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quinta-feira, setembro 12, 2024

Elo perdido?

No dia 3 de setembro deste ano, foi publicada uma notícia no site “Olhar Digital” (Di Lorenzo), que diz o seguinte: “‘Elo perdido’ que explicaria a origem da vida na Terra foi encontrado por cientistas”. Naturalmente, os títulos de reportagens, notícias e outros tipos de conteúdos divulgados nas mídias populares tendem a ser sensacionalistas no sentido de que precisam ser chamativos e atrair a atenção do público, mas, muitas vezes, não expressam a realidade do assunto divulgado.


Que os pesquisadores têm esperança de que a bactéria pesquisada por eles, Candidatus Uabimicrobium helgolandensis, possa ser um “elo” entre organismos procariontes e a formação de organismos eucariontes, é verdade (Wurzbacher et al.). No entanto, afirmar que isso foi demonstrado pelas pesquisas e que explica a origem da vida na Terra já é esticar a verdade além de seus limites. É esperado que as mídias façam isso, apenas é bom que tenhamos consciência de que é assim.


Antes de prosseguir, só para relembrar, procariontes são organismos formados por uma única célula, como as bactérias e as arqueas, que não possuem um núcleo envolvido por membrana, nem organelas, apenas cromossomos e ribossomas, além de plasmídeos (DNA circular). Eucariontes são os organismos em que as células contêm núcleo e organelas envoltos por membrana.


A questão da evolução de organismos eucariontes a partir de procariontes é uma que pesquisadores da evolução dos seres vivos procuram desvendar, mas é uma questão bem distante da origem da vida, já que uma bactéria, mesmo a mais simples, já é um mundo em comparação com as moléculas orgânicas que formam os seres vivos. O surgimento das moléculas orgânicas complexas que formam os seres vivos é o desafio com o qual os pesquisadores da origem da vida têm se defrontado por cem anos. Esse problema não está nem perto de ter sido resolvido.


O principal problema das pesquisas sobre a origem da vida e os desafios monumentais que elas têm enfrentado tem a ver com a premissa errada de que a vida é definida pela junção de seus componentes básicos e que, se em algum laboratório forem simuladas as condições primitivas da Terra e moléculas orgânicas essenciais aos serem vivos, tais como ácidos nucléicos, proteínas e fosfolipídios, forem formados, isso representaria o começo da vida na Terra. Uma analogia para esse tipo de premissa seria a suposição de que a formação dos componentes básicos de um computador e a montagem dele, por algum conjunto de situações ideais ocorridas ao acaso, levaria a um computador funcionando perfeitamente e realizando tarefas.


E antes de prosseguir com a explicação dessa analogia, quero esclarecer que a palavra “acaso” para ela não provém de má informação da minha parte. Porque as leis físicas e as consequentes leis da química que dirigem quaisquer experimentos sobre origem da vida não têm preferência por originar moléculas e reações químicas que sejam as específicas e compatíveis com a vida. Por causa disso, porque o que está dirigindo esses experimentos é o acaso, geralmente são formados todos os tipos de moléculas, as que interessam à vida e seus isômeros, entre outros problemas. E também as reações químicas que acontecem são as que interessam para a vida e outras que atrapalham e dificultam essas reações.


Voltando à minha analogia com a construção de um computador, digamos que o computador tenha sido montado corretamente ao acaso, o que aconteceria quando ele fosse conectado a uma fonte de energia e ligado? O computador não faria nada. Por quê? Porque faltaria uma coisa essencial para que ele funcionasse: um sistema operacional, um programa que possibilita que ele realize as tarefas de um computador. Da mesma forma, a vida não está na organização e estruturação dos componentes orgânicos dos seres vivos, mas na “programação” que faz com que suas partes ajam inteligentemente, ou seja, a vida é processamento de informação!


Quanto ao caso das bactérias que estão sendo cogitadas como um elo entre seres procariontes e eucariontes, a ideia por trás dessa proposta é que, pelo fato de elas poderem fazer algo parecido com fagocitar (englobar e digerir) outras bactérias, isso poderia ser um primeiro passo para a formação de organelas com membrana dentro de uma bactéria primitiva. Porque há muito tempo têm sido ensinado em disciplinas de evolução que a mitocôndria (organela celular que produz energia) teria se originado de uma bactéria primitiva que foi englobada por outra célula primitiva e acabou se tornando parte da célula como uma organela. Esse teria sido o caso de cloroplastos e outros plastídeos também. Mas o fato é que se duvidava que uma célula procarionte pudesse ter energia suficiente para fazer algo assim, já que não possuía mitocôndrias que permitissem uma produção de energia bem mais eficiente.


A conclusão de que a bactéria que faz “fagocitose” seria um “elo perdido” entre procariontes e eucariontes se apoia no fato de que existem bactérias que vivem no interior de outros organismos e são conhecidas como endossimbiontes. Outra notícia que teria reforçado a hipótese da origem endossimbiótica de mitocôndrias e cloroplastos foi sobre uma suposta bactéria endossimbionte de uma alga marinha que evoluiu para uma organela (Coale et al. 217-222). Na verdade, os pesquisadores supunham que ela fosse uma bactéria endossimbionte, mas, ao examiná-la mais detidamente, concluíram que ela parece ser uma organela


O cenário imaginado para a teoria endossimbiótica é o de que algumas organelas celulares teriam sido formadas por endossimbiose bacteriana dentro de células que já eram eucariontes. Outra hipótese é de que a célula eucarionte teria se originado através de uma série de endossimbioses por diferentes bactérias (Bodył and Mackiewicz 484-492).


Encontrei um artigo em que foi feito mais do que ver como as pistas na natureza sobre este assunto podem apontar para uma conclusão e concluir que foi de fato assim (Libby et al.). O problema disso é que quando se encontra uma resposta possível para algo é preciso que se verifique se essa é a única resposta possível. Concluir que a primeira opção encontrada é a verdadeira porque é nossa resposta preferida para o problema não é a atitude de um verdadeiro investigador. Os autores do artigo que encontrei fazem estimativas quantitativas da viabilidade de organismos procariontes prosperarem numa associação endossimbiótica, já que, como eles disseram, “a endossimbiose é extremamente rara em bactérias e arqueas”.


Eles desenvolveram uma abordagem quantitativa para estimar a influência da compatibilidade metabólica entre os organismos procariontes vivendo em endossimbiose. Essa compatibilidade metabólica estimada significa “a capacidade do hospedeiro e do endossimbionte crescerem com os mesmos recursos”.  


Explicando seus métodos e resultados, os autores dizem o seguinte:

“Aqui, apresentamos uma estrutura quantitativa usando redes metabólicas em escala genômica que avalia o papel da compatibilidade metabólica nos diferentes estágios da evolução da endossimbiose procariótica: viabilidade, persistência e capacidade de evolução. Descobrimos que mais da metade dos pares aleatórios de metabolismos podem formar endossimbioses viáveis; no entanto, as endossimbioses resultantes frequentemente enfrentam custos de aptidão em termos de crescimento que dificilmente serão superados através de mutações. …No entanto, a robustez metabólica reduzida, as taxas de crescimento e a capacidade de evolução que estas endossimbioses provavelmente enfrentam limitam severamente a sua persistência e potencial para irradiar espetacularmente. As altas taxas de extinção e as baixas taxas de especiação resultantes dessas considerações metabólicas sustentariam apenas uma diversidade relativamente baixa de endossimbioses procarióticas existentes, confinadas a ambientes nos quais são menos propensas a serem superadas por hospedeiros ancestrais ou linhagens de endossimbiontes, tais como ambientes pobres em nutrientes.”


Ou seja, é pouco provável que bactérias endossimbiontes em células procariontes prosperariam para formar células eucariontes futuramente. Esses resultados acima mencionados me trazem à memória a história das pesquisas sobre a origem da vida que tenho acompanhado ao longo dos anos.


