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terça-feira, 2 de abril de 2024

Da construção de um policial

 
Em 1931, Georges Simenon (1903-1989), em artigo para J. K. Raymond-Millet, que veio a ser publicado em Le Courrier cinématographique de 31 de Junho, descreve de forma sucinta e exacta o uso do seu tempo, centralizado na elaboração dos seus romances policiais. O modo exemplar e pitoresco do texto justifica, para registo do Arpose, que o traduza, com base no livro de Pierre Assouline, Simenon (pgs. 228/9). Assim:




"A minha existência está segmentada em períodos de quinze dias. Em cada um destes períodos, um romance é inteiramente composto. No primeiro dia, eu passeio, sozinho e ao acaso. Corro, sento-me ou ando. Observo quem passa. Dou espaço às minhas personagens. Apresento-as umas às outras. Vejo. Quando chego a casa, já tenho o «ponto de partida» onde se desenrolará a acção e a sua «atmosfera». Não me é preciso mais nada. E nem penso mais nisso. Deito-me. Adormeço. Sonho. As personagens crescem por dentro de mim e sem o meu concurso. Em breve já nem sequer me pertencem: têm a sua vida própria. No dia seguinte e dias posteriores, eu não tenho mais nada senão contar-lhes a história. Já lhe tinha dito que dactilografo eu próprio as minhas páginas directamente sem passar pela escrita à mão? Poucos retoques ou modificações. Os meus livos saem ao primeiro jacto.
Escrevo sempre sem um plano; deixo a minha gente agir e a história evoluir seguindo a lógica das coisas. Os meus romances têm geralmente doze capítulos. Começo um capítulo cada manhã, não mais. Isto não me ocupa mais do que hora e meia; mas em seguida fico vazio para o resto do dia. Bom! doze capítulos, portanto doze dias, e isto faz com o dia de preparação, treze dias. No décimo quarto dia, eu releio o meu alfarrábio. Corrijo os erros de distracção, a pontuação, talvez uma dezena de palavras em todo o texto. E levo a obra ao meu editor. No décimo quinto dia, recebo os meus amigos, respondo às cartas que recebi entretanto durante essa quinzena, e dou entrevistas. E tudo isto recomeça exactamente da mesma forma, durante a quinzena que se segue."

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021

Divagações 168

De policiais, ultimamente, tem sido um fartote, sobretudo em leituras. É certo que, de há muito, deixei de procurar encontrar as 20 sacrossantas regras clássicas de S. S. van Dine, em relação às tramas policiais, observadas já antes, escrupulosamente por Poe ou Conan Doyle, e já um pouco pervertidas, depois, por Agatha Christie ou Erle Stanley Gardner. A boa educação foi-se perdendo pelo caminho...


Com as duas pilhas (19 volumes da XIS e 21 da colecção Vampiro) que resolvi abater como se fossem torres, lendo-as, tive que abordar autores de terceira e quarta ordem (P. Chamber, Michael Underwood, K. Royce, Ben Benson, eu sei lá...) E, ao fim-de-semana, na RTP2, lá vem o jovem Montalbano com a sua Lívia, o Mimi e o Fanzio, em doses duplas coroar, pela Sicília, o remate dos enredos policiais.
A dar o tom, aqui fica a boa voz de Olivia Sellerio, numa canção da banda sonora da série referida.

domingo, 17 de janeiro de 2021

Sob o signo do policial


Domingo gélido, em que tivemos de esperar pelo aquecimento do carro para descongelar a fina camada de gelo nos vidros do automóvel, a fim de arrancarmos para a média superfície a fazer compras. Pouca gente por lá: íamos muito cedo...

Tenho vindo, entretanto, a poupar a reserva de livros por ler, dando prioridade à grande quantidade de policiais (Colecções Vampiro e XIS) não lidos, que tenho por aí, em benefício doutros volumes com qualidade literária ou afins, que esperam por outros dias mais felizes.

Acabado, ontem, O Touro Etrusco (XIS, nº 193), de Frank Gruber (1904-1969), começarei hoje O Espião Amador (XIS, nº 154), do inglês Michael Underwood (1916-1992). À tarde, na RTP 2 (18h09), mais um episódio de Il Giovane Montalbano. Que não me desperta grandes expectativas: Andrea Camilleri (1925-2019) não respeita, em princípio, as regras de ouro, que S. S. van Dine (1888-1939) definiu e bem, há muito (1928), para o verdadeiro e genuíno romance policial...

segunda-feira, 5 de agosto de 2019

Policialmente falando


Já tive mais paciência para ver uma série policial na televisão, mas às vezes reincido.
Por outro lado já li o que havia para ler de S. S. van Dine, e não era muito. E de Conan Doyle. Os Maigret, de Simenon, também já foram todos. Estes são para mim os escritores de primeira água. Quanto à segunda divisão, classifico Stanley Gardner, Ellery Queen, Rex Stout e Agatha Christie.
Desta última Senhora, nunca consegui suportar a voz adamada e os tiques afectados da representação estereotipada de David Suchet, nas séries televisivas. Em cinema, creio que o melhor Poirot ainda foi Albert Finney.
Mas ontem, por mero acaso, na Fox Crime, deparei-me com John Malkovich na figura do detective belga. Sempre achei este actor de segunda ou terceira categoria e não me merece grande entusiasmo. E a série é uma adaptação em três episódios do romance The A. B. C.  Murders, de Agatha Christie, que foi traduzido para a colecção Vampiro, portuguesa, sob o número 167, com o título Os crimes do ABC.


