Hair
Only a Woman's Hair
«The delusional formation, which we take to be the pathological product, is in reality an attempt at recovery, a process of reconstruction. Such a reconstruction after the catastrophe is successful to a greater or lesser extent, but never wholly so; in Schreber’s words, there has been a ‘profound internal change’ in the world. But the human subject has recaptured a relation, and often a very intense one, to the people and things in the world, even though the relation is a hostile one now, where formerly it was hopefully affectionate. We may say, then, that the process of repression proper consists in a detachment of the libido from people – and things – that were previously loved. It happens silently; we receive no intelligence of it, but can only infer it from subsequent events. What forces itself so noisily upon our attention is the process of recovery, which undoes the work of repression and brings back the libido again on to the people it had abandoned»
Freud, in ‘Psychoanalytic Notes On An Autobiographical Account Of A Case Of Paranoia’
© Dan Estabrook, from the series Nine Symphtons, 2004
Laura Nadar
Manifesto dos economistas aterrorizados (falsa evidência nº1)
Falsa evidência n.º 1:
OS MERCADOS FINANCEIROS SÃO EFICIENTES
Existe hoje um facto que se impõe a todos os observadores: o papel primordial que desempenham os mercados financeiros no funcionamento da economia. Trata-se do resultado de uma longa evolução, que começou nos finais da década de setenta. Independentemente da forma como a possamos medir, esta evolução assinala uma clara ruptura, tanto quantitativa como qualitativa, em relação às décadas precedentes. Sob a pressão dos mercados financeiros, a regulação do capitalismo transformou-se profundamente, dando origem a uma forma inédita de capitalismo, que alguns designaram por “capitalismo patrimonial”, por “capitalismo financeiro” ou, ainda, por “capitalismo neoliberal”.
Estas mudanças encontraram na hipótese da eficiência informacional dos mercados financeiros a sua justificação teórica. Com efeito, segundo esta hipótese, torna-se crucial desenvolver os mercados financeiros e fazer com que eles possam funcionar o mais livremente possível, dado constituírem o único mecanismo de afectação eficaz do capital. As políticas obstinadamente levadas a cabo nos últimos trinta anos seguem esta recomendação. Trata-se de construir um mercado financeiro mundialmente integrado, no qual todos os actores (empresas, famílias, Estados, instituições financeiras) possam trocar toda a espécie de títulos (acções, obrigações, dívidas, derivados, divisas), em qualquer prazo (longo, médio e curto). Os mercados financeiros assemelharam-se cada vez mais ao mercado “sem fricção”, de que falam os manuais: o discurso económico convertera-se em realidade. Como os mercados se tornaram cada vez mais “perfeitos”, no sentido da teoria económica dominante, os analistas acreditaram que doravante o sistema financeiro passaria a ser muito mais estável que no passado. A “grande moderação” – o período de crescimento económico sem subida dos salários, que os Estados Unidos conheceram entre 1990 e 2007 – parecia confirmá-lo.
Apesar de tudo o que aconteceu, o G20 persiste ainda hoje na ideia de que os mercados financeiros constituem o melhor mecanismo de afectação do capital. A primazia e integridade dos mercados financeiros continuam por isso a ser os objectivos finais da nova regulação financeira. A crise é interpretada não como o resultado inevitável da lógica dos mercados desregulados, mas sim como um efeito da desonestidade e irresponsabilidade de certos actores financeiros, mal vigiados pelos poderes públicos.
A crise, porém, encarregou-se de demonstrar que os mercados não são eficientes e que não asseguram uma afectação eficaz do capital. As consequências deste facto em matéria de regulação e de política económica são imensas. A teoria da eficiência assenta na ideia de que os investidores procuram (e encontram) a informação mais fiável possível quanto ao valor dos projectos que competem entre si por financiamento. Segundo esta teoria, o preço que se forma num mercado reflecte a avaliação dos investidores e sintetiza o conjunto da informação disponível: constitui, portanto, um bom cálculo do verdadeiro valor dos activos. Ou seja, supõe-se que esse valor resume toda a informação necessária para orientar a actividade económica e, desse modo, a vida social. O capital é, portanto, investido nos projectos mais rentáveis, deixando de lado os projectos menos eficazes. Esta é a ideia central da teoria: a concorrência financeira estabelece preços justos, que constituem sinais fiáveis para os investidores, orientando eficazmente o crescimento económico.