Em um artigo que foi publicado em 2020, por ocasião de um encontro em que pesquisadores em início de carreira se reuniram para considerar as perspectivas do futuro da pesquisa sobre a origem da vida, são citadas as palavras que  Oparin escreveu em seu livro em 1924:


“Todo um exército de biólogos está estudando a estrutura e organização da matéria viva, enquanto um número não menor de físicos e químicos  está diariamente nos revelando novas propriedades de coisas mortas. Como dois grupos de trabalhadores perfurando as duas extremidades opostas de um túnel, eles trabalham para o mesmo objetivo. O trabalho já percorreu um longo caminho e muito, muito em breve as últimas barreiras entre os vivos e os mortos desmoronarão sob o ataque do paciente e poderoso pensamento científico.”


Os autores desse artigo concluem: “O ‘muito, muito em breve’ não aconteceu até hoje”.

Oparin escreveu o primeiro livro sobre origem da vida que descreve o cenário de uma evolução química das moléculas e células primitivas que foram passando gradativamente, de forma espontânea, do estado não vivo para o de vivo (Oparin).

Freeman Dyson, em seu livro Origins of Life, declarou que a teoria de Oparin foi popular entre os cientistas por cerca de meio século “não porque houvesse qualquer evidência para apoiá-la, mas, antes, porque ela parecia ser a única alternativa para o criacionismo bíblico.” (Dyson)

Mais tarde, em 1953, Miller realizou seu famoso experimento que produziu aminoácidos. Mas o fato é que esse experimento não foi um sucesso. Encontraram-se evidências físicas e geológicas de que a atmosfera não era como seu experimento simulava, os aminoácidos produzidos não permaneciam muito tempo no ambiente em que eram formados senão seriam todos destruídos e descobriu-se que até os vidros dos tubos e balões onde ocorriam as reações reagiam com as moléculas da mistura.

Então, na década de 1980, Thomas R. Cech e Sidney Altman, trabalhando independentemente, descobriram que moléculas de RNA (moléculas muito parecidas com DNA) podem se dobrar de formas complexas e catalisar (acelerar) reações bioquímicas como fazem as proteínas enzimáticas (“The Nobel Prize in Chemistry 1989 - Press release”). 

Leslie Orgel, químico que ficou conhecido como o pai da teoria do mundo de RNA, e Gerald Joyce, bioquímico, idealizaram o que ficou conhecido como “o sonho do biólogo molecular”, mas que acabou se tornando “o pesadelo do químico prebiótico”. A molécula de RNA teria sido a primeira molécula importante para a vida porque conteria os genes codificadores de seres vivos e ao mesmo tempo poderia catalisar as reações de sua própria formação devido a sua função enzimática. Mas o que parecia uma resposta perfeita para o início da vida na teoria, se demonstrou um fracasso nas tentativas experimentais de produzir moléculas de RNA em um cenário prebiótico (de antes da vida começar).

A alternativa ao mundo de RNA consistia em um modelo de origem da vida através de um metabolismo primitivo, mas em 2010, um estudo (Vasas et al. 1470) dos cenários de origem da vida através de metabolismo, utilizando um modelo baseado em simulações computacionais para avaliar quantitativamente a viabilidade deles, concluiu o seguinte:

“A replicação da informação de compostos é tão imprecisa que os mais ajustados genomas de compostos não se mantêm pela seleção e, portanto, falta-lhes capacidade de evolução… Concluímos que esta limitação fundamental de conjuntos de replicadores adverte contra teorias de origem da vida de metabolismo primeiro.”

Um autor, em 2018, examinando a plausibilidade dos vários cenários para a origem da vida propostos (Tessera), cenários em que os compostos orgânicos que surgissem deveriam evoluir para originar seres vivos antes de haver uma evolução darwiniana (que atua sobre seres vivos), concluiu o seguinte:

“A partir desta revisão crítica infere-se que o conceito de ‘evolução pré-darwiniana’ parece questionável, em particular porque é improvável, se não impossível, que qualquer evolução em complexidade ao longo do tempo possa funcionar sem multiplicação e herdabilidade permitindo o surgimento de linhagens genética e ecologicamente distintas nas quais a seleção natural possa operar.”

Em outras palavras, sem multiplicação e herança, não poderia haver uma evolução química das moléculas até surgirem seres vivos.

O fato de estes resultados de pesquisas sobre a origem da vida me virem à mente quando li o artigo sobre a análise quantitativa da viabilidade de endossimbiose é porque estas duas situações demonstram justamente o que acontece quando as pessoas utilizam um conceito fraco de ciência que se originou com os filósofos iluministas e não com os pioneiros da ciência. Vejamos a diferença entre estes últimos e os primeiros.

Declarações de Roger Bacon em Opus Majus (Bacon)

“Passo agora à Matemática, o fundamento e a chave para todas as outras ciências, estudada desde as primeiras eras do mundo, mas que tem sido negligenciada ultimamente. Tratarei a seguir de sua aplicação ao conhecimento humano, ao conhecimento divino e ao governo da igreja... Temos a confirmação da experiência daqueles que conseguiram as maiores distinções em ciência. Eles devem seus resultados ao fundamento matemático de seus estudos... Passando dos métodos aos objetos de estudo, descobrimos ser impossível fazer progresso sem Matemática... Vimos a potência da Matemática quando aplicada a coisas seculares. Passamos agora a sua aplicação a coisas divinas. Filosofia é impossível sem Matemática, Teologia sem Filosofia. Todo o conhecimento está contido, direta ou indiretamente, nas Escrituras. Assim, para o correto entendimento da Escritura, conhecimento da natureza é necessário. Nas Escrituras, há um duplo significado, literal e espiritual. O primeiro é necessário para o segundo: e, como temos mostrado, conhecimento matemático é necessário para isso. Certamente os patriarcas estudaram Ciência Matemática e a transmitiram aos caldeus e egípcios, de onde ela chegou aos gregos. Isso é provado por Josefo e confirmado por Jerônimo e outros doutores, assim como por filósofos como Albumazar. Além disso, os próprios pais louvaram o valor da Ciência Matemática, como pode ser verificado em passagens de Cassiodoro, Agostinho, Bede e outros… O preconceito contra Matemática ganhou força pela luta do paganismo contra o cristianismo, em que a magia era usada pelo primeiro e em que os milagres cristãos eram considerados como magia.”

Declarações de Leonardo da Vinci (Da Vinci)

“Que nenhum homem que não seja um matemático leia os elementos de meu trabalho... Oh! estupidez humana, não percebes que, embora tenhas convivido contigo mesma toda tua vida, ainda não estás ciente da coisa que mais possuis, que é tua tolice? e então, com a multidão de sofistas, enganai-vos a vós mesmos e a outros, desprezando as ciências matemáticas, nas quais a verdade habita e o conhecimento das coisas nelas está... Ciência é a capitã e a prática são os soldados... Aqueles que se apaixonam pela prática sem a ciência são como aqueles que entram em um navio sem leme ou bússola e que nunca podem ter certeza de para onde estão indo... Nenhuma investigação pode ser chamada de ciência real se não puder ser demonstrada matematicamente... Portanto, ó estudantes, estudem Matemática e não construam sem fundamentos... Aqueles que condenam a suprema certeza da Matemática alimentam-se de confusão e nunca podem silenciar as contradições das ciências sofistas que levam ao eterno charlatanismo.”

