terça-feira, 28 de dezembro de 2010
Manifesto dos economistas aterrorizados (falsa evidência nº 8)
Falsa evidência n.º 8:
A UNIÃO EUROPEIA DEFENDE O MODELO SOCIAL EUROPEU
A construção europeia constitui uma experiência ambígua. Nela coexistem duas visões de Europa que não ousam contudo enfrentar-se abertamente. Para os social-democratas, a Europa deveria dedicar-se a promover o modelo social europeu, fruto do compromisso obtido após a Segunda Guerra Mundial, a partir dos princípios que o mesmo consubstancia: protecção social, serviços públicos e políticas industriais. A Europa deveria, nesses termos, ter erguido uma muralha defensiva perante a globalização liberal, uma forma de proteger, manter vivo e fazer progredir o modelo social europeu. A Europa deveria ter defendido uma visão específica sobre a organização da economia mundial e a regulação da globalização através de organizações de governação mundial. Como deveria ter permitido aos seus países membros manter um elevado nível de despesas públicas e de redistribuição, protegendo a sua capacidade de as financiar através da harmonização da fiscalidade sobre as pessoas, as empresas e os rendimentos do capital.
A Europa, contudo, não quis assumir a sua especificidade. A visão hoje dominante em Bruxelas e no seio da maioria dos governos nacionais é, pelo contrário, a de uma Europa liberal, cujo objectivo está centrado em adaptar as sociedades europeias às exigências da globalização: a construção europeia constitui nestes termos a oportunidade de colocar em causa o modelo social europeu e de desregular a economia. A prevalência do direito da concorrência sobre as regulamentações nacionais e sobre os direitos sociais no Mercado Único permitiu introduzir mais concorrência nos mercados de bens e de serviços, diminuir a importância dos serviços públicos e apostar na concorrência entre os trabalhadores europeus. A concorrência social e fiscal permitiu por sua vez reduzir os impostos, sobretudo os que incidem sobre os rendimentos do capital e das empresas (as "bases móveis") e exercer pressão sobre as despesas sociais. Os tratados garantem quatro liberdades fundamentais: a livre circulação de pessoas, mercadorias, serviços e capitais. Mas longe de se restringir ao mercado interno, a liberdade de circulação de capitais foi alargada aos investidores do mundo inteiro, submetendo assim o tecido produtivo europeu aos constrangimentos e imperativos da valorização dos capitais internacionais. A construção europeia configura-se deste modo como uma forma de impor aos povos as reformas neoliberais.
A organização da política macroeconómica (independência do BCE face às estruturas de decisão política, Pacto de Estabilidade) encontra-se marcada pela desconfiança relativamente aos governos democraticamente eleitos. Pretende privar completamente os países da sua autonomia tanto em matéria de política monetária, como de política orçamental. O equilíbrio orçamental deve ser forçosamente atingido, banindo-se qualquer política deliberada de relançamento económico, pelo que apenas se pode participar no jogo da "estabilização automática". Ao nível da zona euro, não se admite nem se concebe nenhuma política conjuntural comum, como não se define qualquer objectivo comum em termos de crescimento ou de emprego. As diferenças quanto à situação em que se encontra cada país não são tidas em conta, pois o Pacto de Estabilidade não se comove nem com as taxas de inflação nem com os défices nacionais externos; os objectivos fixados para as finanças públicas não contemplam a especificidade da situação económica de cada país membro.
As instâncias europeias procuraram impulsionar reformas estruturais (através das Grandes Orientações de Política Económica, do Método Aberto de Coordenação ou da Agenda de Lisboa), com um êxito muito desigual. Como o método de elaboração destas instâncias não é democrático nem mobilizador, a sua orientação liberal jamais poderia contemplar as políticas decididas a nível nacional, atendendo às relações de força existentes em cada país. Esta orientação não pôde assim alcançar os sucessos incontestáveis que teria, de outro modo, legitimado. O movimento de liberalização económica foi posto em causa (com o fracasso da Directiva Bolkestein); tendo alguns países tentado nacionalizar as suas políticas industriais, ao mesmo tempo que a maioria se opôs à europeização das suas políticas fiscais e sociais. A Europa Social continua a ser um conceito vazio de conteúdo, apenas se afirmando vigorosamente a Europa da Concorrência e a Europa da Finança.
Para que a Europa possa promover verdadeiramente o modelo social europeu, colocamos à discussão duas medidas:
Medida n.º 16 : Pôr em causa a livre circulação de capitais e de mercadorias entre a União Europeia e o resto do mundo, renegociando se necessário os acordos multilaterais ou bilaterais actualmente em vigor;
Medida n.º 17 : Substituir a política da concorrência pela "harmonização e prosperidade", enquanto fio condutor da construção europeia, estabelecendo objectivos comuns vinculativos tanto em matéria de progresso social como em matéria de políticas macroeconómicas (através de GOPS: Grandes Orientações de Política Social).
sábado, 25 de dezembro de 2010
sexta-feira, 24 de dezembro de 2010
In Lato Sensu
Eu sou a disrupção anódina
na mais incerta epígrafe
dos sentidos.
na mais incerta epígrafe
dos sentidos.
quinta-feira, 23 de dezembro de 2010
quarta-feira, 22 de dezembro de 2010
Manifesto dos economistas aterrorizados (falsa evidência nº 7)
Falsa evidência n.º 7:
É PRECISO ASSEGURAR A ESTABILIDADE DOS MERCADOS FINANCEIROS PARA PODER FINANCIAR A DÍVIDA PÚBLICA
Deve analisar-se, a nível mundial, a correlação entre a subida das dívidas públicas e a financeirização da economia. Nos últimos trinta anos, favoráveis à liberalização total da circulação de capitais, o sector financeiro aumentou consideravelmente a sua influência sobre a economia. As grandes empresas recorrem cada vez menos ao crédito bancário e cada vez mais aos mercados financeiros. Do mesmo modo, as famílias vêem uma parte cada vez maior das suas poupanças ser drenada para o mercado financeiro (como no caso das pensões), através dos diversos produtos de investimento e, inclusivamente, em alguns países, através do financiamento da sua habitação (por crédito hipotecário). Os gestores de carteiras que tentam diversificar os riscos procuram títulos públicos como complemento aos títulos privados. E encontram-nos facilmente nos mercados, em virtude de os governos terem levado a cabo políticas similares, que conduziram a um relançamento dos défices: taxas de juro elevadas, descida dos impostos sobre os altos rendimentos, incentivo maciço à poupança financeira das famílias para favorecer a capitalização através da poupança reforma, etc.
Ao nível europeu, a financeirização da dívida pública encontra-se inscrita nos tratados: com Maastricht, os Bancos Centrais ficaram proibidos de financiar directamente os Estados, que devem encontrar quem lhes conceda empréstimos nos mercados financeiros. Esta "repressão monetária" acompanha a "liberalização financeira" e gera exactamente o contrário das políticas adoptadas após a grave crise da década de 30; politicas de "repressão financeira" (drásticas restrições à liberdade de movimento dos capitais) e de "liberalização monetária" (com o fim do regime do padrão-ouro). Trata-se de submeter os Estados, que se supõe serem por natureza despesistas, à disciplina dos mercados financeiros, que se supõe serem, por natureza, eficientes e omniscientes.
