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sábado, 25 de janeiro de 2025

Musa em castanho escuro


 

Musa em castanho escuro
 
Nova declinação dum tom castanho
Bandeira de uma convocada alegria
Juntando na marcha vário tamanho
Mas toda uma uniforme nostalgia.
 
No recanto da casa é uma cozinha
Perto das brasas a luz dum panelão
Na sombra esquecida mas vizinha
Sabemos que a morte não tem razão.

José do Carmo Francisco

(Óleo de Igor Obrosov)
 

terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

Novo poema nº 29 para Ana Isabel

 


Novo poema nº 29 para Ana Isabel

Atuhalpa Yupanki teve o nome civil de Hector Roberto Chavero e tocava viola com a mão esquerda porque numa das muitas prisões que sofreu os carcereiros lhe partiram os dedos da mão direita.

Mas essa palavra milonga também pode designar feitiçaria, sortilégio e bruxedo para além de mexericos, intrigas, enredos e, por fim, medicamentos.

Porque em São Tomé o nome indica um remédio do qual não resultam melhoras, talvez haja aí um fundo de verdade; a milonga não resolve nada mas ajuda a ver tudo de outra maneira.  

 José do Carmo Francisco

(Óleo de Eduardo Viana)

      

terça-feira, 6 de outubro de 2020

Balada para Ruslam Botiev


Balada para Ruslam Botiev
 
Sempre que estava frio
Meio da correspondência
Tinha que ir ao Val do Rio
O patrão tinha paciência.
Pode ser o Ricardo Reis
Ou então Alberto Caeiro
Três que podem ser seis
Álvaro de Campos inteiro.
Além do próprio Pessoa
Entre mortos e feridos
Tem no mapa de Lisboa
Os sonhos interrompidos.
Todo o som que ele ouvia
No lugar do nascimento
São as sílabas da alegria
No poema do momento.
Poderia ser uma canção
Ou então uma filosofia
E continua a ter razão
Na porta da Tabacaria.
Uma Mensagem escrita
Para o Prémio Literário
E afinal está de visita
O Mundo é ao contrário.
Guardador de Rebanhos
Também fica no retrato
Há caminhos estranhos
Onde não cabe o contrato.
Este gato fica de fora
Do campo do retratista
Mas miou por uma hora
Para que ninguém resista.
No calendário de parede
Com três, número divino
Abel Pereira mata a sede
De quem decifra o destino.
 
José do Carmo Francisco
 
(Desenho de Ruslam Botiev)


sexta-feira, 24 de abril de 2020

Balada para uma valsa



Balada para uma valsa

Nasci a cinquenta e um
Lá em Santa Catarina
Sou um poeta comum
Tenho a voz pequenina.
Falta a força ou amplitude
Seja o timbre ou potência
E o poema não se ilude
Que a arte não é ciência.
Numa adega sem tecto
Abandonada e pequena
Logo mudou o aspecto
Nasceu a casa serena.
Não esqueço a madeira
Que serviu embarcação
A suportar uma lareira
Nas viagens da paixão.
Sou primo da prima Alice
Por parte do meu avô
Foi minha mãe que disse
Por tudo aquilo que sou.
Foi lá no Alto Alentejo
E quando Alice nascia
Que cresceu este desejo
De celebrar uma alegria.
Numa simples partitura
Um sentimento profundo
Que seja formosa e segura
Face ao desastre do Mundo.
Mas numa gaveta calada
Um neto fez da noite dia
A melodia bem datada
Esperava uma harmonia.
No acaso dum destino
O encontro logo deu fruto
Foi com maestro Adelino
Que a valsa ganhou estatuto.
Com os naipes bem afinados
Palhetas, cordas e metais
Com futuros multiplicados
Ovações não são de mais.

José do Carmo Francisco

(Oléo de Pablo Picasso)

domingo, 15 de março de 2020

Breve retrato de Ruslam Botiev



Breve retrato de Ruslam Botiev

No Domingo de manhã
No Chiado vi o artista
O seu nome era Ruslam
Passaporte de turista.