Declarações de Galileu Galilei (Galilei)

“Em Sarsi pareço discernir a firme crença de que, ao filosofar, devemos apoiar-nos na opinião de algum autor célebre, como se nossas mentes devessem permanecer completamente estéreis e infrutíferas exceto quando casadas com o raciocínio de outra pessoa. Possivelmente, ele pensa que filosofia é um livro de ficção de algum escritor, como Ilíada ou Orlando Furioso, produções nas quais a coisa menos importante é se o que foi escrito é verdadeiro. Bem, Sarsi, não é assim que as coisas funcionam. A filosofia está escrita nesse grandioso livro, o universo, que permanece continuamente aberto a nossa vista. Mas esse livro não pode ser entendido a menos que primeiro se aprenda a entender a língua e a ler as letras com as quais é composto. Ele está escrito na língua da matemática, e seus caracteres são triângulos, círculos, e outras figuras geométricas sem as quais é humanamente impossível entender uma simples palavra dele; sem eles, fica-se a vagar em um labirinto escuro... Colocando de lado as dicas e falando abertamente e lidando com a ciência como um método de demonstração e raciocínio acessível ao uso humano, sustento que quanto mais isto participa da perfeição, menos proposições prometerá ensinar, e menos ainda provará conclusivamente. Consequentemente, quanto mais perfeita ela é, menos atrativa será e menor será seu número de seguidores. Por outro lado, títulos magníficos e muitas promessas grandiosas atraem a curiosidade natural dos homens e os mantém para sempre envolvidos em falácias e quimeras, sem nunca oferecer-lhes uma amostra sequer da nitidez da verdadeira prova pela qual o gosto pode ser despertado para saber o quão insípida é a ração diária da filosofia. Tais coisas manterão uma infinidade de homens ocupados, e será realmente afortunado o homem que, guiado por alguma luz interior fora do comum, puder sair dos confusos labirintos nos quais ele poderia ter permanecido perpetuamente errante com a multidão e tornando-se cada vez mais enredado.”


Agora vejamos as considerações sobre filósofos como Francis Bacon e Denis Diderot

“O Iluminismo, como a época em que a ciência natural experimental amadurece e se destaca, admira Bacon como ‘o pai da filosofia experimental’. A revolução de Bacon (promulgada, entre outras obras, em The New Organon, 1620) envolve conceber a nova ciência como (1) fundada na observação e experimentação empírica; (2) obtida através do método de indução; e (3) como objetivo final e confirmada por capacidades práticas melhoradas (daí o lema baconiano, ‘conhecimento é poder’). (Bristow)” 

“Denis Diderot foi um escritor e filósofo cujo corpus de trabalho contribuiu para as ideias da Revolução Francesa. Ele foi editor das seções de arte e ciência da enciclopédia. Ele foi um ‘teórico científico’ original do Iluminismo, que conectou a mais nova tendência científica a ideias filosóficas radicais como o materialismo. Ele foi especialmente interessado nas ciências da vida e seu impacto em nossas ideias tradicionais sobre o que é uma pessoa ou humanidade. (Kumar 59)”

A diferença entre os primeiros e os últimos é que os primeiros nos legaram uma ciência que se baseia em métodos matemáticos. Esta foi a ciência que inspirou Newton a descobrir o Cálculo que levou à “investigação do calor, luz, eletricidade, magnetismo e química atômica” (Williams). Newton “foi a figura culminante da Revolução Científica do século XVII” (Westfall). O tipo de ciência de Newton, baseado em métodos matemáticos levou ao desenvolvimento da física e da química, que levaram ao desenvolvimento da biologia, da medicina, da engenharia e da tecnologia.

Em contrapartida, as idéias dos filósofos iluministas, baseadas numa ciência que se apoia na razão humana, no raciocínio indutivo, em métodos de tentativa e erro, produziram resultados como a Revolução Francesa e o naturalismo metodológico.

A diferença entre estas duas ciências é que a primeira nos legou um método capaz de ajudar a humanidade a transcender as falhas do raciocínio humano quando ele tenta lidar com coisas que ultrapassam a experiência do cotidiano e que não são possíveis de serem imaginadas para serem observadas e se levantarem hipóteses a respeito. Ela provê insights sobre a realidade que provêm dos métodos matemáticos utilizados. Enquanto que a segunda, limita-se ao que o ser humano consegue imaginar para poder testar, baseia-se em coisas que parecem perfeitamente lógicas para o raciocínio filosófico, mas que na prática, levam a becos sem saída como as pesquisas sobre a origem da vida e o surgimento das primeiras células eucariontes.

(Graça Lütz é bióloga e bioquímica)

Obras citadas:

Bacon, Roger. Opus Majus. Oxford, Clarendon press, 1897.

Bodył, A., and P. Mackiewicz. Brenner’s Encyclopedia of Genetics. 2nd ed., vol. 2, Wrocław, Elsevier Inc., https://open.icm.edu.pl/server/api/core/bitstreams/2e5ba617-0224-403c-8f09-ac1acaacd762/content.

Bristow, William. Enlightenment. Edward N. Zalta & Uri Nodelman, 2023, https://plato.stanford.edu/archives/fall2023/entries/enlightenment/.

Coale, Tyler H., et al. “Nitrogen-fixing organelle in a marine alga.” Science, vol. 384, no. 6692, 2024, pp. 217-222. Science, https://www.science.org/doi/10.1126/science.adk1075. Accessed 10 09 2024.

Da Vinci, Leonardo. The notebooks of Leonardo da Vinci. 1955. Internet Archive, Braziller, https://archive.org/details/noteboo00leon/page/n6/mode/1up. Accessed 11 09 2024.

Di Lorenzo, Alessandro. “'Elo perdido' que explicaria a origem da vida na Terra foi encontrado por cientistas.” Olhar Digital, 03 09 2024, https://olhardigital.com.br/2024/09/03/ciencia-e-espaco/elo-perdido-que-explicaria-a-origem-da-vida-na-terra-foi-encontrado-por-cientistas/. Accessed 10 09 2024.

Dyson, Freeman. Origins of life. Cambridge, Cambridge University Press, 1999/2000.

Galilei, Galileu. Il Saggiatore. Roma, Rome Giacomo Mascardi, 1623.

Kumar, Sanjeev. “Impact of intellectuals and philosophers in French revolution 1789.” International Journal of History, vol. 2, no. 1, 2020, pp. 56-59.

Libby, Eric, et al. “Metabolic compatibility and the rarity of prokaryote endosymbioses.” PNAS, 2023. PubMed Central, https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC10151612/. Accessed 10 09 2024.

“The Nobel Prize in Chemistry 1989 - Press release.” The Noble Prize, https://www.nobelprize.org/prizes/chemistry/1989/press-release/. Accessed 11 09 2024.

Oparin, A. I. The Origin of Life. 2nd ed., New York, Dover Publications, Inc., 1953.

Tessera, Marc. “Is pre-Darwinian evolution plausible?” Biology Direct, vol. 13, no. 18, 2018. BMC, https://biologydirect.biomedcentral.com/articles/10.1186/s13062-018-0216-7. Accessed 11 09 2024.

Vasas, Vera, et al. “Lack of evolvability in self-sustaining autocatalytic networks constraints metabolism-first scenarios for the origin of life.” PNAS, vol. 107, no. 4, 2010, pp. 1470-1475.

Westfall, Richard S. Isaac Newton. Encyclopedia Britannica, https://www.britannica.com/biography/Isaac-Newton. Accessed 10 2020.

Williams, L. Pearce. History of Science. Encyclopedia Britannica, https://www.britannica.com/science/history-of-science. Accessed 11 2022.

Wurzbacher, Carmen E., et al. “'Candidatus Uabimicrobium helgolandensis'—a planctomycetal bacterium with phagocytosis-like prey cell engulfment, surface-dependent motility, and cell division.” mBio, 2024. ASM Journals, https://journals.asm.org/doi/10.1128/mbio.02044-24. Accessed 10 09 2024.

sábado, maio 20, 2023

Apocalipse, o tempo do fim e a ciência


Pretendo abordar aqui dois exemplos de como ideias podem se tornar preconceitos a ponto de não permitir que a mente cresça no sentido de entender o que a natureza e a Bíblia estão nos revelando. Dois capítulos na Bíblia afastam a cortina da vida neste mundo tão voltado para interesses imediatos e para a secularização: Apocalipse 4 e 5.

“Tu és digno, Senhor e Deus nosso, de receber a glória, a honra e o poder, porque criaste todas as coisas e por Tua vontade elas vieram a existir e foram criadas” (Ap 4:11).