Como resultado desta escolha doutrinária, o Banco Central Europeu não tem por isso legitimidade para subscrever directamente a emissão de obrigações públicas dos Estados europeus. Privados da garantia de se poderem financiar junto do BCE, os países do sul tornaram-se presas fáceis dos ataques especulativos. De facto, ainda que em nome de uma ortodoxia sem fissuras, o Banco Central Europeu – que sempre se recusou a fazê-lo – teve de comprar, desde há alguns meses a esta parte – obrigações de Estado à taxa de juro do mercado, de modo a acalmar as tensões nos mercados de obrigações europeu. Mas nada nos diz que isso seja suficiente, caso a crise da dívida se agrave e as taxas de juro de mercado disparem. Poderá então ser difícil manter esta ortodoxia monetária, que carece, manifestamente, de fundamentos científicos sérios.
Para resolver o problema da dívida pública, colocamos em debate duas medidas:
Medida n.º 14 : Autorizar o Banco Central Europeu a financiar directamente os Estados (ou a impor aos bancos comerciais a subscrição de obrigações públicas emitidas), a um juro reduzido, aliviando desse modo o cerco que lhes é imposto pelos mercados financeiros;
Medida n.º 15 : Caso seja necessário, reestruturar a dívida pública, limitando por exemplo o seu peso a determinado valor percentual do PIB, e estabelecendo uma discriminação entre os credores segundo o volume de títulos que possuam: os grande rentistas (particulares ou instituições) deverão aceitar uma extensão da maturidade da dívida, incluindo anulações parciais ou totais. E é igualmente necessário voltar a negociar as exorbitantes taxas de juro dos títulos emitidos pelos países que entraram em dificuldades na sequência da crise.
terça-feira, 21 de dezembro de 2010
Há Pessoas com Música Dentro
Há pessoas com música dentro de si.
Um rufo interior com melodias de amor.
Há pessoas que ressoam no seu corpo um
timbre límpido de uma felicidade tonal.
Entre a fruta e o legume, aquela mulher
sussurrava uma melopeia indefinida, mas
certa, no volume e na altura sonora.
Pouco sei dos ritmos do silêncio e das
esferas do sonho. Mas aquela música
estava na contradança perfeita do mundo.
E perto da mulher em suave maresia na salsugem dos dias,
mulher feérica e sapiente, enigma da erva e orégão aromático
deixei-me ficar, fitando-a no seu frugal abastecimento da vida.
Durante a minha estada naquele mercado, o perfume do
seu rumorejar interior perpassou na minha mente e
levei para o caminho esse breve suave toque de um canto.
Depois da viagem, regressado das vagas alterosas da fértil
imagem sentida, deparei-me diante de casa com um saco
cheio de fruta e erva-doce para a combustão dos sonhos.
Mulher da erva, som escandido na primavera dos afectos,
verdura impassível do seu suave canto na lassidão do dia.
Um rufo interior com melodias de amor.
Há pessoas que ressoam no seu corpo um
timbre límpido de uma felicidade tonal.
Entre a fruta e o legume, aquela mulher
sussurrava uma melopeia indefinida, mas
certa, no volume e na altura sonora.
Pouco sei dos ritmos do silêncio e das
esferas do sonho. Mas aquela música
estava na contradança perfeita do mundo.
E perto da mulher em suave maresia na salsugem dos dias,
mulher feérica e sapiente, enigma da erva e orégão aromático
deixei-me ficar, fitando-a no seu frugal abastecimento da vida.
Durante a minha estada naquele mercado, o perfume do
seu rumorejar interior perpassou na minha mente e
levei para o caminho esse breve suave toque de um canto.
Depois da viagem, regressado das vagas alterosas da fértil
imagem sentida, deparei-me diante de casa com um saco
cheio de fruta e erva-doce para a combustão dos sonhos.
Mulher da erva, som escandido na primavera dos afectos,
verdura impassível do seu suave canto na lassidão do dia.
segunda-feira, 20 de dezembro de 2010
Lisbo-a-njos
O nosso João de Azevedo é um dos participantes da colectiva Lisbo-a-njos, a inaugurar na quarta-feira, 22 de Dezembro, na Galeria Paula Cabral. Poderemos, certamente, admirar in loco alguns dos trabalhos que tem apresentado pelo 2+2=5, e que continuaremos a publicar. A não perder. Mais informações aqui.
And everything Goes back to the beginning
And everything Goes back to the beginning
«"That is art." This time I caught her and said, "No, it is not artl On the contrary, it is nature," and prepared myself for an argument. When nothing of the sort occurred, I reflected that the "woman within me" did not have the speech centers I had. And so I suggested that she use mine. She did so and came through with a long statement.
I was greatly intrigued by the fact that a woman should interfere with me from within. My conclusion was that she must be the "soul," in the primitive sense, and I began to speculate on the reasons why the name "anima" was given to the soul. Why was it thought of as feminine? Later I came to see that this inner feminine £gure plays a typical, or archetypal, role in the unconscious of a man, and I called her the "anima." The corresponding £gure in the unconscious of woman I called the "animus. ".»
C. Jung, in 'Confrontation with the Unconscious', Memories, Dreams, Reflections
Laura Nadar
Manifesto dos economistas aterrorizados (falsa evidência nº 6)
Falsa evidência n.º 6:
A DÍVIDA PÚBLICA TRANSFERE O CUSTO DOS NOSSOS EXCESSOS PARA OS NOSSOS NETOS
A afirmação de que a dívida pública constitui uma transferência de riqueza que prejudica as gerações futuras é outra afirmação falaciosa, que confunde economia doméstica com macroeconomia. A dívida pública é um mecanismo de transferência de riqueza, mas é-o sobretudo dos contribuintes comuns para os rentistas.
De facto, baseando-se na crença, raramente comprovada, de que a redução dos impostos estimula o crescimento e aumenta, posteriormente, as receitas públicas, os Estados europeus têm vindo a imitar os Estados Unidos desde 1980, adoptando uma política sistemática de redução da carga fiscal. Multiplicaram-se as reduções de impostos e das contribuições para a segurança social (sobre os lucros das sociedades, sobre os rendimentos dos particulares mais favorecidos, sobre o património e sobre as cotizações patronais), mas o seu impacto no crescimento económico continua a ser muito incerto. As políticas fiscais anti-redistributivas agravaram, por sua vez, e de forma acumulada, as desigualdades sociais e os défices públicos.
