A jornada foi prazerosa para o olhar, pela diversidade de materiais, suportes e técnicas que a Ugolina utiliza para expressar a sua criatividade e sensibilidade artística. As suas obras circulam pela pintura em porcelana, instalações com base de areia, ou com recurso a objetos que perderam o uso, mas que a Ugolina recria e lhes dá um novo uso estético, ou ainda o detalhe da pintura sobre tela, e algumas abordagens mais contemporâneas que traduzem um percurso dinâmico e de permanente atualização.
terça-feira, 14 de janeiro de 2025
"Viagem pela Arte" - Ugolina Batista
sexta-feira, 10 de janeiro de 2025
partir querendo ficar
foto de Aníbal C. Pires |
cinzentos sem fim
fundidos no horizonte
aveludado verde
orlado de flores
colorindo a existência
o rumorejo da aragem
carrega o aroma da terra
e o murmúrio das ondas
sob os pés descalços
a areia conta histórias
gravadas no silêncio do tempo
vindas do passado
preenchem o presente
estimulam o sonho
a caminho do mar
parto querendo ficar
Aníbal C. Pires, Ponta Delgada, 10 de janeiro de 2025
segunda-feira, 6 de janeiro de 2025
de volta à realidade
quarta-feira, 27 de novembro de 2024
... quase feliz
autorretrato |
“O Silêncio da Paixão” foi concluído a 4 de fevereiro de 1976, ou seja, a Helena ainda não tinha concluído o seu 21.º aniversário natalício. Refiro este facto pois, quando lerem esta novela vão mergulhar numa narrativa densa e estruturada, diria mesmo que esta novela é literariamente adulta e, sendo a autora uma jovem mulher, esta contextualização, não é de somenos valor, e, a relevância que lhe estou a dar pretende acrescentar mérito à obra pois, a construção literária revela uma maturidade e até erudição que, nem sempre, os jovens escritores possuem.
Os livros são, antes e depois de tudo, obras literárias, mas são-no também obras gráficas. A encadernação, o papel utilizado e os grafismos da capa valorizam a obra no seu conjunto. Assim, e antes de tecer algumas considerações, necessariamente breves, sobre a novela referencio alguns elementos da capa que, salvo melhor e douta opinião, é uma brilhante síntese da estória que nos é contada.
foto de Aníbal C. Pires |
A novela “O Silêncio da Paixão” não é um relato linear, ou seja, a narrativa é densa e intrincada, desde logo, pelas personagens, pela omnipresença do mar, pelo tempo atmosférico, pela música e as cidades, onde Clara, foi quase feliz.
As leituras desta obra podem ser diversas o que nem sempre agrada a quem lê maquinalmente, mas deixar espaço para os leitores conjeturarem sobre o capítulo seguinte ou o desfecho da estória e, ainda assim, conseguir que a leitura seja apelativa e a vontade de voltar a página permaneça até às últimas palavras, não é de fácil concretização, mas enquanto leitor agrada-me que estes sejam alguns dos atributos desta invulgar peça literária. E é disso que falo quando me refiro a esta novela póstuma, falo da qualidade literária de “O Silêncio da Paixão”, da erudição e maturidade que a Helena Chrystello cedo deixou transparecer e que não mais voltou a demonstrar.
A estória que nos é narrada tem como personagem central Clara Viel, aclamada cantora lírica que se afastou dos palcos e se refugiou, com já referi, numa casa à beira-mar. O jovem Gilles testemunha as suas quimeras, acompanha e ama esta mulher a quem já apareceram uns fios de cabelo branco. Clara não se consegue libertar de antigas paixões que se perpetuam e a fazem sofrer, nem atende a outros amores, seja Gilles o jovem que também procurou abrigo em Joinville para escrever, seja alguém de um passado vivido em Praga onde, como escreve a autora: “Durante muito tempo, Clara foi dominada por esta imagem, ela que fora quase feliz em Praga, um ano antes da primavera.”
A autora, com mestria, explora, por um lado a mutabilidade dos momentos de felicidade e, por outro a importância e o poder da memória. Ser "quase feliz" pode ser ainda mais marcante, do que ter sido plenamente feliz. Foi algo que não se concretizou e fica para sempre como um vazio. A frase situa o evento no tempo pois, a alusão à primavera não se refere à chegada da estação do ano, mas sim a um acontecimento político de 1968 e que ficou conhecido como a “Primavera de Praga”, isto é, a narrativa remete-nos para o ano de 1967.
Sobre a trama e a forma como a estória se desenrola, a ação da protagonista e das personagens que a acompanham, sejam as das memórias do passado, sejam do presente não adiantarei mais pois, julgo ser mais avisado deixar que façam a leitura deste livro sem que a minha visão possa vir a influenciar a vossa e, esta novela permite, como julgo já ter referido, várias leituras e todas elas legítimas.
imagem retirada da internet |
A música, quiçá pela principal personagem ter sido cantora lírica, e como nos diz Anabela Freitas na apresentação que fez desta obra, no passado mês de outubro, em Vila do Porto, durante a realização do 39.º Colóquio da Lusofonia: “Mas, obviamente que a música, muito embora já não faça parte da vida atual de Clara, por vontade própria, porque abandonou a carreira, está presente ao longo de toda a novela. Durante a leitura nunca perdemos de vista o facto de a protagonista ser cantora lírica. Falar da música torna-se óbvio e contribui para a criação de um ambiente onírico muito sugestivo. A sua presença é poderosíssima no texto.”
foto de Aníbal C. Pires |
“O Silêncio da Paixão” é uma estória de amores, desamores e solidão alicerçada na complexidade das relações humanas e das emoções que moldam as nossas vidas.