Pinta touros, cavaleiros
Luz da Mongólia natal
Gatos, pontes, mosteiros
São o Bom dia Portugal!

O Mundo visto ao contrário
Está na sede que se deseja
Ele num filme publicitário
Troca a noiva por cerveja.

Porca de Murça é passado
Nunca parou um segundo
Alfama é hoje o seu fado
E vai para todo o Mundo.

José do Carmo Francisco

(Quadro de Ruslam Botiev)

quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

Colecção



Colecção

Vejo a Arte nas cartas de jogar
Numa montra bonita de Lisboa
Seja na força da arte popular
Seja nos conceitos de Pessoa.

Em tabernas, navios e barbearias
O homem procura novos espaços
Com os gatos, os cães, as filosofias
Apenas Livros edita jogo aos maços

José do Carmo Francisco

(Fotografia de Luís Eme)

domingo, 22 de setembro de 2019

Fala de António Durães, actor de «A dama das camélias» no São Luís em 8-9-2019



Fala de António Durães, actor de «A dama das camélias» no São Luís em 8-9-2019

O ruído do eléctrico chega aos bastidores
Mas os turistas deste «28» em tarde de sol
Esses nunca irão ler nenhum dos seus livros
Nem saber quem foi José Augusto França. 
Há uma muito lamentável caixa baixa
No nome da sala Luís Miguel Cintra
Impresso no bilhete desta récita
Por possível erro dum computador.
Nem Pai tirano nem Pátio das cantigas
Apenas a encenação século vinte e um
Com recurso a áudio-texto mas sem mail
Coisa que hoje até os sem-abrigo usam.
Seja como for eu sou um pai dividido
Entre a força do amor e as convenções
Porque o casamento da minha filha
Depende muito da dama das camélias.
Não é verdade que eu esteja indisposto
O anúncio sonoro do meu estoicismo
É apenas o que resta do século dezanove
Quando havia peixe frito e caldeiradas.
Sabemos que o amor não acaba nunca
Tal como já São Paulo nos tinha escrito
Com telemóveis logo será outra história
No fundo tudo isto permanece e continua.

José do Carmo Francisco 

quinta-feira, 11 de julho de 2019

Musa entre Cecília Correia e Maria Keil



Musa entre Cecília Correia e Maria Keil

Limões, hortaliças, verduras
Num carrinho ao fim da rua
Dez histórias de aventuras
Cada leitor chama-lhe sua.

O Mundo visto à janela
Debruçado sobre o Tejo
E a camisola amarela
Ganha corrida ao desejo.

José do Carmo Francisco

sábado, 18 de maio de 2019

Musa em tarde de esplanada



Musa em tarde de esplanada

Um lugar marcado na esplanada
Para bolo e café contra a rotina
Se passa a correr não dá por nada
Nem vê o perfil da mulher-menina.

Empurrou a neblina da madrugada
Forte e compacta como um muro
Na dúvida aos poucos decifrada
Se desenha o rumo para o futuro.

José do Carmo Francisco

(Quiosque do Oliveira no Principe Real por M. Nagashima)

segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

O Cristo de madeira da Rua Anchieta



O Cristo de madeira da Rua Anchieta

Uma coroa mas de espinhos
Faz sangue no incauto rosto
Passam os homens sozinhos
Do sobressalto ao desgosto.

No Natal que se aproxima
Tão veloz como uma luz
Entre a lágrima e a rima
Surge o busto de Jesus.

Num bocado de madeira
Trabalho de artesanato
Uma peça de oliveira
Que ultrapassa o retrato.

Porque extensão e volume
Dum rosto hoje distante
Lembram traição e ciúme
Do suposto bem-pensante.

Sacerdote incontestado
Entre Herodes e Pilatos
O povo tinha gritado
Por Barrabás e seus actos.


Na varanda e na bacia
Quem lava as mãos a chorar
Sabe que no fim do dia
A água não chega ao mar.

Travada pela secura
Do deserto da indiferença
Escondeu-se numa escritura
Sem sequer pedir licença.