Estas políticas de redução fiscal obrigaram as administrações públicas a endividar-se junto dos agregados familiares favorecidos, através dos mercados financeiros, de modo a financiar os défices gerados. É o que se poderia chamar de "efeito jackpot ": com o dinheiro poupado nos seus impostos, os ricos puderam adquirir títulos (portadores de juros) da dívida pública, emitida para financiar os défices públicos provocados pelas reduções de impostos… Por esta via, o serviço da dívida pública em França representa 40.000 milhões de euros, quase tanto como as receitas do imposto sobre o rendimento. Mas esta jogada é ainda mais brilhante, pelo facto de ter conseguido convencer a opinião pública de que os culpados da dívida pública eram os funcionários, os reformados e os doentes.
O aumento da dívida pública na Europa ou nos Estados Unidos não é portanto o resultado de políticas keynesianas expansionistas ou de políticas sociais dispendiosas, mas sim o resultado de uma política que favorece as camadas sociais privilegiadas: as "despesas fiscais" (descida de impostos e de contribuições) aumentaram os rendimentos disponíveis daqueles que menos necessitam, daqueles que desse modo puderam aumentar ainda mais os seus investimentos, sobretudo em Títulos do Tesouro, remunerados em juros pelos impostos pagos por todos os contribuintes. Em suma, estabeleceu-se um mecanismo de redistribuição invertido, das classes populares para as classes mais favorecidas, através da dívida pública, cuja contrapartida é sempre o rendimento privado.
Para corrigir de forma equitativa as finanças públicas na Europa e em França, colocamos em debate duas medidas:
Medida n.º 12: Atribuir de novo um carácter fortemente redistributivo à fiscalidade directa sobre os rendimentos (supressão das deduções fiscais, criação de novos escalões de impostos e aumento das taxas sobre os rendimentos…);
Medida n.º 13 : Acabar com as isenções de que beneficiam as empresas que não tenham um efeito relevante sobre o emprego.
domingo, 19 de dezembro de 2010
Natural Blues.
«Oh lordy, trouble so hard,
Oh lordy, trouble so hard,
Don't nobody know my troubles but God,
Don't nobody know my troubles but God.»
Moby, Play - Natural Blues, 1999;
segunda-feira, 13 de dezembro de 2010
Manifesto dos economistas aterrorizados (falsa evidência nº 5)
Falsa evidência n.º 5:
É PRECISO REDUZIR AS DESPESAS PARA DIMINUIR A DÍVIDA PÚBLICA
Mesmo que o aumento da dívida pública tivesse resultado, em parte, de um aumento das despesas públicas, o corte destas despesas não contribuiria necessariamente para a solução, porque a dinâmica da dívida pública não tem muito que ver com a de uma casa: a macroeconomia não é redutível à economia doméstica. A dinâmica da dívida depende de vários factores: do nível dos défices primários, mas também da diferença entre a taxa de juro e a taxa de crescimento nominal da economia.
Ora, se o crescimento da economia for mais débil do que a taxa de juro, a dívida cresce mecanicamente devido ao "efeito de bola de neve": o montante dos juros dispara, o mesmo sucedendo com o défice total (que inclui os juros da dívida). Foi assim que, no início da década de noventa, a política do franco forte levada a cabo por Bérégovoy – e que se manteve apesar da recessão de 1993/94 – se traduziu numa taxa de juro durante muito tempo mais elevada do que a taxa de crescimento, o que explica a subida abrupta da dívida pública em França neste período. Trata-se do mesmo mecanismo que permite compreender o aumento da dívida durante a primeira metade da década de oitenta, sob o impacto da revolução neoliberal e da política de taxas de juro elevadas, conduzidas por Ronald Reagan e Margaret Thatcher.
Mas a própria taxa de crescimento da economia não é independente da despesa pública: no curto prazo, a existência de despesas públicas estáveis limita a magnitude das recessões ("estabilizadores automáticos"); no longo prazo, os investimentos e as despesas públicas (educação, saúde, investigação, infra-estruturas…) estimulam o crescimento. É falso afirmar que todo o défice público aumenta necessariamente a dívida pública, ou que qualquer redução do défice permite reduzir a dívida. Se a redução dos défices compromete a actividade económica, a dívida aumentará ainda mais. Os comentadores liberais sublinham que alguns países (Canadá, Suécia, Israel) efectuaram ajustes brutais nas suas contas públicas nos anos noventa e conheceram, de imediato, um forte salto no crescimento. Mas isso só é possível se o ajustamento se aplicar a um país isolado, que adquire novamente competitividade face aos seus concorrentes. Evidentemente, os partidários do ajustamento estrutural europeu esquecem-se que os países têm como principais clientes e concorrentes os outros países europeus, já que a União Europeia está globalmente pouco aberta ao exterior. Uma redução simultânea e maciça das despesas públicas, no conjunto dos países da União Europeia, apenas pode ter como consequência uma recessão agravada e, portanto, uma nova subida da dívida pública.
Para evitar que o restabelecimento das finanças públicas provoque um desastre social e político, lançamos para debate duas medidas:
Medida n.º 10: Manter os níveis de protecção social e, inclusivamente, reforçá-los (subsídio de desemprego, habitação…);
Medida n.º 11: Aumentar o esforço orçamental em matéria de educação, de investigação e de investimento na reconversão ecológica e ambiental…tendo em vista estabelecer as condições de um crescimento sustentável, capaz de permitir uma forte descida do desemprego.
domingo, 12 de dezembro de 2010
Pois o que é tudo senão o que pensamos de tudo?
Pois o que é tudo senão o que pensamos de tudo?
“Taste is formed in those moments when aesthetic emotion is massive and distinct ; preferences then grown conscious, judgments then put into words, will reverberate through calmer hours ; they will constitute prejudices, habits of apperception, secret standards for all other beauties. A period of life in which such intuitions have been frequent may amass tastes and ideals sufficient for the rest of our days. Youth in these matters governs maturity, and while men may develop their early impressions more systematically and find confirmations of them in various quarters, they will seldom look at the world afresh or use new categories in deciphering it.”
RARENESS OF AESTHETIC FEELING, Little Essays, Santayana© Michel Medinger, Glass Eye
Laura Nadar
sexta-feira, 10 de dezembro de 2010
Quero perdoar
Quero perdoar a toda a gente, mas há uns tipos que me irritam em demasia. Por exemplo, estes, que insistem em fazer obras no meu prédio.
O grande programa revolucionário
ESTAMOS A LUTAR CONTRA O QUÊ??
Estamos a lutar contra o desespero das nossas vidas. Estamos a lutar contra nós próprios, queridos amigos. Estamos a lutar contra os persas, os gregos, os romanos, os cristãos, contra toda a gente. Estamos a lutar contra nós próprios, contra a nossa incomensurável culpa. Contra aquilo que todos somos, a herança dos mortos. Morramos primeiro, e aí podemos fazer escola!
