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quarta-feira, 17 de abril de 2013

A Aviação e o Chá

Ofereceram-me hoje esta interessante gravura que retrata o interior de um pequeno avião que sobrevoa Londres.
Em primeiro plano podem observar-se duas senhoras de calmo sorriso que apreciam o chá oferecido por um “steward”, identificado na lapela e vestido a rigor. As indumentárias femininas remetem-nos para a década de 1920-30.
A gravura apresenta a assinatura de C E Turner que corresponde ao nome de Charles Eddower Turner (1893-1965) que serviu na Royal Air Force durante as duas guerras. Esta sua actividade colocou-o em posição priviligiada para representar cenas de batalha, barcos e aviões.
Para além da representação artística da guerra, com publicações em revistas como o Illustrated London News e a Sphere ficou também conhecido pela sua actividade em campanhas publicitárias, a mais conhecida de todas para a linha de navios Cunard.
Esta gravura corresponde precisamente a esse período de acalmia entre as duas Grandes Guerras, quando se pensava que os problemas na Europa havia acabado e era possível sair de casa simplesmente para beber um chá a bordo de um avião.

sexta-feira, 8 de abril de 2011

2- A bordo do navio Gelria

Entremos hoje no interior do Gelria.
Apesar de o navio ter sido construído em Inglaterra, toda a decoração interior foi executada na Holanda, tendo ficado a cargo da Companhia Mobiladora de Roterdão Allan & Co, que fizeram a instalação dos salões, dos trabalhos de madeira e demais acessórios, ao gosto holandês.
Comecemos pela «Sala de jantar». De grandes dimensões estendia-se por toda a largura do barco. Era decorada em estilo império branco mate, com tapeçarias verde e cinzento claro, tectos altos e paredes apaineladas em estuque de porcelana da fábrica holandesa Thooft & Labouchere.
Na parte superior estendia-se uma galeria com balaustrada, onde durante as refeições e nas festas a bordo, uma orquestra tocava. A encimá-la uma cúpula de vidro colocada a treze metros de altura. Por entre as mesas deslizavam os empregados, com uniformes azuis que, com passos abafados por um pavimento em caoutchouc, serviam as iguarias. Para tal todo o pessoal da despensa e cozinha começava cedo a sua tarefa. O cozinheiro chefe iniciava as suas funções colocando uma toalha em volta do pescoço e entrava no grande frigorífico. Aí, juntamente com o carniceiro, demorava cerca de meia hora a cortar a carne gelada, a escolher as aves, o peixe, etc. Cá fora os padeiros enchiam os barris de farinha e os moços faziam rolar os barris de cerveja. Da despensa saíam as frutas e legumes. Daí  saíam também centenas de ovos para a cozinha e a confeitaria. Às seis da manhã todas as secções estavam em plena actividade. As provisões adquiridas em cada paragem atingiam números enormes. Mas era motivo de orgulho fazer os 13-15 dias que separava Lisboa do Rio de Janeiro sem necessidade de fazer qualquer abastecimento.
Dessas refeições apenas encontrei registo de um menu, pertença do Maritiem Digitaal, que aqui reproduzo.

Menu do GELRIA de 31 de Julho de 1929. Impresso dos dois lados tem o nome do navio, o emblema da empresa e três anúncios publicitários à BOLS, BRASSERIE AMSTERDAM e à SCHWEPPES
  Depois das refeições os viajantes podiam dirigir-se à «Sala de conversação», de dimensões idênticas às da sala de jantar e em estilo Luís XVI ou à «Sala de Leitura», num sóbrio estilo Rainha Anna.
 Mas as senhoras podiam também recolher-se no «Salão para as Damas» em estilo Chariton, onde a lareira com azulejos de Delft era rematada por uma chaminé em mármore branco de Kyros. Mas, apesar deste ambiente agradável, constatava-se que as senhoras preferiam reunir-se com os homens na «Sala de Fumo». Era esta que mais chamava a atenção neste tipo de vapores. Para ela foi escolhido um estilo renascença holandês, inspirado em desenhos do Museu Nacional de Amesterdão. Aí era servido o café, os licores e as bebidas geladas, acompanhadas por charutos da Holanda, cigarros do Egipto e da Argentina e tabaco de várias nacionalidades.
Para não me alongar não falo na «Varanda do convés», na «Biblioteca» ou no «Quarto para crianças», cujas imagens são bastante explícitas.
Mas não posso passar por alto as instalações da «Sala de Ginástica», apresentadas como permitindo às senhoras e homens fazer passeios a cavalo eléctrico, a passo, a trote ou a galope. Ou até andar lentamente sobre o camelo. Bastante diferente dos nossos ginásios de hoje, mas seguramente um êxito na época.
Falo ainda dos camarotes de luxo em que cada compartimento era composto por um quarto de dormir, uma sala, um toucador e uma sala de banho. A estes se seguiam os de segunda classe, de classe intermédia e por fim de terceira classe.
Blaise Cendrars visto por Amadeo Modigliani
Foi numa destas cabines do Gelria que embarcou, em 1924, o poeta Blaise Cendrars (1887-1961), no regresso do Brasil a França. Nele escreveu um poema dedicado à sua cabine e ao próprio navio, posteriormente publicados em França no livro «Feuilles de Route» e que não traduzo para não alterar o sentido.