Mas a crise veio justamente confirmar o resultado de diversos trabalhos científicos que puseram esta proposição em causa. A concorrência financeira não estabelece, necessariamente, preços justos. Pior: a concorrência financeira é, frequentemente, destabilizadora e conduz a evoluções de preços excessivas e irracionais, as chamadas bolhas financeiras.
O principal erro da teoria da eficiência dos mercados financeiros consiste em transpor, para os produtos financeiros, a teoria usualmente aplicada aos mercados de bens correntes. Nestes últimos, a concorrência é em parte auto-regulada, em virtude do que se chama a “lei” da oferta e da procura: quando o preço de um bem aumenta, os produtores aumentam a sua oferta e os compradores reduzem a procura; o preço baixa e regressa, portanto, ao seu nível de equilíbrio. Por outras palavras, quando o preço de um bem aumenta, existem forças de retracção que tendem a inverter essa subida. A concorrência produz aquilo a que se chama “feedbacks negativos”, forças de retracção que vão em sentido contrário ao da dinâmica inicial. A ideia da eficiência nasce de uma transposição directa deste mecanismo para o mercado financeiro.
Mas neste último caso a situação é muito diferente. Quando o preço aumenta é frequente constatar não uma descida mas sim um aumento da procura! De facto, a subida de preço significa uma rentabilidade maior para aqueles que possuem o título, em virtude das mais-valias que auferem. A subida de preço atrai portanto novos compradores, o que reforça ainda mais a subida inicial. As promessas de bónus incentivam os que efectuam as transacções a ampliar ainda mais o movimento. Até ao acidente, imprevisível mas inevitável, que provoca a inversão das expectativas e o colapso. Este fenómeno, digno da miopia dos “borregos de Panurge”1, é um processo de “feedbacks positivos” que agrava os desequilíbrios. É a bolha especulativa: uma subida acumulada dos preços que se alimenta a si própria. Deste tipo de processo não resultam preços justos mas sim, pelo contrário, preços inadequados.
O lugar preponderante que os mercados financeiros ocupam não pode, portanto, conduzir a eficácia alguma. Mais do que isso, é uma fonte permanente de instabilidade, como demonstra de forma clara a série ininterrupta de bolhas que temos vindo a conhecer desde há vinte anos: Japão, Sudeste Asiático, Internet, mercados emergentes, sector imobiliário, titularização. A instabilidade financeira traduz-se assim em fortes flutuações das taxas de câmbio e da Bolsa, que manifestamente não têm qualquer relação com os fundamentos da economia. Esta instabilidade, nascida no sector financeiro, propaga-se a toda a economia real através de múltiplos mecanismos.
Para reduzir a ineficiência e instabilidade dos mercados financeiros, avançamos com quatro medidas:
Medida n.º 1: Limitar, de forma muito estrita, os mercados financeiros e as actividades dos actores financeiros, proibindo os bancos de especular por conta própria, evitando assim a propagação das bolhas e dos colapsos;
Medida n.º 2: Reduzir a liquidez e a especulação destabilizadora através do controle dos movimentos de capitais e através de taxas sobre as transacções financeiras;
Medida n.º 3: Limitar as transacções financeiras às necessidades da economia real (por exemplo, CDS unicamente para quem possua títulos segurados, etc.);
Medida n.º 4: Estabelecer tectos para as remunerações dos operadores de transacções financeiras.
terça-feira, 9 de novembro de 2010
Direito à greve?
