7.10.04

Djito ká tem

Mais um golpe de Estado na Guiné-Bissau. Golpe de Estado, sublevação, purga, reacção violenta a uma tentativa de purga, intentona seguida de inventona, inventona seguida de intentona, pouco importa a classificação. A verdade é que foi assassinado o chefe do Estado-Maior guineense e mais um ou dois oficiais.
O atraso no pagamento do soldo de alguns militares pode ser um pretexto. A desforra do presidente guineense Kumba Ialá, deposto em 2003, e da sua entourage, pode ter sido agora jogada. Ou foi, tão só, o instinto de sobrevivência de alguns homens que se julgavam acossados a ditar o desfecho de hoje, no jogo tropical do mata ou serás morto.

Mas o que resulta de mais um dia em carne viva em Bissau é a permanência de um velho problema que agora, mais uma vez se agrava.
Ao lançar a luta armada contra a colonização portuguesa o PAIGC forjou uma cúpula política, constituida essencialmente pela "gente da praça" de Bissau, famílias crioulas estabelecidas na Guiné há várias gerações, em grande parte ligadas à administração colonial portuguesa mas na qual vinham perdendo peso social e económico ao longo da primeira metade do século XX.
Forjou também uma base de recrutamento militar, a chamada carne para canhão que há em todas as guerras, constituida por homens recrutados nas tabancas (aldeias) guineenses, em particular junto dos balantas, uma etnia animista com uma organização social e económica rudimentar ( em textos de formação dos anos 1970, o PAIGC compara mesmo a sociedade balanta ao comunismo primitivo - e isto sem receio de ser políticamente incorrecto, antes atribuindo à constatação uma valoração positiva!).

Quando o PAIGC assume o poder em Bissau, em 1974, a elite crioula, escolarizada, preenche os lugares disponíveis na governação do nóvel Estado com a mesma naturalidade com que ocupa as casas de função dos antigos administradores coloniais. Ao mesmo tempo os antigos combatentes preenchem os efectivos das Forças Armadas do novo país mas, sem guerra, o estatuto social dos menos alfabetizados vai-se degradando e as prebendas económicas passam-lhes ao largo.
Assim, não perdem uma oportunidade para valorizar de novo o seu estatuto social, ou seja, pegar em armas, ainda que sejam instrumento de todas as manipulações.

Estão em todas, nem sempre do mesmo lado. Estão nomeadamente no golpe que destituiu Luis Cabral, em 1980, em que os naturais de Cabo Verde são afastados a favor da "gente da praça" de Bissau. Estão na guerra civil de 1998/99, em que Ansumane Mané, um brigadeiro acossado por uma investigação de tráfico de armas para Casamança, congrega de imediato um tão amplo apoio que só pode ser explicado pelas tensões acumuladas de todos aqueles que não estavam a beneficiar com o desenvolvimento económico encetado pelo regime de Nino Vieira, durante a década de 1990. Estão na inventona de golpe, em 2000, que levou ao assassinato de Ansumane Mané. Estão na intentona de 2003, que destituiu Kumba Ialá.
Estão hoje de novo nas ruas de Bissau. E só há uma forma de os manter quietos: mandar dinheiro para cima. É aliás a solução recorrente, à falta de outra melhor.

16.9.04

Inflação

Na filatelia alemã existe um período que os coleccionadores chamam "da inflação". A galopante perda de valor do marco durante a República de Weimar (1918-24) ficou registada nos selos: valores faciais de milhares e milhões de marcos. Mais ainda nas cartas circuladas com esses selos: muitos selos e muitos milhões de marcos numa só carta.
Mas a História não chegou ao fim, nem as histórias de inflação. O tempo que passa continua a deixar o seu registo nos selos e nas cartas. Veja-se esta carta registada de 1999, da Roménia: Selos com o valor facial actualizado através de uma sobrecarga. Muitos selos. Muitos selos sobrepostos. Muitos milhares de Leis. Uma história contada num envelope.



