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terça-feira, 14 de janeiro de 2025

"Viagem pela Arte" - Ugolina Batista








Embarquei na “Viagem pela Arte” que Ugolina Batista tem em exposição no Centro Municipal de Cultura, em Ponta Delgada. 







A jornada foi prazerosa para o olhar, pela diversidade de materiais, suportes e técnicas que a Ugolina utiliza para expressar a sua criatividade e sensibilidade artística. As suas obras circulam pela pintura em porcelana, instalações com base de areia, ou com recurso a objetos que perderam o uso, mas que a Ugolina recria e lhes dá um novo uso estético, ou ainda o detalhe da pintura sobre tela, e algumas abordagens mais contemporâneas que traduzem um percurso dinâmico e de permanente atualização.







Nesta” Viagem pela Arte”, Ugolina Batista convida-nos a explorar as infinitas possibilidades a que a criatividade nos pode conduzir, mas esta jornada revela um percurso artístico tão admirável quanto a generosidade de quem o construiu. A Ugolina é uma amiga inspiradora pela criação artística e pela sua participação na vida cultural da sua comunidade. Muito me honra a sua amizade.


sexta-feira, 10 de janeiro de 2025

partir querendo ficar

foto de Aníbal C. Pires
silêncio do tempo

matizes de mar e céu
cinzentos sem fim
fundidos no horizonte

aveludado verde
orlado de flores
colorindo a existência 

o rumorejo da aragem
carrega o aroma da terra
e o murmúrio das ondas

sob os pés descalços
a areia conta histórias
gravadas no silêncio do tempo

vindas do passado
preenchem o presente
estimulam o sonho

o vento ameno
desnuda a montanha
a caminho do mar

parto querendo ficar 


Aníbal C. Pires, Ponta Delgada, 10 de janeiro de 2025


segunda-feira, 6 de janeiro de 2025

de volta à realidade

foto de Aníbal C. Pires

O desejo de felicidade e prosperidade voltou a ser um eco perdido na penumbra do quotidiano quando os fogos de artifício perderam o brilho.

Aníbal C. Pires, Ponta Delgada, 6 de janeiro de 2025

quarta-feira, 27 de novembro de 2024

... quase feliz

autorretrato 
É bem possível que à hora a que folheia este jornal eu esteja a apresentar, na EBI da Maia, o livro “O Silêncio da Paixão”, uma novela póstuma de Helena Chrystello, editada, este ano, pela Letras Lavadas. E é sobre este livro, escrito na década de 70 e que foi guardado numa gaveta até à morte da autora, em janeiro deste ano. Não conheço os motivos da decisão da autora, sei, isso sim, que o seu companheiro, o Chrys Chrystello, sabia da existência de alguns escritos da Helena, mas ela nunca lhe permitiu o acesso, aliás como ele próprio refere na nota editorial que precede a novela, mas, como dizia, é sobre este livro que vou partilhar alguns apontamentos que fui preparando para o texto da apresentação formal. 

“O Silêncio da Paixão” foi concluído a 4 de fevereiro de 1976, ou seja, a Helena ainda não tinha concluído o seu 21.º aniversário natalício. Refiro este facto pois, quando lerem esta novela vão mergulhar numa narrativa densa e estruturada, diria mesmo que esta novela é literariamente adulta e, sendo a autora uma jovem mulher, esta contextualização, não é de somenos valor, e, a relevância que lhe estou a dar pretende acrescentar mérito à obra pois, a construção literária revela uma maturidade e até erudição que, nem sempre, os jovens escritores possuem.

Os livros são, antes e depois de tudo, obras literárias, mas são-no também obras gráficas. A encadernação, o papel utilizado e os grafismos da capa valorizam a obra no seu conjunto. Assim, e antes de tecer algumas considerações, necessariamente breves, sobre a novela referencio alguns elementos da capa que, salvo melhor e douta opinião, é uma brilhante síntese da estória que nos é contada. 

foto de Aníbal C. Pires
A tonalidade vermelha, como sabemos, capta de imediato a atenção, não é por acaso que alguns sinais de trânsito utilizam esta cor, e induz sentimentos fortes como sejam: paixão, amor, energia ou perigo. O olhar distante da mulher retratada, a própria autora, pode ser entendido como de contemplação e introspeção, mas também de tristeza, perda e pode indiciar um estado emocional complexo. Por fim a escolha do título da obra: “O Silêncio da Paixão”.  Silêncio e paixão cruzam-se e entrecruzam-se na trama urdida pela Helena para nos conduzir pela recordações e arrebatamentos de uma mulher que se afastou do mundo, no qual viveu intensamente, e se abriga numa casa à beira-mar, em Joinville, na península de Contentin, no norte de França.

A novela “O Silêncio da Paixão” não é um relato linear, ou seja, a narrativa é densa e intrincada, desde logo, pelas personagens, pela omnipresença do mar, pelo tempo atmosférico, pela música e as cidades, onde Clara, foi quase feliz. 

As leituras desta obra podem ser diversas o que nem sempre agrada a quem lê maquinalmente, mas deixar espaço para os leitores conjeturarem sobre o capítulo seguinte ou o desfecho da estória e, ainda assim, conseguir que a leitura seja apelativa e a vontade de voltar a página permaneça até às últimas palavras, não é de fácil concretização, mas enquanto leitor agrada-me que estes sejam alguns dos atributos desta invulgar peça literária. E é disso que falo quando me refiro a esta novela póstuma, falo da qualidade literária de “O Silêncio da Paixão”, da erudição e maturidade que a Helena Chrystello cedo deixou transparecer e que não mais voltou a demonstrar.

A estória que nos é narrada tem como personagem central Clara Viel, aclamada cantora lírica que se afastou dos palcos e se refugiou, com já referi, numa casa à beira-mar. O jovem Gilles testemunha as suas quimeras, acompanha e ama esta mulher a quem já apareceram uns fios de cabelo branco. Clara não se consegue libertar de antigas paixões que se perpetuam e a fazem sofrer, nem atende a outros amores, seja Gilles o jovem que também procurou abrigo em Joinville para escrever, seja alguém de um passado vivido em Praga onde, como escreve a autora: “Durante muito tempo, Clara foi dominada por esta imagem, ela que fora quase feliz em Praga, um ano antes da primavera.”   

A autora, com mestria, explora, por um lado a mutabilidade dos momentos de felicidade e, por outro a importância e o poder da memória. Ser "quase feliz" pode ser ainda mais marcante, do que ter sido plenamente feliz. Foi algo que não se concretizou e fica para sempre como um vazio. A frase situa o evento no tempo pois, a alusão à primavera não se refere à chegada da estação do ano, mas sim a um acontecimento político de 1968 e que ficou conhecido como a “Primavera de Praga”, isto é, a narrativa remete-nos para o ano de 1967.

Sobre a trama e a forma como a estória se desenrola, a ação da protagonista e das personagens que a acompanham, sejam as das memórias do passado, sejam do presente não adiantarei mais pois, julgo ser mais avisado deixar que façam a leitura deste livro sem que a minha visão possa vir a influenciar a vossa e, esta novela permite, como julgo já ter referido, várias leituras e todas elas legítimas.

imagem retirada da internet
Há, porém, dois elementos narrativos que não posso deixar de aludir pois, modelam e marcam presença, quase permanente, na construção literária desta novela: a música e o mar.

