É axiomático que não somos bons juízes em causa própria, porque haverá sempre alguma benevolência na forma como nos vemos, seja através da pintura, seja por palavras. Mas um auto-retrato será sempre um testemunho importante, para não dizer: essencial. O auto-retrato de Cervantes (1547-1616), que irei transcrever, integra o prólogo de "Las Novelas Ejemplares", tinha o escritor espanhol cerca de 66 anos. O retrato, em imagem, que dele fez o pintor Juan Juarégui y Aguilar (1583-1641), é mais temporão, porque foi executado cerca de 1600, era o autor de "Don Quixote de la Mancha" ainda cinquentenário.
Seguem as palavras cervantinas:
"Aquele que aqui se vê com rosto aquilino, cabelo castanho, sobrancelhas lisas e regulares, olhos vivos, e nariz arqueado, mas bem proporcionado, barba prateada, embora alourada não há ainda vinte anos, bigode largo, boca pequena, dentes sem importância, porque só lhe restam seis e, mesmo esses, em pobre condição e pior implantação, porque não correspondem uns com os outros, o corpo entre os dois extremos, nem muito comprido nem pequeno, embora de compleição mais para o alto, mais branco do que moreno; algo pesado de ombros e de pés não muito ligeiros; isto, diria eu, que é o retrato do autor de "Galatea" e de "Don Quixote de la Mancha". ..."