Uma fonte interna informou-me hoje que a PT está a pedir aos chefes de departamento o nome das pessoas que vão fazer greve no dia 24, supostamente para "garantir os serviços mínimos". Mais concretamente: quem vai trabalhar nesse dia, e se é efectivo ou contratado. Este "pedido de informações" abarca áreas que vão muito para além daquelas que tem de facto de assegurar serviços mínimos (basicamente a gestão da rede). Além de configurar uma óbvia ilegalidade, o "inquérito" da PT é, claro, uma forma de intimidação dos seus trabalhadores e uma evidente limitação do direito à greve. É esta, portanto, a cultura das nossas empresas e dos nossos empresários, o desrespeito pelos direitos dos seus trabalhadores e uma atitude de perseguição e confrontação gratuita, para os "pôr na ordem", e para que trabalhem quietinhos e caladinhos (e note-se que nem é uma greve especificamente da PT, mas uma Greve Geral). Face a este tipo de atitudes, torna-se claro que ter esperanças na "concertação" e no "compromisso", como tantas vezes fazem os nossos sindicatos, é apenas cair na cilada habitual. Para defender os nossos direitos, não resta outra via que a do confronto, e não foram os trabalhadores que a escolheram.
Manifesto dos economistas aterrorizados (introdução)
Crise e Dívida na Europa:
10 falsas evidências, 22 medidas em debate para sair do impasse
Philippe Askenazy (CNRS, Ecole d’économie de Paris), Thomas Coutrot (Conselho Científico da Attac), André Orléan (CNRS, EHESS, Presidente da AFEP), Henri Sterdyniak (OFCE)
(Tradução de Nuno Serra; Revisão de João Rodrigues)
Introdução
A retoma económica mundial, que foi possível graças a uma injecção colossal de fundos públicos no circuito económico (desde os Estados Unidos à China) é frágil, mas real. Apenas um continente continua em retracção, a Europa. Reencontrar o caminho do crescimento económico deixou de ser a sua prioridade política. A Europa decidiu enveredar por outra via, a da luta contra os défices públicos.
“Na União Europeia, estes défices são de facto elevados – 7% em média em 2010 – mas muito inferiores aos 11% dos Estados Unidos. Enquanto alguns estados norte-americanos com um peso económico mais relevante do que a Grécia (como a Califórnia, por exemplo), se encontram numa situação de quase falência, os mercados financeiros decidiram especular com as dívidas soberanas de países europeus, particularmente do Sul. A Europa, de facto, encontra-se aprisionada na sua própria armadilha institucional: os Estados são obrigados a endividar-se nas instituições financeiras privadas que obtêm injecções de liquidez, a baixo custo, do Banco Central Europeu (BCE). Por conseguinte, os mercados têm em seu poder a chave do financiamento dos Estados. Neste contexto, a ausência de solidariedade europeia incentiva a especulação, ao mesmo tempo que as agências de notação apostam na acentuação da desconfiança.
Foi necessário que a agência Moody baixasse a notação da Grécia, a 15 de Junho, para que os dirigentes europeus redescobrissem o termo “irracionalidade”, a que tanto recorreram no início da crise do subprime. Da mesma forma que agora se descobre que a Espanha está muito mais ameaçada pela fragilidade do seu modelo de crescimento e do seu sistema bancário do que pela sua dívida pública.”
Para “tranquilizar os mercados” foi improvisado um Fundo de Estabilização do euro e lançados, por toda a Europa, planos drásticos – e em regra cegos – de redução das despesas públicas. As primeiras vítimas são os funcionários públicos, como sucede em França, onde a subida dos descontos para as suas pensões corresponderá a uma redução escondida dos seus salários, encontrando-se o seu número a diminuir um pouco por toda a parte, pondo em causa os serviços públicos. Da Holanda a Portugal, passando pela França com a actual reforma das pensões, as prestações sociais estão em vias de ser severamente amputadas. Nos próximos anos, o desemprego e a precariedade do emprego vão seguramente aumentar. Estas medidas são irresponsáveis de um ponto de vista político e social, mas também num plano estritamente económico.
Esta política, que apenas muito provisoriamente acalmou a especulação, teve já consequências extremamente negativas em muitos países europeus, afectando de modo particular a juventude, o mundo do trabalho e as pessoas em situação de maior fragilidade. A longo prazo, esta política reactivará as tensões na Europa e ameaçará por isso a própria construção europeia, que é muito mais do que um projecto económico. Supõe-se que a economia esteja ao serviço da construção de um continente democrático, pacífico e unido. Mas em vez disso, uma espécie de ditadura dos mercados é hoje imposta por toda a parte, particularmente em Portugal, Espanha e Grécia, três países que eram ditaduras no início da década de setenta, ou seja, há apenas quarenta anos.