A música, quiçá pela principal personagem ter sido cantora lírica, e como nos diz Anabela Freitas na apresentação que fez desta obra, no passado mês de outubro, em Vila do Porto, durante a realização do 39.º Colóquio da Lusofonia: “Mas, obviamente que a música, muito embora já não faça parte da vida atual de Clara, por vontade própria, porque abandonou a carreira, está presente ao longo de toda a novela. Durante a leitura nunca perdemos de vista o facto de a protagonista ser cantora lírica. Falar da música torna-se óbvio e contribui para a criação de um ambiente onírico muito sugestivo. A sua presença é poderosíssima no texto.”

foto de Aníbal C. Pires
Mas também o mar acompanha toda a narrativa do tempo presente, e socorro-me novamente das palavras de Anabela Freitas para que, com clareza, se perceba a relevância do mar na construção desta estória. “É esse mar que preenche todas as horas de Clara. É dele que agora ela se alimenta. Todos os seus sentidos são bombardeados pela presença dele: a visão, o olfato, o tato, o paladar e também a audição. Pois embora a música seja uma referência constante, desde logo porque Clara era cantora lírica, essa mesma música que preencheu a sua vida, acabou por ser abandonada e substituída pelo mar, como confessa a uma amiga…”

“O Silêncio da Paixão” é uma estória de amores, desamores e solidão alicerçada na complexidade das relações humanas e das emoções que moldam as nossas vidas.

A Helena dedicou a sua vida a divulgar autores de língua portuguesa e, em particular, autores dos Açores, aqui nascidos, ou açorianos por opção própria e que a vida ilhanizou, grupo onde a Helena se pode incluir. Não sei, nem isso é importante para mim, das razões que levaram a Helena a encerrar esta novela numa gaveta e, também, não sei das razões que a fizeram parar por ali. Sei, contudo, depois de ter lido a novela “O Silêncio da Paixão”, que Helena poderia ter construído uma carreira literária ímpar.

Ponta Delgada, 26 de novembro de 2024 

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 27 de novembro de 2024

terça-feira, 26 de novembro de 2024

amores, desamores e solidão

foto de Aníbal C. Pires

Excerto de texto para publicação na imprensa regional (Diário Insular) e, como é habitual, também aqui no blogue momentos.



“O Silêncio da Paixão” é uma estória de amores, desamores e solidão alicerçada na complexidade das relações humanas e das emoções que moldam as nossas vidas.

A Helena dedicou a sua vida a divulgar autores de língua portuguesa e, em particular, autores dos Açores, aqui nascidos, ou açorianos por opção própria e que a vida ilhanizou, grupo onde a Helena se pode incluir. Não sei, nem isso é importante para mim, das razões que levaram a Helena a encerrar esta novela numa gaveta e, também, não sei das razões que a fizeram parar por ali. Sei, contudo, depois de ter lido a novela “O Silêncio da Paixão”, que Helena poderia ter construído uma carreira literária ímpar.


quarta-feira, 16 de outubro de 2024

por amor, fiquei.

foto de Paulo R. Cabral
Estou aposentado. Gosto mais do termo jubilado, mas o vocábulo em Portugal não se generalizou e aplica-se apenas a algumas profissões, este estado ou estatuto de aposentado, como prefiram, libertou-me dos deveres profissionais, mas não das obrigações que tenho para com a comunidade onde há mais de 41 anos decidi viver. Para evitar ambiguidades devo esclarecer que as “obrigações” a que me refiro decorrem, tão-somente, da minha vontade e disponibilidade para continuar a cooperar com organizações que intervêm em distintos aspetos da vida social, cultural e política da Região. Não é um encargo, é a forma que encontrei de retribuir o acolhimento que este povo me concedeu e sem grandes delongas temporais me fez sentir como se por aqui tivesse nascido. Poderia fazer outras opções retirando-me para a tranquilidade do sofá, mas isso seria contrariar toda uma vida de intervenção cívica.

Diz-se dos forasteiros que se fixam por aqui: ilhanizados ou açorianófilos; e assim será para quem passado, um período de descontinentalização, assume a condição de ilhéu. Ou seja, é-se ilhéu após um processo de compreensão e assunção do viver e sentir insular. Tenho um amigo que me colocou o epíteto, é público não estou a cometer nenhuma inconfidência, de “ilhéu continental” e eu aceito, sem reservas, o sentimento da minha pertença a estas ínsulas é, para ele, uma evidência e também sabe que isso é compaginável com os meus regressos (físicos ou através da escrita) às origens beirãs.

foto de Aníbal C. Pires

Vim por acaso, fiquei por amor a estas ilhas, outro amor já tinha, por aqui o cultivei, fortaleci e sazonou. Quando cheguei em 1983 fiquei deslumbrado com a orografia, a luz e os matizes de verde e azul, por vezes, cobertos por um espesso manto cinzento, mas não foi a paisagem que me fez ficar, ninguém fica só pela paisagem. Se foi e é importante, não duvido. Mas os lugares são as pessoas que os habitam e a forma como se adaptam e recriam os saberes ancestrais. Os açorianos construíram uma matriz cultural distinta, marcada pelo isolamento que a geografia ditou, pelo abandono do poder central, pela natureza, nem sempre amigável, pelo seu posicionamento no Atlântico Norte que expõe estas ínsulas à violência das tempestades atmosféricas e oceânicas, daí nasceu a profunda religiosidade deste povo ilhéu e da qual o culto ao Divino Espírito Santo se manifesta de forma transversal na Região e na diáspora. Fiquei por amor a estas ilhas e a este povo, aqui quero continuar a viver.   

Cedo iniciei um percurso que me permitiu visitar todo o arquipélago com o qual me encantei, o conhecimento consolidou-se ao longo dos anos e a sedução não se desvaneceu. As ilhas açorianas e o seu povo continuam a deslumbrar-me. A cada vez que mergulho na ilha onde vivo, ou quando viajo e permaneço alguns dias numa qualquer outra das ilhas açorianas consolido o amor que me fez ficar e surpreendo-me com novas descobertas, de lugares, de usos e de pessoas. São as pessoas que corajosamente teimam em manter vivos os lugares emprestando-lhe o seu labor e criatividade para que a sua ilha, as nossas ilhas, não caiam no esquecimento, são essas as pessoas que me entusiasmam e continuam a surpreender. E eu gosto de ser maravilhado, emociono-me e gosto. As gentes e os lugares continuam a enternecer-me como só agora tivesse aportado a estas ilhas.

foto de Aníbal C. Pires
A viagem e estadia mais recente foi na ilha de Santa Maria onde participei no 39.º Colóquio da Lusofonia. A ilha de “Gonçalo Velho, a “ilha Mãe”, a “ilha mal lembrada”, a “little America”, ou qualquer outra designação que se dê à primeira ilha dos Açores a ser povoada, fica-lhe bem e reflete ideias e períodos de apogeu ou declínio da sua história.

Os Colóquios da Lusofonia são enriquecedores para os intervenientes e para quem se dispõe a assistir às diferentes sessões e atividades. A sua realização fora da habitual tripolaridade, herança de que a autonomia não se conseguiu libertar, é sempre de saudar e tem relevância para as comunidades que albergam o evento. Se podia ser melhor!? Claro que sim, pode sempre aperfeiçoar-se e, face à informação que disponho, os seus organizadores desejam fazê-lo contando para isso com o contributo e sugestões de quem participa, habitualmente ou não. A próxima edição dos Colóquios da Lusofonia será, em abril, na ilha das Flores. A celebração da Revolução de Abril será, julgo eu, alvo de particular atenção na 40.ª edição deste evento cultural que continua a mobilizar vontades.

À margem das sessões dão-se outros encontros, criam-se dinâmicas, desenham-se projetos multi ou bilaterais e cria-se a oportunidade de rever amigos, conhecer novas pessoas que, por vezes, nos surpreendem pela sua sensibilidade, criatividade e trabalho desenvolvido nas artes ou pela sua intervenção social e cívica. E eu sinto que ainda tenho muito para conhecer dos Açores e das suas gentes.