Somos cordeiros destinados ao sacrifício, e devíamos perdoar a essa gente que nos oprime. O seu destino é o pó, como o nosso. Tarde ou cedo, também eles se esquecerão das vãs glórias que estupidamente perseguem. Nós estamos a lutar contra moinhos de vento. O movimento das coisas do mundo é uma estúpida ilusão de plenitude no presente - ninguém sabe o seu destino na verdade! O poder e a gula, de que vos vale na verdade?! O sofrimento dos mais miseráveis dos miseráveis - isso que toda a gente esquece, mesmo quando pensa lutar a favor de algo, a favor deles, que miséria - não percebem que só estamos a lutar por nós mesmos? Isso será sempre o testemunho da maior beleza que existe em viver: nunca desculpar, nunca compreender, mas perdoar sempre. O grande programa revolucionário está escrito há dois mil anos.
quinta-feira, 9 de dezembro de 2010
Parafraseando Meslier, feliz a Humanidade só o há-de ser quando o último futebolista tiver sido enforcado com as tripas do último dos treinadores de futebol.
segunda-feira, 6 de dezembro de 2010
Manifesto dos economistas aterrorizados (falsa evidência nº4)
Falsa evidência n.º 4:
A SUBIDA ESPECTACULAR DAS DÍVIDAS PÚBLICAS É O RESULTADO DE UM EXCESSO DE DESPESAS
A SUBIDA ESPECTACULAR DAS DÍVIDAS PÚBLICAS É O RESULTADO DE UM EXCESSO DE DESPESAS
Michel Pébereau, um dos "padrinhos" da banca francesa, descrevia em 2005, num dos seus relatórios oficiais ad hoc, uma França asfixiada pela dívida pública e que sacrificava as suas gerações futuras ao entregar-se a gastos sociais irreflectidos. O Estado endividava-se como um pai de família alcoólico, que bebe acima das suas posses: é esta a visão que a maioria dos editorialistas costuma propagar. A explosão recente da dívida pública na Europa e no mundo deve-se porém a outra coisa: aos planos de salvamento do sector financeiro e, sobretudo, à recessão provocada pela crise bancária e financeira que começou em 2008: o défice público médio na zona euro era apenas de 0,6% do PIB em 2007, mas a crise fez com que passasse para 7%, em 2010. Ao mesmo tempo, a dívida pública passou de 66% para 84% do PIB.
O aumento da dívida pública, contudo, tanto em França como em muitos outros países europeus, foi inicialmente moderado e antecedeu esta recessão: provém, em larga medida, não de uma tendência para a subida das despesas públicas – dado que, pelo contrário, desde o início da década de noventa estas se encontravam estáveis ou em declínio na União Europeia, em proporção do PIB – mas sim à quebra das receitas públicas, decorrente da debilidade do crescimento económico nesse período e da contra-revolução fiscal que a maioria dos governos levou a cabo nos últimos vinte e cinco anos. A longo prazo, a contra-revolução fiscal alimentou continuamente a dilatação da dívida, de recessão em recessão. Em França, um recente estudo parlamentar situa em 100.000 milhões de euros, em 2010, o custo das descidas de impostos, aprovadas entre 2000 e 2010, sem que neste valor estejam sequer incluídas as exonerações relativas a contribuições para a segurança social (30.000 milhões) e outros "encargos fiscais". Perante a ausência de uma harmonização fiscal, os Estados europeus dedicaram-se livremente à concorrência fiscal, baixando os impostos sobre as empresas, os salários mais elevados e o património. Mesmo que o peso relativo dos factores determinantes varie de país para país, a subida quase generalizada dos défices públicos e dos rácios de dívida pública na Europa, ao longo dos últimos trinta anos, não resulta fundamentalmente de uma deriva danosa das despesas públicas. Um diagnóstico que abre, evidentemente, outras pistas para além da eterna exigência de redução da despesa pública.
Para instaurar um debate público informado acerca da origem da dívida e dos meios de a superar, colocamos em debate uma proposta:
Medida n.º 9: Efectuar uma auditoria pública das dívidas soberanas, de modo a determinar a sua origem e a conhecer a identidade dos principais detentores de títulos de dívida e os respectivos montantes que possuem.
quarta-feira, 1 de dezembro de 2010
Mãe-Aniversário
No menos certo de mim, eu sei que te servi, mãe.
Sempre fui aquele rapaz que ia à drogaria com a nota de 20 escudos para comprar
a lixívia com que lavavas os alvos lençóis, ou a acetona com que limpavas as unhas
destemperadas de cor. Ou na padaria, quando comprava aqueles papos-secos que
eu tanto gostava. E que cheirinho tinham. E os palmiers que eu comprava com os
5 escudos que o teu pai, o meu avô Peixe me dava. E quando ele me chamava com
a sua voz tonitruante para lanchar lá em baixo as suas torradas com azeite?
Ele com o seu dedo indicador espalhava o azeite pela torrada. E que sabor!
Que bela infância no seio de uma família maluca! Com risos e gritaria, gente doida
a viver na pobreza de uma felicidade inusitada. E agora, estou mais velho, mãe.
Hoje és tu quem celebras o diadema do mar salgado no estrepitar da vida. Mais
um ano de conquistas e derrotas, de vivências e experiências. E eu, sempre a
derivar na paisagem agreste. Sempre a fugir de ti, na esperança de me tornar
mais crescido. E quando eu andei a pedir-te a bicicleta nova? Aquela cromada,
com jantes amarelas, da Confersil? Tão bonita que era. E lá passei de ano e tive-a!
Anos mais tarde arrependi-me de te pedir estas coisas. Que custam caro, a que
ainda não dava valor, porque não sabia ainda o que era ter de gerir a vida e os
dinheiros. E os all-star que te pedi, vermelhos, lindos? Sou tão infiel e absurdo.
Devia ser mais humilde e recatado. Ser menos criativo e certinho. Vestir bem
e fazer a barba. Ser homem e não apenas um sobre vivente. Ter um emprego
mais confiável e estável, como diz o pai. O teatro, essa loucura em que me meti,
como o pai a desaprovou. Sim, como experiência, aventura. Não como vida, sonho,
utopia e dose maciça de loucura. Mas tu mãe, sempre disseste: - deixa-o fazer
o que ele quer! Tu tens essa inteligência que todas as mães têm. Saber respeitar
o espaço e o tempo do filho. Dar-lhe o ar e asas para voar. Mesmo sem o céu azul
da bonança. Ver-me soletrar as sílabas da vida em devaneios sem fim. Auscultar
a minha dúvida num compasso sempre certo e eficaz. Gostar de ti é amparar-me
nos teus braços, nas tuas palavras mesmo que irónicas ou subtis. Mesmo que na
mais despudorada palavra ou chamada de atenção para os atrevimentos do mundo.
Mãe, hoje és ainda mais sábia que toda a faculdade da vida. Mesmo com todas as
minhas leituras, os meus estudos e graduações, és e serás sempre a Mestra de
olho vivo ao percalços da ciência e da razão. A docente mais arreliadoramente
picuinhas e chata. Por isso és mãe e tens de aguentar as diatribes de um filho
sempre rebelde e muitas vezes incapaz de dizer que te amo. Custa tanto amar
e depois passar o resto dos dias a fingir que te odeio, a desvalorizar a tua educação.