A Helena dedicou a sua vida a divulgar autores de língua portuguesa e, em particular, autores dos Açores, aqui nascidos, ou açorianos por opção própria e que a vida ilhanizou, grupo onde a Helena se pode incluir. Não sei, nem isso é importante para mim, das razões que levaram a Helena a encerrar esta novela numa gaveta e, também, não sei das razões que a fizeram parar por ali. Sei, contudo, depois de ter lido a novela “O Silêncio da Paixão”, que Helena poderia ter construído uma carreira literária ímpar.
Ponta Delgada, 26 de novembro de 2024
terça-feira, 26 de novembro de 2024
amores, desamores e solidão
foto de Aníbal C. Pires |
Excerto de texto para publicação na imprensa regional (Diário Insular) e, como é habitual, também aqui no blogue momentos.
“O Silêncio da Paixão” é uma estória de amores, desamores e solidão alicerçada na complexidade das relações humanas e das emoções que moldam as nossas vidas.
A Helena dedicou a sua vida a divulgar autores de língua portuguesa e, em particular, autores dos Açores, aqui nascidos, ou açorianos por opção própria e que a vida ilhanizou, grupo onde a Helena se pode incluir. Não sei, nem isso é importante para mim, das razões que levaram a Helena a encerrar esta novela numa gaveta e, também, não sei das razões que a fizeram parar por ali. Sei, contudo, depois de ter lido a novela “O Silêncio da Paixão”, que Helena poderia ter construído uma carreira literária ímpar.
quarta-feira, 16 de outubro de 2024
por amor, fiquei.
foto de Paulo R. Cabral |
Diz-se dos forasteiros que se fixam por aqui: ilhanizados ou açorianófilos; e assim será para quem passado, um período de descontinentalização, assume a condição de ilhéu. Ou seja, é-se ilhéu após um processo de compreensão e assunção do viver e sentir insular. Tenho um amigo que me colocou o epíteto, é público não estou a cometer nenhuma inconfidência, de “ilhéu continental” e eu aceito, sem reservas, o sentimento da minha pertença a estas ínsulas é, para ele, uma evidência e também sabe que isso é compaginável com os meus regressos (físicos ou através da escrita) às origens beirãs.
foto de Aníbal C. Pires |
Cedo iniciei um percurso que me permitiu visitar todo o arquipélago com o qual me encantei, o conhecimento consolidou-se ao longo dos anos e a sedução não se desvaneceu. As ilhas açorianas e o seu povo continuam a deslumbrar-me. A cada vez que mergulho na ilha onde vivo, ou quando viajo e permaneço alguns dias numa qualquer outra das ilhas açorianas consolido o amor que me fez ficar e surpreendo-me com novas descobertas, de lugares, de usos e de pessoas. São as pessoas que corajosamente teimam em manter vivos os lugares emprestando-lhe o seu labor e criatividade para que a sua ilha, as nossas ilhas, não caiam no esquecimento, são essas as pessoas que me entusiasmam e continuam a surpreender. E eu gosto de ser maravilhado, emociono-me e gosto. As gentes e os lugares continuam a enternecer-me como só agora tivesse aportado a estas ilhas.
foto de Aníbal C. Pires |
Os Colóquios da Lusofonia são enriquecedores para os intervenientes e para quem se dispõe a assistir às diferentes sessões e atividades. A sua realização fora da habitual tripolaridade, herança de que a autonomia não se conseguiu libertar, é sempre de saudar e tem relevância para as comunidades que albergam o evento. Se podia ser melhor!? Claro que sim, pode sempre aperfeiçoar-se e, face à informação que disponho, os seus organizadores desejam fazê-lo contando para isso com o contributo e sugestões de quem participa, habitualmente ou não. A próxima edição dos Colóquios da Lusofonia será, em abril, na ilha das Flores. A celebração da Revolução de Abril será, julgo eu, alvo de particular atenção na 40.ª edição deste evento cultural que continua a mobilizar vontades.
À margem das sessões dão-se outros encontros, criam-se dinâmicas, desenham-se projetos multi ou bilaterais e cria-se a oportunidade de rever amigos, conhecer novas pessoas que, por vezes, nos surpreendem pela sua sensibilidade, criatividade e trabalho desenvolvido nas artes ou pela sua intervenção social e cívica. E eu sinto que ainda tenho muito para conhecer dos Açores e das suas gentes.
