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sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021

Recomendado : oitenta e oito


Passa hoje mais um aniversário (12 de Fevereiro de 1929) sobre o nascimento do escritor Nuno Bragança, falecido prematuramente em 1985. Obra curta, vida cheia, os seus dois últimos livros são já prematuros. A qualidade da sua escrita, e a originalidade da sua prosa grangearam-lhe uma fugaz popularidade entre os leitores, sobretudo, em 1969, aquando da saída de A Noite e o Riso, que é porventura o mais conhecido romance de Nuno Bragança. 


Prefiro-lhe, no entanto, a sua segunda obra (Directa, 1977), talvez mais clássica e menos experimentalista, cujo final comparo, em qualidade, com o bem arquitectado início de A Casa Grande de Romarigães (1957), de Aquilino Ribeiro. Pegue-se por onde se lhe pegar, venho recomendar a quem gosta de ler, que abra um dos livros de Nuno Bragança. E faça a experiência da sua leitura. Não se arrependerá, por certo. 



terça-feira, 2 de julho de 2019

Gostar do que se deve


Às vezes, desinquietam-se os mortos. Ou temporariamente repescam-nos para a fama. Com frequência são apenas fogachos que duram pouco tempo e eles regressam à paz e silêncio subterrâneos, em definitivo. Mais raras vezes, essas ressurreições vêm para ficar. Em música, isso aconteceu com Vivaldi e Bach, e, num dos casos, Mendelssohn teve um papel essencial.
Há dias, o nome de Nuno  Bragança (1929-1985) veio à tona, no diário escrito de Vasco Pulido Valente. Não para o glorificar e lembrar, mas para o apoucar. E, como sempre, da sua curta obra, apenas A Noite e o Riso (1969) foi citado, como é de norma. Convencionou-se, de há muito, que este é o seu melhor livro. Ora, eu não comungo desta ideia. Prefiro-lhe, como sempre preferi: Directa (1977).
Mas isto de não alinhar com a maioria ou corrente dominante tem sempre os seus riscos. Lembro-me bem do enxovalho que sofri no meu exame oral de Literatura Alemã III, ao querer defender, como melhor, o primeiro Fausto, de Goethe, em detrimento do Fausto II. O convencional prof. Moser mal me deixou falar e ia-me engolindo por causa daquilo que, na opinião dele, seria uma blasfémia.
As palavras de VPV tiveram grande eco na net, tem-se falado nisso. E Nuno Bragança voltou à baila. Ainda bem, porque merece. Que seja por um ou outro dos seus livros, tanto faz. Desde que seja para o voltar a ler.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Salão de Recusados VII : Nuno Bragança

"Eram 11 horas da manhã quando o homem reentrou na sua casa. O vazio dela não o angustiou no imediato, sentia-se cansado de mais para encontrar quaisquer pessoas.
Sentado no living escurecido pelos estores corridos, fumou metade de um cigarro, de que apagou o resto no cinzeiro branco, e carregou na alavanca que havia no centro do objecto. O disco de metal girou, fazendo desaparecer cinza e resto de cigarro no bojo do cinzeiro: o ruído metálico que ele ouvira através do vidro fosco iluminado, quando se dirigia do telefone à casa de banho às quatro e trinta da outra manhã.
Pensou em tomar banho, desistiu. Não lhe apetecia rever a casa de banho.
Entrou no quarto de casal onde pairava o perfume da mulher. Acendeu a luz porque o estore estava baixado e as cortinas tinham sido corridas. Abriu a cama. Enquanto se despia teve a impressão fugaz de ouvir ao longe a voz de uma mulher cantando
"Quem quer figos
quem quer almoçar"
Ficou imóvel, mas o som não se repetiu. Então meteu-se nu na cama e fechou os olhos.
Os ruídos da cidade chegavam-lhe remotamente aos ouvidos, o quarto estava quase silencioso e escuro.
O homem tentou relaxar o corpo, não pensar. Imagens da sua directa esbombardeavam-lhe a sensibilidade. Estava difícil o encontrar o vácuo necessário ao pegar do sono. Sem premeditação, o homem falou alto, na sua casa vazia. E disse:
"Vigiei trinta e uma horas seguidas. Acho que se não foi conTigo é porque não ressuscitaste."
Os minutos decorriam e ele não conseguia adormecer. Parecia-lhe que nunca mais ia conseguir adormecer."

( final ) de "Directa" de Nuno Bragança (1929-1985).