“Os capítulos 4 e 5 [de Apocalipse] apresentam um louvor crescente das criaturas ao Criador: primeiro os querubins ao redor de Seu trono, depois os 24 anciãos O louvam por ter criado todas as coisas e, no capítulo 5, todas as criaturas louvam a Deus. Essas cenas brilhantes de júbilo e louvor estão em acentuado contraste com as que podemos testemunhar entre os seres humanos vivendo nos últimos dias da história da Terra, enquanto o julgamento que decide seu destino para a vida ou para a morte eternas está se encerrando no Santuário Celestial!” (As Profecias na Bíblia: uma introdução ao estudo das profecias de Daniel e Apocalipse, p.79.)

O planeta passou por muitas mudanças desde o tempo em que a Igreja Católica se tornou um poder dominante no mundo ocidental, quando a última tribo ariana (ostrogodos), que se opunha à autoridade da Igreja, foi derrotada pelo imperador católico Justiniano, em 538. Durante a Idade Escura, como ficou conhecida a Idade Média (apesar de alguns rejeitarem essa ideia atualmente), religião e superstição andavam de mãos dadas: “Nos tempos medievais, as pessoas acreditavam enfaticamente em bruxas e espíritos malignos, e os culpavam por má sorte e infortúnio” (Devine, P. Beleifs and Superstitions – medieval graffiti. http://www.medieval-graffiti.co.uk, 01 2018.) 

“Quando o mundo começou a emergir da Idade Escura, com a Renascença e o Iluminismo, com a valorização da razão e do humanismo, ficaram associados com a religião cristã a superstição, o misticismo e o obscurantismo, e isso persiste até hoje para muitos. No entanto, não era assim quando o Cristianismo surgiu. Roger Bacon escreveu: ‘O preconceito contra a Matemática ganhou força pela luta do paganismo contra o cristianismo, em que a magia era usada pelo primeiro e em que os milagres cristãos eram considerados como magia’ (Bacon, R. The Opus Majus. 1897. ed. London, Edinburgh and New York: Henry Frowde, M.A., 1267. v. 01.)

“Muitos pensadores quiseram se distanciar de tudo isso colocando superstição, misticismo e Deus na mesma bagagem e, com o tempo, surgiu a proposta naturalista, que desconsidera qualquer influência sobrenatural na natureza. No entanto, pioneiros da Ciência, como Galileu, Da Vinci e outros, como vimos anteriormente, consideravam que sem Matemática não existe Ciência. Todas as regras do mundo natural dependem da Matemática e ela abrange coisas que não fazem parte do mundo natural. Ela é, portanto, sobrenatural. Quando Charles Darwin publicou A Origem da Espécies, em 1859, com o tempo, as ideias que ele expressou em seu livro acabaram se tornando um dogma da Biologia. E isso apesar de que cada dia surgem mais evidências de que as coisas não funcionam exatamente da maneira como deveriam se a Teoria da Evolução estivesse correta” (As Profecias na Bíblia: uma introdução ao estudo das profecias de Daniel e Apocalipse, p.79.)

A palavra “evolução” significa apenas mudanças ao longo do tempo, mas em Biologia significa mudanças em características de uma espécie ao longo de gerações e que são selecionadas pelo mecanismo de seleção natural. Esse mecanismo determina que mudanças favoráveis em indivíduos, que aumentam as chances de sobrevivência no ambiente, são retidas e passadas aos descendentes, enquanto as desfavoráveis, que diminuem as chances de sobrevivência, tendem a ser eliminadas. Darwin propôs que todas as espécies de organismos vivos tiveram um único ancestral comum a partir do qual se desenvolveram. Com a descoberta dos mecanismos da Genética, por Gregor Mendel (1856-1863), as modificações nas espécies passaram a ser atribuídas a mutações que ocorrem nos genes e a Teoria da Evolução passou a ser conhecida como Síntese Evolutiva Moderna. Darwin acreditava que as modificações nos organismos eram um processo lento e contínuo: “Não vemos nada dessas mudanças lentas em progresso, até que o ponteiro do tempo tenha marcado o longo lapso das eras” (Darwin, C. On the Origin of Species by Means of Natural Selection, or the Preservation of Favoured Races in the Struggle for Life. Albemarle Street, London: John Murray, 1859).

1. Primeiro exemplo

Diversas pesquisas modernas têm trazido à luz evidências de que os organismos não aumentam suas chances de sobrevivência por mutações que são aleatórias nos genes e que não é necessário um processo lento que dure longas eras. Só para citar algumas destas pesquisas:

  • Um estudo com cinco espécies de tentilhões das Ilhas Galápagos demonstrou que as modificações nessas espécies foram, principalmente, devidas a mecanismos epigenéticos e não a mutações aleatórias nos genes. Esses mecanismos fazem parte das estratégias com que os organismos são dotados para regular seus genes de forma a enfrentar desafios do ambiente (Kinner, M. K. et al. Epigenetics and the evolution of Darwin’s finches. Genome Biology And Evolution, v. 6, p. 1972-1989, 2014).
  • Descobertas sobre tentilhões por Peter e Rosemary Grant, que passaram quatro décadas na Ilha Dafne Maior, em Galápagos, evidenciaram que espécies podem mudar muito rapidamente quando necessário. Eles testemunharam o surgimento de um novo tipo de tentilhão, mais robusto do que os que viviam nessa ilha, ao longo de alguns poucos anos em que períodos de chuva e seca se intercalaram e vários tentilhões morreram. Em poucos anos, eles presenciaram o que Darwin acreditava que levaria eras. Foi algo que aconteceu em poucos anos e surgiu devido a mudanças no ambiente que colocavam os tentilhões em risco (Cressey, D. Darwin’s finches tracked to reveal evolution in action. Nature, London, v. 2009.1089, p. 1, 2, 2009).
  • Outras pesquisas que apontam para mecanismos que são acionados para preservar a espécie em face de mudanças ou ameaças do ambiente são as que foram realizadas a partir da descoberta de bactérias capazes de digerir náilon e plástico. Essas bactérias desenvolveram essas habilidades rapidamente na ausência de outros substratos com que pudessem se nutrir (Kinoshita, S. et al. 6-aminohexanoic acid cyclic dimer hydrolase. a new cyclic amide hydrolase produced by acromobacter guttatus ki 72. European Journal Biochemistry, v. 80, p. 489-495, 1977. YOMO, T. et al. No stop codons in the antisense strands of the genes for nylon oligomer degradation. PNAS, v. 89, p. 3780-3784, 1992. Prijambada, I. D. et al. Emergence of nylon oligomer degradation enzymes in pseudomonas aeruginosa pao through experimental evolution. Applied and Environmental Microbiology, v. 61, p. 2020-2022, 1995. Flashman, E. How plastic-eating bacteria actually work – a chemist explains. https://theconversation.com/how-plastic-eating-bacteria-actually-work-a-chemist-explains-95233).
  • Um estudo, publicado em 2008, descreve modificações em uma proteína (do tipo Trim) que é expressa em linfócitos (células de defesa) de duas linhagens diferentes de macacos. Essas modificações produziram uma proteína muito mais potente para combater vírus. As modificações nas duas linhagens de macacos são diferentes, mas tiveram resultados parecidos. A proteína que foi modifcada pertence a uma família de proteínas que reconhece e combate alguns tipos de vírus, inclusive HIV-1. Houve uma inserção de um pseudogene nas vizinhanças do gene que produz a proteína antiviral desses macacos. Esse pseudogene faz parte do código de uma proteína (Ciclofilina A) capaz de se ligar à cápsula proteica de algumas formas de vírus. Normalmente os genes passam por um processamento depois de se replicarem e antes de serem traduzidos para proteínas, mas, no caso dessas proteínas Trim antivirais, o gene da proteína que faria o processamento dos genes delas mutou e permite que haja uma proteína híbrida Trim-Ciclofilina A. As modificações são incrivelmente coordenadas: uma inserção de um pseudogene interessante contra vírus próximo exatamente do código de uma outra proteína interessante contra vírus, seguida de mutação justamente no gene que poderia impedir que a proteína híbrida se formasse. O autor desse artigo comenta que é difícil provar que a seleção natural favoreceria esse tipo de mutação, pois o pseudogene sozinho não codificava nada útil para a célula. Como há uma frequência alta desse tipo de mutação em duas espécies de macacos, ele acredita que ela já foi evolutivamente vantajosa alguma vez. Mas todas essas incríveis coincidências parecem fazer parte de mecanismos programados para permitir a sobrevivência em ambientes hostis (Newman RM, Hall L, Kirmaier A, Pozzi L-A, Pery E, et al [2008]. Evolution of a TRIM5-CypA Splice Isoform in Old World Monkeys. PLoS Pathog 4(2): e1000003. doi:10.1371/journal.ppat.1000003).
  • Em um artigo sobre “código de barras de DNA”, o autor comenta que “as espécies são ilhas no espaço de sequência”. Com isso, ele quer dizer que as evidências que ele encontrou no DNA das mitocôndrias das espécies indicam que elas não demonstram terem ido mudando paulatinamente ao longo do tempo para darem origem umas às outras, ou seja, elas são suficientemente diferenciadas e separadas como ilhas (Stoeckle, M., Thaler, D. Why should mitochondria define species? Human Evolution, v. 33, p. 1-30, 2018).