Santa Maria continua a surpreender-me, mesmo sem ter ido onde não me canso de ir e de não poder ter estado com algumas pessoas que muito estimo. Estive, como já referi, em Santa Maria e vim uma vez mais maravilhado pelo que aprendi e pelo que ignorava e fiquei a saber, eu que penso(ava) deter um conhecimento aprofundado sobre Santa Maria e os marienses. Quando cuido que não há mais nada para aprender e conhecer na “ilha Mãe” sou maravilhado com a novas descobertas. Tive oportunidade de rever velhos amigos e conversar sobre o “clima” político, pré-autárquico, que se vive em Santa Maria, ou apenas jogar palavras fora sem outro intuito para além da conversa pela conversa que pode até aparentar ser vaga, mas tem sempre um propósito e proporciona novas aprendizagens e, como eu sou um eterno aprendiz, gosto de conversar, deixar fluir as palavras livremente e, aprender.
Foto de Aníbal C. Pires |
É bom regressar e continuar a descobrir novos lugares e pessoas, é bom continuar a aprender como é ser ilhéu nas Flores, na Graciosa, em Santa Maria, na Terceira, ilhas onde estive durante este ano, ou S. Miguel onde vivo, ou em qualquer outra onde regresso sempre que me é possível. São realidades geográficas, sociais, culturais, económicas e políticas diversas, querendo com isto significar que: para realidades diferentes o investimento público tem, naturalmente, de ser diferenciado e os projetos de desenvolvimento sustentável distintos, como diferente é o potencial endémico de cada uma das ilhas deste arquipélago, por vezes ainda desconhecido e muitas vezes, demasiadas vezes, esquecido por remotos poderes.
Ponta Delgada, 15 de outubro de 2024
quarta-feira, 18 de setembro de 2024
o relatório
foto de Aníbal C. Pires |
A situação internacional é alarmante e, se quisermos ser rigorosos, podemos afirmar que não é nada de novo, era até expetável que, mais tarde ou mais cedo, as tensões provocadas pelas assimetrias no desenvolvimento humano, o neocolonialismo, o unilateralismo, a falência das instituições e, por conseguinte, o seu descrédito, bem assim como o processo de desdolarização, já há muito que havia sinais disso, a invasão do Iraque e da Líbia são apenas dois exemplos, de entre outros, da retaliação estado-unidense e da sua aliada União Europeia (ainda com o Reino Unido) contra a tentativa de por fim à hegemonia do dólar nas transações internacionais, em particular na compra e venda de petróleo. Mas não é só, a emergência de economias robustas, fora do eixo atlantista, que se afirmam no contexto mundial e agregam países do chamado Sul global são olhadas, pelo ocidente, como uma ameaça, e assim é no entendimento dos decisores atlantistas e eurocentristas. Os BRICS são um exemplo da organização de estados soberanos que deram início a uma nova ordem económica mundial fora da alçada dos EUA e da EU.
imagem retirada da internet |
O Sul global liberta-se gradualmente do neocolonialismo e deu-se início à construção de um mundo multipolar, esta é a “ameaça”. Podia ser uma oportunidade, mas os eurocentristas e atlantistas do alto da sua arrogância, mas também cegueira e insciência insistem em perpetuar a unipolaridade.
Os cidadãos estão, uma vez mais, a pagar caro as opções políticas das diferentes instâncias da UE, a inflação e a alta dos juros são apenas as variáveis visíveis de uma profunda crise para a qual nos estão a conduzir, aliás Mario Draghi num recente relatório apresentado ao Parlamento Europeu fala claramente em "declínio lento e agonizante" da economia da UE e da necessidade de inverter o rumo para salvar este projeto político integrado por 27 países europeus.
Socorri-me de Mario Draghi para reforçar a ideia de que o espaço social, político e económico onde estamos inseridos atravessa uma crise sem precedentes e são necessárias profundas alterações no seu seio, o que não significa que eu esteja de acordo com o que, na opinião do ex-primeiro-ministro italiano, está na raiz dos problemas que a UE está a viver, nem com as soluções por ele propostas.
imagem retirada da internet |
O Partido Popular Europeu e o Partido Socialista Europeu, como não podia deixar de ser, estão exultantes e tudo farão para executar as recomendações de Mario Draghi. Nada de novo vem por aí, nem mesmo a hipocrisia de quem paulatinamente tem vindo a destruir a agricultura e a indústria na EU e a submeter-se a interesses dos globalistas, se constitui como uma novidade. O entendimento das famílias políticas europeias vai continuar a limitar a soberania dos estados-membros e promover o empobrecimento dos cidadãos.
O relatório propõe 170 medidas enquadradas em 3 áreas e propõe, para a sua concretização, um investimento de 800 mil milhões de euros, por ano, até 2030. Financiamento que terá de ser obtido por aumento das contribuições dos países que integram a UE e por endividamento no mercado financeiro global.
E a que se destina este gigantesco investimento!? Inovação, descarbonização e defesa.