Santa Maria continua a surpreender-me, mesmo sem ter ido onde não me canso de ir e de não poder ter estado com algumas pessoas que muito estimo. Estive, como já referi, em Santa Maria e vim uma vez mais maravilhado pelo que aprendi e pelo que ignorava e fiquei a saber, eu que penso(ava) deter um conhecimento aprofundado sobre Santa Maria e os marienses. Quando cuido que não há mais nada para aprender e conhecer na “ilha Mãe” sou maravilhado com a novas descobertas. Tive oportunidade de rever velhos amigos e conversar sobre o “clima” político, pré-autárquico, que se vive em Santa Maria, ou apenas jogar palavras fora sem outro intuito para além da conversa pela conversa que pode até aparentar ser vaga, mas tem sempre um propósito e proporciona novas aprendizagens e, como eu sou um eterno aprendiz, gosto de conversar, deixar fluir as palavras livremente e, aprender. 

Foto de Aníbal C. Pires

Se com os velhos amigos a comunicação se retoma com naturalidade, o tempo e a distância não se constituem como barreiras para retomar uma conversa, com as pessoas com quem falamos a primeira vez percebemos, passados alguns momentos, se a arquitetura das pontes nos une e, quando assim é, as palavras brotam, a cumplicidade instala-se, e é bom. E foi bom estar e sentir o pulsar de Santa Maria.

É bom regressar e continuar a descobrir novos lugares e pessoas, é bom continuar a aprender como é ser ilhéu nas Flores, na Graciosa, em Santa Maria, na Terceira, ilhas onde estive durante este ano, ou S. Miguel onde vivo, ou em qualquer outra onde regresso sempre que me é possível. São realidades geográficas, sociais, culturais, económicas e políticas diversas, querendo com isto significar que: para realidades diferentes o investimento público tem, naturalmente, de ser diferenciado e os projetos de desenvolvimento sustentável distintos, como diferente é o potencial endémico de cada uma das ilhas deste arquipélago, por vezes ainda desconhecido e muitas vezes, demasiadas vezes, esquecido por remotos poderes.

Ponta Delgada, 15 de outubro de 2024 

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 16 de outubro de 2024

quarta-feira, 18 de setembro de 2024

o relatório

foto de Aníbal C. Pires
O mundo no limiar do segundo quartel do século XXI está em convulsão, não é uma novidade é, tão-somente, uma constatação à qual está associada uma profunda preocupação. Inquietante é, também, o alheamento de uma imensa mole de cidadãos face ao que nos rodeia e encerra perigos que julgava não pudessem voltar a desenhar-se no horizonte, e outros para os quais pouco ou nada se tem feito, para além da transferência da responsabilidade decisória para o domínio do indivíduo, o que comprovadamente não resolve alguns dos problemas ambientais que nos preocupam a todos e que fazem perigar a vida na Terra, tal como a conhecemos. 

A situação internacional é alarmante e, se quisermos ser rigorosos, podemos afirmar que não é nada de novo, era até expetável que, mais tarde ou mais cedo, as tensões provocadas pelas assimetrias no desenvolvimento humano, o neocolonialismo, o unilateralismo, a falência das instituições e, por conseguinte, o seu descrédito, bem assim como o processo de desdolarização, já há muito que havia sinais disso, a invasão do Iraque e da Líbia são apenas dois exemplos, de entre outros, da retaliação estado-unidense e da sua aliada União Europeia (ainda com o Reino Unido) contra a tentativa de por fim à hegemonia do dólar nas transações internacionais, em particular na compra e venda de petróleo. Mas não é só, a emergência de economias robustas, fora do eixo atlantista, que se afirmam no contexto mundial e agregam países do chamado Sul global são olhadas, pelo ocidente, como uma ameaça, e assim é no entendimento dos decisores atlantistas e eurocentristas. Os BRICS são um exemplo da organização de estados soberanos que deram início a uma nova ordem económica mundial fora da alçada dos EUA e da EU.  

imagem retirada da internet

A resposta do ocidente “civilizado” é conhecida. As decisões políticas e o posicionamento dos EUA, da UE e de alguns satélites que orbitam à sua volta e do seu braço armado, a OTAN, mantém uma guerra híbrida, com todas as variáveis que a caraterizam, com os países que económica e financeiramente estão a colocar em causa a subsistência do Mundo unipolar. E não deixa de ser anacrónico que os principais responsáveis pelo caminho que os países do Sul global esteja a ser acelerado pela cegueira dos dirigentes, em particular da UE, que se submetem aos ditames dos EUA que, como se sabe, não têm amigos têm interesses. 

O Sul global liberta-se gradualmente do neocolonialismo e deu-se início à construção de um mundo multipolar, esta é a “ameaça”. Podia ser uma oportunidade, mas os eurocentristas e atlantistas do alto da sua arrogância, mas também cegueira e insciência insistem em perpetuar a unipolaridade. 

Os cidadãos estão, uma vez mais, a pagar caro as opções políticas das diferentes instâncias da UE, a inflação e a alta dos juros são apenas as variáveis visíveis de uma profunda crise para a qual nos estão a conduzir, aliás Mario Draghi num recente relatório apresentado ao Parlamento Europeu fala claramente em "declínio lento e agonizante" da economia da UE e da necessidade de inverter o rumo para salvar este projeto político integrado por 27 países europeus.

Socorri-me de Mario Draghi para reforçar a ideia de que o espaço social, político e económico onde estamos inseridos atravessa uma crise sem precedentes e são necessárias profundas alterações no seu seio, o que não significa que eu esteja de acordo com o que, na opinião do ex-primeiro-ministro italiano, está na raiz dos problemas que a UE está a viver, nem com as soluções por ele propostas.

imagem retirada da internet
Mais do que um diagnóstico rigoroso da situação que se vive na UE e das causas que lhe estão na origem, Draghi faz constatações e procura justificar as opções da Comissão, do Conselho e do Parlamento procurando assim ilibar as políticas comuns e os seus efeitos negativos nos estados-membros, e no todo que representam, ou não fosse Mario Draghi um neoliberal ligado, desde sempre, ao setor financeiro mundial, e o relatório resultar de uma encomenda da Comissão Europeia, pela mão da senhora Von der Leyen, e que putativos comissários europeus, como por exemplo Maria Luís Albuquerque perita em empobrecimento dos portugueses. Por outro lado, as soluções apresentadas visam aumentar o financiamento ao setor privado, aumentar o orçamento para a defesa (leia-se: guerra) e a centralização decisória, ou seja, Draghi não aprendeu, ou não quis aprender com os erros do passado, e vem receitar mais do mesmo talvez para acelerar o agonizante declínio que ele próprio identificou.

O Partido Popular Europeu e o Partido Socialista Europeu, como não podia deixar de ser, estão exultantes e tudo farão para executar as recomendações de Mario Draghi. Nada de novo vem por aí, nem mesmo a hipocrisia de quem paulatinamente tem vindo a destruir a agricultura e a indústria na EU e a submeter-se a interesses dos globalistas, se constitui como uma novidade.  O entendimento das famílias políticas europeias vai continuar a limitar a soberania dos estados-membros e promover o empobrecimento dos cidadãos.

O relatório propõe 170 medidas enquadradas em 3 áreas e propõe, para a sua concretização, um investimento de 800 mil milhões de euros, por ano, até 2030. Financiamento que terá de ser obtido por aumento das contribuições dos países que integram a UE e por endividamento no mercado financeiro global.

E a que se destina este gigantesco investimento!? Inovação, descarbonização e defesa. 

