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terça-feira, 19 de abril de 2022

D. Duarte, por Rui de Pina



O retrato em palavras é relativamente sucinto e vem no capítulo III da Crónica d'El-Rei D. Duarte (1391-1438), de Rui de Pina. E diz assim:

"... e portanto é de saber que El-Rei D. Duarte foi homem de boa estatura do corpo, e de grandes e fortes membros: tinha o acatamento da sua presença mui gracioso, os cabelos corredios, o rosto redondo e algum tanto enverrugado, os olhos moles, e pouca barba; foi homem desenvolto e costumado em todalas boas manhas, que no campo, na côrte, na paz e na guerra a um perfeito Príncipe se requeressem: cavalgou ambas as selas da brida e de ginêta melhor que nenhum do seu tempo: foi mui humano a todos, e de boa condição: prezou-se em sendo mancebo de bom lutador, e assim o foi, e folgou muito com os que em seu tempo bem o faziam: foi caçador e monteiro, sem míngua nem quebra do despacho e aviamento dos negócios necessários: foi homem alegre, e de gracioso recebimento (...) foi mui piedoso, e manteve mui inteiramente sua palavra como escrita verdade: amou muto a justiça: foi homem sesudo e de claro entendimento, amador de ciência de que teve grande conhecimento, e não por decurso d'escolas, mas por continuar d'estudar e ler por bons livros (...) no comer, beber e dormir foi mui temperado, e assim dotado de todalas outras perfeições do corpo e d'alma."

segunda-feira, 23 de junho de 2014

Retratos de Virginia Woolf, em 4 perspectivas


A iconografia de Virginia Woolf (1882-1941) é vasta, talvez até porque, esteticamente, era um modelo agradável. Na primeira imagem temos uma fotografia de 1902, que Dana Keller coloriu, na actualidade; na segunda, o retrato da romancista, em 1912, portanto com 30 anos, pintado pela irmã Vanessa Bell; a terceira imagem, reproduz uma tela de 1917, feita pelo amigo Roger Fry. Finalmente, o retrato de Virginia Woolf em palavras da romancista irlandesa Elizabeth Bowen (1899-1973):
"Era de uma beleza extraordinária; creio que dela se recordam as pessoas que com ela privaram. Ignoro, todavia, se o facto era do conhecimento geral. Possuía uma movimentação viva e suave, mas designá-la como vital seria falso. Os seus movimentos não eram rítmicos nem descompassados. Era bonito observá-la quando se recortava no horizonte ou atravessava um campo. E a cabeça assentava belamente nos ombros. Tinha umas mãos notáveis. Movimentava-se como uma jovem. Recordo-me de que as pessoas me faziam a sua descrição, antes de a ter visto. Perguntara-lhes: «Como é que ela é, que tipo de pessoa?» Respondiam-me: «Oh! É espontânea e movimenta-se de uma forma suave e inconscientemente ousada.» Quero dizer que também isso se sente nos seus textos. Ela disse-me, um dia, a propósito de alguém: Pode ver-se pelos seus textos que era uma beleza. Não me parece que tenha tido essa visão de si própria. E, no entanto, acredito que a sua beleza era um factor importante aos seus olhos, mais importante do que tinha consciência."

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Variações sobre um retrato antigo


Não haverá muitas maneiras de pegar o dia. Pelos cornos. Nem mesmo de cernelha, hoje. No dia seguinte às pegas do fim-de-semana, C. B. arrastava os pés pelo corredor, num ruído surdo, plangente, dorido. Embora jovem ainda, o rosto denunciava rugas fundas de cruzamentos de sangue não aconselhados, nem legítimos. E o Inverno era, para ele, uma estação desencontrada, embora fosse verdade que descendia do navegador da Índia, pelo irmão Paulo.
Lembrei-me dele, hoje, em que parece que não temos por onde agarrar o dia. Pelo humor, será manifesto mau gosto, dadas as circunstâncias; pela poesia, afastamento imperdoável  dos rituais da realidade. A opção dramática, recuso-a. Seria aceitável, apenas, a raiva de caras, com o touro, pegado pelos cornos como C. B. fazia. Num misto de desespero e alegria irada que lhe deixava sangue no rosto, mãos e peito, e os pés massacrados de dor, arrastando a vida. E um peso insustentável sobre os ombros.
Por motivos ponderosos, acabou por ser expulso da Comunidade. Estaria bem na Legião Estrangeira - pensei eu, na altura. Mas não foi assim. Apagou-se, por entre a multidão anónima, numa existência comum e sem história. Estou a vê-lo de costas, hoje, arrastando os pés, dorido, pelo corredor deste país, de rastos.

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Retrato de Malraux, em palavras


Em Malraux (1901-1976), prefiro "Les voix du silence" a "La condition humaine", ou seja, a sua ficção troco-a, de bom grado, pelos seus pensamentos sobre Arte, em geral. E tive o privilégio de ver, em televisão, vários programas em que ele discreteava sobre temas artísticos. Pesasse embora o facto de ser penoso vê-lo, pelos tiques físicos e esgares faciais que alguma doença nervosa (?) lhe provocou, nos últimos anos de vida.
Por outro lado, e já aqui o disse, aprecio muito os retratos por palavras. Ora, "Le Monde"  de 13/7/12, a propósito do sucesso de "Journal 1918-1933", escrito por Hélène Hoppenot (1896-1990), trancreve o retrato que ela fez de André Malraux. E aqui fica, em tradução despreocupada que fiz:
"Magro e pálido, os olhos bugalhudos, cem por cento cerebral. As palavras, as frases, desarrumam-se na sua boca, os seus gestos bruscos transformam-se num fogo de artifício de tiques e a ginástica mental a que nos obriga, para segui-lo, deixa-nos exaustos, como se depois de uma forte gripe."