Porque um filho tenta sempre matar o pai e a mãe, faz parte do percurso do
pássaro bisnau, sair da asa e dizer que está tudo errado o que nos foi ensinado
e aquilo que vivemos em família. Faz parte; a arrogância do filho é sempre algo
a que uma mãe tem de se sujeitar, mas no fim, no fim mãe, é de ti que preciso.
No dealbar desta história, és tu quem vence e me convence das heresias do filho
em crescimento lento para a tua idade, a da sageza do espírito e a beleza do olhar.
Por tudo isto, eu sei que vou continuar teu servo e fiel engulho que tens de receber
no teu colo, no teu acalorado braço forte e simplesmente sempre presente.
Sem olhar para trás. No navio de espelhos mais vivo de uma cotovia, a anunciar
o canto da primavera mais branda e serena nos teus olhos. Até já, mãe delicodoce.
Sempre fui aquele rapaz que ia à drogaria com a nota de 20 escudos para comprar
a lixívia com que lavavas os alvos lençóis, ou a acetona com que limpavas as unhas
destemperadas de cor. Ou na padaria, quando comprava aqueles papos-secos que
eu tanto gostava. E que cheirinho tinham. E os palmiers que eu comprava com os
5 escudos que o teu pai, o meu avô Peixe me dava. E quando ele me chamava com
a sua voz tonitruante para lanchar lá em baixo as suas torradas com azeite?
Ele com o seu dedo indicador espalhava o azeite pela torrada. E que sabor!
Que bela infância no seio de uma família maluca! Com risos e gritaria, gente doida
a viver na pobreza de uma felicidade inusitada. E agora, estou mais velho, mãe.
Hoje és tu quem celebras o diadema do mar salgado no estrepitar da vida. Mais
um ano de conquistas e derrotas, de vivências e experiências. E eu, sempre a
derivar na paisagem agreste. Sempre a fugir de ti, na esperança de me tornar
mais crescido. E quando eu andei a pedir-te a bicicleta nova? Aquela cromada,
com jantes amarelas, da Confersil? Tão bonita que era. E lá passei de ano e tive-a!
Anos mais tarde arrependi-me de te pedir estas coisas. Que custam caro, a que
ainda não dava valor, porque não sabia ainda o que era ter de gerir a vida e os
dinheiros. E os all-star que te pedi, vermelhos, lindos? Sou tão infiel e absurdo.
Devia ser mais humilde e recatado. Ser menos criativo e certinho. Vestir bem
e fazer a barba. Ser homem e não apenas um sobre vivente. Ter um emprego
mais confiável e estável, como diz o pai. O teatro, essa loucura em que me meti,
como o pai a desaprovou. Sim, como experiência, aventura. Não como vida, sonho,
utopia e dose maciça de loucura. Mas tu mãe, sempre disseste: - deixa-o fazer
o que ele quer! Tu tens essa inteligência que todas as mães têm. Saber respeitar
o espaço e o tempo do filho. Dar-lhe o ar e asas para voar. Mesmo sem o céu azul
da bonança. Ver-me soletrar as sílabas da vida em devaneios sem fim. Auscultar
a minha dúvida num compasso sempre certo e eficaz. Gostar de ti é amparar-me
nos teus braços, nas tuas palavras mesmo que irónicas ou subtis. Mesmo que na
mais despudorada palavra ou chamada de atenção para os atrevimentos do mundo.
Mãe, hoje és ainda mais sábia que toda a faculdade da vida. Mesmo com todas as
minhas leituras, os meus estudos e graduações, és e serás sempre a Mestra de
olho vivo ao percalços da ciência e da razão. A docente mais arreliadoramente
picuinhas e chata. Por isso és mãe e tens de aguentar as diatribes de um filho
sempre rebelde e muitas vezes incapaz de dizer que te amo. Custa tanto amar
e depois passar o resto dos dias a fingir que te odeio, a desvalorizar a tua educação.
Porque um filho tenta sempre matar o pai e a mãe, faz parte do percurso do
pássaro bisnau, sair da asa e dizer que está tudo errado o que nos foi ensinado
e aquilo que vivemos em família. Faz parte; a arrogância do filho é sempre algo
a que uma mãe tem de se sujeitar, mas no fim, no fim mãe, é de ti que preciso.
No dealbar desta história, és tu quem vence e me convence das heresias do filho
em crescimento lento para a tua idade, a da sageza do espírito e a beleza do olhar.
Por tudo isto, eu sei que vou continuar teu servo e fiel engulho que tens de receber
no teu colo, no teu acalorado braço forte e simplesmente sempre presente.
Sem olhar para trás. No navio de espelhos mais vivo de uma cotovia, a anunciar
o canto da primavera mais branda e serena nos teus olhos. Até já, mãe delicodoce.
terça-feira, 30 de novembro de 2010
A falência moral de uma certa extrema-esquerda
É com posts como este que é posta a nu a miséria moral de uma certa parte da "extrema-esquerda", enredada na ilusão das escolhas obrigatórias, e perdida ideologicamente e praticamente, de tal modo que, cega pelo seu ódio ao sistema vigente, desesperada pela aparente falta de respostas (que não as vê, o que não quer dizer que elas não existam), resolve "escolher": escolher tudo o que (aparentemente, pois se o faz de facto, é outra conversa) se "oponha" ao "capitalismo". É assim que esta esquerda escolhe o Hamas e o Irão contra os Estados Unidos, o que se é um erro e uma prova de ingenuidade e de infantilidade na forma de olhar para a complexidade do Mundo, pelo menos pode-se discutir. Mas é também assim que esta esquerda escolhe nem mais nem menos que o lado dos gangsters, que aterrorizam e oprimem os habitantes das favelas brasileiras, e são pelo menos tão responsáveis pela falta de saída das vidas dessa gente como o estado brasileiro e a ordem social vigente (aliás: não serão eles parte da ordem social vigente?), posto que do outro lado está "o estado", e o exército, e a lei do Brasil. Temos assim que os criminosos das favelas brasileiras, que assassinam os seus vizinhos, que enriqueceram à custa dos seus concidadãos e dos quais não se conhece um pingo de um programa de solidariedade social, são elevados a verdadeiros revolucionários urbanos, quiçá à esperança dos desesperados da extrema-esquerda, que detestam o sistema, não encontram alternativas, e alucinam com exércitos revolucionários onde apenas está o fascismo (no caso islamita) ou a pura delinquência (no caso em apreço). Preto ou Branco. Capitalismo ou os seus inimigos. Esta é a armadilha teórica que resulta na falência moral das posições do Renato Teixeira.