A representação dos actores é banal, Malkovich incluído, que compõe um razoável Poirot, sem tiques de maior e alguma sobriedade. A re-criação televisiva alterou algumas coisas da trama original do romance policial. Nesta versão, o inspector Japp, da Scotland Yard, já morreu, após breve reforma. Neste primeiro episódio, pelo menos, o capitão Hastings, fiel amigo e companheiro de Hercule Poirot (qual alter ego do dr. Watson), também não apareceu.
Mas nota-se a marca e o dedo miraculoso da roteirista Sarah Phelps, que permite boas expectativas.
Por isso, no próximo domingo não vou perder, às 22h00 na Fox Crime, o segundo episódio da série.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2019

Mistérios e falsos títulos ou soluções


Cheira a pão quente na rua, inexplicavelmente. À sugestão de flanela húmida, que a chuva deixou no ar. E ao passar junto ao pequeno e despretencioso café-restaurante, contíguo ao quiosque, aonde vou comprar o jornal, vem-me o odor intenso que tanto pode ser da base de um guisado como do estrugido para um arroz de acompanhamento, para o almoço de hoje. Não virei a saber, porém, qual deles se prepara, no interior do estabelecimento...
Nunca gostei muito de mistérios, a não ser para solucioná-los ou para ensaiar hipóteses de explicação.
Daí o meu gosto, desde jovem, por romances policiais, desde que cumprissem as regras clássicas e, ao longo da leitura, eu pudesse ir especulando sobre quem seria o possível assassino, baseando-me nos indícios concretos da narrativa.
Na adolescência, interessei-me largamente e durante muito tempo pelas misteriosas estátuas das Ilhas de Páscoa, que constituem território do Chile. Os gigantescos blocos de pedra, em local onde ela era escassa, eram um fenómeno estranho e de difícil explicação. Datados de meados do século XIII, os meios de transporte naval eram pouco mais que rudimentares, na altura e, assim, pareceria impossível que a pedra tivesse vindo de outros locais, para as Ilhas, por mar. Por terra, dado o isolamento  islenho, também não.
Creio que li, há muito tempo, 2 ou 3 livros sobre o assunto, mas que não avançavam nenhuma credível explicação ou solução para a existência, nesse local, das centenas de estátuas de pedra lá erigidas. O mistério ficou assim por resolver.
Ora, hoje de manhã, no Expresso-online, deparo-me com o pomposo título: Resolvido enigma das estátuas gigantescas da Ilha de Páscoa. Rejubilei! Ia finalmente conhecer a explicação do mistério. Depois, foi a desilusão total. Que "uns arqueólogos norte-americanos", que "junto a fontes de água doce", que na "revista Plos One", que "de terras férteis para culturas agrícolas, como a batata doce"... Sobre como a pedra, de que foram feitas as estátuas, lá fora parar: NADA! A montanha (título) tinha parido um rato (notícia vaga, sem a concreta explicação).
É assim que o jornalismo irresponsável e rasteiro engana e ilude o pagode com títulos bombásticos e apelativos.
Por isso, o mistério continua...

domingo, 29 de abril de 2018

Auden e o romance policial


É interessante constatar que vários poetas conhecidos e celebrados (entre nós, Fernando Pessoa é o caso mais exemplar) eram leitores e se interessavam por romances policiais. Não me recordo, no entanto, de muitos que tenham abordado a temática, de forma aprofundada. W. H. Auden (1907-1973) é uma excepção. No seu livro de ensaios, The Dyer's Hand, dedica nove páginas ao assunto, com vários sub-capítulos, abordando: O Meio, A Vítima, O Assassino, Os Suspeitos, O Detective... Sobre esta última personagem de ficção, elege os seus detectives preferidos: Sherlock Holmes (criado por A. Conan Doyle), o Inspector French (Freeman Wills Croft) e o Padre Brown (G. K. Chesterton).



Curiosamente, Poirot (criado por Agatha Christie) não é referido, e Philo Vance (S. S. van Dine) e Lord Peter Wimsey (Dorothy L. Sayers) são descartados, por excessivamente presumidos (priggish). Quanto a mim, Sherlock Holmes incorreria no mesmo pecado. Auden diz ainda que: " In his sexual life, the detective must be either celibate or happilly married" (pg. 111) - o que achei, no mínimo insólito, mas interessante.



Estranhei também que Maigret (Simenon) nunca fosse referido no texto.
Mas estarei de acordo naquilo que será um dos motivos de atracção dos leitores pelos romances policiais, segundo Auden: " I suspect that the typical reader is, like myself, a person who suffers from a sense of sin" (pg. 114).
No fundo, e em certo sentido, a noção íntima e enraízada do conceito de pecado original, de que a Bíblia se faz eco, nas figuras ancestrais de Adão, Eva e de Caim.


terça-feira, 18 de abril de 2017

Para maiores de 40 anos

O título deste poste não tem nada de censório, mas tem a ver com o facto indesmentível de a língua francesa estar em queda, em Portugal, nos últimos 30/40 anos. E este vídeo da Radio-Canada ser em francês.
Pois deliciem-se os fanáticos de Simenon (1903-1989), que dominam o francês, com esta entrevista interessantíssima do grande escritor belga, em que ele fala da construção das personagens, nomeadamente Maigret. Terão entretém para quase meia hora.
Claro que serão os happy few, que não os ligeiros apressados e frenéticos cibernautas que, em média (90%), visitam e gastam no Arpose cerca de 1 a 3 minutos, quando muito. (Que a vida lhes continue a ser leve!...)