José do Carmo Francisco

(fotografia de autor desconhecido)


domingo, 14 de janeiro de 2018

Poema periférico para Rafael Carvalho


Poema periférico para Rafael Carvalho

Nesta viagem duma viola que não cansa
De ouvir porque tem em si dois corações
Há um tempo de teimosia e de esperança
Num espaço onde não chegam as razões.
«Origens» pois então só hoje eu ouvia
Um CD que há meses estava fechado
Eu desperto para um pleno de alegria
Dum som que vai comigo a todo o lado.
Som guardado do lado do coração
O lado mais sensível e mais sereno
Dum corpo que acende uma paixão
Sem ter as coordenadas no terreno.
Dois corações são símbolo e bandeira
Da música que nos dá a voz da terra
Capaz da emoção mais verdadeira
Que fica no poema em pé de guerra.


José do Carmo Francisco 

sexta-feira, 28 de julho de 2017

Balada da sardinheira da Abadia


Balada da sardinheira da Abadia

Manuel Ribeiro de Pavia
Do Alentejo profundo
Faz da Vieira de Leiria
O desenho do seu mundo.
Almocreves nas galeras
Com a pressa de chegar
Sem paragens ou esperas
Voltam as costas ao mar.
A mais bela sardinheira
Canastra não cabe mais
Saiu da Praia da Vieira
Para os distantes casais.
Há quem não tenha dinheiro
Paga-se em quartas de milho
Este dia vive-se inteiro
E assim se cria um filho.
Casas de roupa estendida
Seja dúzia ou quarteirão
A sardinha traz nova vida
A quem a come no pão.
Mesmo no rol dos fiados
Tem cada dia a surpresa
Sabe escolher dos dois lados
Toucinho ou peixe na mesa.
Fritas, cozidas ou assadas
As sardinhas estão no pão
Com sopa de misturadas
A mais feliz refeição.
Esta  bela sardinheira
Da Vieira de Leiria
Caminha a manhã inteira
Para chegar à Abadia.
Com rodilha feita em casa
Ou comprada numa feira
O calor do sol em brasa
Não detém a sardinheira.
Sardinheira do meu sonho
Está no Liceu de Leiria      
Na balada que proponho
Só sobeja a melodia.

José do Carmo Francisco    

(Ilustração de Manuel Ribeiro de Pavia)


segunda-feira, 3 de abril de 2017

Espuma


Espuma

Os cabelos são o que resta doutra espuma
Das ondas tão pontuais na sua rebentação
De sete em sete nasce uma que é nenhuma
E ninguém conta quando à noite é escuridão.
E o mar deixa de ser mar para ser apenas água
Porque o Sol que vai ao outo lado da Terra
Não define a pronta solução da nossa mágoa
Nem aquece o coração já em pé de guerra.
Os cabelos neste quadro são a moldura
Definida num ângulo novo de esquadria
Mas buscam por todo o lado à procura
E é no rosto que está a fonte da alegria.
Porque é no rosto que o som tem a origem
No olhar está a luz de todo o campo visual
Entre a espuma e o olhar uma vertigem
De sentir esta luz e esta sombra por igual.

José do Carmo Francisco   

(Óleo de Carl Lohse)

domingo, 21 de agosto de 2016

Sobre uma cerâmica de Anna Rothwell


Sobre uma cerâmica de Anna Rothwell

Feita de barro uma mulher chama a atenção
No meio da pressa das ruas de uma cidade
Assim nos mostrando a sua frágil condição
Que ninguém diz mas sabemos ser verdade

Mesmo assim tempo para dizer sua beleza
Em gestos repetidos frente a um espelho
Procurando a cada momento uma certeza
No tempo veloz que era novo logo é velho

Feita de barro uma mulher chama a atenção
Traz ao de cima as mentiras tão escondidas
De quem sabe que esconder é uma ilusão
E não pode alterar a linha das nossas vidas

Todos somos feitos de barro e de tristeza
Mas fingimos nada saber do nosso estado
Tentamos fugir à morte pela luz da beleza