Concluindo, as modificações nas espécies que são significativas para sua sobrevivência parecem não atender a dois pressupostos da Teoria da Evolução: a de mutações aleatórias e a de longas eras de transformações lentas.

2. Segundo Exemplo

Atualmente, alguns criacionistas parecem pensar que admitir que existe uma equação matemática que indica que o Universo foi criado é algum tipo de negação de Deus ou do poder Dele.

Equações matemáticas e a criação do Universo por Deus não são coisas que se contrapõem, assim como o fato de o ser humano ter sido formado do material do pó da Terra não contradiz o fato de que Deus o formou. O material do pó da Terra foi o meio que Deus usou para criar os seres humanos. Matemática é intrínseca à personalidade de Deus; ela é o fundamento das Suas leis físicas e morais. Maupertuis, um polímata francês do século 18, descobriu o que hoje é conhecido como o Princípio da Ação Mínima, uma equação da qual se originam as leis físicas básicas. Ele descobriu esse princípio a partir da leitura da Bíblia, a qual diz que tudo quanto Deus faz é bom. Esse princípio é um princípio de otimização. Desse princípio, as leis morais são derivadas; tudo quanto Deus faz segue esse princípio. As equações das leis físicas foram deduzidas a partir desse princípio. Dentre essas, existe uma que implica que o Universo foi criado. São as duas revelações de Deus em harmonia: a Bíblia e a natureza (leis naturais).

Acredito ser importante, ao estudarmos a Bíblia e a natureza, permitir que elas nos esclareçam, que elas se revelem. A tentativa de fazê-las se adaptar às nossas suposições, aos nossos preconceitos e à nossa razão humana falível resulta em cegueira. Isso pode acontecer com qualquer um que aceite ideias a priori e se apegue a elas antes de testar ideias contrárias, sejam elas pressupostos religiosos ou teorias supostamente científicas que não usam realmente Ciência.

(Graça Lütz é bióloga e bioquímica)

segunda-feira, setembro 10, 2018

De que tipo é o nosso criacionismo?

De que tipo é o nosso criacionismo? Essa é uma pergunta importante que devemos fazer para nós mesmos antes de nos engajarmos na missão criacionista. Isso porque, como uma criacionista que acredita na Bíblia, entendo o criacionismo mais como uma missão do que como uma luta, no sentido de quem vence e de quem perde. Acredito que essa é uma causa que precisa de aliados, mas também entendo que os métodos são importantes e nem todos que dizem defender o criacionismo decidem seguir os métodos de Cristo, dificultando a possibilidade de se fazer um trabalho conjunto. Nem todos, por exemplo, se alinham com os ideais e os princípios da Sociedade Criacionista Brasileira (SCB), que há mais de 40 anos atua no Brasil divulgando o criacionismo.

Com muita experiência, sabedoria, tato e perseverança, a SCB tem divulgado o criacionismo como uma missão cujo objetivo é alcançar pessoas com a mensagem criacionista. Esse objetivo se cumpre em apresentar e divulgar evidências a partir de estudos e pesquisas para que as pessoas possam tomar decisões de forma inteligente e racional. Para isso, é claro, contam com o auxílio da influência do Espírito de Deus.

Que tipo de influência é essa mencionada acima? Seria como a de muitos que, literalmente, militam na causa criacionista e estão buscando uma conquista mais em termos de uma revolução do que em termos de orientação e mudanças na vida de pessoas? Seria a de uma busca por número de pessoas criando massa crítica, que desejem forçar o caminho, derrubar posições e conquistar lugar por meio de um tipo de poder “político”? De pessoas engajadas em uma luta ou competição, cujo prêmio é um lugar de honra neste mundo e a “prova” de que o “nosso time” é que estava certo?

Não é o nosso orgulho que está em jogo, mas a vida de pessoas. Nesse sentido, não nos cabe julgar quem está fora do alcance da mensagem criacionista e, portanto, deve ser combatido. Aliás, não me parece que seja obra do criacionista combater pessoas ou destruir ideias. Dessa forma, meu pensamento se alinha com o da SCB, que tem a Bíblia como norma fundamental e se preocupa em divulgar conhecimentos, deixando os resultados com Deus.

Pode ser que alguns achem necessária uma postura mais agressiva. Contudo, fariam bem em lembrar de que quando Cristo veio à Terra pela primeira vez muitos esperavam que Ele fosse um conquistador político. Esperavam que Ele depusesse o poder romano e assumisse um governo terrestre. Essa era uma expectativa dos próprios discípulos de Jesus. Provavelmente seja por isso que, quando eles passaram por uma aldeia de samaritanos que não quiseram receber o Mestre, perguntaram se deviam mandar fogo do céu para consumir aquelas pessoas! Os samaritanos não quiseram receber Jesus justamente porque Ele se dirigia a Jerusalém e havia uma disputa entre eles e os judeus. Jesus Se recusou entrar nessa disputa ou conquistar honra e poder político.

“Ele porém, voltando-Se, repreendeu-os e disse: Vós não sabeis de que espírito sois.
Pois o Filho do Homem não veio para destruir as vidas dos homens, mas para salvá-las” (Lucas 9:55, 56).

Há uma tendência que se tem acentuado nos últimos anos, especialmente nos Estados Unidos, e em alguns outros lugares, de evangélicos mais militantes, que acreditam que a falta de apoio político ou de leis que protejam os direitos dos cristãos, sejam problemas que limitam a liberdade de consciência. O filme “God is Not Dead 2”, por exemplo, trata desse tema. Com a boa intenção de proteger os direitos dos cristãos, muitos estão engajados em conquistar espaço na política, enquanto buscam estender a influência do Cristianismo em todos os setores da sociedade (e a Academia é um deles) na forma de uma conquista em termos de números e poder, e não por meio da branda influência do Espírito de Deus. A história demonstra que isso não teve bons resultados no passado, mas acabou lançando o mundo na Idade Escura e nos braços da Inquisição (resultado da união entre Igreja e Estado, ou poder político para o Cristianismo).

Concluindo, antes de levantar qualquer bandeira em favor do criacionismo, faríamos bem em avaliar de que espírito somos. Porque, se o que nos move é o desejo de conquista e não o de nos deixar usar para permitir que outros possam ser orientados e possam tomar decisões inteligentes e voluntárias, então, a despeito de toda a nossa boa vontade, corremos o risco de estar do lado errado nas cenas finais da história da Terra.

