Djito ká tem
Mais um golpe de Estado na Guiné-Bissau. Golpe de Estado, sublevação, purga, reacção violenta a uma tentativa de purga, intentona seguida de inventona, inventona seguida de intentona, pouco importa a classificação. A verdade é que foi assassinado o chefe do Estado-Maior guineense e mais um ou dois oficiais.
O atraso no pagamento do soldo de alguns militares pode ser um pretexto. A desforra do presidente guineense Kumba Ialá, deposto em 2003, e da sua entourage, pode ter sido agora jogada. Ou foi, tão só, o instinto de sobrevivência de alguns homens que se julgavam acossados a ditar o desfecho de hoje, no jogo tropical do mata ou serás morto.
Mas o que resulta de mais um dia em carne viva em Bissau é a permanência de um velho problema que agora, mais uma vez se agrava.
Ao lançar a luta armada contra a colonização portuguesa o PAIGC forjou uma cúpula política, constituida essencialmente pela "gente da praça" de Bissau, famílias crioulas estabelecidas na Guiné há várias gerações, em grande parte ligadas à administração colonial portuguesa mas na qual vinham perdendo peso social e económico ao longo da primeira metade do século XX.
Forjou também uma base de recrutamento militar, a chamada carne para canhão que há em todas as guerras, constituida por homens recrutados nas tabancas (aldeias) guineenses, em particular junto dos balantas, uma etnia animista com uma organização social e económica rudimentar ( em textos de formação dos anos 1970, o PAIGC compara mesmo a sociedade balanta ao comunismo primitivo - e isto sem receio de ser políticamente incorrecto, antes atribuindo à constatação uma valoração positiva!).
Quando o PAIGC assume o poder em Bissau, em 1974, a elite crioula, escolarizada, preenche os lugares disponíveis na governação do nóvel Estado com a mesma naturalidade com que ocupa as casas de função dos antigos administradores coloniais. Ao mesmo tempo os antigos combatentes preenchem os efectivos das Forças Armadas do novo país mas, sem guerra, o estatuto social dos menos alfabetizados vai-se degradando e as prebendas económicas passam-lhes ao largo.
Assim, não perdem uma oportunidade para valorizar de novo o seu estatuto social, ou seja, pegar em armas, ainda que sejam instrumento de todas as manipulações.
Estão em todas, nem sempre do mesmo lado. Estão nomeadamente no golpe que destituiu Luis Cabral, em 1980, em que os naturais de Cabo Verde são afastados a favor da "gente da praça" de Bissau. Estão na guerra civil de 1998/99, em que Ansumane Mané, um brigadeiro acossado por uma investigação de tráfico de armas para Casamança, congrega de imediato um tão amplo apoio que só pode ser explicado pelas tensões acumuladas de todos aqueles que não estavam a beneficiar com o desenvolvimento económico encetado pelo regime de Nino Vieira, durante a década de 1990. Estão na inventona de golpe, em 2000, que levou ao assassinato de Ansumane Mané. Estão na intentona de 2003, que destituiu Kumba Ialá.
Estão hoje de novo nas ruas de Bissau. E só há uma forma de os manter quietos: mandar dinheiro para cima. É aliás a solução recorrente, à falta de outra melhor.
O atraso no pagamento do soldo de alguns militares pode ser um pretexto. A desforra do presidente guineense Kumba Ialá, deposto em 2003, e da sua entourage, pode ter sido agora jogada. Ou foi, tão só, o instinto de sobrevivência de alguns homens que se julgavam acossados a ditar o desfecho de hoje, no jogo tropical do mata ou serás morto.
Mas o que resulta de mais um dia em carne viva em Bissau é a permanência de um velho problema que agora, mais uma vez se agrava.
Ao lançar a luta armada contra a colonização portuguesa o PAIGC forjou uma cúpula política, constituida essencialmente pela "gente da praça" de Bissau, famílias crioulas estabelecidas na Guiné há várias gerações, em grande parte ligadas à administração colonial portuguesa mas na qual vinham perdendo peso social e económico ao longo da primeira metade do século XX.
Forjou também uma base de recrutamento militar, a chamada carne para canhão que há em todas as guerras, constituida por homens recrutados nas tabancas (aldeias) guineenses, em particular junto dos balantas, uma etnia animista com uma organização social e económica rudimentar ( em textos de formação dos anos 1970, o PAIGC compara mesmo a sociedade balanta ao comunismo primitivo - e isto sem receio de ser políticamente incorrecto, antes atribuindo à constatação uma valoração positiva!).
Quando o PAIGC assume o poder em Bissau, em 1974, a elite crioula, escolarizada, preenche os lugares disponíveis na governação do nóvel Estado com a mesma naturalidade com que ocupa as casas de função dos antigos administradores coloniais. Ao mesmo tempo os antigos combatentes preenchem os efectivos das Forças Armadas do novo país mas, sem guerra, o estatuto social dos menos alfabetizados vai-se degradando e as prebendas económicas passam-lhes ao largo.
Assim, não perdem uma oportunidade para valorizar de novo o seu estatuto social, ou seja, pegar em armas, ainda que sejam instrumento de todas as manipulações.
Estão em todas, nem sempre do mesmo lado. Estão nomeadamente no golpe que destituiu Luis Cabral, em 1980, em que os naturais de Cabo Verde são afastados a favor da "gente da praça" de Bissau. Estão na guerra civil de 1998/99, em que Ansumane Mané, um brigadeiro acossado por uma investigação de tráfico de armas para Casamança, congrega de imediato um tão amplo apoio que só pode ser explicado pelas tensões acumuladas de todos aqueles que não estavam a beneficiar com o desenvolvimento económico encetado pelo regime de Nino Vieira, durante a década de 1990. Estão na inventona de golpe, em 2000, que levou ao assassinato de Ansumane Mané. Estão na intentona de 2003, que destituiu Kumba Ialá.
Estão hoje de novo nas ruas de Bissau. E só há uma forma de os manter quietos: mandar dinheiro para cima. É aliás a solução recorrente, à falta de outra melhor.