Manifesto dos economistas aterrorizados (falsa evidência nº 3)
Falsa evidência n.º 3:
OS MERCADOS SÃO BONS JUIZES DO GRAU DE SOLVÊNCIA DOS ESTADOS
Segundo os defensores da eficiência dos mercados financeiros, os operadores de mercado teriam em conta a situação objectiva das finanças públicas para avaliar o risco de subscrever um empréstimo ao Estado. Tomemos o exemplo da dívida grega: os operadores financeiros, e todos quantos tomam as decisões, recorreram unicamente às avaliações financeiras para ajuizar sobre a situação. Assim, quando a taxa exigida à Grécia ascendeu a mais de 10%, cada um deduziu que o risco de incumprimento de pagamento estaria próximo: se os investidores exigem tamanho prémio de risco é porque o perigo é extremo.
Mas há nisto um profundo erro, quando compreendemos a verdadeira natureza das avaliações feitas pelos mercados financeiros. Como não é eficiente, o mais provável é que apresente preços completamente desconectados dos fundamentos económicos. Nessas condições, é irrazoável entregar unicamente às avaliações financeiras a análise de uma dada situação. Atribuir um valor a um título financeiro não é uma operação comparável a medir uma proporção objectiva, como por exemplo calcular o peso de um objecto. Um título financeiro é um direito sobre rendimentos futuros: para o avaliar é necessário prever o que será o futuro. É uma questão de valoração, não uma tarefa objectiva, porque no instante t o futuro não se encontra de nenhum modo predeterminado. Nas salas de mercado, as coisas são o que os operadores imaginam que venham a ser. O preço de um activo financeiro resulta de uma avaliação, de uma crença, de uma aposta no futuro: nada assegura que a avaliação dos mercados tenha alguma espécie de superioridade sobre as outras formas de avaliação.
A avaliação financeira não é, sobretudo, neutra: ela afecta o objecto que é medido, compromete e constrói um futuro que imagina. Deste modo, as agências de notação financeira contribuem largamente para determinar as taxas de juro nos mercados obrigacionistas, atribuindo classificações carregadas de grande subjectividade, contaminadas pela vontade de alimentar a instabilidade, fonte de lucros especulativos. Quando baixam a notação de um Estado, as agências de notação aumentam a taxa de juro exigida pelos actores financeiros para adquirir os títulos da dívida pública desse Estado e ampliam assim o risco de colapso, que elas mesmas tinham anunciado.
Para reduzir a influência da psicologia dos mercados no financiamento dos Estados, colocamos em debate duas medidas:
Medida n.º 8: As agências de notação financeira não devem estar autorizadas a influenciar, de forma arbitrária as taxas de juro dos mercados de dívida pública, baixando a notação de um Estado: a sua actividade deve ser regulamentada, exigindo-se que essa classificação resulte de um cálculo económico transparente;
Medida n.º 8 (b): Libertar os Estados da ameaça dos mercados financeiros, garantindo a compra de títulos da dívida pública pelo BCE.
domingo, 28 de novembro de 2010
La Moda.
Música de Ennio Morricone;
La Donna Invisible, de Paolo Spinola, Itália, 1969.
As coisas verdadeiramente boas não passam nunca de moda.
sexta-feira, 26 de novembro de 2010
Where's the orchestra?
Where's the orchestra?
"That the espousal of authenticity takes the form of a kind of soft relativism means that the vigorous defence of any moral ideal is somehow off limits.
(...)
In adopting the ideal, people in the culture of authenticity, as I want to call it, give support to a certain kind of liberalism, which has been espoused by many others as well. This is the liberalism of neutrality. One of its basic tenets is that a liberal society must be neutral on questions of what constitutes a good life. The good life is what each individual seeks, in his or her own way, and government would be lacking in impartiality, and thus in equal respect for all citizens, if it took sides on this question.
(...)
The result is an extraordinary inarticulacy about one of the constitutive ideals of modern culture. Its opponents slight it, and its friends can't s peak of it."
Charles Taylor in The Ethics of Authenticity
"That the espousal of authenticity takes the form of a kind of soft relativism means that the vigorous defence of any moral ideal is somehow off limits.
(...)
In adopting the ideal, people in the culture of authenticity, as I want to call it, give support to a certain kind of liberalism, which has been espoused by many others as well. This is the liberalism of neutrality. One of its basic tenets is that a liberal society must be neutral on questions of what constitutes a good life. The good life is what each individual seeks, in his or her own way, and government would be lacking in impartiality, and thus in equal respect for all citizens, if it took sides on this question.
(...)
The result is an extraordinary inarticulacy about one of the constitutive ideals of modern culture. Its opponents slight it, and its friends can't s peak of it."
Charles Taylor in The Ethics of Authenticity
© Franz Xaver Messerschmidt, The Yawning One, uma das inúmeras esculturas em que Messerchmidt expressa a procura de uma fisionomia com que se identifique
Laura Nadar
quinta-feira, 25 de novembro de 2010
"Casa dos grevistas" despejada pela polícia.
Casa dos grevistas from Antonio Maria Leal on Vimeo.
Desta vez durou pouco. A justiça e as "forças da ordem" em Portugal são quase sempre extraordinariamente solícitas quando se trata de desalojar ocupações.
A greve, a ocupação e os serviços mínimos
Foto roubada ao Spectrum
À manifestação de ontem, que no decurso da dita apelidei de "serviços mínimos da luta anti-capitalista", sucedeu, surpreendentemente, uma acção de luta que aprecio, apoio incondicionalmente, e que espero que tenha sucesso: uma nova ocupação em Lisboa, a segunda em poucos meses, desta vez na Rua de São Lázaro, 94. A coisa envolve distribuição gratuita de sopas, e uma rádio pirata disponível em 108.0 fm. Já se sabe que a mobilização nos primeiros dias é essencial, pelo que se apela à presença de todos no local.
No Spectrum encontram o essencial tanto sobre esta ocupação como sobre a manifestação. Da minha parte o tempo é neste momento muito escasso, pelo que este blogue também está mais ou menos a cumprir os serviços mínimos.
sábado, 20 de novembro de 2010
Amanhã, a NATO e a manif
Foi uma semana complicada. Primeiro, a ressacar do Barreiro Rocks, depois os problemas no acesso à net, e eis que o momentum para se escrever sobre a cimeira da NATO, e os protestos contra a mesma, de algum modo se esfumou. Ou será que não? Ter-me-ia apetecido, certamente, abordar dois ângulos: o primeiro, o da nojenta campanha lançada pelas autoridades e patrocinada pelos media (desculpem-me os ofendidos, mas cada vez concordo mais com o post do Luiz mais abaixo), destinada a lançar o medo e confundir os protestos contra a cimeira com acções perpetradas por criminosos, ou a envolver a desobediência civil e mesmo a resistência violenta nessa capa estúpida mas conveniente, o "terrorismo". Hoje, já em cima da hora, todos já sabemos que: não vem, nem nunca planeou vir a Portugal, ninguém do "Black Bloc", ou do que o valha; e que se preparam coisas feias contra os mesmos de sempre (a meia dúzia de anarcas portugueses, e desta vez as outras dúzias de anarcas de outros países que cá estarão). O que me leva exactamente ao segundo ângulo, já que temo que a porrada seja aplicada com a indiferença, e mesmo com o aplauso, de outras "organizações de esquerda" que pretendem monopolizar o protesto na sua agenda, e ao serviço não da luta contra a NATO, o militarismo ou mesmo o capitalismo, mas dos interesses de um partido político, o do costume. A este respeito, exemplar, exemplar, é a troca de argumentos nos comentários a este post do Cinco Dias (138 comentários ao momento!). Leiam, e descubram, se ainda não conhecem, não só o sectarismo e a desunião da Esquerda no seu esplendor, como ilustradas as razões pelas quais eu quero que o PCP se extinga. Nada há de mais sectário e controlador que o PCP, e a união da Esquerda, mesmo que por causas pontuais, só será conseguida à custa do enfraquecimento desse partido. Não acreditam? Pois vejam como pretendem controlar a "sua" manifestação, e mesmo impedir os outros de o fazer como pretendem. O argumentário utilizado é todo um programa: "os outros que vão fazer A SUA manifestação para outro lado, esta é a NOSSA manifestação", and so on (há ali até um ponto em que a coisa chega ao delírio, quando defendem que uma lei se superioriza à constituição, ou quando utilizam em seu benefício pareceres do MAI - a fidelidade ao partido exige todos os desmandos).