Assim colocadas as áreas de intervenção podem ganhar amplos apoios na generalidade da população, e para reforçar esse potencial apoio o autor refere que este é um “desafio existencial”, ou seja, o relatório encerra uma ameaça velada: Ou é assim, ou estamos a chegar ao fim deste projeto que se encontra em agonia.

imagem retirada da internet
É necessário arrepiar caminho, e eu concordo. Não me parece é que o rumo seja o que Mario Draghi propõe que trilhemos, até porque a situação internacional, como já referi, alterou-se e o acesso a matérias-primas, que não existem no território da UE, deixou, por diferentes razões de estar acessível nas mesmas condições. E não me refiro ao gás e petróleo russos, mas a alguns minerais que são essenciais em qualquer tentativa de inovação, com o objetivo de recuperar o atraso em relação aos EUA e à China, mas também para tornar efetiva a transição energética reduzindo a utilização dos combustíveis fósseis, quanto ao aumento dos gastos com a defesa (guerra), ao invés de se investir na paz é, no mínimo destoante com a vontade dos povos que vão expressando em gigantescas manifestações a sua vontade de viver sem conflitos bélicos, mas também representa a cedência às pressões dos EUA que, não abdicando da sua principal indústria, querem aumentar o potencial bélico do seu braço armado para atingir objetivos que podiam se alcançados por via da paz e cooperação entre os povos, no respeito pelas suas diferenças e deixando, de uma vez por todas, de tentar impor um modo de vida e um modelo de desenvolvimento únicos que desumaniza e mata.

Ponta Delgada, 17 de setembro de 2024 

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 18 de setembro de 2024

quarta-feira, 4 de setembro de 2024

Dos ciclos

Foto de Aníbal C. Pires
Sem querer retirar importância e simbolismo a janeiro, sempre direi que setembro é o mês de todos os princípios. A noite de 31 de dezembro para 1 de janeiro é um dia de festa e de renovação da esperança, sem dúvida, mas é em setembro, por estas latitudes, que se anuncia um novo ciclo na vida das comunidades. 

O fim do Verão avizinha-se, na berma das estradas começam a despontar “as meninas para a escola”, as crianças e jovens, as famílias, os professores e escolas retomam as rotinas letivas. Com o início do ano escolar retomam-se os hábitos das famílias e das comunidades, criam-se novas expetativas, fazem-se descobertas, é tempo de regressos, de encontros e reencontros, ou melhor dizendo a vida retoma a sua normalidade, tudo volta a começar, e ainda que ao fim do dia se continue a ir às zonas balneares, ou conversar numa das esplanadas onde é possível fazê-lo sem outro ruído que não seja o murmúrio do mar, da brisa suave a enlaçar-se nas folhas das árvores e das palavras soltas, é o prenúncio do fim da estação quente, este ano, por sinal, a fazer jus à denominação.

Sou professor aposentado e não tenho filhos em idade escolar, o que significa que setembro já não tem o mesmo impacto que teve ao longo de dezenas de anos da minha vida, enquanto aluno e depois numa longa carreira profissional, contudo, as alterações que por esta altura ocorrem continuam a influenciar as minhas rotinas, desde logo por me manter ligado ao meu sindicato e acompanhar a sua atividade, mas também pelos motivos já referidos, isto é, as alterações nas rotinas da comunidade onde estou inserido, pouco ou muito, influenciam o meu dia-a-dia.

foto de Aníbal C. Pires

A vida não se circunscreve apenas à atividade escolar, contudo, o regresso às aulas, nos diferentes níveis de ensino, e o decurso do ano letivo marca a agenda da vida das comunidades pois, os diretamente envolvidos no processo representam uma parte significativa das sociedades e, não é só, pois, as dinâmicas criadas com o retomar das aulas induz alterações que influenciam as rotinas de todos nós, por outro lado, a importância que a educação tem na divulgação do conhecimento, da cultura e na formação de cidadãos que se querem pensantes e capazes de fazer escolhas esclarecidas não nos deixa indiferentes pois, no fundo é da preparação do futuro coletivo que falamos.

Tenho opinião, mas hoje não vou dissertar sobre educação e a organização do ano escolar, deixo esse espaço que cabe, em primeira instância, às escolas, às organizações sindicais e à administração educativa regional. Durante esta semana iremos, por certo, ouvir e ler o que sobre o assunto houver para dizer, conquanto a falta de docentes habilitados profissionalmente se esteja, de novo, a verificar, o que não deixa de ser preocupante e, por certo, fará algumas manchetes na comunicação social. Não espero, sobre o assunto, análises holísticas, mas será, no mínimo, exigível que sejam enunciadas a desvalorização social e profissional da carreira, como por exemplo as alterações ao estatuto da carreira docente e a criação de um anacrónico modelo de avaliação do desempenho docente, protagonizada pela ministra Maria de Lurdes Rodrigues e pelo primeiro-ministro José Sócrates, como sendo determinantes para a situação que atualmente se verifica.

Um professor não ensina tudo, mas ensina quase, quase … tudo!” Esta é a frase de capa da agenda do professor, para 2024-2025, produzida pela organização sindical a que estou, desde sempre, associado e que como vem sendo habitual, foi distribuída no final do mês de agosto, a todos os educadores e professores sindicalizados na organização de classe que os representa.

A frase foi bem conseguida e reforça a importância da função docente, mas é também um grito de revolta pela atribuição de responsabilidades aos educadores e professores que não são, nem podem ser suas. “Um professor não ensina tudo…”; então quem ensina o que não é ensinado pelos docentes!? Se é verdade que aos docentes lhes está atribuída a responsabilidade pelas aprendizagens escolares, pela promoção da cultura e a importância do saber e saber fazer, mas, não será menos verdade que a educação é um encargo coletivo. Incumbência em que a família e a Escola devem assumir o principal protagonismo e as organizações que promovem a iniciação ao desporto, às artes e outras atividades, educativas ou lúdicas, devem complementar, ou seja, a responsabilidade social pelas crianças e jovens é (deve ser) da comunidade e, como tal, não se pode limitar apenas à Escola. 

A família é insubstituível na formação e educação das crianças e jovens, a Escola reforça, complementa e abre os horizontes ao conhecimento, mas não se pode substituir à família, a família também não deve, nem pode, substituir-se à Escola. Quando isto se verifica a autoridade, quer da Escola, quer da família, são postas em causa pelos destinatários (os alunos) de onde resulta, obviamente, prejuízo para as crianças e jovens, mas também pode gerar um clima de animosidade e conflitualidade que não beneficia nenhum dos intervenientes e pode prejudicar gravemente, como já referi, os alunos.

O mês de setembro pode também ser o fim de um ou mais ciclos e isso confere-lhe atributos que o distinguem de outros meses do calendário gregoriano, como por exemplo as vindimas que culminam o ciclo de maturação das uvas, mas também a colheita de outros frutos que marcam o fim do Verão e o princípio do Outono. E, como sabemos, a fruta da época é mais nutritiva e saborosa, para além do seu consumo ser um importante apoio à produção local (regional ou nacional). O fim de um ciclo, passado o tempo de pousio, tal como o são as férias escolares, dá início de outro período em que tudo se vai repetindo para nosso contentamento e sobrevivência.

foto de Aníbal C. Pires
E
stes ciclos não acontecem por acaso. A posição da Terra em relação ao Sol determina-os, em setembro acontece o equinócio de Outono, este ano acontece a 22. É o fim do Verão e esse dia terá a mesma duração da noite. Durante o Outono a luz solar vai diminuindo à razão de 4 minutos por dia, até à noite mais longa que acontece no solstício de Inverno, a 21 de dezembro. 

Os solstícios e os equinócios marcam o início de novos ciclos naturais que se repetem a cada ano e que desde a antiguidade foram sendo objeto de estudo, mas também de festividades pagãs que foram objeto de apropriação pela “cultura” dominante, todavia nem sempre foi bem-sucedida e subsistem manifestações de raiz popular que mantém algumas caraterísticas das antigas festividades. “Há sempre alguém que resiste/Há sempre alguém que diz não”, como diz a canção “Trova ao vento que passa”, popularizada por Adriano Correia de Oliveira. 