Assim colocadas as áreas de intervenção podem ganhar amplos apoios na generalidade da população, e para reforçar esse potencial apoio o autor refere que este é um “desafio existencial”, ou seja, o relatório encerra uma ameaça velada: Ou é assim, ou estamos a chegar ao fim deste projeto que se encontra em agonia.
imagem retirada da internet |
Ponta Delgada, 17 de setembro de 2024
quarta-feira, 4 de setembro de 2024
Dos ciclos
Foto de Aníbal C. Pires |
O fim do Verão avizinha-se, na berma das estradas começam a despontar “as meninas para a escola”, as crianças e jovens, as famílias, os professores e escolas retomam as rotinas letivas. Com o início do ano escolar retomam-se os hábitos das famílias e das comunidades, criam-se novas expetativas, fazem-se descobertas, é tempo de regressos, de encontros e reencontros, ou melhor dizendo a vida retoma a sua normalidade, tudo volta a começar, e ainda que ao fim do dia se continue a ir às zonas balneares, ou conversar numa das esplanadas onde é possível fazê-lo sem outro ruído que não seja o murmúrio do mar, da brisa suave a enlaçar-se nas folhas das árvores e das palavras soltas, é o prenúncio do fim da estação quente, este ano, por sinal, a fazer jus à denominação.
Sou professor aposentado e não tenho filhos em idade escolar, o que significa que setembro já não tem o mesmo impacto que teve ao longo de dezenas de anos da minha vida, enquanto aluno e depois numa longa carreira profissional, contudo, as alterações que por esta altura ocorrem continuam a influenciar as minhas rotinas, desde logo por me manter ligado ao meu sindicato e acompanhar a sua atividade, mas também pelos motivos já referidos, isto é, as alterações nas rotinas da comunidade onde estou inserido, pouco ou muito, influenciam o meu dia-a-dia.
foto de Aníbal C. Pires |
Tenho opinião, mas hoje não vou dissertar sobre educação e a organização do ano escolar, deixo esse espaço que cabe, em primeira instância, às escolas, às organizações sindicais e à administração educativa regional. Durante esta semana iremos, por certo, ouvir e ler o que sobre o assunto houver para dizer, conquanto a falta de docentes habilitados profissionalmente se esteja, de novo, a verificar, o que não deixa de ser preocupante e, por certo, fará algumas manchetes na comunicação social. Não espero, sobre o assunto, análises holísticas, mas será, no mínimo, exigível que sejam enunciadas a desvalorização social e profissional da carreira, como por exemplo as alterações ao estatuto da carreira docente e a criação de um anacrónico modelo de avaliação do desempenho docente, protagonizada pela ministra Maria de Lurdes Rodrigues e pelo primeiro-ministro José Sócrates, como sendo determinantes para a situação que atualmente se verifica.
“Um professor não ensina tudo, mas ensina quase, quase … tudo!” Esta é a frase de capa da agenda do professor, para 2024-2025, produzida pela organização sindical a que estou, desde sempre, associado e que como vem sendo habitual, foi distribuída no final do mês de agosto, a todos os educadores e professores sindicalizados na organização de classe que os representa.
A frase foi bem conseguida e reforça a importância da função docente, mas é também um grito de revolta pela atribuição de responsabilidades aos educadores e professores que não são, nem podem ser suas. “Um professor não ensina tudo…”; então quem ensina o que não é ensinado pelos docentes!? Se é verdade que aos docentes lhes está atribuída a responsabilidade pelas aprendizagens escolares, pela promoção da cultura e a importância do saber e saber fazer, mas, não será menos verdade que a educação é um encargo coletivo. Incumbência em que a família e a Escola devem assumir o principal protagonismo e as organizações que promovem a iniciação ao desporto, às artes e outras atividades, educativas ou lúdicas, devem complementar, ou seja, a responsabilidade social pelas crianças e jovens é (deve ser) da comunidade e, como tal, não se pode limitar apenas à Escola.A família é insubstituível na formação e educação das crianças e jovens, a Escola reforça, complementa e abre os horizontes ao conhecimento, mas não se pode substituir à família, a família também não deve, nem pode, substituir-se à Escola. Quando isto se verifica a autoridade, quer da Escola, quer da família, são postas em causa pelos destinatários (os alunos) de onde resulta, obviamente, prejuízo para as crianças e jovens, mas também pode gerar um clima de animosidade e conflitualidade que não beneficia nenhum dos intervenientes e pode prejudicar gravemente, como já referi, os alunos.
O mês de setembro pode também ser o fim de um ou mais ciclos e isso confere-lhe atributos que o distinguem de outros meses do calendário gregoriano, como por exemplo as vindimas que culminam o ciclo de maturação das uvas, mas também a colheita de outros frutos que marcam o fim do Verão e o princípio do Outono. E, como sabemos, a fruta da época é mais nutritiva e saborosa, para além do seu consumo ser um importante apoio à produção local (regional ou nacional). O fim de um ciclo, passado o tempo de pousio, tal como o são as férias escolares, dá início de outro período em que tudo se vai repetindo para nosso contentamento e sobrevivência.
foto de Aníbal C. Pires |
Os solstícios e os equinócios marcam o início de novos ciclos naturais que se repetem a cada ano e que desde a antiguidade foram sendo objeto de estudo, mas também de festividades pagãs que foram objeto de apropriação pela “cultura” dominante, todavia nem sempre foi bem-sucedida e subsistem manifestações de raiz popular que mantém algumas caraterísticas das antigas festividades. “Há sempre alguém que resiste/Há sempre alguém que diz não”, como diz a canção “Trova ao vento que passa”, popularizada por Adriano Correia de Oliveira.
