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maio 03, 2010

O peso dos dias

         
         Ela acordou com duas dúvidas naquela manhã: é conveniente fazer bolinhos de chuva em um dia especialmente quente? Fica bem convidá-lo a entrar para saborear os bolinhos sentado no meu sofá? Pensando bem, talvez não seja bom para o mundo uma mulher solteira, com mais de quarenta, e um carteiro, com quase vinte, ambos dentro da mesma vontade de acontecer. Tinha que considerar a pouca aceitação desse fato, afinal, o futuro, onde tudo tem permissão de ser, está ainda para lá do século seguinte. O presente, sim, é de um prolongamento inteiro, e fica ao redor dizendo ‘seja assim’.
         Ela mesma já havia encurtado muito olhar nos caminhos de ser gente; esquecera-se de ser plena. Passou então a ser feliz pelos outros, de empréstimo, contentando-se quando alguém conseguia uma felicidade de acaso. Mas aí apareceu o carteiro com uma medida diferente de ver, e ela pensou que poderia pôr o passo nisso. Paixão aos quarenta, uma possibilidade.
         As outras coisas do seu dia eram arrumar a sala para esse talvez e contar os minutos até que se transformassem na hora das cartas. Logo, ele chegaria com sua natureza intermitente, aqui e ali, numa casa, noutra, a distribuir pedaços de outros lugares em envelopes. Era um mensageiro. E ela tanto o viu assim, com chances de um novo mundo, que tratou de redesenhar as regras de acreditar. Naquela tarde, quando ele gritasse ‘carteiro’, ela abriria o portão com o sorriso que confessaria o resto das coisas: ‘apaixonei-me’.
         Assim que se fez o momento esperado, ela arrumou os bolinhos, delineou o batom, conferiu a sala e o sofá, correu, já vou, mas esqueceu de pôr a malícia certa no sorriso ensaiado, aquele que diria ‘eu quero’. Tão sem controle de si e disso que parou diante dele. Ficou só o olhar e o medo de tudo.
         Sendo assim, vendo-a no impasse de sempre, ele pensou que era só uma tarde como as outras, de muito limite acorrentado ao portão. Tomou, pois, o bolinho nas mãos, despediu-se dela, e dirigiu-se à residência ao lado: ‘carteiro’, e logo uma mão puxou-o bruscamente para dentro; e assim tão rapidamente que a vizinhança não percebeu. Só ela.
         À noite, quis saber as armas utilizadas pela vizinha. Que receita você usou? Não há segredo, querida. Quando a paixão estiver à porta, passe primeiro as chaves no mundo; esqueça os conceitos, as normas, você mesma... em seguida, vá lá ver o que dá.
         Vieram outras paixões. Ela nunca encontrou as chaves.

Ricardo Fabião (Abril - 2010)

Desafio para o tema de Maio - Fábrica de Letras
Tema: Paixão

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