Maria da Graça Lütz

terça-feira, abril 17, 2018

Por que entender o que significa Criacionismo?

A pergunta acima é relevante por dois motivos: primeiro, porque alguns criacionistas acham que não precisam saber disso; quem precisa saber é quem não é criacionista. Eles já sabem o que significa. Segundo, porque os que não são criacionistas acham que já sabem porque não são. Quem é criacionista é que precisa entender porquê o criacionismo não faz sentido. Obviamente ninguém tem o monopólio do que significa ser criacionista, pois existem muitas versões diferentes de criacionismo. Porém, muitas pessoas que se dizem criacionistas e muitas das que acham que ideias criacionistas são absurdas no mundo de hoje também não conhecem alguns fatos cruciais relacionados ao criacionismo.

O consenso acerca das bases do mundo moderno é de que houve a Antiguidade Clássica em que gregos e romanos foram sociedades prósperas que desenvolveram a filosofia, as artes, as leis e então o mundo ocidental se tornou cristão. A volta aos ideais gregos e romanos resultou em valorização da razão, em humanismo e direitos humanos e em progresso novamente. Que o cristianismo lançou o mundo nos séculos da Idade Média em que, apesar da influência da cultura greco-romana, a sociedade mergulhou no obscurantismo e na superstição. Embora, hoje, muitos tentem argumentar que a Idade Média não foi exatamente um período de trevas intelectuais em que não houve progresso, ainda há a tendência de se atribuir à religião a responsabilidade pela ignorância e pouco desenvolvimento da época.

Sabe-se que nos séculos medievais a cultura grega não estava esquecida, pois os filósofos e teólogos baseavam seus ensinos em autores gregos e temas da Bíblia. O fato é que tanto os autores gregos quanto os temas da Bíblia não eram ensinados verdadeiramente. Os livros eram escassos, tanto obras gregas e romanas quanto Bíblias, pois a imprensa não havia sido ainda inventada. Uns poucos eruditos detinham algum conhecimento para ler obras traduzidas e menos deles ainda para ler em línguas originais.

A religião do período medieval era o que resultou da fusão do cristianismo, desde o tempo de Constantino, com as práticas e crenças religiosas greco-romanas acrescidas de ideias filosóficas dessas culturas.

O Renascentismo não foi um reaparecimento e valorização da cultura grega-romana, já que, de certa forma, elas já eram valorizadas; apenas permitiu que essa cultura se tornasse mais plenamente conhecida e divulgada. Se tudo o que tivesse ocorrido fosse somente esse despertar para os valores clássicos, o mundo de hoje poderia não ter tido a Declaração Universal dos Direitos Humanos nem progresso da Ciência. Por que afirmo isso? Porque muitos dos que foram famosos renascentistas não tinham intenções de mudar o status quo (confira); quem desejava que ele mudasse eram os reformadores, pois os eruditos renascentistas eram patrocinados pelo clero e a realeza da época.

Os reformadores descobriram na Bíblia o sacerdócio de todos os crentes (1 Pedro 2:9, 15-16) e defendiam a liberdade de consciência e educação para todos (“A verdadeira riqueza de uma cidade, sua segurança e sua força, é ter cidadãos instruídos, sérios, dignos e bem-educados”, Lutero, History of the Reformation of the Sixteenth Century, Livro 10, capítulo 9. Tradução livre). Foi quando pessoas pobres e humildes começaram a descobrir que podiam pensar por si mesmas sem a mediação dos sacerdotes.

Além disso, a redescoberta dos clássicos pode ter fomentado a filosofia, mas não foi o que desencadeou a Revolução Científica. O que fez a diferença na explosão de conhecimentos foi a percepção da necessidade da matemática para estudar a natureza.

“A [verdadeira] filosofia está escrita neste grandioso livro que está sempre aberto à nossa contemplação (refiro-me ao Universo), mas que não pode ser entendido sem que primeiro se aprenda a língua, e conheçam-se os caracteres com os quais está escrito. Ele está escrito em linguagem matemática, e seus caracteres são triângulos, círculos, e outras figuras geométricas sem as quais é humanamente impossível entender sequer uma de suas palavras; sem estes [caracteres] fica-se a vagar por um escuro labirinto.

“Deixando de lado as sugestões, falando abertamente e tratando a Ciência como um método de demonstração e raciocínio humanamente alcançável, sustento que quanto mais isso participa da perfeição, menor será o número de proposições que prometerá ensinar, e menos ainda provará conclusivamente. Consequentemente, quanto mais perfeita é [a metodologia], menos atrativa será e menos seguidores terá” (Galileu Galilei, Il Saggiatore, 1624. Grifos acrescentados).

“Nenhuma investigação humana pode ser chamada de científica se não passar no teste das demonstrações matemáticas” (Leonardo da Vinci, citado em W. J. Meyer, Concepts of Mathematical Modeling. Grifo acrescentado).

A descoberta do Cálculo por Newton e seu estudo das leis do movimento e da ótica permitiram a “investigação do calor, da luz, eletricidade, magnetismo e química dos átomos” (confira), levando ao desenvolvimento da Química, Biologia, Medicina, Revolução Industrial, Revolução Tecnológica, etc.

Esses pais da Ciência era todos cristãos e Newton gastou tanto tempo estudando a Bíblia quanto a natureza (confira).

Maupertuis, o matemático e filósofo francês que descobriu o princípio da ação mínima, do qual todas as leis básicas da Física podem ser deduzidas, extraiu esse princípio do que ele aprendeu na Bíblia sobre as características de Deus (confira).

Dessa forma, o que teve como resultado a ideia de liberdade e igualdade dos seres humanos e o progresso científico e tecnológico do mundo atual foi o estudo da mensagem bíblica não misturada com a religião e a cultura greco-romana, como acontecia durante a Idade Média. Mas a humanidade ainda prossegue culpando o cristianismo pelo atraso moral e intelectual do período medieval.

(Graça Lütz é bióloga e bioquímica)

quinta-feira, abril 12, 2018

Origem da vida e ciclos metabólicos (novamente)

Como a vida pode ter-se originado de forma espontânea, no sentido de uma evolução das moléculas de acordo com as leis da química, é um problema que tem preocupado muitos pesquisadores praticamente desde que Darwin lançou a teoria da evolução das espécies. Começando por Oparin (1924), o primeiro a postular uma evolução química das moléculas, passando por Miller (1953), que procurou simular a atmosfera primitiva na produção de aminoácidos, e chegando aos estudos atuais, que buscam demonstrar a origem genética da vida por meio de moléculas semelhantes ao RNA (a partir da década de 1980) ou, alternativamente, mediante algum ciclo metabólico primitivo, a busca por uma origem natural (sem intervenção) da vida continua não premiando os esforços dos químicos (Futuyma, 1993).

Um estudo publicado em janeiro de 2010 (PNAS) já havia concluído contra a hipótese da origem da vida a partir de ciclos metabólicos simplificados: “A replicação da informação de compostos é tão imprecisa que os mais ajustados genomas de compostos não se mantêm pela seleção e, portanto, falta-lhes capacidade de evolução. Concluímos que essa limitação fundamental de conjuntos de replicadores adverte contra teorias de origem da vida de metabolismo primeiro.”

Depois disso, alguns pesquisadores se empenharam em revitalizar a hipótese genética e tentar demonstrar a origem da vida por meio de moléculas como o RNA. Em 2009, a revista Nature publicou um artigo com o título “Synthesis of activated pyrimidine ribonucleotides in prebiotically plausible conditions” (Síntese de ribonucleotídeos ativados em condições plausíveis prebioticamente, por Powner, Gerland e Sutherland).

Entre outros problemas, havia o de produtos que competiam com aqueles desejados e as condições extremas e diferentes nas várias etapas que seriam necessárias para que essa síntese se concretizasse.