Este texto, se é que conseguiu acabar, é algo incaraterístico e, quiçá, desorganizado. Não discordo se for essa a avaliação que o leitor faça. O Verão tem destas coisas, nos meios jornalísticos dizem que é a estação ridícula (tradução livre de silly season). Espero que a serenidade do Outono e o início de um novo ciclo me traga mais discernimento e acutilância, assim as temperaturas baixem e a humidade relativa do ar se mantenha a níveis aceitáveis.
Ponta Delgada, 3 de setembro de 2024
terça-feira, 3 de setembro de 2024
murmúrios
foto de Aníbal C. Pires |
Excerto de texto para publicação na imprensa regional (Diário Insular) e, como é habitual, também aqui no blogue momentos.
(...) O fim do Verão avizinha-se, na berma das estradas começam a despontar “as meninas para a escola”, as crianças e jovens, as famílias, os professores e escolas retomam as rotinas letivas. Com o início do ano escolar retomam-se os hábitos das famílias e das comunidades, criam-se novas expetativas, fazem-se descobertas, é tempo de regressos, de encontros e reencontros, ou melhor dizendo a vida retoma a sua normalidade, tudo volta a começar, e ainda que ao fim do dia se continue a ir às zonas balneares, ou conversar numa das esplanadas onde é possível fazê-lo sem outro ruído que não seja o murmúrio do mar, da brisa suave a enlaçar-se nas folhas das árvores e das palavras soltas, é o prenúncio do fim da estação quente, este ano, por sinal, a fazer jus à denominação. (...)
quarta-feira, 21 de agosto de 2024
opacidade
Foto de Aníbal C. Pires |
Num período de crescimento, em que todos os intervenientes andam felizes e contentes, sendo, contudo, justo referenciar que alguns empresários têm vindo a público expressar a sua preocupação sobre a forma como o setor tem vindo a crescer, mas como dizia, no atual contexto, não será aconselhável qualquer tentativa de desconstrução deste paradigma sob pena, de quem o fizer, ser acusado de “velho do Restelo”. O que pode não ser tão mau como parece, pois, esta figura já não é um símbolo de pessimismo, mas uma figura complexa que, segundo alguns autores, pode representar a consciência crítica, a resistência ao poder imperial e colonial, a proteção ambiental e a sabedoria tradicional, podendo ainda acrescentar-se que os “anciãos” são detentores de uma sabedoria que só o tempo pode conferir, conquanto os idosos, sejam, atualmente olhados de soslaio e desvalorizados, houve até quem, no passado recente, lhes tenha chamado a “peste grisalha”. Mas mesmo considerando que o “velho do Restelo” não é uma figura retrógrada, ainda assim, vou abster-me de qualquer consideração sobre o modelo desenhado para o setor do turismo, se é que existe, e os perigos que ele encerra para preservar as singularidades que caraterizam o destino e que estão a ser colocadas em causa.
Foto de Aníbal C. Pires |
Se os turistas já não encontram o encanto, que os atrai(u) a este arquipélago de sonhos e de saudade, nem o bem-estar que o destino lhes conferia, os residentes que não obtêm benefícios do turismo, manifestam, também, alguma incomodidade pelo elevado número de visitantes e os efeitos negativos que isso provoca no seu quotidiano, mas também alguma preocupação pelos impactos ambientais que, a este ritmo, podem colocar em causa a singularidade que nos diferencia. E, quando assim é, a sustentabilidade e a atratividade do destino volatiliza-se. A prazo restarão ruínas de mais um ciclo económico a juntarem-se ao Monte Palace e, quiçá, a serem objeto de musealização e de oferta cultural a outros públicos.
Os desequilíbrios que se verificam na economia regional, a sua natureza neoliberal e a mediocridade da governação regional, constituem-se como sinais preocupantes sobre o futuro destas ilhas e deste povo. Segundo algumas reputadas opiniões é a própria Autonomia constitucional que está em causa.
Fazer depender a economia de uma única atividade é, como a história nos ensina, um erro que se paga caro, fazer depender a economia do funcionamento do mercado, como a história nos ensina, é aumentar a pobreza e a exclusão, dar apoio social e político a um governo politicamente inepto que depende dos humores dos seus parceiros de coligação e de espúrios apoios parlamentares, isto para além da inexistência de um projeto político de desenvolvimento que tenha em devida conta os aspetos sociais, culturais, económicos, políticos e as especificidades de cada uma das nove ilhas, ou seja, estamos a caminhar, a passos largos, para a insustentabilidade económica, para acentuar assimetrias sociais e para o fracasso político da Autonomia constitucional.
Os eleitores, não só, pois os abstencionistas também têm responsabilidade no desenho os quadros parlamentares que proporcionaram os entendimentos de 2020 e 2024, mas serão os eleitores os principais responsáveis pelo escrutínio da atividade parlamentar e da governação tripartida. Cabe em primeira instância, ou assim devia ser se houvesse suficiente literacia política, aos eleitores o rigoroso escrutínio da governação e a manifestação crítica face a opções que apenas visam a satisfação do clientelismo eleitoral, também ele tripartido, uma vez que a oposição (PS e BE), em particular o PS, parece satisfeita com o rumo da governação e, vai anuindo ao invés de contrapor.