Quer se interprete como um desejo de “tranquilizar os mercados”, por parte de governantes assustados, quer se interprete como um pretexto para impor opções ditadas pela ideologia, a submissão a esta ditadura não é aceitável, uma vez que já demonstrou a sua ineficácia económica e o seu potencial destrutivo no plano político e social. Um verdadeiro debate democrático sobre as escolhas de política económica deve pois ser aberto, em França e na Europa. A maior parte dos economistas que intervém no debate público, fazem-no para justificar ou racionalizar a submissão das políticas às exigências dos mercados financeiros. É certo que, um pouco por toda a parte, os poderes públicos tiveram que improvisar planos keynesianos de relançamento da economia e, por vezes, chegaram inclusive a nacionalizar temporariamente os bancos. Mas eles querem fechar, o mais rapidamente possível, este parêntese. A lógica neoliberal é sempre a única que se reconhece como legítima, apesar dos seus evidentes fracassos. Fundada na hipótese da eficiência dos mercados financeiros, preconiza a redução da despesa pública, a privatização dos serviços públicos, a flexibilização do mercado de trabalho, a liberalização do comércio, dos serviços financeiros e dos mercados de capital, por forma a aumentar a concorrência em todos os domínios e em toda a parte…
Enquanto economistas, aterroriza-nos constatar que estas políticas continuam a estar na ordem do dia e que os seus fundamentos teóricos não sejam postos em causa. Mas os factos trataram de questionar os argumentos utilizados desde há trinta anos para orientar as opções das políticas económicas europeias. A crise pôs a nu o carácter dogmático e infundado da maioria das supostas evidências, repetidas até à saciedade por aqueles que decidem e pelos seus conselheiros. Quer se trate da eficiência e da racionalidade dos mercados financeiros, da necessidade de cortar nas despesas para reduzir a dívida pública, quer se trate de reforçar o “pacto de estabilidade”, é imperioso questionar estas falsas evidências e mostrar a pluralidade de opções possíveis em matéria de política económica. Outras escolhas são possíveis e desejáveis, com a condição de libertar, desde já, o garrote imposto pela indústria financeira às políticas públicas.
Procedemos de seguida a uma apresentação crítica de dez postulados que continuam a inspirar, dia após dia, as decisões dos poderes públicos em toda a Europa, apesar dos lancinantes desmentidos que a crise financeira e as suas consequências nos revelam. Trata-se de falsas evidências, que inspiram medidas injustas e ineficazes, perante as quais expomos vinte e duas contrapropostas para debate. Cada uma delas não reúne necessariamente a concordância unânime dos signatários deste manifesto, mas deverão ser levadas a sério, caso se pretenda resgatar a Europa do impasse em que neste momento se encontra.
domingo, 7 de novembro de 2010
Todo o Tempo-Mundo.
Pelo menos, tanto nos parece acreditar que sim.
We Have All the Time in the World - Louis Armstrong;
sábado, 6 de novembro de 2010
"África em foco" - Bok & Bibliotek (Göteborg Book Fair), 23-26 de Setembro de 2010 (3)
Um aspecto das editoras africanas representadas nesta feira que foram 10 no total!
Foto de Sérgio Santimano
sexta-feira, 5 de novembro de 2010
quarta-feira, 3 de novembro de 2010
Abaixo o jornalismo!
Será que eu sou assim tão inteligente? Não pode ser. Bem vistas as coisas, eu sei que nem o sou por aí alem. Qual será, então, a razão para que as coisas mais simples e óbvias sejam impossíveis de entender por quase toda a gente? Como se repetem por todo o lado as patranhas mais básicas, sem que ninguém se pareça aperceber delas?