Aqui neste blogue somos sectários à vontade, pelo que colocamos o cartaz da organização menos sectária,
a tal que foi mandada fazer "a sua" manifestação para outro lado.
sexta-feira, 19 de novembro de 2010
Manifesto dos economistas aterrorizados (falsa evidência nº2)
Falsa evidência n.º 2:
OS MERCADOS FINANCEIROS FAVORECEM O CRESCIMENTO ECONÓMICO
A integração financeira conduziu o poder da finança ao seu zénite, na medida em que ela unifica e centraliza a propriedade capitalista à escala mundial. Daí em diante, é ela quem determina as normas de rentabilidade exigidas ao conjunto dos capitais. O projecto consistia em substituir o financiamento bancário dos investidores pelo financiamento através dos mercados de capitais. Projecto que fracassou porque hoje, globalmente, são as empresas quem financia os accionistas, em vez de suceder o contrário. Consequentemente, a governação das empresas transformou-se profundamente para atingir as normas de rentabilidade exigidas pelos mercados financeiros. Com o aumento exponencial do valor das acções, impôs-se uma nova concepção da empresa e da sua gestão, pensadas como estando ao serviço exclusivo dos accionistas. E desapareceu assim a ideia de um interesse comum inerente às diferentes partes, vinculadas à empresa. Os dirigentes das empresas cotadas em Bolsa passaram a ter como missão primordial satisfazer o desejo de enriquecimento dos accionistas. Por isso, eles mesmos deixaram de ser assalariados, como denota o galopante aumento das suas remunerações. De acordo com a teoria da “agência”, trata-se de proceder de modo a que os interesses dos dirigentes estejam alinhados com os interesses dos accionistas.
Um ROE (Return on Equity ou rendimento dos capitais próprios) de 15% a 25% passa a constituir a norma que impõe o poder da finança às empresas e aos assalariados e a liquidez é doravante o seu instrumento, permitindo aos capitais não satisfeitos, a qualquer momento, ir procurar rendimentos noutro lugar. Face a este poder, tanto os assalariados como a soberania política ficam, pelo seu fraccionamento, em condição de inferioridade. Esta situação desequilibrada conduz a exigências de lucros irrazoáveis, na medida em que reprimem o crescimento económico e conduzem a um aumento contínuo das desigualdades salariais. Por um lado, as exigências de lucro inibem fortemente o investimento: quanto mais elevada for a rentabilidade exigida, mais difícil se torna encontrar projectos com uma performance suficientemente eficiente para a satisfazer. As taxas de investimento fixam-se assim em níveis historicamente débeis, na Europa e nos Estados Unidos. Por outro lado, estas exigências provocam uma constante pressão para a redução dos salários e do poder de compra, o que não favorece a procura. A desaceleração simultânea do investimento e do consumo conduz a um crescimento débil e a um desemprego endémico. Nos países anglo-saxónicos, esta tendência foi contrariada através do aumento do endividamento das famílias e através das bolhas financeiras, que geram uma riqueza assente num crescimento do consumo sem salários, mas que desemboca no colapso.
Para superar os efeitos negativos dos mercados financeiros sobre a actividade económica, colocamos em debate três medidas:
Medida n.º 5: Reforçar significativamente os contra-poderes nas empresas, de modo a obrigar os dirigentes a ter em conta os interesses do conjunto das partes envolvidas;
Medida n.º 6: Aumentar fortemente os impostos sobre os salários muito elevados, de modo a dissuadir a corrida a rendimentos insustentáveis;
Medida n.º 7: Reduzir a dependência das empresas em relação aos mercados financeiros, incrementando uma política pública de crédito (com taxas preferenciais para as actividades prioritárias no plano social e ambiental).
quinta-feira, 18 de novembro de 2010
Os homens são todos iguais, mas uns são mais homens do que outros.
quarta-feira, 17 de novembro de 2010
Do desaparecimento
Um fim de semana de Barreiro Rocks, mais três dias de problemas no acesso à net, que ainda não estão totalmente resolvidos... Mais logo o regresso em pleno.
domingo, 14 de novembro de 2010
quinta-feira, 11 de novembro de 2010
Barreiro Rocks 2010
A décima edição da loucura barreirense (também conhecida como "o fim do mundo que dura dois dias") está aí, com mais um cartaz de luxo. Num festival que priveligia o garage-rock, confesso que são as suas vertentes mais heterodoxas que prefiro, pelo que os meus destaques deste ano são Demon's Claws e The Strange Boys, amanhã, e Nicotine's Orchestra e Guadalupe Plata, no Sábado. E claro que é de destacar a festa que é todo o festival, onde sempre se transpira simpatia e boa disposição, nunca se viu uma confusão (bom, lembro-me de uma, mas causada por um certo músico ciumento...), e se começam concertos pelas três da manhã, para se ouvir música até ao sol raiar. Felizmente que estas são qualidades que tem vindo a ser cada vez mais reconhecidas, e que o festival cresce de prestígio e de visitantes de ano para ano. Que tal uma saltada para verificar? Mais informações aqui.