Este texto, se é que conseguiu acabar, é algo incaraterístico e, quiçá, desorganizado. Não discordo se for essa a avaliação que o leitor faça. O Verão tem destas coisas, nos meios jornalísticos dizem que é a estação ridícula (tradução livre de silly season). Espero que a serenidade do Outono e o início de um novo ciclo me traga mais discernimento e acutilância, assim as temperaturas baixem e a humidade relativa do ar se mantenha a níveis aceitáveis.


Ponta Delgada, 3 de setembro de 2024 

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 6 de setembro de 2024

terça-feira, 3 de setembro de 2024

murmúrios

foto de Aníbal C. Pires

Excerto de texto para publicação na imprensa regional (Diário Insular) e, como é habitual, também aqui no blogue momentos.





(...) O fim do Verão avizinha-se, na berma das estradas começam a despontar “as meninas para a escola”, as crianças e jovens, as famílias, os professores e escolas retomam as rotinas letivas. Com o início do ano escolar retomam-se os hábitos das famílias e das comunidades, criam-se novas expetativas, fazem-se descobertas, é tempo de regressos, de encontros e reencontros, ou melhor dizendo a vida retoma a sua normalidade, tudo volta a começar, e ainda que ao fim do dia se continue a ir às zonas balneares, ou conversar numa das esplanadas onde é possível fazê-lo sem outro ruído que não seja o murmúrio do mar, da brisa suave a enlaçar-se nas folhas das árvores e das palavras soltas, é o prenúncio do fim da estação quente, este ano, por sinal, a fazer jus à denominação. (...)

quarta-feira, 21 de agosto de 2024

opacidade

Foto de Aníbal C. Pires
O Verão açoriano tem sido magnífico para os veraneantes, sejam forasteiros ou não. Períodos alargados de estiagem, temperaturas, do ar e do mar, ligeiramente acima do habitual. Não fora a humidade relativa do ar a provocar algum desconforto e o encerramento das piscinas de águas férreas, em S. Miguel, e teria sido um Verão perfeito para quem escolheu os Açores como destino de férias e para a indústria turística. Aumento do número de dormidas e de passageiros transportados são indicadores do crescimento. Tudo parece correr de feição ao setor e novos investimentos são anunciados, uns megalómanos outros mais modestos, e salvo melhor opinião, estes últimos mais adequados à realidade e à sustentabilidade do destino.

Num período de crescimento, em que todos os intervenientes andam felizes e contentes, sendo, contudo, justo referenciar que alguns empresários têm vindo a público expressar a sua preocupação sobre a forma como o setor tem vindo a crescer, mas como dizia, no atual contexto, não será aconselhável qualquer tentativa de desconstrução deste paradigma sob pena, de quem o fizer, ser acusado de “velho do Restelo”. O que pode não ser tão mau como parece, pois, esta figura já não é um símbolo de pessimismo, mas uma figura complexa que, segundo alguns autores, pode representar a consciência crítica, a resistência ao poder imperial e colonial, a proteção ambiental e a sabedoria tradicional, podendo ainda acrescentar-se que os “anciãos” são detentores de uma sabedoria que só o tempo pode conferir, conquanto os idosos, sejam, atualmente olhados de soslaio e desvalorizados, houve até quem, no passado recente, lhes tenha chamado a “peste grisalha”. Mas mesmo considerando que o “velho do Restelo” não é uma figura retrógrada, ainda assim, vou abster-me de qualquer consideração sobre o modelo desenhado para o setor do turismo, se é que existe, e os perigos que ele encerra para preservar as singularidades que caraterizam o destino e que estão a ser colocadas em causa.

Foto de Aníbal C. Pires

Nem tudo estará bem como parece aparentar e, apesar da visita ao arquipélago da família que reina sobre o Qatar, profusamente noticiada e alvo da curiosidade dos residentes, alguns turistas menos endinheirados queixam-se dos elevados custos associados à restauração, ao alojamento e ao aluguer de viaturas, isto de ter viagens de baixo custo e tudo o resto de custo elevado tem as suas contradições, mas não é só em relação aos custos exorbitantes que se notam algumas queixas, também as filas de espera para os restaurantes, para os “monumentos naturais” e para a observação das idílicas paisagens que nos distinguem de outros lugares, começam a ser objeto de algum descontentamento para quem procura nos Açores a quietude do viver ilhéu matizado dos verdes e azuis que nos caraterizam. Os matizes subsistem, a quietude nem por isso.

Se os turistas já não encontram o encanto, que os atrai(u) a este arquipélago de sonhos e de saudade, nem o bem-estar que o destino lhes conferia, os residentes que não obtêm benefícios do turismo, manifestam, também, alguma incomodidade pelo elevado número de visitantes e os efeitos negativos que isso provoca no seu quotidiano, mas também alguma preocupação pelos impactos ambientais que, a este ritmo, podem colocar em causa a singularidade que nos diferencia. E, quando assim é, a sustentabilidade e a atratividade do destino volatiliza-se.  A prazo restarão ruínas de mais um ciclo económico a juntarem-se ao Monte Palace e, quiçá, a serem objeto de musealização e de oferta cultural a outros públicos.

Os desequilíbrios que se verificam na economia regional, a sua natureza neoliberal e a mediocridade da governação regional, constituem-se como sinais preocupantes sobre o futuro destas ilhas e deste povo. Segundo algumas reputadas opiniões é a própria Autonomia constitucional que está em causa.

Fazer depender a economia de uma única atividade é, como a história nos ensina, um erro que se paga caro, fazer depender a economia do funcionamento do mercado, como a história nos ensina, é aumentar a pobreza e a exclusão, dar apoio social e político a um governo politicamente inepto que depende dos humores dos seus parceiros de coligação e de espúrios apoios parlamentares, isto para além da inexistência de um projeto político de desenvolvimento que tenha em devida conta os aspetos sociais, culturais, económicos, políticos e as especificidades de cada uma das nove ilhas, ou seja, estamos a caminhar, a passos largos, para a insustentabilidade económica, para acentuar assimetrias sociais e para o fracasso político da Autonomia constitucional.

Os eleitores, não só, pois os abstencionistas também têm responsabilidade no desenho os quadros parlamentares que proporcionaram os entendimentos de 2020 e 2024, mas serão os eleitores os principais responsáveis pelo escrutínio da atividade parlamentar e da governação tripartida. Cabe em primeira instância, ou assim devia ser se houvesse suficiente literacia política, aos eleitores o rigoroso escrutínio da governação e a manifestação crítica face a opções que apenas visam a satisfação do clientelismo eleitoral, também ele tripartido, uma vez que a oposição (PS e BE), em particular o PS, parece satisfeita com o rumo da governação e, vai anuindo ao invés de contrapor.

A legitimidade democrática não depende apenas dos resultados eleitorais, isto é, este governo pela sua inépcia, incumprimento e quebra do contrato social que a “coligação” celebrou com os eleitores, deveria ser, com urgência, removido do poder, sob pena de a curto prazo as finanças públicas colapsarem e ficarmos sujeitos a indesejáveis imposições externas, para além das já existentes, em particular as que decorrem de Bruxelas. Sim, pois da União Europeia vem algum dinheiro, mas veem sobretudo as indicações restritivas para o investimento público e privado, e as diretrizes que determinam quais devem ser os contornos da economia regional.

A governação regional protagonizada pela coligação PSD/CDS/PPM tem-se limitado à gestão “política” da sua sobrevivência, desde logo entre os parceiros da aliança, mas também junto dos potenciais eleitores e grupos de pressão, quer ainda com os partidos parlamentares de quem depende a sua subsistência política. Os custos desta “gestão política” são muito elevados e o erário público dá sinais de stresse, é caso para perguntar por onde anda o dogma do “endividamento zero”.