9.9.04

Tossir segundo a lei



Curiosa flâmula publicitária argentina de 1938: "Tosa cubriendose la boca. C.I.T. Ley 12.098".

5.9.04

PS: O punho e a couve

É muito curioso verificar que na actual campanha a secretário-geral do PS os candidatos regressaram ao símbolo original do PS - o punho - ignorando, no caso de Alegre e Soares, ou relegando para plano secundário, no caso de Sócrates, a couve que acompanhava o PS no últimos tempos. A couve é aquela rosa estilizada que mais parece um legume, como se pode ainda constatar no site oficial do PS.

O punho, é claro, nem sempre foi igual. Em 1973 parecia estar em carne viva, como se pode ver neste cabeçalho do Acção Socialista.


Depois do 25 de Abril de 1974 foi sendo estilizado, ganhando a forma oficial que conhecemos hoje. Mas era utilizado num contexto gráfico onde predominava a conjugação do vermelho com o branco ou mesmo do vermelho com o amarelo, numa estética aproximada à que ficou para a história como sendo da extrema-esquerda.


Nos anos 1980 o punho foi perdendo visibilidade no contexto gráfico em que surgia, rodeado de azul por todos lados. O azul foi ganhando espaço a um vermelho cada vez mais envergonhado.


Nos anos 1990 o punho desapareceu praticamente da propaganda do PS para dar lugar à couve, ou melhor, à rosa. Regressa agora. Regressa mesmo em contextos gráficos onde se perdeu o medo de utilizar a cor vermelha em profusão, numa só tonalidade, como no site de Soares, ou em vários tons, como no site de Alegre. Quanto a Sócrates, apesar de dar mais destaque ao punho do que à couve, ainda vacila na escolha do vermelho como cor dominante (no campo do simbólico será também curioso notar que o endereço do site de Soares é "net" o de Alegre é "org" e o de Sócrates é "com").


Bophuthatswana

No Abrupto leio um artigo sobre o Bophuthatswana enquanto oiço ao longe, por causa da televisão ligada, que o governo de Portugal aceitou o desafio de comer um ensopado de borrego em Évora, objectivo que justificou inclusivamente uma longa caminhada a pé. Coleccionar selos é na verdade um agradável refúgio para as pequenas irritações do dia-a-dia e JPP tem-se revelado no seu blog um filatelista conhecedor de variedades de cor e denteados. O seu artigo sobre o Bophuthatswana recordou-me uma carta que recebi o ano passado de Edgemead, África do Sul, franquiada com dois selos sul-africanos e três selos do Bophuthatswana. Estranhei que, exactamente dez anos depois do fim da existência formal do bantustão, estes selos ainda andassem a franquiar cartas. Por vezes os filatelistas têm o hábito de enfeitar os seus envios e poderia ter sido o caso: que os dois selos da África do Sul tivessem pago o custo total do envio desta carta para Portugal e os três selos do Bophuthatswana estivessem ali só para enfeitar. Mas não, o meu correspondente garantiu-me que os selos do Bophuthatswana ainda são válidos para franquiar correspondência, e isto a partir de qualquer ponto da África do Sul, e nesta carta de 2003 cumpriram o seu serviço: pagar o porte de uma carta enviada para Portugal. Foi para a caixinha das curiosidades histórico-postais.

4.9.04

Carte Philatelie



Carte Philatelie, reproduzindo os selos de Portugal então em uso, com a efígie do rei D. Carlos. Postal circulado em França em 1905. Editor: Ottmar Zieher, Munique, Alemanha. Circa 1900.