Em março de 2015, a Nature Chemistry publicou outro estudo de Sutherland e colaboradores que abordava a questão da origem da vida através de uma origem comum de RNA, proteínas e lipídios. Os problemas enfrentados por esse estudo, em termos de condições variando de um passo para outro nas etapas da rede de reações, superaram em muito os problemas das outras abordagens.

Então, recentemente (8 de janeiro de 2018), a Nature Communications divulgou um estudo (“Linked cycles of oxidative decarboxylation of glyoxylate as protometabolic analogs of the citric acid cycle”, por Greg Springsteen e colaboradores) que trouxe à baila novamente a hipótese da origem da vida através de metabolismo.

“Nós mostramos aqui a existência de um análogo protometabólico do TCA [ciclo do ácido cítrico ou dos ácidos tricarboxilícos] envolvendo dois ciclos ligados que convertem glioxilato em CO2 e produzem ácido aspártico na presença de amônia.”

Curiosamente, a introdução do artigo mencionado acima cita Leslie Orgel (12 de janeiro de 1927 – 27 de outubro de 2007), célebre químico e pesquisador da origem da vida, considerado um dos pais do mundo de RNA. Em novembro de 2000, em seu artigo “Self-organizing biochemical cycles” (Ciclos bioquímicos auto-organizantes, PNAS), Leslie Orgel diz, entre outras coisas, o seguinte sobre ciclos metabólicos simplificados ou sem catalisadores enzimáticos: “É necessária muita habilidade sintética para desenvolver mesmo o mais simples dos ciclos. [...] O problema levantado por reações que não prosseguem rápido o suficiente para tornar um ciclo prático é usualmente o menor de dois problemas para qualquer ciclo, exceto os mais simples de primeira ordem. Em quase qualquer ciclo complexo, são possíveis reações alternativas que complicariam ou interromperiam o ciclo.”

O problema de reações que não prosseguem rápido o suficiente é justamente uma das dificuldades que surgiu no estudo mencionado mais acima. Um dos ciclos interligados, o do malonato, leva 24 horas para se completar. É uma dificuldade proveniente do fato de que não se podem utilizar enzimas em um ciclo protometabólico em um ambiente prebiótico.

Outra dificuldade é que a temperatura entre as etapas diferentes desses ciclos precisa ficar variando entre 23 oC e 50 oC, várias vezes em etapas sucessivas. Em um laboratório, esse cenário é viável, mas não é provável que isso acontecesse no ambiente natural. Lembrando que o ciclo precisa ficar se repetindo e a temperatura variando sempre nas etapas corretas, com o valor correto.

Enfim, às vezes parece que as pesquisas sobre origem da vida seguem a máxima de que “situações desesperadoras exigem medidas desesperadas”.

(Graça Lütz é bióloga e bioquímica)

segunda-feira, setembro 18, 2017

Equívocos e conceitos mal compreendidos

Na controvérsia entre evolução e criação, que muitos tendem a pensar, equivocadamente, como sendo uma controvérsia entre ciência e religião, conceitos mal compreendidos costumam confundir e prejudicar os argumentos de ambos os lados desse debate. Em vista disso, tomei algum tempo procurando esclarecer alguns desses conceitos que costumam ser obstáculos para o bom entendimento das questões envolvidas nesse tipo de discussão.

Existem alguns conceitos que parecem mal compreendidos por diferentes pessoas, independentemente do grau de instrução. É o caso do entendimento de “definição” como significando a mesma coisa que “caracterização”. Alguns confundem evolução com melhoria; outros, origem da vida com origem das espécies, ou como fazendo parte da Teoria da Evolução. É comum tomarem-se conclusões oriundas de um estudo ou de consenso acadêmico como sendo ciência, e matemática como sendo uma linguagem, algo que foi inventado pela raça humana. E é bastante generalizada a convicção de que crença no sobrenatural implica em misticismo.

1. Definição vs. caracterização. É importante estabelecer a diferença entre definição e caracterização, pois a confusão entre esses dois termos pode levar a outros equívocos na compreensão de temas importantes. É bastante comum a confusão entre definição e caracterização, mesmo em meios acadêmicos. Um exemplo é o de “definição” de vida. A maioria das definições parte de características de seres vivos encontrados no planeta Terra. O problema de procurar definir vida a partir de características (caracterização), tais como capacidade de se reproduzir, sistema químico autossustentável, etc., é que dessa forma se acaba perdendo a essência das coisas. Definição é definir, definir é delimitar, diferenciar de todo o resto.[1, 2, 3]

Existem pelo menos dois problemas que podem ocorrer quando caracterizações são assumidas como sendo definições. Um deles é o de coisas que não pertencem à definição estarem incluídas na caracterização. Exemplo: cristais se reproduzem e não são seres vivos. O outro é o de coisas que deveriam estar incluídas na definição, mas que, pela caracterização, acabam sendo excluídas. Exemplo: um ser vivo que não fosse feito de um sistema químico como o nosso, que fosse de outro planeta e funcionasse de outra forma. Definições precisam abstrair características e extrair o que delimita a natureza essencial do que está definindo. Não existe um meio mais preciso de se definir coisas do que se utilizar de definições matemáticas, pois isso permite que se tenha consciência clara do que pode ou não pode estar incluído na definição. E possibilita a exploração de conexões lógicas e consequências não triviais que frequentemente ultrapassam os domínios das abordagens qualitativas.

2. Evolução significa melhoria? Um argumento muito frequente entre criacionistas, principalmente, é o de que a teoria de Darwin, de evolução das espécies, refere-se a um progresso que envolve melhoria dos seres vivos e de que o que constatamos, na prática, é uma degradação dos seres vivos no nosso planeta.

De forma geral, partindo-se das definições, nem “progresso” nem “evolução” significam necessariamente melhoria. Progresso pode simplesmente significar um avanço em direção a um objetivo. Evolução seria um processo de mudança ao longo do tempo.[4, 5]

Não é precisa a ideia de que a Teoria da Evolução de Darwin, ou a Síntese Evolutiva Moderna (Neodarwinismo), prediz uma gradual melhoria das espécies. Ela apenas prevê mudanças graduais ao longo do tempo. Se essas mudanças permitem ao organismo estar mais adaptado ao seu ambiente, ou são neutras, serão mantidas pelo mecanismo de seleção natural. Isso significa que essa melhor adaptação ou neutralidade pode mudar com o tempo quando o ambiente se modificar.

3. Origem das espécies e origem da vida. Darwin escreveu sobre a origem das espécies, ou seja, como os diferentes organismos teriam surgido a partir de modificações lentas e graduais em organismos primitivos que teriam se originado a partir de um único ancestral comum. Ele não chegou a escrever sobre a origem da vida, embora tenha mencionado alguma coisa a respeito em correspondência pessoal.
Os estudos sobre origem da vida dizem respeito ao que teria ocorrido antes do surgimento do ancestral comum. Que tipos de processos químicos, físicos e geológicos teriam dado origem às moléculas orgânicas que compõem os atuais seres vivos.

4. Matemática é uma linguagem? Uma linguagem é um conjunto de símbolos munido de regras sintáticas que permitem combinar símbolos básicos para representar significados complexos. A matemática, por sua vez, vai muito além disso. Um dos fatos que deixa isso muito claro é que se podem usar inúmeras linguagens para representar as mesmas estruturas matemáticas. Um exemplo disso é a aritmética com os números e suas operações sendo representados por linguagens diferentes em diferentes culturas. Além disso, linguagem é apenas um dos assuntos tratados pela matemática.

Linguagens foram desenvolvidas ou concebidas por seres humanos, mas se o mesmo fosse verdade com relação à matemática, então ela seria algo mágico, já que suas estruturas podem prever coisas que acabam sendo encontradas na realidade física. Como foi o caso da descoberta de novas geometrias pelo matemático Bernhard Riemann, na década de 1850, que vieram a ser justamente as ferramentas apropriadas para Einstein na Teoria da Relatividade Geral, em 1915. E o caso do espaço de Hilbert que implicava em fenômenos surpreendentes do mundo quântico que foram confirmados experimentalmente (antimatéria, emaranhado quântico, “princípio” da exclusão de Pauli, princípio da incerteza, tunelamento quântico, etc.). Para citar apenas dois exemplos dentre muitos.