Mas a morte ainda continua ao nosso lado

José do Carmo Francisco

(Escultura de Anna Rothwell)

segunda-feira, 11 de julho de 2016

Sobre Menina e Moça de Lisa


Sobre Menina e Moça de Lisa

Quando Elza foi embora
De volta ao Algarve natal
Falámos mais de uma hora
Naquele átrio principal.
Como não tinha postais
Dos seus quadros antigos
Ofereceu quatro iguais
De pintores seus amigos.
Primitivos modernos
Faltava uma designação
Nos jornais e nos cadernos
NAIFS não estava à mão.
Desenho numa gaveta
Este quadro de Lisboa
Canteiros de uma praceta
Por cima a gaivota voa.
Entre pedras do Mosteiro
E as ameias do Castelo
Olhamos um cacilheiro
E um eléctrico amarelo.
Santa Engrácia, panteão
Autocarro para Belém
Cristo Rei em oração
Reza por nós também.
Que fazemos da cidade
Trajecto de teimosia
Nas praças a liberdade
Nas casas uma alegria.
E quando o dia se cala
Das cantigas e pregões
O artista fecha a mala
Amanhã há mais razões.

José do Carmo Francisco

(Fotografia de Roberto Slodmank)

domingo, 8 de maio de 2016

Salinas

Salinas

O sal da minha terra era daqui que vinha
Trazido em vagarosos carros de madeira
O abegão guiava os bois pela manhãzinha
E o destino do sal era a nossa salgadeira

O sabor dessa carne ficava ao nosso gosto
O lume fazia de cada refeição uma festa
Pelo tempo fora desde manhã ao sol-posto
A terra esperava tão incauta e tão honesta

Por quem lhe trazia o adubo feito de suor
A querer multiplicar a grande sementeira
No perfume da ternura, na força do amor
Duma vida mais dura mas mais verdadeira

O sal da minha terra era daqui que vinha
Dois quilómetros-hora, baixa velocidade
Anos depois esta memória está sozinha
O lugar da salgadeira é hoje uma saudade

José do Carmo Francisco

(Fotografia de Artur Pastor)

segunda-feira, 21 de março de 2016

Sobre uma paisagem de Cesare Novi


Sobre uma paisagem de Cesare Novi

Turismo de habitação, agricultura
Nas janelas abertas à ventania
Quem chega a este cabo não procura
Porque descobre o alfabeto da alegria
O caminho vai dar ao arco das piçarras
No meio ficam as casas do caseiro
O mar imita o som das guitarras
Que entra na porta aberta do celeiro
Para dar ao tempo a luz da melodia
Que tem no mar o foco da vertigem
Península do sossego onde acaba o dia
Que tem na madrugada a sua origem
Aqui o tempo suspende os segredos
Do viajante que sente a serenidade
Deixa na mala a angústia e os medos
Entre o verde e o azul tudo é verdade

José do Carmo Francisco  

(Óleo de Cesare Novi - para festejar o Dia Mundial da Poesia)

segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Vermeer na sua casa de Groote Markt em 1655


Vermeer na sua casa de Groote Markt em 1655

(a José Manuel Capelo)

A morte de meu pai, mais conhecido em Delft do que eu /leva-me a transformar o rés-do-chão em taberna.
Catharina toma-me conta das crianças enquanto pinto / e vou passando por este desgosto recente, inesperado / uma sombra mais neste horizonte escuro da cidade / tal como o pintei no meu quadro UMA RUA DE DELFT: / uma casa, um acesso a um pátio, três mulheres e / um céu carregado de cinzento escuro e de nuvens.
Não faço paisagens nem retratos de encomenda / apenas paisagens interiores e retratos sentimentais / com excepção da minha cidade que pintei uma vez.
Interessa-me muito mais a temperatura sentimental / duma casa – a mulher que lê a carta do marido / na guerra, a rapariga que adormeceu à mesa a bordar / uma toalha, a criada que prepara o leite na cozinha / o olhar da mulher preso no olhar do soldado, tudo enfim.
Tudo ou apenas aquilo que pude recolher e para mim é tudo...

José do Carmo Francisco  

(O óleo é de Vermeer)