Das colecções e dos ajuntamentos

Sendo coleccionador de selos e de postais antigos, e ajuntador de muitos e desvairados papéis mais ou menos velhos, caio na categoria de "uma forma especial de doido manso" do Abrupto . Está dito com graça mas é uma visão redutora em que JPP, estando absorto de volta do álbum dos selos, faz como se o olhasse de cima. Ora uma das razões para criar este blog foi precisamente a de verificar que cada vez existe maior interesse pelas colecções dos doidos, ou seja, pela iconografia moderna e contemporânea como suporte ou auxiliar da História. Para perceber que assim é basta ler e ver o Companhia de Moçambique ou as entradas sobre iconografia dos Estudos sobre o Comunismo ou da Guerra Civil de Espanha. É certo que a maioria dos coleccionadores classifica as suas preciosidades segundo critérios que pouco tem que ver com o método do historiador, situação que se torna mais evidente se, em vez de selos, estivermos a falar de caixas de fósforos ou autocolantes. Nalguns casos nem sequer são colecções, são ajuntamentos. Mas têm o imenso mérito de preservar interessante ou importante iconografia que de outra maneira se perderia.


Coloniais - etiqueta de caixa de fósforos, Fosforeira Portuguesa, Espinho, 1932.

O autocolante da lista B

O JPH fez um link para aqui e o "site meter" começou a avançar a uma velocidade alucinante. Obrigadinho pá, agora fico mesmo obrigado a alimentar o bicho!

O João Pedro recorda tempos passados e uma lista para uma associação de estudantes numa escola de pré-fabricados que já não existe. Chamava-se Belém-Algés. O tal selo, salvo erro, era um par de D. Pedro V de 5 réis, de 1855 - mas atenção, não era totalmente perfeito, não valeria hoje nada de semelhante aos quase quatro mil euros indicados no catálogo!

O lucro da venda do selo - julgo que foram dez contos - foi para fotocópias, tintas, tarjas e outras coisas mais, incluindo copos. O autocolante não foi pago dali. O autocolante era oferecido pela JS. Nesse tempo - não sei se ainda hoje é assim - as juventudes partidárias degladiavam-se pelo número de AE's do secundário que "controlavam" - embora só controlassem de facto a produção de autocolantes.

Fui agora resgatar esses velhos autocolantes a uma caixinha que para aqui está, cheia de "25 de Abril, Sempre!", Reforma Agrária, cooperativas e sindicatos, Eanes e Soares para colar à lapela. A JS tinha nesse ano dois autocolantes-tipo: um muito "bonequinho", com a frase "Vamos fazer melhor" a atravessar um coração, e que foi naturalmente escolhido por nós, dado o eleitorado-alvo.


O outro autocolante era bem mais engraçado - julgo que foi "picado" de uma propaganda de um partido brasileiro. Só encontrei um exemplar mal cortado, mas o original por cima dizia assim: "O meu coração é vermelho e bate à esquerda - vota B" (ou X, ou Y). É claro que era impossível utiliza-lo em Belém-Algés.

A escola ficava, como está bom de ver, do lado certo do Tejo, e a malta, que estava do lado errado do rio porque era de esquerda, tinha que fazer algumas concessões de forma. Estivemos lá quase mas acabámos por perder. Não era possível competir com os concursos de comilões de macarrão promovidos pela direita reaccionária!

3.9.04

Profissões de outros tempos: Aguadeiro



Costumes de Portugal - Aguadeiro
Postal ilustrado circa 1900. Editor n. identificado.

Na identificação deste e de outros postais da mesma época comete-se habitualmente o erro de indicar como editor a União Postal Universal, ou, como consta do verso, no original em francês, a "Union Postale Universelle". Ora esta referência não identifica o editor mas sim o facto de que as caracteristicas do postal, e nomeadamente as dimensões do mesmo, respeitavam os preceitos então estabelecidos pela União Postal Universal (uma espécie de Nações Unidas das administrações postais de todo o mundo) para o seu envio pelo correio a descoberto, ou seja, sem ser dentro de uma carta fechada. A quem souber identificar o verdadeiro editor se agradece, desde já, a informação.