A legitimidade democrática não depende apenas dos resultados eleitorais, isto é, este governo pela sua inépcia, incumprimento e quebra do contrato social que a “coligação” celebrou com os eleitores, deveria ser, com urgência, removido do poder, sob pena de a curto prazo as finanças públicas colapsarem e ficarmos sujeitos a indesejáveis imposições externas, para além das já existentes, em particular as que decorrem de Bruxelas. Sim, pois da União Europeia vem algum dinheiro, mas veem sobretudo as indicações restritivas para o investimento público e privado, e as diretrizes que determinam quais devem ser os contornos da economia regional.
A governação regional protagonizada pela coligação PSD/CDS/PPM tem-se limitado à gestão “política” da sua sobrevivência, desde logo entre os parceiros da aliança, mas também junto dos potenciais eleitores e grupos de pressão, quer ainda com os partidos parlamentares de quem depende a sua subsistência política. Os custos desta “gestão política” são muito elevados e o erário público dá sinais de stresse, é caso para perguntar por onde anda o dogma do “endividamento zero”.Quanto à ideia de rigor e transparência na governação regional, é apenas isso, uma imagem construída com um discurso “para inglês ver”, mas que a permeabilidade da opinião pública, cansada, que estava, de um longo e desgastado ciclo de poder, com facilidade, absorveu como sendo um precioso atributo da mudança política que se verificou em 2020 e se renovou em 2024. A representação está, porém, a ser colocada em causa e os eleitores vão concluindo, ainda que a um ritmo moroso, que o poder regional nunca foi tão impreciso e opaco como agora.
Ponta Delgada, 20 de agosto de 2024
subsistem os matizes
foto de Aníbal C. Pires |
Excerto de texto para publicação na imprensa regional (Diário Insular) e, como é habitual, também aqui no blogue momentos.
(...) Nem tudo estará bem como parece aparentar e, apesar da visita ao arquipélago da família que reina sobre o Qatar, profusamente noticiada e alvo da curiosidade dos residentes, alguns turistas menos endinheirados queixam-se dos elevados custos associados à restauração, ao alojamento e ao aluguer de viaturas, isto de ter viagens de baixo custo e tudo o resto de custo elevado tem as suas contradições, mas não é só em relação aos custos exorbitantes que se notam algumas queixas, também as filas de espera para os restaurantes, para os “monumentos naturais” e para a observação das idílicas paisagens que nos distinguem de outros lugares, começam a ser objeto de algum descontentamento para quem procura nos Açores a quietude do viver ilhéu matizado dos verdes e azuis que nos caraterizam. Os matizes subsistem, a quietude nem por isso. (...)
quarta-feira, 7 de agosto de 2024
jogos de verão
imagem retirada da internet |
Algumas semanas antes dos JO terem o seu início e em conversa informal expressei a ideia de que esta edição parisiense tinha tudo para correr mal, desde logo para os habituais residentes na cidade. Pode até nem tudo estar a correr mal, e não está, mas esta edição dos JO deixa muito a desejar e trazem-nos à memória outras edições, como por exemplo Barcelona, em 1992. Um excelente espetáculo de abertura, uma organização exemplar e onde não se verificaram boicotes nem exclusões, facto que não se verificava desde 1952, nos jogos de Helsínquia. Para Portugal não foram os melhores dos JO, isto se a avaliação se reduzir às medalhas e classificações, mas não retira mérito aos jogos de Barcelona, nem à representação portuguesa.
imagem retirada da internet |
foto de Aníbal C. Pires |
Não tenho por hábito abordar várias questões no mesmo texto de opinião, tem havido algumas exceções, hoje será mais uma e é, em si mesmo excecional pois, tinha uma espécie de compromisso comigo de não voltar a emitir publicamente apreciações relacionadas com transportadora aérea regional. Ao longo dos últimos anos publiquei nos jornais e tomei posição, noutros palcos, sobre a importância da SATA enquanto instrumento estratégico para a Região e, como tal, deverá continuar no domínio exclusivamente público, quando assim não for deixará de cumprir a sua principal função: unir os Açores e garantir a mobilidade dos açorianos. Esta minha posição de princípio não me inibe, nem nunca inibiu, de tecer críticas às suas opções e à sua gestão. Opções e gestão quase sempre com interferência do poder político executivo que foi queimando conselhos de administração por conta dos seus próprios erros. E se isto é verdade atualmente é-o para os últimos governos do PS que antecederam o governo da coligação de direita que governa ou desgoverna, conforme o ponto de vista, a Região.
A nomeação de um novo Presidente do Conselho de Administração (PCA) e dos seus companheiros de estrada não é, só por si, a razão que me motiva a tecer as breves considerações que se seguem sobre a SATA, o que me motiva são as declarações proferidas pelo PCA e algumas decisões entretanto anunciadas como sendo desta nova equipa, mas que pelos seus contornos só poderão ter resultado de decisões do Governo regional. A novidade é mesmo a criação de um Conselho Estratégico, aliás estava publicamente sugerido e pedido, como se a criação de um “senado” para a SATA fosse a panaceia para todos os males de que sofre este grupo empresarial público.
foto de Aníbal C. Pires |
As declarações de Rui Coutinho no que diz respeito ao futuro, para além de lugares-comuns como: i) reduzir ACMIS e aumentar a receita no mercado dos voos charters, durante o inverno IATA; ii) “acabar” com as rotas deficitárias (resta saber quais); iii) ganhar eficiência; e iv) reduzir custos (fechar lojas); isto de entre outras propósitos, sendo que o encerramento das lojas nos espaços urbanos, está já em fase de execução.