Only a Woman's Hair
Only a Woman's Hair
«The delusional formation, which we take to be the pathological product, is in reality an attempt at recovery, a process of reconstruction. Such a reconstruction after the catastrophe is successful to a greater or lesser extent, but never wholly so; in Schreber’s words, there has been a ‘profound internal change’ in the world. But the human subject has recaptured a relation, and often a very intense one, to the people and things in the world, even though the relation is a hostile one now, where formerly it was hopefully affectionate. We may say, then, that the process of repression proper consists in a detachment of the libido from people – and things – that were previously loved. It happens silently; we receive no intelligence of it, but can only infer it from subsequent events. What forces itself so noisily upon our attention is the process of recovery, which undoes the work of repression and brings back the libido again on to the people it had abandoned»
Freud, in ‘Psychoanalytic Notes On An Autobiographical Account Of A Case Of Paranoia’
© Dan Estabrook, from the series Nine Symphtons, 2004
Laura Nadar
Manifesto dos economistas aterrorizados (falsa evidência nº1)
Falsa evidência n.º 1:
OS MERCADOS FINANCEIROS SÃO EFICIENTES
Existe hoje um facto que se impõe a todos os observadores: o papel primordial que desempenham os mercados financeiros no funcionamento da economia. Trata-se do resultado de uma longa evolução, que começou nos finais da década de setenta. Independentemente da forma como a possamos medir, esta evolução assinala uma clara ruptura, tanto quantitativa como qualitativa, em relação às décadas precedentes. Sob a pressão dos mercados financeiros, a regulação do capitalismo transformou-se profundamente, dando origem a uma forma inédita de capitalismo, que alguns designaram por “capitalismo patrimonial”, por “capitalismo financeiro” ou, ainda, por “capitalismo neoliberal”.
Estas mudanças encontraram na hipótese da eficiência informacional dos mercados financeiros a sua justificação teórica. Com efeito, segundo esta hipótese, torna-se crucial desenvolver os mercados financeiros e fazer com que eles possam funcionar o mais livremente possível, dado constituírem o único mecanismo de afectação eficaz do capital. As políticas obstinadamente levadas a cabo nos últimos trinta anos seguem esta recomendação. Trata-se de construir um mercado financeiro mundialmente integrado, no qual todos os actores (empresas, famílias, Estados, instituições financeiras) possam trocar toda a espécie de títulos (acções, obrigações, dívidas, derivados, divisas), em qualquer prazo (longo, médio e curto). Os mercados financeiros assemelharam-se cada vez mais ao mercado “sem fricção”, de que falam os manuais: o discurso económico convertera-se em realidade. Como os mercados se tornaram cada vez mais “perfeitos”, no sentido da teoria económica dominante, os analistas acreditaram que doravante o sistema financeiro passaria a ser muito mais estável que no passado. A “grande moderação” – o período de crescimento económico sem subida dos salários, que os Estados Unidos conheceram entre 1990 e 2007 – parecia confirmá-lo.
Apesar de tudo o que aconteceu, o G20 persiste ainda hoje na ideia de que os mercados financeiros constituem o melhor mecanismo de afectação do capital. A primazia e integridade dos mercados financeiros continuam por isso a ser os objectivos finais da nova regulação financeira. A crise é interpretada não como o resultado inevitável da lógica dos mercados desregulados, mas sim como um efeito da desonestidade e irresponsabilidade de certos actores financeiros, mal vigiados pelos poderes públicos.
A crise, porém, encarregou-se de demonstrar que os mercados não são eficientes e que não asseguram uma afectação eficaz do capital. As consequências deste facto em matéria de regulação e de política económica são imensas. A teoria da eficiência assenta na ideia de que os investidores procuram (e encontram) a informação mais fiável possível quanto ao valor dos projectos que competem entre si por financiamento. Segundo esta teoria, o preço que se forma num mercado reflecte a avaliação dos investidores e sintetiza o conjunto da informação disponível: constitui, portanto, um bom cálculo do verdadeiro valor dos activos. Ou seja, supõe-se que esse valor resume toda a informação necessária para orientar a actividade económica e, desse modo, a vida social. O capital é, portanto, investido nos projectos mais rentáveis, deixando de lado os projectos menos eficazes. Esta é a ideia central da teoria: a concorrência financeira estabelece preços justos, que constituem sinais fiáveis para os investidores, orientando eficazmente o crescimento económico.
Mas a crise veio justamente confirmar o resultado de diversos trabalhos científicos que puseram esta proposição em causa. A concorrência financeira não estabelece, necessariamente, preços justos. Pior: a concorrência financeira é, frequentemente, destabilizadora e conduz a evoluções de preços excessivas e irracionais, as chamadas bolhas financeiras.
O principal erro da teoria da eficiência dos mercados financeiros consiste em transpor, para os produtos financeiros, a teoria usualmente aplicada aos mercados de bens correntes. Nestes últimos, a concorrência é em parte auto-regulada, em virtude do que se chama a “lei” da oferta e da procura: quando o preço de um bem aumenta, os produtores aumentam a sua oferta e os compradores reduzem a procura; o preço baixa e regressa, portanto, ao seu nível de equilíbrio. Por outras palavras, quando o preço de um bem aumenta, existem forças de retracção que tendem a inverter essa subida. A concorrência produz aquilo a que se chama “feedbacks negativos”, forças de retracção que vão em sentido contrário ao da dinâmica inicial. A ideia da eficiência nasce de uma transposição directa deste mecanismo para o mercado financeiro.
Mas neste último caso a situação é muito diferente. Quando o preço aumenta é frequente constatar não uma descida mas sim um aumento da procura! De facto, a subida de preço significa uma rentabilidade maior para aqueles que possuem o título, em virtude das mais-valias que auferem. A subida de preço atrai portanto novos compradores, o que reforça ainda mais a subida inicial. As promessas de bónus incentivam os que efectuam as transacções a ampliar ainda mais o movimento. Até ao acidente, imprevisível mas inevitável, que provoca a inversão das expectativas e o colapso. Este fenómeno, digno da miopia dos “borregos de Panurge”1, é um processo de “feedbacks positivos” que agrava os desequilíbrios. É a bolha especulativa: uma subida acumulada dos preços que se alimenta a si própria. Deste tipo de processo não resultam preços justos mas sim, pelo contrário, preços inadequados.
O lugar preponderante que os mercados financeiros ocupam não pode, portanto, conduzir a eficácia alguma. Mais do que isso, é uma fonte permanente de instabilidade, como demonstra de forma clara a série ininterrupta de bolhas que temos vindo a conhecer desde há vinte anos: Japão, Sudeste Asiático, Internet, mercados emergentes, sector imobiliário, titularização. A instabilidade financeira traduz-se assim em fortes flutuações das taxas de câmbio e da Bolsa, que manifestamente não têm qualquer relação com os fundamentos da economia. Esta instabilidade, nascida no sector financeiro, propaga-se a toda a economia real através de múltiplos mecanismos.
Para reduzir a ineficiência e instabilidade dos mercados financeiros, avançamos com quatro medidas:
Medida n.º 1: Limitar, de forma muito estrita, os mercados financeiros e as actividades dos actores financeiros, proibindo os bancos de especular por conta própria, evitando assim a propagação das bolhas e dos colapsos;
Medida n.º 2: Reduzir a liquidez e a especulação destabilizadora através do controle dos movimentos de capitais e através de taxas sobre as transacções financeiras;
Medida n.º 3: Limitar as transacções financeiras às necessidades da economia real (por exemplo, CDS unicamente para quem possua títulos segurados, etc.);
Medida n.º 4: Estabelecer tectos para as remunerações dos operadores de transacções financeiras.
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