Cabine N°6
C'est la mienne
Elle est toute blanche
J'y serai très bien
Tout seul
Car il me faut beaucoup travailler
Pour rattraper les neuf mois au soleil
Les neuf mois au Brésil
Les neuf mois aux Amis
Et je dois travailler pour Paris
C'est pourquoi j'aime déjà ce bateau archibondé où je ne vois
personne avec qui faire causette
Blaise Cendrars, Feuilles de Route, VII / Le Gelria.
La Brise

Pas un bruit pas une secousse
Le “Gelria” tient admirablement la mer
Sur ce paquebot de luxe avec ses orchestres tziganes dans
chaque cache-pot on se lève tard
La matinée m'appartient 
Mes manuscrits sont étalés sur ma couchette
La brise les feuillette d'un doigt distrait
Présences
Blaise Cendrars, Feuilles de Route

Quantos navios se podem orgulhar de ter poemas a eles dedicados ou por eles inspirados?

quarta-feira, 6 de abril de 2011

1 - A importância do transatlântico “Gelria” do Lloyd Real Holandez

Os blogs temáticos têm, por vezes, limitações. Mas quando me apetece falar sobre um tema, aparentemente não relacionado, procuro encontrar outro caminho.
É o caso presente em que após me ter apercebido da beleza de um catálogo sobre viagens transatlânticas do paquete “Gelria”, da Lloyd Real Holandesa, e da pouca informação sobre ele, me decidi a partilhá-lo. Não tenho fotos da cozinha e o único menu que encontrei não me pertence, mas vão ver como vale a pena conhecê-lo.
Começo pela empresa “Lloyd Real Hollandez” (Koninklijke Hollandsche Lloyd), com sede em Amesterdão, que existiu entre 1899 e 1981 e que foi responsável pela sua encomenda. Inicialmente estava destinada a fazer carregamentos de gado e carga entre Amsterdão e a América do Sul. Mas em 1903 o governo inglês proibiu a importação de gado vivo da Argentina por ter sido detectada a febre aftosa nos animais. A empresa reconverteu-se e em 1906 começou um «serviço rápido de vapores de luxo para a América do Sul». A escala era a seguinte: Amsterdão, Southampton, Cherbourg, Vigo, Lisboa, Las Palmas, Pernambuco, Baia, Rio de Janeiro, Santos, Montevideo e Buenos Aires. Entre 1917 e 1919 a companhia fez também viagens para Nova Yorque. Terminou em 1935 o serviço de passageiros e a empresa passou a dedicar-se apenas ao transporte de carga. Em 1981 a empresa Lloyd foi comprada pela Nedlloyd.
Falemos agora no grande vapor “Gelria”, que tal como o seu irmão “Tubantia” que foi torpedeado a 16 de Março de 1916 no Mar do Norte, saiu das oficinas de Alexander Stephen & Sons, em Glasgow. O Gelria, construído em 1913, esteve ao serviço da companhia holandesa até 1935. De 1935 a 1940 pertenceu à Lloyd Triestino e em 1940 passou para a Marinha italina. A partir de 1935 passou a designar-se "Gradisca".
Se o seu início foi luxuoso, como justificavam as suas características, já os seus últimos tempos foram conturbados. Ao serviço da empresa italiana foi usado na Guerra da Abissínia para transporte de tropas e hospital e serviu novamente como hospital na segunda Grande Guerra. Foi capturado pelos alemães e recapturado pelos ingleses em 1944. Seria abatido ao activo em 1949.
Mas a história do “Gelria” não acaba aqui. Este luxuoso transatlântico teve também um papel importante na emigração para a América do Sul. É verdade que estes passageiros não viajavam nas cabines de luxo, mas habitualmente em 3ª classe. Mas em todos o navio deixava recordações.
Durante os anos de 1922 a 1925 a emigração açoriana para o Rio de Janeiro fez-se através da carreira da Companhia de Navegação do Lloyd Brasileiro, denominadas pela publicidade da época de "Viagens em Direitura"(1). Esta empresa tinha como representante em Angra do Heroísmo os agentes "Elias Pinto & Rego", que faziam parte da casa Bancária e de Navegação "Borges do Rego", estabelecida em Lisboa.
No Brasil, a Lloyd Real Holandês era representada por Manoel José do Conde, que, em 1838, fundara na cidade de Salvador uma empresa dedicada a importação (bacalhau entre outros alimentos) e à exportação de cacau e tabaco. Segui-se-lhe Charles Miller que, em 1904, tomou posse da empresa fundada por seu tio. Em Santos a Lloyd Real Hollandez tinha como agente S.A. Martinelli, como publicitado no jornal Commercio de Santos em 26 de Junho de 1930.
É interessante referir que nos portos brasileiros de desembarque dos navios desta empresa houve um grande desenvolvimento na época. Eram locais de chegada de emigrantes estrangeiros e partida de brasileiros para a Europa e Estados Unidos. Um filme mudo brasileiro de 1925, intitulado «Veneza Americana», mostra o desenvolvimento do porto de Recife, com a construção de armazéns e do cais, de forma a capacitá-lo para receber navios de grande porte como o Ayuruoca, do Lloyd Brasileiro, e o transatlântico Gelria, do Lloyd Real Hollandez.
Porque o post vai grande e ainda não falei no vapor em si, faço aqui um intervalo, como antigamente nos cinemas, e volto brevemente.

(1) Artigo § 4.º do DEC 70.198/1972 (Brasil). Considera-se viagem de direitura a que a embarcação realizar até dar entrada, por inteiro, no porto de destino, e a torna-viagem é o regresso do navio saído do porto no qual dera entrada por inteiro. Quando houver alteração na rota e a embarcação for em primeiro lugar ao porto de destino, a entrada neste porto é considerada o fim da viagem de direitura, e a saída será o início da torna-viagem.