Apesar do contexto, ou talvez por isso, as declarações sendo circunstanciais são-no, também preocupantes pois, o Dr. Rui Coutinho não disse nada que a tutela não lhe tivesse encomendado. Veja-se a solução e a celeridade da decisão sobre o encerramento das lojas e a sua passagem para a RIAC, isto só foi possível com o aval e a intervenção do Governo regional. A responsabilidade por todos os custos sociais, mas também económicos desta medida têm um autor material, mas ninguém tenha dúvidas que a decisão foi política. As responsabilidades devem ser assacadas ao Governo regional, enquanto autor intelectual, o PCA é apenas o testa de ferro desta decisão cujos efeitos na saúde financeira do Grupo SATA nem um paliativo chega a ser. O aumento do tarifário e falamos da tarifa de residente (134 euros). Aumentar esta tarifa no contexto conhecido de passagens a ultrapassar os 800 euros é penalizar os açorianos e aliviar financeiramente o Estado, por outro lado pouco tem a ver com o aumento da receita pois, o valor médio de uma passagem de ida e volta aos Açores já é superior aos 134 euros, ainda que desde 2015 não se tenha verificado nenhum aumento no valor da tarifa de residente. Depois, bem depois será a execução do plano de reestruturação imposto por Bruxelas, a privatização da maioria do capital social e o fim da SATA.Ponta Delgada, 6 de agosto de 2024
Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 7 de agosto de 2024
quarta-feira, 24 de julho de 2024
quando o rosmaninho florir
foto de Aníbal C. Pires |
O afastamento geográfico e a passagem do tempo não nos despojam das lembranças e das pessoas que nos marcaram na infância e juventude, a não ser que queiramos esquecer, mas eu não quero olvidar e procuro manter bem viva a celebração dos lugares que calcorreei na minha infância e juventude e as gentes com quem me fui cruzando, as que me são mais próximas pelas ligações familiares, mas também de amizade, ou mesmo com quem partilhei efémeros, mas inolvidáveis, momentos. Estas ligações afetuosas com os lugares e gentes da minha infância e juventude fazem parte do sujeito que sou. A minha construção pessoal está alicerçada na geografia beirã e na cultura do povo que teima em preservar os seus costumes, apesar das vagas de massificação que, como noutros lugares e regiões, tendem a uniformizar o pensamento e os modos de vida.
Quando regresso e acontecem os reencontros com familiares e amigos, por muito tempo que se tenha passado, e por vezes passa muito, é como se nunca tivesse partido, é como sempre tivesse estado por ali. As afinidades aproximam-nos a conversa flui e usufruímos intensamente dos momentos presentes de partilha. Recordamos, mas não nos amarramos ao passado há sempre futuro no horizonte e compromissos que se renovam como se fossem uma garantia de novos encontros para alimentar memórias e reforçar vínculos.
foto de Aníbal C. Pires |
Os antigos vínculos com as gentes os seus costumes e vivências deixam marcas indeléveis e os regressos acontecem, mesmo sabendo que os lugares se transformaram e que nem todas as pessoas ainda por ali estão. O tempo tudo transforma e a vida cumpre o seu ciclo, mas o tempo não apaga a memória das gentes e do que elas significaram, ou significam, para cada um de nós, por isso, dizemos quando nos perguntam quando regressamos aos lugares de infância: Onde vais? Vou à terra.
A cada ano são mais penosas as minhas viagens ao interior continental. Sim, é a idade, sim, são os baixos índices de humidade, sim, são as amplitudes térmicas, sim, é o abandono, sim é a desertificação e o envelhecimento. Se a baixa humidade relativa do ar e as temperaturas, provocam algum desconforto, sim, é verdade, mas o que verdadeiramente me inquieta é o abandono deste território e deste povo.
O abandono, mas também as opções políticas ditadas por distantes centros de decisão e a voracidade do capitalismo que transformam a paisagem física e humana. Os antigos olivais e vinhas foram paulatinamente abandonados, não há quem cuide destas culturas, dando lugar à cultura intensiva, com os custos ambientais, sociais e económicos conhecidos. Opções que empobrecem os solos e as gentes e enricam poderosos grupos económicos. Dizem que é o progresso, até pode ser, mas matar a alma aos lugares é dar continuidade à desertificação que o discurso do poder diz querer combater.
imagem retirada da internet |
Atormenta-me a substituição da agricultura extensiva pela produção intensiva, perturba-me a instalação de hectares de painéis solares em solos agrícolas. Percebo as preocupações ambientais, mas este é, apenas, mais um equívoco, como foi o biodiesel, ou como são os carros elétricos. Os ambientalistas talvez fiquem satisfeitos com esta conformação do capital às “exigências” de grupos de defesa do ambiente, mas não me parece que a agricultura intensiva, a inutilização de grandes áreas agrícolas para instalação de painéis solares, ou a transição para a mobilidade elétrica individual/familiar se relacione diretamente com sustentabilidade ambiental que todos desejamos e da qual depende, em última instância, a nossa sobrevivência.