Quanto à ideia de rigor e transparência na governação regional, é apenas isso, uma imagem construída com um discurso “para inglês ver”, mas que a permeabilidade da opinião pública, cansada, que estava, de um longo e desgastado ciclo de poder, com facilidade, absorveu como sendo um precioso atributo da mudança política que se verificou em 2020 e se renovou em 2024. A representação está, porém, a ser colocada em causa e os eleitores vão concluindo, ainda que a um ritmo moroso, que o poder regional nunca foi tão impreciso e opaco como agora.

Ponta Delgada, 20 de agosto de 2024 

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 21 de agosto de 2024

subsistem os matizes

foto de Aníbal C. Pires

Excerto de texto para publicação na imprensa regional (Diário Insular) e, como é habitual, também aqui no blogue momentos.






(...) Nem tudo estará bem como parece aparentar e, apesar da visita ao arquipélago da família que reina sobre o Qatar, profusamente noticiada e alvo da curiosidade dos residentes, alguns turistas menos endinheirados queixam-se dos elevados custos associados à restauração, ao alojamento e ao aluguer de viaturas, isto de ter viagens de baixo custo e tudo o resto de custo elevado tem as suas contradições, mas não é só em relação aos custos exorbitantes que se notam algumas queixas, também as filas de espera para os restaurantes, para os “monumentos naturais” e para a observação das idílicas paisagens que nos distinguem de outros lugares, começam a ser objeto de algum descontentamento para quem procura nos Açores a quietude do viver ilhéu matizado dos verdes e azuis que nos caraterizam. Os matizes subsistem, a quietude nem por isso. (...)

quarta-feira, 7 de agosto de 2024

jogos de verão

imagem retirada da internet
Os Jogos Olímpicos (JO) têm dominado, naturalmente, as agendas noticiosas e as publicações nas redes sociais. Posso até estar errado, porém, fico com a sensação de que os “jogos” perderam relevância desportiva e se acentuou a exposição de aspetos pouco ligados à importância que já tiveram a nível mundial. Não estou a retirar-lhes valor, mas o espírito e a tradição olímpica da era moderna perderam-se algures no tempo. Dir-me-ão que as diferenças resultam da evolução tecnológica, cultural, social e política que caraterizam o nosso tempo e, sem qualquer ironia, quem assim pensa e o afirma está carregado de razão pois, como qualquer outro evento com projeção mundial acompanha as alterações que ocorrem nas sociedades. Posso ter algumas dúvidas, e tenho, sobre o caminho que estamos a trilhar, mas os efeitos desta “evolução” fazem-se sentir, não só, mas também, nos JO.

Algumas semanas antes dos JO terem o seu início e em conversa informal expressei a ideia de que esta edição parisiense tinha tudo para correr mal, desde logo para os habituais residentes na cidade. Pode até nem tudo estar a correr mal, e não está, mas esta edição dos JO deixa muito a desejar e trazem-nos à memória outras edições, como por exemplo Barcelona, em 1992. Um excelente espetáculo de abertura, uma organização exemplar e onde não se verificaram boicotes nem exclusões, facto que não se verificava desde 1952, nos jogos de Helsínquia. Para Portugal não foram os melhores dos JO, isto se a avaliação se reduzir às medalhas e classificações, mas não retira mérito aos jogos de Barcelona, nem à representação portuguesa.

imagem retirada da internet

Não tenho dons premonitórios. A opinião que formulei e que anteriormente referi foi construída com os alguns factos que foram vindo a público durante a fase preparatório dos JO e faziam prever que estavam criadas condições para que a edição de Paris 2024 não fosse um exemplo de organização, de bem estar para os atletas e de desportivismo e, assim tem sido. Os JO de Paris 2024 foram apresentados com um conjunto de “boas intenções”, mas como sabemos de “boas intenções está o inferno cheio” e, em bom rigor, o legado de Paris 2024 não passará disso mesmo, um conjunto de “boas intenções” como o decorrer dos jogos tem vindo a demonstrar. Este texto é de opinião e, como tal escuso-me a referir factos que todos conhecem por terem tido ampla cobertura noticiosa, nem sempre com muito rigor, também é verdade. Ou seja, nesta minha precoce apreciação da edição dos JO de Paris não me cinjo aos casos que mais se mediatizaram (ou viralizaram) que, sendo importantes, não são tudo e cabe, em primeira instância, às autoridades que supervisionam e dão aval à organização promover uma reflexão e discussão que tenha como resultado o retorno ao espírito e à tradição olímpica da era moderna. Não é fácil evitar atitudes individuais que mancham os jogos, sempre se foram verificando ao longo da história, mas outras há que deviam e poderiam ser evitadas se a organização não se tivesse ficado apenas pelas “boas intenções” e o Sena continuasse em más condições para ser utilizado como palco de algumas provas. É justo que se diga que dos JO de 2024 se conhecem algumas estórias que são exemplos de superação individual, mas que carregam um significado que vai muito além das personalidades que as protagonizaram. Ficam dois exemplos de entre muitos outros: a brasileira Valdileia Martins (salto em altura), e a argelina Kaylia Nemour, nascida francesa, mas dispensada pela federação francesa da modalidade.   

foto de Aníbal C. Pires

Não tenho por hábito abordar várias questões no mesmo texto de opinião, tem havido algumas exceções, hoje será mais uma e é, em si mesmo excecional pois, tinha uma espécie de compromisso comigo de não voltar a emitir publicamente apreciações relacionadas com transportadora aérea regional. Ao longo dos últimos anos publiquei nos jornais e tomei posição, noutros palcos, sobre a importância da SATA enquanto instrumento estratégico para a Região e, como tal, deverá continuar no domínio exclusivamente público, quando assim não for deixará de cumprir a sua principal função: unir os Açores e garantir a mobilidade dos açorianos. Esta minha posição de princípio não me inibe, nem nunca inibiu, de tecer críticas às suas opções e à sua gestão. Opções e gestão quase sempre com interferência do poder político executivo que foi queimando conselhos de administração por conta dos seus próprios erros. E se isto é verdade atualmente é-o para os últimos governos do PS que antecederam o governo da coligação de direita que governa ou desgoverna, conforme o ponto de vista, a Região.

A nomeação de um novo Presidente do Conselho de Administração (PCA) e dos seus companheiros de estrada não é, só por si, a razão que me motiva a tecer as breves considerações que se seguem sobre a SATA, o que me motiva são as declarações proferidas pelo PCA e algumas decisões entretanto anunciadas como sendo desta nova equipa, mas que pelos seus contornos só poderão ter resultado de decisões do Governo regional. A novidade é mesmo a criação de um Conselho Estratégico, aliás estava publicamente sugerido e pedido, como se a criação de um “senado” para a SATA fosse a panaceia para todos os males de que sofre este grupo empresarial público.

foto de Aníbal C. Pires
S
obre a personalidade nomeada para a PCA da SATA nada tenho a dizer, sei que as pessoas são importantes, mas relevante mesmo é o que vão executar e como o vão fazer. As primeiras declarações do Dr. Rui Coutinho, em sede de audição na Comissão de Economia da ALRAA, serviram para se perceber que o novo PCA pouco ou nada tem a dizer sobre o futuro da SATA. Refugiou-se no passado e, ainda assim, não foi claro na identificação dos responsáveis por aquilo que caraterizou como “má gestão na companhia aérea durante muitos anos” e diz ainda “não querer mais aviões como o Cachalote”, como se isso estivesse em causa. Foi-se repetindo quanto aos erros do passado cometidos por diversos responsáveis, sem nunca ter identificado os erros e os responsáveis, mas afirmou que quer “salvar a SATA”, ficou por dizer como o vai fazer, sabendo-se que o futuro da SATA depende das decisões do acionista (povo açoriano/Governo regional) e não do PCA.

As declarações de Rui Coutinho no que diz respeito ao futuro, para além de lugares-comuns como: i) reduzir ACMIS e aumentar a receita no mercado dos voos charters, durante o inverno IATA; ii) “acabar” com as rotas deficitárias (resta saber quais); iii) ganhar eficiência; e iv) reduzir custos (fechar lojas); isto de entre outras propósitos, sendo que o encerramento das lojas nos espaços urbanos, está já em fase de execução.

