18.9.07

 

Fracasso Insofismável


A RTP 1 transmite, neste momento, pela enésima vez, um programa de debate sobre o Ensino em Portugal, no seu exíguo espaço de programação subtraído ao império das telenovelas, concursos idiotas, coscuvilhices baratas e filmes americanos de cariz estupidificante ou embrutecedor.

Deveríamos já ter vergonha de tanta conversa fiada acumulada, sistematicamente desmentida pelos factos mais correntes, triviais. Se há sector da vida nacional, suponho que o adjectivo ainda seja tolerado pelos mandatários da globalização, em que o fracasso se tornou completamente iniludível, é ele o da Educação.

Nenhum Salazar, nenhum Bush, nenhum Iraque ou outro qualquer monstro interno ou externo, real ou imaginário, consegue continuar a mascarar a nossa geral incompetência, o nosso indesculpável desleixo, concretizado neste insofismável fracasso colectivo.

Depois de termos reduzido os dois primeiros graus do Ensino, o Primário e o Secundário, a um irrelevante regime de depósito, entretenimento e atrofiamento de jovens inocentes, logo passámos à degradação do Ensino Superior, multiplicando Cursos e graus académicos, sem justificação, nem credibilidade.

Paulatina mas persistentemente, Escolas, Colégios, Institutos e Universidades, algumas até Independentes, todos criados, fundamentalmente para atrair alunos, na base da concessão do Diploma, exigindo pouco ou nenhum esforço intelectual, sequer físico, alguns mesmo dispensando os alunos de para lá se deslocarem, permitindo a realização de provas por faxe ou via Internet, foram-se encarregando de «democratizar» o Ensino, tornando o acesso ao Diploma quase um expediente, mera banalidade rotineira, de sucesso garantido.

Turbas de Pedagogos encartados produziram durante decénios toda a sorte de reformas nos programas e currículos escolares, com os costumados nulos efeitos, mas sempre elogiados pelos mesmos Pedagogos ou pelos seus patrocinadores hierárquicos políticos.

A pretexto de se combater a velha Primária «salazarista, autoritária e obscurantista», produziu-se um Sistema de Ensino Elementar de conteúdo praticamente nulo, em que as crianças não aprendem a ler, nem a fazer contas, muito menos a escrever, a conhecer a Geografia ou a História do seu País.

E do resto também pouco aproveitam. De Ciências Naturais, apenas aprendem sumaríssimas noções de Ecologia ou de Meio-Ambiente, porventura na esperança de que se tornem, em adultos, ruidosos militantes das causas da Natureza, nem que para isso hajam de obstruir planos de vultuosos investimentos em energias renováveis, como aconteceu com o absurdo abandono do Projecto de fins múltiplos de Foz-Côa, para sumo gáudio de provados demagogos, erigidos em políticos esclarecidos, alegadamente motivados pela defesa do «Património e da Cultura da Humanidade».

Sem noções de disciplina nem de respeito, os miúdos vão progredindo, desde a Primária, na escala de um saber ignorante. No Secundário, prolongam a progressão, no meio do completo vazio cultural em que mergulham, começando regularmente por odiar a Matemática, matéria sobre todas reputada de pouco ou nada democrática, que não se presta a debates, nem aceita a recomendada igualdade das abordagens.

Da Física e da Química tampouco ganham gosto, porque igualmente as acham pejadas de fórmulas rígidas e, no fundo, do mesmo modo requerendo a utilização de alguma Matemática, o que chega a parecer-lhes conspiração.

Restam, então, as «disciplinas moles», as do excitante paleio ou da construtiva argumentação, em linguagem evoluída, do agrado das mentes irrequietas, mas pouco rigorosas.

Porém, mesmo estas disciplinas, aparentemente mais acessíveis, acabam por tornar-se desinteressantes, porque, afinal, também elas, fatalmente, não dispensam o cumprimento de certas regras, o respeito da gramática, da ortografia, etc., tudo isso obviamente configurando uma insuportável chatice repressiva, dir-se-ia apostada em matar no ovo a exuberante criatividade dos alunos.

Ainda assim, muitos deles conseguem furar grelhas e atravessar funis, assomando ao Eldorado da Universidade, em cata do subido Canudo, que há-de libertá-los da temida condenação laboral futura, precária e mal paga, cada vez mais ameaçadora de classes e de profissões antes pouco atingidas desse horrível flagelo.

Quem há-de, pois, salvar os Portugueses deste quadro trágico e fúnebre, que, levianamente, inconscientemente, vem sendo criado por supostos dirigentes, inelutavelmente investidos da apregoada legitimidade democrática ?

Quosque tandem…

AV_Lisboa, 17 de Setembro de 2007

Comments:
Clap, Clap, Clap!
Parabéns!
já não há alma que aguente.
Cumprimentos
David Oliveira

P.S.:ou serão comprimentos?!
 
Caro António Viriato

Raras vezes tenho lido um texto isento, quero dizer, sem pendor partidário, que retrate tão bem o ensino em Portugal. É isso mesmo.

Já lá vão 14 anos que regressei aos bancos do ensino superior, como aluno. Confesso que estava apreensivo porque pretendia fazer um curso na área das "letras" e toda a minha formação académica era na área das "ciências" (usando a linguagem dos meus tempos de estudante).
Mas foi com enorme surpreza que verifiquei que os meus conhecimentos de letras, adquiridos no liceu até ao 5º ano (hoje 9º) eram muito superiores aos da maioria dos meus jovens colegas (eu tinha 54 anos de idade na altura...). E eles tinham feito todo o ensino secundário na tal área de letras.
Em boa verdade, não sabiam nada de nada. Falavam e escreviam numa linguagem estranha e indecifrável e eram exímios em copiar.
De qualquer forma, à laia de epílogo, gostei imenso dos meus colegas de turma com quem me dei lindamente. E ainda hoje tenho imensas saudades daquele ano lectivo. E foi apenas por razões familiares inultrapassáveis que tive de abandonar o curso.
 
Embora há muito conheça as opiniões do colega e amigo Viriato sobre este assunto, não posso deixar de lhe dar os parabéns por este excelente artigo. Julgo que mereceria uma divulgação mais ampla.
Jorge Oliveira
 
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