imagem retirada da internet |
A coesão social e territorial não rima com opções que visam apenas e só o lucro de curto prazo ou de soluções para a produção de energia “limpa” que inutilizam os solos. Ainda assim há pessoas que teimam em ficar e preservar o património paisagístico e cultural contrariando as decisões tomadas em distantes e artificialmente aclimatados gabinetes, sejam eles em Lisboa, Bruxelas ou mesmo Washington, como recentemente se tem verificado.
imagem retirada da internet |
Palvarinho, 19 de julho de 2024
sábado, 13 de julho de 2024
notas da época estival
foto de Aníbal C. Pires |
Temas não faltam a quem, como eu, vai partilhando opinião e, tentando promover reflexão, no espaço público regional. Apesar da proliferação de assuntos, todos eles interessantes e alguns de grande importância para o nosso bem-estar comum, julgo que dos que enunciei e de todos os que ficaram por referir, igualmente relevantes, vou apenas fazer tecer algumas considerações sobre o europeu de futebol e, quiçá sobre os resultados eleitorais no Reino Unido e em França, mas também do circo eleitoral estado-unidense.
Comprometo-me, desde já, a fazer um esforço acrescido no controle do correr da pena, embora, de tanto contrariar os impulsos naturais esteja há algum tempo com uma incómoda tendinite que dificulta, ainda mais, o livre exercício da escrita ou, melhor dizendo: vou ter em devida conta os condicionalismos da época estival que aconselham temas e refeições ligeiras e a devida manutenção do estado de hidratação, aconselhado em todas as épocas do ano para não me sujeitar às consequências que daí podem advir.
foto retirada da internet |
As discussões em torno do assunto têm sido apaixonadas e para todos os gostos, não vale a pena, sequer, tentar rebater as alegações mesmo considerando que muitas das opiniões não estão devidamente fundamentadas, resultam das emoções do momento e não têm sustentação. Há, no entanto, um argumento sobre o qual valerá a pena alguma reflexão e que se corresponder, no todo ou em parte, à razão pela qual Cristiano Ronaldo fez parte da seleção e jogou todos os jogos deveria ser esclarecida. Li algures por aí que a presença de Ronaldo na seleção portuguesa e a sua participação integral em todos os jogos se deve aos valores contratuais e, consequentes, receitas astronómicas que a Federação Portuguesa de Futebol arrecada devido à presença do CR7. Esta “teoria” faz algum sentido face à imagem mundial do capitão da seleção portuguesa, afinal nenhum outro jogador, no mundo, tem a projeção de Cristiano. Se isto tem alguma coisa a ver com desporto, Não. Se o futebol profissional deixou, há muito, de ser uma competição desportiva para se transformar num enorme conglomerado financeiro, não é novidade. Esta foi uma das razões que me levou a afastar do futebol e a fazer afirmações como a que abriu este tema e da qual o leitor ainda estará recordado.
Da eliminação de Portugal pela França procurei encontrar algo de positivo e encontrei. Marine Le Pen, durante o período que antecedeu a segunda volta das eleições francesas, afirmou que não se revia nesta seleção francesa, os eleitores e jogadores franceses deram-lhe uma resposta que, estou certo, lhe provocou muita azia e amargos de boca. Não posso deixar de dizer que fiquei satisfeito, não com a derrota de Portugal, mas com a vitória da esquerda nas eleições francesas.
Sobre as eleições em França muito mais poderá ser dito, mas fico-me apenas pela azia da senhora Marine Le Pen, o que me parece suficiente.
Os resultados das eleições no Reino Unido também foram interessantes, os trabalhistas (uma espécie de PSD/PS na versão britânica) obtiveram uma vitória esmagadora (412 deputados eleitos) sobre os conservadores (121 deputados eleitos) que exerceram o poder durante os últimos catorze anos, sendo que há muito tinham perdido a legitimidade democrática, ou seja, desde a demissão de Boris Johnson que os conservadores se mantiveram no poder sem terem sido sujeitos ao veredito popular, mas como se trata de um dos “faróis da democracia” ninguém colocou em causa este facto.
Numa abordagem superficial aos resultados eleitorais no Reino Unido e em França poderá afirmar-se que se verifica uma tendência que contraria a ascensão da extrema-direita, o que significa que as lutas destes povos tiveram alguma tradução eleitoral, mas não significa, de todo, uma alteração substantiva das políticas internas e externas destes dois países, embora em França, se vier a concretizar-se um governo da Frente Popular, as alterações que vierem daí a advir poderão contribuir para inverter o rumo neoliberal e belicista que caraterizou a política interna e externa francesa nos últimos anos. Os resultados eleitorais não conferiram maioria absoluta à Frente Popular e a solução governativa está por definir. Resta-nos, pois, aguardar pela constituição do novo governo francês ou, não havendo entendimentos, por um novo ato eleitoral.
Ponta Delgada, 9 de julho de 2024