Apesar do contexto, ou talvez por isso, as declarações sendo circunstanciais são-no, também preocupantes pois, o Dr. Rui Coutinho não disse nada que a tutela não lhe tivesse encomendado. Veja-se a solução e a celeridade da decisão sobre o encerramento das lojas e a sua passagem para a RIAC, isto só foi possível com o aval e a intervenção do Governo regional. A responsabilidade por todos os custos sociais, mas também económicos desta medida têm um autor material, mas ninguém tenha dúvidas que a decisão foi política. As responsabilidades devem ser assacadas ao Governo regional, enquanto autor intelectual, o PCA é apenas o testa de ferro desta decisão cujos efeitos na saúde financeira do Grupo SATA nem um paliativo chega a ser. O aumento do tarifário e falamos da tarifa de residente (134 euros). Aumentar esta tarifa no contexto conhecido de passagens a ultrapassar os 800 euros é penalizar os açorianos e aliviar financeiramente o Estado, por outro lado pouco tem a ver com o aumento da receita pois, o valor médio de uma passagem de ida e volta aos Açores já é superior aos 134 euros, ainda que desde 2015 não se tenha verificado nenhum aumento no valor da tarifa de residente. Depois, bem depois será a execução do plano de reestruturação imposto por Bruxelas, a privatização da maioria do capital social e o fim da SATA. 

Ponta Delgada, 6 de agosto de 2024 

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 7 de agosto de 2024

quarta-feira, 24 de julho de 2024

quando o rosmaninho florir

foto de Aníbal C. Pires

O regresso às raízes tem sido de curta duração e, com o passar do tempo, cada vez mais espaçado. Continuo a ir, cada vez menos, mas vou.  Persisto em regressar à região onde nasci e cresci. Os retornos são cada vez mais esporádicos, mas a ligação umbilical subsiste. As memórias e os afetos, por muito tempo que tenha passado desde quando ganhei asas e voei, permanecem apesar das raras idas e do pouco tempo que por ali permaneço. 

O afastamento geográfico e a passagem do tempo não nos despojam das lembranças e das pessoas que nos marcaram na infância e juventude, a não ser que queiramos esquecer, mas eu não quero olvidar e procuro manter bem viva a celebração dos lugares que calcorreei na minha infância e juventude e as gentes com quem me fui cruzando, as que me são mais próximas pelas ligações familiares, mas também de amizade, ou mesmo com quem partilhei efémeros, mas inolvidáveis, momentos. Estas ligações afetuosas com os lugares e gentes da minha infância e juventude fazem parte do sujeito que sou. A minha construção pessoal está alicerçada na geografia beirã e na cultura do povo que teima em preservar os seus costumes, apesar das vagas de massificação que, como noutros lugares e regiões, tendem a uniformizar o pensamento e os modos de vida.

Quando regresso e acontecem os reencontros com familiares e amigos, por muito tempo que se tenha passado, e por vezes passa muito, é como se nunca tivesse partido, é como sempre tivesse estado por ali. As afinidades aproximam-nos a conversa flui e usufruímos intensamente dos momentos presentes de partilha. Recordamos, mas não nos amarramos ao passado há sempre futuro no horizonte e compromissos que se renovam como se fossem uma garantia de novos encontros para alimentar memórias e reforçar vínculos.

foto de Aníbal C. Pires
Há uma herança cultural que nos une e nos identifica, o tempo e o distanciamento, sendo importantes, não se constituem como barreiras comunicacionais, o que nos junta é inabalável, ou não fossem os laços que nos ligam ancorados pela peculiar cultura que nos é comum.

Os antigos vínculos com as gentes os seus costumes e vivências deixam marcas indeléveis e os regressos acontecem, mesmo sabendo que os lugares se transformaram e que nem todas as pessoas ainda por ali estão. O tempo tudo transforma e a vida cumpre o seu ciclo, mas o tempo não apaga a memória das gentes e do que elas significaram, ou significam, para cada um de nós, por isso, dizemos quando nos perguntam quando regressamos aos lugares de infância: Onde vais? Vou à terra.

A cada ano são mais penosas as minhas viagens ao interior continental. Sim, é a idade, sim, são os baixos índices de humidade, sim, são as amplitudes térmicas, sim, é o abandono, sim é a desertificação e o envelhecimento. Se a baixa humidade relativa do ar e as temperaturas, provocam algum desconforto, sim, é verdade, mas o que verdadeiramente me inquieta é o abandono deste território e deste povo. 

O abandono, mas também as opções políticas ditadas por distantes centros de decisão e a voracidade do capitalismo que transformam a paisagem física e humana. Os antigos olivais e vinhas foram paulatinamente abandonados, não há quem cuide destas culturas, dando lugar à cultura intensiva, com os custos ambientais, sociais e económicos conhecidos. Opções que empobrecem os solos e as gentes e enricam poderosos grupos económicos. Dizem que é o progresso, até pode ser, mas matar a alma aos lugares é dar continuidade à desertificação que o discurso do poder diz querer combater.

imagem retirada da internet

Refiro frequentemente a cultura do olival e da vinha, sem esquecer a floresta e os produtos frutícolas e hortícolas, mas também a pecuária e, por conseguinte, a produção de um queijo de sabor, consistência e odor inconfundíveis e únicos. A minha insistência na cultura da vinha e do olival não surge por acaso. A existência de inúmeras “lagariças” onde se produziu vinho, mas também azeite, pelo menos no período da presença árabe no Sul da Península Ibérica (Al-Andalus) e até ao aparecimento dos lagares, são testemunhos da importância destas culturas na região. As “lagariças” deram lugar aos lagares, muitos deles em ruínas. Subsistem alguns ligados aos grandes grupos económicos e outros, fruto da persistência e resistência de alguns produtores que teimam em manter a qualidade e a excelência do azeite beirão.

Atormenta-me a substituição da agricultura extensiva pela produção intensiva, perturba-me a instalação de hectares de painéis solares em solos agrícolas. Percebo as preocupações ambientais, mas este é, apenas, mais um equívoco, como foi o biodiesel, ou como são os carros elétricos. Os ambientalistas talvez fiquem satisfeitos com esta conformação do capital às “exigências” de grupos de defesa do ambiente, mas não me parece que a agricultura intensiva, a inutilização de grandes áreas agrícolas para instalação de painéis solares, ou a transição para a mobilidade elétrica individual/familiar se relacione diretamente com sustentabilidade ambiental que todos desejamos e da qual depende, em última instância, a nossa sobrevivência. 

imagem retirada da internet
As culturas intensivas não são de hoje, a paisagem beirã transformou-se com o desaparecimento de grandes manchas florestais de pinheiro-bravo para dar lugar à cultura intensiva de eucalipto com os efeitos perniciosos que todos conhecemos, sem que houvesse força e vontade bastante para o evitar. Dessa opção continuamos, ano a ano, a pagar muito caro, seja pela proliferação de incêndios florestais seja pela destruição dos solos e pelo esgotamento dos aquíferos.

A coesão social e territorial não rima com opções que visam apenas e só o lucro de curto prazo ou de soluções para a produção de energia “limpa” que inutilizam os solos. Ainda assim há pessoas que teimam em ficar e preservar o património paisagístico e cultural contrariando as decisões tomadas em distantes e artificialmente aclimatados gabinetes, sejam eles em Lisboa, Bruxelas ou mesmo Washington, como recentemente se tem verificado.

imagem retirada da internet

Não seria necessário referenciar que estive de visita “à terra”. Que convivi durante alguns dias com um povo que é, como diz a canção, como o granito: “bem rijo e moreno”; e senti o pulsar dos lugares dos quais se diz: “onde nascem as oliveiras os homens não morrem”. Desta vez não foi apenas ir, foi estar. E foi bom apesar de todos os lamentos que fui referenciando ao longo do texto. As insistências para regressar mais de amiúde e estar mais tempo foram muitas e não tive como não deixar o compromisso de regressar brevemente e estar para além de uma fugidia visita, e assim deveria ser não fosse a baixa humidade relativa do ar e a variação da temperatura ao longo do ano. Agora que estou no Outono da vida irei na Primavera quando os rosmaninhos florirem.

