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sexta-feira, 16 de julho de 2021

Breve poema nº 44 para Ana Isabel


Breve poema nº 44 para Ana Isabel

«Gosto desta casa apesar dos bêbados durante a noite» - esta frase do meu neto Tomás explica uma ideia de pertença mesmo com a revolta, a raiva e o rancor dos noctívagos a descerem a Rua da Rosa com gritos para um Mundo que não os ouve.

Eu, pela minha parte, gosto muito das linhas rigorosas e límpidas duma casa por si desenhada em Greenwich, ali à beira do Tamisa, perto dos Museus, dos Cinemas e das Livrarias.

Afinal foi na avó Joan, na mãe Ana e no pai Ian que todos os desenhos começaram a dar razão à nossa tão conhecida frase feita - «filho de peixe sabe nadar».    

José do Carmo Francisco


segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

Poema periférico para o homem do chá


Poema periférico para o homem do chá

O médico conhecido e o escritor obscuro
Bebem chávenas de chá verde na esplanada
E quem as prepara é um homem triste.
Entre cães activos e telemóveis desligados
A tosse, os charutos e as outras coisas más 
A tarde declina nas duas chávenas de chá.
A caminho do comboio já bem de noite
Ninguém pode reparar naquelas lágrimas
Misturadas com estas folhas castanhas.
Com uma filha no outro lado do Mundo
E outra apenas a duas horas de avião
Como eu compreendo o homem do chá.
Mesmo sem saber sequer seu nome
Sinto o homem do chá como um irmão
Na saudade húmida da filha distante.
Só o vento a arrastar folhas no passeio
Me parece neutral neste Outono frio
Em que os sentimentos tomam partido.

José do Carmo Francisco

(Fotografia de autor desconhecido)

sexta-feira, 24 de março de 2017

Uma voz no centro do Mundo


Uma voz no centro do Mundo

As vozes de algumas mulheres, tal como as montanhas, os rios e as planícies, também se integram numa geografia determinada. Circula também dentro dessas vozes o ímpeto do vento nas alturas, o murmúrio das águas dos rios e o silêncio sem fim das planícies.
O mundo de Cristina nasce todas as manhãs na força do rigor inicial dessa voz antiga que se solta dos cadeados da noite e começa a percorrer as encostas do dia.
Depois, no acumular das horas envolvidas em monotonia, Cristina vai organizando a sua gramática de afectos. Conforme a temperatura da resposta, logo se apercebe a origem provável da pergunta telefonada. Na rua em frente, a janela de Cristina desvenda um dos filmes mudos mais frequentes na cidade de Lisboa: o reboque da Polícia Municipal vai recolhendo um a um os automóveis estacionados fora das linhas brancas desenhadas na pedra negra da calçada. Antes tinham passado pela rua raparigas de farda verde despejando papéis brancos nas escovas de borracha do vidro da frente dos automóveis.
Aos poucos, de modo vagaroso mas firme, a voz de Cristina instala a sua ordem no centro do Mundo. Respira na velocidade por si utilizada no discurso com que ordena as entradas e as saídas de informações em circulação, no seu tempo e no seu espaço. Entre vida e morte, luz e escuridão, alegria e desolação, ruído e silêncio, amor e ódio, a voz de Cristina está no centro do Mundo. Centenas de notícias, de recados, de pedidos, de avisos e de recomendações circulam pela força da sua voz. Uma voz sempre capaz de incorporar no seu desenho sonoro o ímpeto do vento das alturas, o ruído das águas dos rios e o silêncio sem fim das planícies.     

José do Carmo Francisco  

(Óleo de Emile Chambon)  

segunda-feira, 11 de julho de 2016

Sobre Menina e Moça de Lisa


Sobre Menina e Moça de Lisa

Quando Elza foi embora
De volta ao Algarve natal
Falámos mais de uma hora
Naquele átrio principal.
Como não tinha postais
Dos seus quadros antigos
Ofereceu quatro iguais
De pintores seus amigos.
Primitivos modernos
Faltava uma designação
Nos jornais e nos cadernos
NAIFS não estava à mão.
Desenho numa gaveta
Este quadro de Lisboa
Canteiros de uma praceta
Por cima a gaivota voa.
Entre pedras do Mosteiro
E as ameias do Castelo
Olhamos um cacilheiro
E um eléctrico amarelo.
Santa Engrácia, panteão
Autocarro para Belém
Cristo Rei em oração
Reza por nós também.
Que fazemos da cidade
Trajecto de teimosia
Nas praças a liberdade
Nas casas uma alegria.
E quando o dia se cala
Das cantigas e pregões
O artista fecha a mala
Amanhã há mais razões.

José do Carmo Francisco

(Fotografia de Roberto Slodmank)