A matemática fornece métodos específicos o suficiente para prever em detalhes fenômenos previamente desconhecidos, como os exemplos citados anteriormente. Por outro lado, esses mesmos métodos nos falam de coisas além do universo. Se esses métodos falam de coisas além do universo, eles são mais gerais do que a física deste universo.

5. Ciência. Já escrevi anteriormente sobre como ocorreu a descoberta da ciência, portanto, aqui pretendo resumir alguns dos pontos já tratados.

Vimos que pioneiros da ciência como Galileu, Da Vinci e Newton, por exemplo, acreditavam que o que define ciência são métodos matemáticos. E a própria Enciclopédia Britânica reconhece que o que alavancou todas as áreas de conhecimento foi a descoberta do Cálculo por Newton.[6]

O protocolo comumente chamado de método científico (observação, formulação de uma hipótese, experimentação, interpretação dos resultados e conclusão) não foi o que ocasionou a Revolução Científica nos séculos 17 e 18, pois, de forma ainda incipiente, esse método já era utilizado por Aristóteles.

Então, embora pessoas possam empregar a palavra “ciência” para se referir ao protocolo citado acima ou a áreas do conhecimento (física, química, biologia, etc.), conclusões de cientistas, estudos sendo realizados, entre outras coisas, foram as ferramentas matemáticas utilizadas por diferentes pesquisadores que fizeram a diferença em termos da explosão de conhecimento. Em termos de definição mais útil, a de que ciência é um conjunto infinito de métodos matemáticos que podem ser utilizados para estudar qualquer assunto é a que melhor resume o que faz a diferença.

6. Crença no sobrenatural vs. misticismo. A palavra “misticismo” vem da palavra grega μυω, com o sentido de “manter em segredo ou encobrir”. E a palavra μυστικός (místico) significa segredo.[6, 7] No mundo helenístico ela se referia a rituais religiosos secretos. A experiência mística teria a ver com “intuição” ou “insight”, uma crença sem uma base sólida.[8] A crença no sobrenatural é incluída, por muitos, entre as coisas místicas. No entanto, a palavra sobrenatural significa apenas “além da natureza” ou “não sujeito a explicação de acordo com as leis naturais”.[9]

Quero ressaltar que existem coisas que estão além da natureza e que não se encaixam na não explicação de acordo com as leis naturais. Esse é exatamente o caso da matemática, por exemplo, que é mais geral do que a física deste universo (além da natureza), mas que é indicada pelas leis naturais. Neste caso, a matemática seria sobrenatural, mas não mística.

A existência do sobrenatural apenas aponta para uma realidade além do nosso universo conhecido. Por essa razão, comparar a crença em Deus com a crença em Papai Noel ou Coelhinho da Páscoa não é adequado. Assim como a pergunta: Se Deus criou tudo, quem criou Deus? Porque esse tipo de pergunta, relacionada a causas e efeitos, pressupõe uma estrutura de tempo e espaço que pertence ao domínio da física. Contudo, tempo, espaço e a nossa física surgiram, fora deles não se pode falar em causas e efeitos. Na realidade de Deus, nossa física é inadequada, mas não a matemática. É por isso que foi possível ao matemático Kurt Gödel provar seu teorema ontológico sobre a necessidade da existência de Deus. Outros matemáticos, mais recentemente, encontraram formas alternativas de confirmar esse teorema.[11,12]

Quando falamos em coisas místicas estamos nos referindo a coisas que não podem ser provadas como falsas nem verdadeiras; coisas que escapam à lógica. Com relação a Deus ocorre justamente o contrário: é a lógica (matemática) que nos mostra que Ele existe.

Por outro lado, a crença na não existência do sobrenatural leva ao misticismo ao tentarmos entender certos fatos. Por exemplo, se a Matemática não é algo transcendental, se é apenas uma construção do pensamento humano, então a constatação de que a Matemática permite prever fenômenos desconhecidos em seus detalhes finos induz à conclusão de que a mente humana tem poderes mágicos que permitem um incrível grau de acerto em adivinhações a respeito da existência de fenômenos desconhecidos e seus detalhes quantitativos finos, o que reflete um pensamento místico.

7. Conclusões. Equívocos ou má compreensão de conceitos pode complicar as discussões sobre temas relacionados à controvérsia Criacionismo x Evolucionismo.

O principal problema de se confundir caracterização com definição é o de excluirem-se coisas que deveriam estar incluídas na definição e incluirem-se coisas que deveriam estar excluídas. As caracterizações não costumam distinguir precisamente o que está sendo caracterizado de outras coisas que possuam características em comum nem prever outras coisas que partilham da mesma essência, mas não de todas as características.

O termo “evolução”, em seu uso corriqueiro, tem o sentido de melhoria, contudo, em relação à evolução das espécies, significa, resumidamente, modificações e maior ou menor adaptação ao ambiente. A expressão “origem das espécies” refere-se a esse tipo de evolução, enquanto origem da vida tem a ver com o surgimento das primeiras moléculas orgânicas que são básicas para a vida.

Matemática não pode ser considerada uma linguagem porque ela pode ser expressa por muitas linguagens diferentes com os mesmos significados. Ela é também muito mais geral do que a física (natureza) e, portanto, sobrenatural, mas não mística.

Rotineiramente pessoas usam a palavra “ciência” para se referir a muitas coisas diferentes, mas de todos esses usos o mais útil é o que implica na definição de que ciência é um conjunto infinito de métodos matemáticos que podem ser utilizados para estudar qualquer assunto. E isso porque esse tipo de definição posto em prática por pioneiros da ciência possibilitou o grande boom da Revolução Científica.

Embora seja comum acreditar-se que crença no sobrenatural e misticismo andem juntos, eles, na verdade, podem significar coisas opostas, com misticismo sendo ilógico, ao passo que algo sobrenatural como a matemática (e Deus) são essencialmente lógicos.

(Graça Lütz é bióloga e bioquímica)

Referências:
1. Diário Oficial. Definição. http://www.dicionarioinformal.com.br/defini%C3%A7%C3%A3o/; acessado em 11/09/2017
2. Dicionário Online de Português. Definir. https://www.dicio.com.br/definir/; acessado em 11/09/2017.
3. Merriam-Webster Dictionary. Definition. https://www.merriam-webster.com/dictionary/definition; acessado em 11/09/2017
4. The Free Dictionary. Progress. http://www.thefreedictionary.com/in+progress; acessado em 11/9/2017.
5. Collins Dictionary. Evolution. https://www.collinsdictionary.com/us/dictionary/english/evolution; acessado em 11/09/2017.
6. Williams, L. Pearce. History of Science. https://global.britannica.com/science/history-of-science; acessado em 18/10/2016.
7. Stanford Encyclopedia of Philosophy. Mysticism. https://plato.stanford.edu/entries/mysticism/; acessado em 11/09/2017.
8. Dicionário Grego Português online. Μυστικός. http://www.etranslator.ro/pt/dicionario-grego-portugues-online.php; acessado em 11/9/2017.
9. Merriam-Webster Dictionary. Mysticism. https://www.merriam-webster.com/dictionary/mysticism; acessado em 11/9/2017.
10. Vocabulary.com. Supernatural. https://www.vocabulary.com/dictionary/supernatural; acessado em 11/9/2017.
11. Benzmuller, C., Paleo, B.W. Automating Godel’s Ontological Proof of God’s Existence with Higher-order Automated Theorem Provers. http://page.mi.fu-berlin.de/cbenzmueller/papers/C40.pdf
12. Benzmuller, C., Weber, L., Paleo, B.W. Computer-Assisted Analysis of the Anderson-H’ajek Ontological Controversy. http://page.mi.fu-berlin.de/cbenzmueller/papers/J32.pdf