O que é, hoje, um jornalista? Onde ficou, em que beco da história, o seu antigo papel crítico? Quando foi que o jornalista culto, atento, desconfiado, se começou a tornar uma espécie em extinção? Quem são, agora, os "jornalistas", que, com raras excepções, se limitam a servir de papagaios servis, de amibas que há muito esqueceram até a inteligência, quanto mais a capacidade crítica, e cujo papel passou a ser o de repetir as "informações" que são criteriosamente seleccionadas pelas "fontes", isto é, a narrativa condicionada, e muitas vezes falsa até ao tutano, que lhes é transmitida, e que aceitam e reproduzem sem por uma vez pestanejar?
Vou dar só um exemplo. Convido quem quiser a encontrar mais trinta mil exemplos lendo os jornais ou vendo telejornais. O projecto do Sarkozy para o aumento da idade mínima da reforma em França, significa aumentar a idade MÍNIMA da reforma (noto outra vez o MÍNIMA) para os 62 anos, e a idade da reforma para os 67. Alguém me explica porque é que TODOS, mas TODOS os jornais e telejornais se referem ao projecto como "aumentando a idade da reforma para os 62 anos"? Querem fazer de nós estúpidos, ou será que nós somos mesmo estúpidos? Inclino-me para a segunda hipótese, apesar de eu ser extraordinariamente inteligente. Somos também o saber colectivo, e por isso eu devo ser totalmente estúpido também, é a única explicação.
Quanto aos jornalistas propriamente ditos, atrevo-me a achar que, na maior parte dos casos, não o fazem por mal. Tornaram-se uns tarefeiros, uns técnicos, ou pior, uns operários, no mau sentido. Para eles agora o jornalismo é "produzir notícias", isto é, receber acriticamente as patranhas e embrulhá-las o melhor possível no seu papagueado pseudo-técnico, esse que demonstra risivelmente a sua vacuidade e a incapacidade de pensar, nem é a de pensar para além do discurso dominante, é a de pensar ipsis verbis. Deve ser por isso que os jornalistas actuais gostam tanto da companhia daqueles técnicos que são os economistas da treta que saltitam de noticiário em noticiário. Os jornalistas imbecis olham para eles com admiração, e os economistas vendidos olham para os jornalistas com comiseração. O negócio está feito, todos ganham. Essa classe profissional à qual pertenceram o Hemingway, o Mark Twain, o John Reed, o Sartre, olha agora para o Medina Carreira como um guru. Sinal dos tempos, não haja dúvida. Que tempos tão idiotas.
O projecto: acabar com o jornalismo. Nem mais um tostão para um jornal. Nem mais um segundo de atenção para um telejornal. Livremo-nos desta mediocridade rastejante e subserviente que lambe o rabo do poder. Eram o quarto poder? Eram a consciência crítica das sociedades? Isso mesmo, eram. Agora não passam de uns lambe-botas satisfeitos, dispostos a tudo para não perder a posição e a massa que o seu estatuto de cãezinhos lhes proporcionou. E se o jornalista imbecil é a regra, pior ainda é a excepção: o jornalista que tem uma ideia das coisas, mas se cala porque acha que mais vale estar por dentro do assunto (ilude-se tomando esse papel de desprezível colaboracionista como digno), ou, o mais habitual, porque vive bem, e mesmo sabendo que representa o papel de papagaio, o seu métier é o de jornalista, é a sua vocação, as suas skills - um tarefeiro, em suma. Pode ter mil razões, mas o que ele já não é de certeza é o tal quarto poder, a consciência crítica, ou seja o que for, e o que ele já não tem é nenhuma razão de interesse social para eu considerar a sua profissão diferente de a de cavar buracos.
Abaixo o jornalismo!
They broke their backs lifting Moloch to Heaven
They broke their backs lifting Moloch to Heaven
«It is not surprising that in all efforts to measure great personalities according to psychiatric standards one standard is regularly found to be inadequate: the man doing the measuring. It is not the lack of tact alone which makes the attempt so futile but also the apparent struggle between minds. Hardly ever is the mind of the critical investigator superior to the personality he is testing.»
Hans Prinzhorn in 'ARTISTRY OF THE MENTALLY ILL', first published by Verlag Julius Springer, in Berlin, in 1923
Laura Nadar
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