Palvarinho, 19 de julho de 2024 

Aníbal C. Pires, In Diário Insular 24 de julho de 2024

sábado, 13 de julho de 2024

notas da época estival

foto de Aníbal C. Pires
Os assuntos do momento, para além das temperaturas do ar e do mar, da humidade relativa, dos dias mais ou menos ensolarados, das festas, que divertem, mas também matam, centram-se, ainda, na participação da seleção portuguesa no europeu de futebol, em particular se o Cristiano Ronaldo deveria ter sido, ou não, selecionado e a opção pela sua utilização a tempo inteiro, incluindo os períodos suplementares nos dois últimos jogos, os resultados da eleições inglesas e francesas e o circo eleitoral nos Estados Unidos, o relatório sobre o incêndio do HDES, a nomeação de um novo presidente para o Conselho de Administração da SATA e a criação de um Conselho Estratégico, este último por encomenda expressa nos jornais da Região e, ainda e sempre, o turismo: a atual galinha dos ovos de ouro, como já houve outras, cujos ciclos de postura que, naturalmente, chegam ao fim.

Temas não faltam a quem, como eu, vai partilhando opinião e, tentando promover reflexão, no espaço público regional. Apesar da proliferação de assuntos, todos eles interessantes e alguns de grande importância para o nosso bem-estar comum, julgo que dos que enunciei e de todos os que ficaram por referir, igualmente relevantes, vou apenas fazer tecer algumas considerações sobre o europeu de futebol e, quiçá sobre os resultados eleitorais no Reino Unido e em França, mas também do circo eleitoral estado-unidense. 

Comprometo-me, desde já, a fazer um esforço acrescido no controle do correr da pena, embora, de tanto contrariar os impulsos naturais esteja há algum tempo com uma incómoda tendinite que dificulta, ainda mais, o livre exercício da escrita ou, melhor dizendo: vou ter em devida conta os condicionalismos da época estival que aconselham temas e refeições ligeiras e a devida manutenção do estado de hidratação, aconselhado em todas as épocas do ano para não me sujeitar às consequências que daí podem advir.

foto retirada da internet

Acompanho o fenómeno futebolístico à distância. As razões que me afastam do futebol relacionam-se com o facto de se praticar pouco desporto e se comentar em demasia, mas também por este “desporto” ser cada vez mais espetáculo e cada vez menos desporto e ser cada vez mais uma indústria financeira, por vezes, com contornos pouco claros. Como não acompanho com proximidade é-me difícil qualquer comentário que não vá além do óbvio, ainda que possa ir contra a corrente dominante dos muitos entendidos que têm vindo a público opinar sobre as opções do selecionador nacional, em particular, sobre a utilização de Cristiano Ronaldo. Não tenho como contrariar a opção de Martinez pois, ele é que conhece jogadores e o seu potencial físico e técnico, por outro lado, e isto é um facto não é uma opinião Cristiano Ronaldo na época de 2023/2024 fez todos os jogos da sua equipa, o Al-Nassr da Arábia Saudita e marcou mais de 50 golos, o que dá uma média superior a um golo por jogo disputado. Destes factos resulta que, em minha opinião, não existem motivos plausíveis, apesar dos 39 anos de Cristiano Ronaldo, para que a opção do selecionador não fosse a de aproveitar o facto de no plantel ter um jogador com as caraterísticas do madeirense que tantas alegrias deu aos adeptos portugueses.

As discussões em torno do assunto têm sido apaixonadas e para todos os gostos, não vale a pena, sequer, tentar rebater as alegações mesmo considerando que muitas das opiniões não estão devidamente fundamentadas, resultam das emoções do momento e não têm sustentação. Há, no entanto, um argumento sobre o qual valerá a pena alguma reflexão e que se corresponder, no todo ou em parte, à razão pela qual Cristiano Ronaldo fez parte da seleção e jogou todos os jogos deveria ser esclarecida. Li algures por aí que a presença de Ronaldo na seleção portuguesa e a sua participação integral em todos os jogos se deve aos valores contratuais e, consequentes, receitas astronómicas que a Federação Portuguesa de Futebol arrecada devido à presença do CR7. Esta “teoria” faz algum sentido face à imagem mundial do capitão da seleção portuguesa, afinal nenhum outro jogador, no mundo, tem a projeção de Cristiano. Se isto tem alguma coisa a ver com desporto, Não. Se o futebol profissional deixou, há muito, de ser uma competição desportiva para se transformar num enorme conglomerado financeiro, não é novidade. Esta foi uma das razões que me levou a afastar do futebol e a fazer afirmações como a que abriu este tema e da qual o leitor ainda estará recordado.

Da eliminação de Portugal pela França procurei encontrar algo de positivo e encontrei. Marine Le Pen, durante o período que antecedeu a segunda volta das eleições francesas, afirmou que não se revia nesta seleção francesa, os eleitores e jogadores franceses deram-lhe uma resposta que, estou certo, lhe provocou muita azia e amargos de boca. Não posso deixar de dizer que fiquei satisfeito, não com a derrota de Portugal, mas com a vitória da esquerda nas eleições francesas.

Sobre as eleições em França muito mais poderá ser dito, mas fico-me apenas pela azia da senhora Marine Le Pen, o que me parece suficiente. 

Os resultados das eleições no Reino Unido também foram interessantes, os trabalhistas (uma espécie de PSD/PS na versão britânica) obtiveram uma vitória esmagadora (412 deputados eleitos) sobre os conservadores (121 deputados eleitos) que exerceram o poder durante os últimos catorze anos, sendo que há muito tinham perdido a legitimidade democrática, ou seja, desde a demissão de Boris Johnson que os conservadores se mantiveram no poder sem terem sido sujeitos ao veredito popular, mas como se trata de um dos “faróis da democracia” ninguém colocou em causa este facto.

Numa abordagem superficial aos resultados eleitorais no Reino Unido e em França poderá afirmar-se que se verifica uma tendência que contraria a ascensão da extrema-direita, o que significa que as lutas destes povos tiveram alguma tradução eleitoral, mas não significa, de todo, uma alteração substantiva das políticas internas e externas destes dois países, embora em França, se vier a concretizar-se um governo da Frente Popular, as alterações que vierem daí a advir poderão contribuir para inverter o rumo neoliberal e belicista que caraterizou a política interna e externa francesa nos últimos anos. Os resultados eleitorais não conferiram maioria absoluta à Frente Popular e a solução governativa está por definir. Resta-nos, pois, aguardar pela constituição do novo governo francês ou, não havendo entendimentos, por um novo ato eleitoral.

Por fim uma ou duas considerações sobre o circo eleitoral nos Estados Unidos que se centra apenas em dois de vários candidatos. É sabido que as possibilidades dos candidatos fora da esfera dos republicanos e dos democratas serem eleitos é quase nula. A arquitetura eleitoral e o financiamento dos candidatos são, apenas, duas das variáveis que inviabilizam que qualquer outro candidato possa chegar à Casa Branca, mas seria interessante que a comunicação social nos desse conta da sua existência o que valorizaria o debate político e, por outro lado evitava o triste espetáculo dos debates entre dois ineptos que, pensando o mesmo, se digladiam com insultos e conteúdos acessórios.

Ponta Delgada, 9 de julho de 2024 

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 10 de julho de 2024